sábado, 2 de maio de 2009

O Meio e o Fim

Para o estudante do esoterismo a linguagem empregada nas narrativas bíblicas pende propositalmente para os simbolismos. Nomes, lugares e eventos conduzem a outras conotações interpretativas, ao contrário da literalmente entendida pelos religiosos e leigos.

O Velho Testamento apresenta maior dificuldade de aceitação histórica do que o Novo. A suspeitosa cronologia atribuída às suas narrativas não permitiu até agora reunir elementos concretos para a remontagem de uma linha sequencial crível. Além da inexistência de provas cabais do que é narrado, há muitos hiatos entre determinados acontecimentos e um sem número de aparentes incongruências. Nem dos personagens se tem documentos lídimos e comprobatórios. Praticamente todos os personagens citados no Pentateuco se tornaram elementos sem perspectivas de provas, restando tão somente o reconhecimento pela fé religiosa. Do mesmo modo, muitos locais, regiões e cidades não batem nas suas localizações com as recentes provas alinhadas pelas descobertas arqueológicas.

Situação diferente vamos encontrar nas páginas do Novo Testamento que já apresentam possibilidades mais reais e concretas de aceitação devido a proximidade de seus eventos com a organização da história recente. Neste caso, foi possível reunir amostras de provas do curso dos acontecimentos e assim oferecer maior credibilidade. Ainda assim, Jesus não teria existido para a história oficial num prolongamento de eventos perfeitamente comprobatórios. Restam ainda dúvidas de sua existência, exceto por conta de um pronunciamento do historiador Flavius Josephus do século I ao referir-se, entre os anos 38 e 39, a certo profeta de Nazaré e de uma carta dirigida a Tiberius pelo senador romano Publius Lentulus, que teria vivido na Galiléia no tempo de Jesus, descrevendo-o fisicamente e ressaltando sua alta moralidade.

Tanto a existência da pessoa Publius Lentulus como a autenticidade de sua carta foram negadas ao longo da história, mas não de forma totalmente convincente. Da mesma maneira, a declaração de Flavius Josephus é ainda hoje alvo de suspeições, críticas e interpretações, por existir em todas as épocas motivações políticas ou interesses de outra natureza. Para o religioso, contudo, Jesus foi incontestavelmente verdadeiro e quem duvidar desta afirmativa comete apostasia.

Já o esotérico vive num mundo muitas vezes aparte das assertivas históricas e visão literal-retilínea de muitos religiosos. As bases do pensamento esotérico emergem tanto de fontes materiais palpáveis, como associadas às revelações de outro naipe. As escolas tradicionais dos ensinamentos ocultos com suas obras escritas ao alcance dos muitos estudantes, auxiliam-nos a edificar um pensamento sobre bases diferentes do oficializado pelas instituições do mundo contemporâneo. Há no esoterismo outra realidade não mencionada nos anais da história e ciências oficiais, sobre o nascimento do universo, a construção do sistema solar, o surgimento do planeta Terra, e a criação da humanidade e sua endógene. A sabedoria esotérica vem sendo mantida há milhões de anos em livros de especiais feituras, isentos dos efeitos do tempo e intempéries, em pergaminhos, na tradição oral ou em registros acima do espaço físico material. O estudante das ciências ocultas pode ter acesso gradativo a estas fontes segundo seu avanço mental e espiritual.

Ao contrário das religiões o esoterismo não é para todos. A prova está no cuidado e resguardo de suas revelações. Há ainda muitos níveis mentais e espirituais a serem atingidos pela humanidade, motivo pelo qual muitas revelações se encontram preservadas pelos mestres do esoterismo. Há luzes superiores não alcançadas pela ciência material que somente abrem-se ao esotérico. Não é condição sine qua non possuir diplomação universitária ou grande aptidão intelectual para se tornar esotérico. As qualificações acadêmicas somente valerão ao estudante se houver íntima e verdadeira espiritualidade. E nem sempre um praticante de magia ou um teórico em assuntos do esoterismo é na verdadeira acepção e significado do termo, um iniciado, mesmo pertencendo aos altos graus das escolas tradicionais. Para tanto, o estudante necessita antes de tudo tornar-se espiritualista e ter determinadas forças internas perfeitamente desenvolvidas. A espiritualização da personalidade é essencial para o desenvolvimento de faculdades superiores conscientemente dirigidas.

Não raro o estudante se complica e se atrasa na caminhada evolutiva justamente por não desejar obedecer às orientações disciplinadoras de seus superiores do mundo espiritual. Por conta das desobediências abrem-se janelas em seu íntimo, e ele recebe energias e projeções astrais e mentais prejudiciais a sua integridade, não sabendo como rechaçá-las. Algumas vezes, envolve-se em situações ocasionadas por essas invasões, decresce em sua frequência vibratória e assim cai por terra.

O esotérico não é necessariamente um intelectual, mas sim seguidor das lições que as aprende passo a passo pela vivência e observação. Com o tempo poderá despertar a intelectualidade e até falar ou discursar sabiamente. Há muitos exemplos no mundo de homens e mulheres que mais tarde atingiram status mental superior às suas iniciais categorias de pessoas comuns.

O intelectual do mundo, entretanto, por mais brilhante ou altiloqüente que possa revelar-se não entenderá jamais o esoterismo e nem a espiritualidade como de fato devam ser praticados. A menos que deixe a vaidade e o orgulho intelectual de lado e aceite a humildade. O intelecto brilhante, segundo valores materiais, é o grande empecilho e principal responsável por afastar o homem de sua origem espiritual conduzindo-o ao ateísmo. Não é pelo fato de se ter tornado intelectual que o homem terá aprendido a dominar o orgulho, a vaidade, a avareza, o egoísmo, o racismo, as taras, a crueldade e demais defeitos da personalidade. Em ocasiões, ao contrário do desejável, é justamente pelo fator intelectivo desperto e irresponsavelmente usado que virá intensificar ainda mais elementos negativos e ultrajantes para a alma.

Tão pouco o religioso dedicado às liturgias será um realizado se não trabalhar duramente a espiritualidade. O grande erro das religiões é passar aos que aceitam seus dogmas a idéia de que unicamente as práticas religiosas conduzirão à salvação. Não há paraíso e nem inferno fora de nós mesmos. Criamos em nosso íntimo o próprio destino. As dimensões onde almas de semelhantes inclinações se encontram após a morte dos corpos físicos, representam prolongamentos de suas consciências no espaço-tempo.

Práticas religiosas são meramente credos; qualquer pessoa pode exercê-las mecânica e organizadamente ou com perfeita técnica, no entanto não cumprindo os preceitos e mandamentos morais no cotidiano pouco terá de fato realizado. A ortodoxia pode também conduzir ao engessamento do racional e do caritativo, quando normas e disciplinas são impostas com tal energia e firmeza que não permitam aberturas para reflexões. Neste tipo de interpretação e aplicação do “espírito da letra,” coração e mente são tiranizados, portanto a própria alma, deixando assim que o pensamento religioso concreto se materialize duramente sobre a razão e consciência da espiritualidade. Este é um dos principais e nefastos fatores conducentes ao fanatismo e às idéias religiosas obsessivas.

Os grandes homens que falaram e obraram em nome de Deus estavam libertos da ortodoxia religiosa. Fizeram-se senhores de si mesmos, transcenderam normas e dogmatismos e ao iluminar-se deixaram definitivamente as discrepâncias para trás. Alguns realizaram voluntariamente disciplinas religiosas, mas comprovaram em estados superiores de consciência sua total inutilidade e as desprezaram. E por terem emergido livres e conscientemente para a liberdade, unicamente por isto, não escaparam à condenação da estreiteza sacerdotal e nem dos aprisionadores dogmáticos. Assim foram Manes, Francisco de Assis, Buda, Jesus e outros. Eis porque religiosos precisam sempre entender e praticar as religiões como um meio e nunca como um fim.

Rayom Ra

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