domingo, 26 de maio de 2019

As Doutrinas São Somente Credos - A Visão Tem que Ser Maior! [R]

  As doutrinas formalizadas para instituições de cunhos oficiais ou particulares são códigos normativos diversos. No âmbito religioso, estruturam-se, principalmente, em primeira linha, em princípios disciplinares-comportamentais, morais e conscienciais.
  Credo e doutrina, doutrina e credo, são primas-irmãs e andam de mãos dadas. No espiritismo, a oficialidade cardequiana sugere a intenção do livre arbítrio em tudo; e assim é proposto e ensinado através da doutrina aos seguidores e estudiosos. Entretanto, a sistemática interpretação dos postulados transita obviamente para a construção e práticas de um credo.

  Mas o que seria um credo? Os dicionaristas nos dão algumas definições, como, por exemplo: “Conjunto dos princípios básicos de uma doutrina religiosa”; “Conjunto de princípios, regras e ditames, pelos quais se governa uma pessoa, uma seita ou um partido; programa, doutrina: um credo político”. 

  Isto seria muito pouco para realmente definir um credo enleado por uma doutrina religiosa, pois sabemos dos inúmeros outros elementos históricos elencados através e em torno dos ditames religiosos. As religiões orientais são diferentes das ocidentais. Detiveram entre elas muitas práticas similares, mas destacaram-se, principalmente, pelos ensinamentos e práticas filosofais e meditativas extremamente aprofundadas por homens inspirados e meticulosos, que fizeram da mente o laboratório da alma.

  As religiões africanas seguiram outros princípios e rumos, alicerçadas sobre o psiquismo e animismos fetichistas de todas as nações de seu grande continente. 

  Suas memórias iniciais vieram de longínquas práticas politeístas, de culturas remotas e já desaparecidas, e do antiquíssimo Egito. Depois, outros elementos adentraram nas suas etnias, resultados de caldeamentos culturais vindos de fora ou com seus próprios e distantes ramos. Esta miscigenação os ajudou mais tarde a encontrar suas próprias identidades e símbolos com deuses e heróis negros e suas sagas. Por milênios, as raças negras vêm se mantendo atávicas nesses elementos idiossincráticos e pelo indissociado amálgama – sociedade-religião.

   Nos demais continentes, as caracterizações de religiões e crenças, variavam também em menor ou maior grau, com relação à forma e ritos. Foi o que aconteceu, como exemplo específico e destacado, com alguns dos povos ameríndios, cujas crenças mantiveram-se, em certos níveis, fundamentadas por extensas mitologias e práticas de magias, e ao mesmo tempo, noutros níveis, estiveram mais refinadas pela ciência, fossem ou não – aquelas culturas – trazidas de povos antediluvianos bem mais adiantados na Terra ou provindos do cosmos. 

   A questão das origens dos povos das Américas e suas tradições religiosas permanece inconclusiva para estudiosos da oficialidade acadêmica, pelo fato de o continente americano, desde milênios, estar formado por uma geografia isolada do resto do mundo. 

   Mesmo em crenças naturais e rudimentares de religiões primitivas, onde não existisse ainda a escrita, e a tradição fosse assimilada pela memória e retransmitida oralmente pelas gerações, ou em todos os sistemas religiosos mais bem elaborados em que o legado de códigos firmados por escrituras sagradas fosse respeitado, houve sempre uma doutrina e um credo, como ainda há. 

   Já a Igreja edificada desde Moisés no Oriente Médio, ensina que nos primeiros séculos pós Cristo, o credo foram repetições diárias que funcionavam como orações para os primitivos cristãos, servindo-lhes como veículo de memória a fim de que não se esquecessem de suas obrigações religiosas. Hoje se reza o credo: “símbolo dos apóstolos”.

   Credo, portanto, é também sinonímia de código.  Por sinal, uma oração também é um código que, por ela, mediante a intenção mental ou pela sistemática verbalização, se pretende forçar algum benefício de natureza espiritual ou material. Este propósito sempre esteve conectado ao invisível através das idades em diversas modalidades, segundo as culturas. 

   Ainda que não houvesse uma métrica calculada, como mandam exaustivamente recitar para os mantras indus e tibetanos, ou não existissem requintados símbolos herméticos a serem conduzidos em suas representações externas, inúmeros grupamentos étnicos dos antigos cantavam e dançavam as mesmas danças num mesmo e repetitivo ritmo, lançando pelos ares gritos e sons aos deuses de todos os elementos, e chegavam a estados de auto-hipnose, êxtases ou euforias para as finalidades pretendidas. De outro modo, mais simples e sofisticado – individual ou coletivamente – falavam aos deuses palavras de sagração ou de poderes mágicos que movessem as forças sobrenaturais. E aguardavam os resultados. 

   E ainda se fazem pedidos e elaborações semelhantes ou bem mais uniformizados e esotéricos, em muitos locais do planeta, numa mistura de códigos e credos.

  A idéia de um movimento religioso, filosófico-religioso, ou de uma religião propriamente dita, fundamenta-se, primeiramente, através da reunião dos elementos doutrina e credo, ambos com parentescos conceituais e estreitas afinidades, sob cujas inter-relações e dependências sobrevive todo um corporativismo educativo. A doutrina inteira tende a dividir-se e subdividir-se em códigos, que geram dogmas pequenos e grandes, alguns transitando imediatamente para o credo, ou todos eles rumando ao credo quando tratar-se de uma doutrina rasa e curta. 

   A doutrina poderá deter muitas abrangências através das premissas estabelecidas, porém unicamente nos limites de suas próprias e virtuais fronteiras. 

   E que são as fronteiras? São exatamente as capacidades dos mentores ou de hierarquizados, em distender as mensagens doutrinárias ao seu ponto máximo, e neste movimento buscar imprimir nas almas seguidoras as visões e o ânimo.  Na religião, especificamente, de que agora tratamos, e no aspecto unicamente orgânico, os dois elementos citados precisam estar incorporados de fé e perseverança para a realização prometida.

   Nesta linha natural de entendimento, nenhuma doutrina religiosa se isenta do credo, mas quando se estabelece a ortodoxia, a doutrina dogmatiza o pensamento que lhe bata às portas, ou que dali mesmo pretenda voar acima das regras fixas e inalteráveis.

   Em outras palavras, a inalterabilidade das regras doutrinárias, ou não transigência, por mais extraordinárias que as doutrinas possam parecer, jamais conseguirá manter ad infinitum o corporativismo ali estabelecido sem prejuízos e retrocessos. O posicionamento hermético das mentes excessivamente regradas, além da ortodoxia, converte a um credo tão consistente que cresce com o tamanho da doutrina, que acasala o pensamento na forma, e derroga toda a liberdade do pensamento mais volátil.

   É importante que percebamos e aceitemos que as doutrinas são necessárias a muitos, mas a visão pode sim transcender aos postulados religiosos pétreos, mormente quando nossa consciência não nos cabe mais como antes, e não conseguimos nos explicar de modo uniforme e retilíneo, como na física. E até a física se supera e se redescobre quando o dinamismo das leis indomáveis do universo pressionam os ciclos predestinados do tempo e ultrapassam facilmente os mais elaborados conceitos dos cérebros humanos, atraindo enigmas jamais antes suspeitados.

   “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, uma máxima tão citada, e tão pouco compreendida, pois o autor, Jesus, sendo uma consciência cósmica, como tal liga-se a um infinito. E o que é um infinito senão uma linha mui tênue e imaginária que desenhamos em mente e cada vez mais escapa ao alcance das visões mais privilegiadas e sábias que descem à Terra para aprender e ensinar? 

   E o que será mesmo a verdade, senão nenhuma por si só, mas muitas que se competem e todas que ainda não conhecemos?

Rayom Ra
                                             Rayom Ra                                                                                                                              http://arcadeouro.blogspot.com.br  

                 Podem transcrever, mas anotem os créditos. Obrigado.

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Fundamentos da Meditação (8) - Aprofundamento da Serenidade


  Figura 1
  Shamatha, (serenidade, concentração), Estabelecida

  A maioria das pessoas espirituais trabalhando dia a dia em seus esforços para ser “espirituais”, não possui noção de onde esteja em sua vida espiritual, e pior, não tem noção para onde está caminhando. Felizmente nessa Era temos fácil acesso ao conhecimento que nos diz, exatamente, onde nos encontramos espiritualmente, e melhor, o que precisamos fazer para nos movermos em direção a um caminho mais elevado para o nosso ser.

  Em termos de prática de meditação, a meditação real somente se torna possível uma vez tenhamos estabelecido os pré-requisitos já explicados nesse curso. Hoje iremos examinar o mapa inteiro dos estágios da concentração de modo a podermos facilmente reconhecer qual estágio estamos experienciando e o que necessitamos fazer para irmos mais longe.

  O ensinamento de que estamos tratando está provado ser efetivo e tem sido completamente testado por meditantes experienciados há pelo menos 1500 anos. Funciona. Não é nenhum artifício. É uma ciência. Ademais é grátis. Aplicado esse ensinamento em nossa prática meditativa mudará dramaticamente nossa experiência ao desenvolvimento da concentração. Além de tudo, nos habilitará a irmos mais além da mera concentração, nos tornando capazes de alcançar o estado de meditação (dhyana, samadhi) e nos habilitando a termos a percepção de nossos problemas e a mudá-los. Este é o ponto.

  Concentração / Serenidade

  A qualidade da consciência que desenvolvemos através destes nove estágios é muito específica e exata. Em sânscrito é chamada shamatha. Em tibetano é shi-ne. Vulgarmente, traduzimos esse conceito para o Inglês como “serenidade, equanimidade, concentração, equidade”. Shamatha não é um conceito ou ideia intelectual, atitude ou crença. É um estado de percepção. Estes termos referem-se a uma inflexível qualidade: firme, forte, uma qualidade de brilho e sobretudo cognizante, inteligente, cônscia. Não emerge por acidente, opção ou como dádiva dos deuses. Ao invés, é uma qualidade da consciência que depende de como usamos a consciência.

  Shamatha é um tipo de concentração serena que percebe com equanimidade ou indiferença: vê sem preferência, julgamento, predisposição ou desejo. Em outras palavras: é objetiva; vê o que é. Isso é o que é necessário se quisermos superar o sofrimento. Já sabemos que o sofrimento existe devido às causas. Buddha Shakyamuni explicou bem claramente nas Quatro Nobres Verdades:

  1. Há o sofrimento
  2. O sofrimento existe por causa do desejo
  3. Há um remédio para o sofrimento
  4. O remédio é o caminho óctuplo que liberta a consciência do desejo.

  O caminho óctuplo delineia como estabelecer o shamatha e usá-lo a fim de libertar a consciência do desejo. A meditação tem um escopo que é resolver o problema do sofrimento. Primeiramente, devemos resolver nossos próprios problemas e parar com o sofrimento pessoal. Para termos sucesso nisso necessitamos uma mente que esteja firme, serena e capaz de olhar às causas do sofrimento sem ficar seduzida, em transe ou hipnotizada. Necessitamos da habilidade em encarar nossos desejos e vê-los pelo que eles são: as causas do sofrimento. Shamatha, serenidade, equanimidade, concentração proporcionam essa habilidade. Ao longo desse curso temos discutido sobre o mapa que descreve os estágios do shamatha ou shi-ne. Existem nove estágios básicos fundamentais.
shamatha lg
  Figura 2
  A fim de entendermos essas palestras, compreendermos esses passos, devemos estar engajados na prática diária da concentração. Então um estudante que esteja seguindo esta série de palestras deve estar agora praticando diariamente duas coisas essenciais:

  1. Atenção Plena

  A primeira prática é estar cônscio e atento a cada momento, desenvolvendo o poder da atenção plena. Essa é a habilidade de estar presente no momento e atento no que esteja fazendo. Isso é absolutamente essencial para desenvolver a meditação. Não desenvolvendo a atenção plena nunca mesmo meditaremos. Meditação é simplesmente uma extensão da atenção plena.

  A atenção plena deve estar encadeada de maneira continuada durante todo o tempo, sem exceção, sem mesmo nos estar proporcionando um intervalo. No começo requer enorme esforço, uma inacreditável soma de esforços. Pode nos fazer exaustos, trabalhosos e mesmo frustrados porque não temos a habilidade desenvolvida. Não temos a força. Não temos a energia. É duro. Mas é assim que começamos a aprender meditação. Como em qualquer outro empenho devemos ser pacientes antes que nossa capacidade comece a ser desenvolvida.

  2. Prática Diária da Concentração

  A segunda prática a ser feita é o uso da concentração diária. Todos os dias o estudante deve dedicar um período de tempo a fim de concentrar a atenção num objeto. O ideal é fazer aquilo abandonando a todos os demais sentidos, desligando-se, não prestando atenção ao corpo, à audição, ao olfato, ao paladar, ao tato. Os 100% da atenção devem estar no objeto escolhido. Tudo mais deve estar fechado. Toda atenção precisa estar sobre aquela coisa que está sendo observada. Na porção inicial do curso sugerimos praticar o annapanna, que é observar a respiração como o objeto da concentração. A respiração é um fato constante que está sempre lá e pode ser observada sem pensamento, análise, especulação, etc. Essa é uma técnica valiosa para a prática preliminar, mas tem limites. Então recomendamos ao estudante ir além: que abandone a observância da respiração e ao invés disso observe uma imagem evocada. Para fazer isso ele deve desconectar-se da consciente fisicalidade e prestar atenção somente na imagem não física. Fizemos a sugestão de uma imagem a evocar.

  Em cada estágio o estudante deve sentar-se para a prática da concentração, por 10 ou 20 minutos por dia, ou até mais quando possível. Quanto maior o esforço dedicado melhores resultados alcançará.
  1. Por algumas semanas ou meses ele observa as sensações da respiração pelas narinas. Uma vez a mente esteja estabilizada, mudará para:
  2. Evocar uma imagem e observá-la. Concentrar-se na memória da imagem;

  Tudo isso é absolutamente necessário para o nosso entendimento do que virá em seguida. Se não estivermos praticando aquelas técnicas diariamente: regular, rigorosa e intensamente com bastante devoção e dedicação, o restante do curso não nos servirá. Primeiro de tudo é estabelecermos uma prática consistente. Então uma vez tenhamos experienciado e reconhecido os dois primeiros ou três estágios do shamatha, continuamos a estudar o restante do curso.

  Distinguindo Elementos da Concentração

  Em anteriores palestras apresentamos como a concentração shamatha detém vários elementos essenciais da concentração se quisermos resolver os problemas do sofrimento.

  1. Vívida Intensidade

  O primeiro é uma vívida intensidade, uma intensa clareza mental. Significa não só a mente estar bem firme e estável, mas também deter a habilidade em perceber claramente imagens não físicas. Isso é da maior importância. Muitas das modernas e chamadas “escolas de meditação” não ensinam isso. Evitam o poder da imaginação. Deixam de lado como se fosse algo desnecessário, porém estão erradas. O poder da consciência é o poder de perceber não somente o imaginário físico, mas também o imaginário não físico. Se não detivermos o poder de observar a imagem que nossa mente esteja projetando o tempo inteiro, então não conseguiremos nunca resolver nossos problemas psicológicos. Todos nós sofremos e nossos problemas psicológicos estão nessas imagens que a mente está constantemente projetando. Se evitarmos isso as estaremos desconectando e nos recusando vê-las; estaremos nos recusando ver as chaves e dicas que desvelam o porquê de estarmos sofrendo. Essa habilidade em determos vívida intensidade ou intensa clareza mental é essencial. Desenvolvemos esse poder através da consciente visualização e do consciente uso da memória.

  2. Um Único Ponto

  O segundo elemento é estabilidade: um único ponto. É termos uma psique que seja bastante estável, serena e calma. Isso é habilidade em prestarmos atenção a uma coisa sem nos distrairmos por sairmos dela. Essas duas características essenciais são desenvolvidas quando diariamente praticamos visualização – a concentração numa imagem que a imaginamos. Para a maioria de nós isso é difícil, o que vem revelar não possuirmos suficiente concentração. Na medida em que praticarmos, essa habilidade é naturalmente desenvolvida.

  Quando éramos crianças conseguíamos imaginar com muita facilidade. Podíamos facilmente permanecer bem concentrados em nossa imaginação. Contudo, ao nos tornarmos adolescentes começávamos a usar indevidamente a total energia de nosso corpo, coração e mente. Desperdiçávamos aquele poder, o íamos perdendo. E conforme nos tornávamos adultos o íamos perdendo cada vez mais. Tornamo-nos tão focados na fisicalidade, nas coisas materiais, que negligenciamos o aspecto não físico da vida. Tendo nos tornado espiritualistas queremos agora nos reconectar com a não fisicalidade. Ao desenvolvermos novamente o poder da imaginação-visualização, o restaurando, é precisamente como iremos nos reconectar.

  Esse desenvolvimento passa por nove estágios muito científicos e muito precisos. Não são vagos, não estão abertos para interpretações. Eles descrevem de modo muito preciso as qualidades da concentração.

  Estágios do Exato Enfoque (1-2)

  As práticas básicas fundamentais são constante atenção plena sendo necessário o período de um dia dedicado à concentrada atenção. Em outras palavras: necessitamos trabalhar na focalização da atenção estando cônscios de o estarmos fazendo. Precisamos estar fazendo isso nas vinte e quatro horas do dia. Alguém procedendo assim com seriedade, começa imediatamente reconhecer que a mente está fora de controle, a psique é um caos, e os pensamentos continuam a acontecer. Não somente isso, mas na sua maior parte os pensamentos são completamente inúteis, totalmente repetitivos e a maioria se revelando completamente negativa, mesmo nociva e perigosa. A pessoa sentirá que a indomabilidade da mente passa ser uma realização desconfortável. Tal desconforto, no entanto, demonstrará a necessidade de mudar, mas somente com coragem e esforço serão possíveis mudanças. Ao evitar-se esses fatos os problemas unicamente se prolongarão e se aprofundarão.

  Ao praticarmos constantemente a atenção plena com esforços diários nela direcionados, a mente gradualmente começa a fixar-se. Eis  sobre o que são os dois primeiros estágios que já discutimos nas anteriores palestras. Ao nos determos no foco começamos a mudar aquela dispersiva natureza da atenção.

  Ao nos faltar shamatha (serenidade), nossa atenção fica bastante dispersiva, pulando em círculos como o macaco que vemos na pintura. Devido a essa dispersão, condição indômita, nossa concentração fica muito rasa, vendo somente a superfície das coisas. A mente aqui pensa ser muito esperta, que pode ver todas as coisas, mas se formos realmente honestos conosco notaremos que essa tendência da mente em vagar e pular em redor e em ser bastante distraída, é extremamente superficial. Ela não pode penetrar nas profundezas de absolutamente nada. Se desejarmos provar isso a nós mesmos, tentemos ler um livro. Notemos quanto tempo perdemos antes que nossos olhos estejam fixos ao longo das páginas e quanto a mente se tenha distraído com outras coisas. Então precisamos voltar e procurar onde está o início da sequência que perdemos e que estivéramos lendo. O mesmo acontece quando assistimos um show na televisão e também quando assistimos palestras como esta de agora. Quantas vezes a mente esteve vagando, saindo daquilo que supostamente achávamos estivéramos concentrados?

  Os fatos daquele comportamento demonstram que somos incapazes de penetrar nas profundezas de qualquer coisa. Uma vez não conseguindo sustentar a atenção à vontade por qualquer espaço de tempo, possuímos um grau de concentração bastante fraco e superficial. Esse estado da concentração corresponde aos estágios mais baixos deste gráfico do shamatha. Estaremos muito dispersivos e muito fracos, não conseguindo nos concentrar nem focar, não conseguindo direcionar a concentração e não podendo penetrar em coisa alguma.

  Pouco a pouco, com as práticas da atenção plena e atenção dirigida (concentração) começamos a ganhar aquele poder. A atenção começa a focar. Torna-se cada vez mais penetrante, mais e mais apta a permanecer na tarefa. Em virtude disso estaremos mais aptos a penetrar no significado das coisas, a ver através do nível superficial, indo mais fundo. Isso inclui qualquer coisa que observemos e não unicamente coisas físicas, mas também coisas psicológicas e espirituais.

  Consciência é energia que produz consequências segundo o uso que damos a ela. Se formos espertos e aprendermos a usá-la bem, pode produzir compreensão, entendimento, percepção e sabedoria. É isso realmente o que queremos. Isso é prajna. Os estágios um e dois do shamatha são chamados os "estágios do exato enfoque”, significando que temos de exercer esforço constante para exatamente redirecionarmos a atenção ao objeto. É uma batalha, uma vez que o macaco fica constantemente distraído.

  Chamamos a isso “exato enfoque”, visto ser como a nos agarrarmos fortemente a algo quando estamos numa tempestade. O poder da tempestade ameaça varrer-nos, então precisamos nos agarrar fortemente numa âncora, de outro modo seremos lançados longe pelo caos. É exatamente diante disso que estaremos ao começarmos a prática da concentração enquanto ainda não estivermos treinados. O estado da mente é essa tormenta. É causada por aquele macaco que está sempre pulando. Ao fixarmos a atenção sobre o objeto será como numa âncora em meio ao furacão. Pouco a pouco, quanto maior for o nosso esforço e mais nos apliquemos, mais aprenderemos como mantermos a atenção. Eventualmente isso se torna fácil.
shamatha stages3 7
  Figura 3

  Estágios do Foco Intermitente (3-7)

  A próxima fase da vasta prática da concentração é chamada “estágios do foco intermitente”. Esses estão ilustrados como estágios 3-7. Durante essa fase de práticas nos movemos da inconstante e caótica mente à uma outra que vai se tornando mais estabilizada e desse modo vamos ficando mais focados.

  Os estágios três ao sete são marcados por um crescimento no espaço de tempo em que estaremos concentrados e por um decréscimo do tempo em que ficaremos distraídos. No estágio de número três estaremos mais distraídos que concentrados. Por exemplo: se praticarmos concentração por vinte minutos, desses, talvez fiquemos distraídos por quinze, dezesseis ou dezessete minutos. Durante esses vinte minutos ficaremos concentrados por, talvez, três, quatro ou cinco minutos – o exato tempo não importa comparado com as proporções deste tempo: na maior parte estaremos distraídos e em parte menor estaremos concentrados e cônscios do que fazemos. Pode não nos representar muito termos permanecido realmente concentrados por três a cinco minutos tirados dos vinte minutos utilizados, porém isso é uma realização e um definido crescimento sobre estarmos distraídos naquele tempo corrido da prática.

  Pouco a pouco, na medida em que avançamos na prática realizando esforços, aquele índice muda. O tempo em que estaremos cônscios do que fazemos – atentos e concentrados – se torna maior. O período de distração fica menor. Eis porque esses são chamados estágios do foco intermitente.

  3. Postura Relaxada
  4. Postura Ajustada

  O estágio três é da postura relaxada. O estágio quatro é da postura ajustada.

  Estes termos “relaxado” e “ajustado” indicam simplesmente o índice de mudança entre estar concentrado e estar distraído. “Postura Ajustada” significa que o tempo de distração está decrescendo ao passo que o tempo de maior concentração está aumentando. O que os diferencia como estágios três e quatro é que o tempo de distração implicado é maior que o tempo de permanência na concentração e atenção plena, naquilo que se esteja fazendo.

  Avançamos do estágio três para o quatro em direção ao desenvolvimento do poder da atenção plena, estando constantemente cônscios de nós próprios e do que estejamos fazendo. Entretanto, a atenção plena não é unicamente algo a desenvolvermos na prática da concentração; devemos estar fortalecidos e expandidos em tudo o que fizermos o dia inteiro.

  Em nossa prática espiritual, no esforço diário para nos concentrarmos, ao constatarmos que o período de tempo em que estejamos distraídos esteja maior do que o período de tempo em que estejamos atentos, será porque nossa atenção plena não está o suficiente forte. Significa precisarmos convergir nossos esforços no sentido único de desenvolvermos a atenção plena pelo dia inteiro em nossas atividades diárias, no trabalho, no lar, em qualquer coisa que façamos. É nos tornarmos mais atentos naquilo que fazemos. Esse esforço para estarmos presentes aqui e agora mudará então nossa prática da concentração, visto que, espontaneamente, estaremos também mais presentes naquele tempo. Uma vez não desenvolvamos a atenção plena durante nossas atividades diárias e nos mantenhamos somente nos concentrando ou observando nossa respiração por uns poucos minutos, a experiência não avançará. Eventualmente desistiremos da meditação saindo fora. É o que acontece com muitas pessoas. Elas podem sentar-se e tentar meditar por uma ou duas horas, porém pelo dia inteiro estarão distraídas, não prestando atenção nelas próprias. É a razão da sua prática da meditação falhar. O trânsito entre o estágio três ao quatro é alcançado pelo desenvolvimento da atenção plena.

  5. Domando
  6. Pacificação

  A pessoa que esteja desenvolvendo a atenção plena a cada instante e na prática diária da concentração, facilmente chegará aos estágios cinco e seis da concentração estabilizada, também chamada domada e pacificada. Simplesmente definido: nesses estágios em geral não esquecemos de nós próprios e a atenção não desgarra facilmente.

  Desse modo, nesses estágios, a atenção plena não nos trará mais tantos problemas: a teremos domada naquilo que estejamos fazendo, significando no geral que não nos esqueceremos quando estivermos meditando ou realizando qualquer outra atividade. Isso é bom, embora também ainda seja momento em que possamos falhar.

  É fácil ficarmos preguiçosos nesse estágio e nos sentirmos como se tivéssemos alcançado a concentração ou a meditação. Essa é a razão de a pintura mostrar um coelho nas costas do elefante. Aquele coelho representa a preguiça que deseja parar a realização dos esforços e saborear a experiência. Esse é um estágio perigoso visto ser aqui fácil parar e pensar: “agora que alcancei esse degrau da concentração sei como meditar”. Entretanto isso não é verdade. Esses são justamente estágios preliminares desenvolvidos com técnicas igualmente preliminares. Isso não é ainda meditação.

  A fim de avançarmos pelos estágios cinco e seis, necessitamos implementar o poder da vigilância, que é aquela parte da nossa atenção que observa os obstáculos já previamente descritos em anteriores palestras. Especificamente necessitamos procurar pela agitação e pelo entorpecimento.

  7. Pacificação Completa

  Possuindo aquela pequena soma de atenção ou vigilância aos obstáculos, e aplicando neles os antídotos quando necessários, podemos avançar passando pelos estágios cinco e seis, chegando ao estágio sete. O estágio sete é chamado “pacificação completa”.

  Nesse estágio estaremos aptos a permanecer atentos em nossa prática e enquanto mantivermos a concentração sobre nosso objeto estaremos também vigilantes sobre a presença de pensamentos sutis, emoções e outros elementos, e ao reconhece-los, “os pacificamos”. Significa tirar-lhes os poderes de nos distrair. Eis porque na pintura vemos aquele elefante não mais conduzido pelo macaco. O macaco tornou-se passivo. Por isso o estágio é chamado “Pacificação Completa”.

  Esse é ainda um estágio do Foco Intermitente. Existe ainda aquela porção da prática onde a distração ocorre e nos esquecemos do que estávamos fazendo. Tornamo-nos distraídos. A fim de nos movermos com sucesso pelo estágio nove necessitamos simplesmente de entusiasmo: o esforço para continuarmos praticando. Já detemos atenção plena para a maior parte do tempo e já possuímos a vigilância para o reconhecimento dos obstáculos. Assim nesse estágio temos simplesmente de nos manter praticando.
shamatha stages8 9
  Figura 4

  8. Estágio do Foco Ininterrupto

  No estágio oito vemos o elefante seguindo o monge, porém não ao macaco. O macaco foi embora. Significa que aquele aspecto da distração da psique foi pacificada. A psique se tornou domada. Assim esse estágio de prática é chamado Um Único Ponto [unidirecionado]. É chamado foco ininterrupto porque nos sentamos para a prática da concentração e nunca nos esquecemos daquilo que estejamos fazendo e nunca ficamos distraídos não importando quanto tempo a prática virá durar, mesmo por horas. É uma bela experiência. Contudo não ser ainda meditação. É unicamente um estágio da concentração. Esse estágio requer somente um leve esforço para mantermos a concentração e a atenção plena. Em sendo leve esforço não é nem próximo da intensidade que foi no começo.

  9. Estágio do Foco Espontâneo

  No estágio nove a habilidade em alcançarmos o foco ininterrupto, de termos a mente colocada perfeitamente no seu objeto, tornar-se-á então completamente sem esforço. O estágio anterior, o oitavo, ainda requer pequeno esforço para mantermos a concentração. No estágio nove, entretanto, não há esforço. O estágio nove é onde experienciamos a real shamatha, shi-ne ou morada da calma. Essa é uma realização maravilhosa.

  Para realizar firmemente o nono estágio, saindo do oitavo para o nono, necessitamos somente desenvolver uma familiaridade com ele. De pouco em pouco nosso treino da concentração torna-se tão completo que não mais irá requerer esforço para que a psique esteja naquele seguro e calmo estado de foco. Isso é o que chamamos um único ponto. No Zen ou Chan ou noutras tradições eles falam sobre ter uma concentração pontual. É o que no Yoga Sutras de Patanjali chama-se dharana. Se tivermos estudado o Yoga Sutras de Patanjali saberemos que dharana não é o final do Raja Yoga (ashtanga): após vem dhyana e samadhi. O mesmo acontece aqui. O estágio nove não é o final da prática meditativa. Há outros estágios para além do estágio nove. Shamatha, um único ponto, é onde a meditação real pode começar.

 Quem Pode Realizar Shamatha e o que Significa

  Qualquer pessoa pode experienciar esses estágios da concentração; não há nada de supernatural neles nem místico nem alguém tenha que ser especialmente abençoada ou empoderada. Desenvolver shamatha não é difícil. Somente requer um pouco de conhecimento e um pouco de prática. Contudo mesmo que alcancemos o nono estágio e tenhamos desenvolvido shamatha ainda assim seremos somente um iniciante. O estágio nove significa unicamente que podemos posicionar a atenção sem ficarmos distraídos. Não significa termos entendido qualquer coisa completa sobre carma, sofrido com nossa psique ou sobre a realidade. Significa exatamente que a partir de agora temos um tipo de mente pronta para ser treinada a meditar e a estar efetiva nisso. Eis porque é um pré requisito. Shamatha não é a meditação em si. É um pré requisito para a meditação.

  Estágios de Esforços

  Descrevemos justamente quatro estágios fundamentais de atenção diretiva ou foco. É importante compreende-los em nossa experiência prática. Necessitamos observar-nos – aos fatos e vida espiritual – e comparar-nos e aos fatos, com esses quatros estágios.

  A maioria das pessoas que ouve acerca da meditação e mesmo tenta praticá-la, nunca passa do estágio um. Aquelas que realmente implementam esforços diários podem experienciar o segundo ou terceiro estágios, ao passo que poucas daquelas pessoas, praticantes sérias, conseguem direcionar-se aos níveis medianos. Porém, de modo geral, a maioria dos meditantes – especialmente de países ocidentais – permanece sem qualquer sentido orientador da sua real situação na prática uma vez que não conhece os estágios da concentração. Aqui, vocês agora ouviram sobre eles. O próximo passo é reconhece-los por sua própria e pessoal experiência. Então aprendam a trabalhar com eles e vão além deles.

  Ao aprendermos essa ciência, nos tornando aptos a reconhecermos os obstáculos e nos mantermos na prática, conseguiremos nos mover por todos esses estágios de foco até que desenvolvamos a habilidade em manter um foco espontâneo e direcionada atenção, sem qualquer esforço. No início toma-nos muito do esforço. Entretanto, a medida que ficamos acostumados com esse treinamento, eventualmente alcançaremos um estágio onde não faremos o menor esforço. Isso não soa maravilhoso?

  Observem por vocês mesmos: sentem que a meditação é dureza? A partir dessa observação podem imediatamente reconhecer que estarão nos estágios iniciais de desenvolvimento da concentração? Significa isto sim não saberem ainda meditar e nem ainda se concentrar. Não estamos tentando ser cruéis, mas é um fato provado por essa ciência.

  Consideremos o estágio oito, foco ininterrupto; nesse estágio não sofremos interferência de agitação ou entorpecimento. Somos aptos a manter longas sessões de concentração sem um real esforço. A prática de cada estágio não é duro e nem difícil. É fácil. Significa que alguém  estando a acessar aquele estágio não sofre enquanto medita. Não é dureza.

  Com a familiaridade alcançamos o estágio nove, significando não haver interferência do corpo ou mente. Não há esforço para meditar, simplesmente sentamos. Além disso, a atenção diretiva é absolutamente suave. Não há lutas. Não há confrontos com o corpo ou mente é só sentarmos. A mente está calma, a atenção está focada. É fácil e simples.

  1-2. Exato Enfoque. Requer esforço extenuante
 3-7.Foco Intermitente. Interferência de agitação e entorpecimento. Incapacidade em manter longas sessões.
  8. Foco Ininterrupto. Sem interferência de agitação ou entorpecimento.
  9. Foco Espontâneo. Nenhuma interferência, sem esforço. Foco suave.

  Ao sentirmos a mente dizendo: “meditação é demasiadamente dura. Não posso concentrar-me. É demasiado difícil. Não posso fazer. Não entendo. Não sou capaz. Tenho más circunstâncias. Minha vida não permite isso”, será tudo sem sentido e saberemos imediatamente onde nos encontramos nos estágios da concentração. Não estaremos praticando em níveis elevados e sim em níveis mais baixos. Sabendo agora em que nível nos situamos saberemos o que fazer para mudarmos isso. Teremos de trabalhar duramente, mas consideremos os benefícios a receber. O trabalho vale a pena.

  Ao desenvolvermos com seriedade a atenção plena e a concentração experienciaremos rapidamente aqueles níveis mais altos. Aquilo não é difícil. Pode ser feito por qualquer um que se esforce. Mesmo que uma pessoa seja paraplégica e tenha todos os tipos de doenças, consegue ainda assim fazer isso. É verdade. Especialmente no Oeste onde não há desculpas. Vivendo numa zona de guerra então podemos compreender porque será difícil realizar. Se há bombas caindo pela vizinhança, sim, será muito difícil. Entretanto, para outros mais não. Sem desculpas. Se não estiverem fazendo será por conta da preguiça, do derrotismo, da vergonha, da excessiva luxúria, da demasiada inveja, etc...

  Além do mais, em sendo sérios sobre conservação e transformação da energia sexual, avançaremos sobre elas bem mais rápido. Verdadeiramente se gastarmos nossa energia sexual pelo orgasmo, então quaisquer dessas informações de forma alguma virá definitivamente nos servir. A estabilidade da consciência é impossível se ainda estivermos manobrando com nossa energia sexual como um animal. Entretanto para aqueles que controlam o gasto daquela energia e a estabilizam, a mente também ao mesmo tempo estabilizará rapidamente.

  Consideremos que o esforço para desenvolvermos a concentração é exatamente o mesmo para estabilizarmos a energia sexual. No começo parecerá impossível. Porém com força de vontade e consistente prática, ambas eventualmente se tornarão suaves. Dever-se-ão ambas – as estabilizações naturais da mente e da energia sexual – a essas mesmas condições normais que uma vez detínhamos, e que as perdemos por causa do desejo. Eis porque necessitamos compreender que os estágios mais altos do desenvolvimento da serenidade meditativa são fáceis.

  Brandura (obediência, flexibilidade)

  Brandura é uma qualidade que definitivamente marca a estabilidade da concentração. Em sânscrito é prasrabdhi प्रश्रब्धि; em tibetano é shin-sbyangs ཤིན་ཏུ་སྦྱང་བ་. Brandura significa “obediência de corpo e mente”. Quando temos brandura plenamente estabelecida, corpo e mente obedecem sem hesitação. O que isso significa?

  Observemos nossa resistência em relação à meditação. Podemos dizer-nos: “irei meditar todos os dias por meia hora”. Soa completamente razoável. Entretanto quando a hora se aproxima para realmente necessitarmos meditar nossa mente e corpo não aceitam isso. Possamos estar interessados em meditação, ainda assim quando chegar a hora da real prática mente e corpo lutam contra.

  Que acontece quando é chegada a hora da prática da concentração? Nosso corpo reclama constantemente. Sente desconforto, coceira, dor aqui e ali, distrai-se com sons, temperatura, com a cadeira, o colchão. Está com fome, com sede, cansado, agitado. Em outras palavras: tem uma fila de ferramentas que usa para lutar contra a nossa vontade. E a mente faz isso também. Levanta um milhão de razões para não devermos praticar. Busca qualquer tipo de evasiva para obstruir-nos da prática. Naturalmente que isso se aplica a cada porção de práticas espirituais. Que dizer da castidade? A mente detém montes de desculpas para que não devamos ser castos. Que dizer de estudarmos as escrituras? A mente também detém montes de desculpas para que evitemos estuda-las. Ela não quer fazer isso.

  Corpo e alma lutam nesse mesmo instante porque estão no controle de cada um de nós. A mente animal e o corpo animal controlam a consciência. A libertação é nos tornarmos livres do animal. Não podemos nos tornar humanos enquanto estivermos presos ao comportamento animal.

  Não dá para vermos na pintura lá no topo que o meditante é servido pelo elefante? Ali a consciência, a alma, está no controle do animal. O animal serve à consciência. Aquilo é somente alcançado através do treinamento da meditação. Não há outro caminho para se alcançar isso, senão através dessa ciência.

  Se realizarmos esforços diários para desenvolvermos a prática da atenção plena e da concentração, imediatamente começamos desenvolver a brandura uma vez estejamos treinando corpo e mente a nos obedecer – à alma, à consciência. Nosso corpo não é o que somos. Nossa mente não é o que somos. Somos a alma, a consciência, chamada Tathagatagarba, Buddhadhātu. São termos que descrevem nossa natureza fundamental. Ela não é a mente nem o corpo. Mente e corpo são afligidos com disfunções que são o porquê de sofrermos. Sofremos porque nos permitimos ser controlados pela mente e corpo animais. Ao invés disso precisamos controla-los. A alma, a consciência, necessita estar ao comando de nossa casa psicológica. Ao estarmos na prática diária do desenvolvimento da atenção plena e do desenvolvimento da concentração, comecemos dizendo à mente e corpo: “sentem-se e calem-se!”. Eles lutam, mas realmente não têm escolha. A alma é a força de vontade (Tiphereth).

  Observemos isso na Árvore da Vida:
  O corpo físico está representado pela sefira Malkuth.
  A energia que ativa esse corpo está representada por Yesod.
  As emoções que sentimos estão representadas por Hod.
  Os pensamentos estão representados por Netzach.
  Essas sefirotes constituem o corpo e a alma.
   tree of life psyche
  
  Figura 5 

  A sefira Tiphereth é  força de vontade; é a alma humana. É isso que somos como uma alma, como consciência. Exatamente agora a consciência/alma está armadilhada em desejo por sensações, armadilhada em luxúria, raiva, orgulho, vergonha, ganância, medo, ansiedade, etc. Necessitamos libertar do desejo aquela força de vontade. Fazemos pelo reforço da força de vontade. Vontade-alma necessita estar no controle do corpo e mente ou a libertação será impossível.

  A partir do momento em que comecemos a fazer esforços no sentido de desenvolver a vontade plena e a prática da concentração, estaremos usando a força de vontade para tomar a cargo corpo e mente. Significa, naquele exato momento, estarmos também começando a desenvolver a brandura (obediência do corpo e mente) – se realmente estivermos colocado em prática o uso da força de vontade. A prática no seu começo é difícil. É briga da vontade versus corpo e mente. Colocamos o corpo numa postura e dizemos à mente: “Fique quieta. Estou prestando atenção ao meu objeto”. A mente virá lutar, virá trazer toda distração possível para tentar recuperar o controle.

  Através de todos os estágios iniciatórios estaremos lutando e lutando a fim de firmar a concentração. É pelo controle de nossa vida em futuro contra o que verdadeiramente estaremos lutando. Se deixarmos corpo e mente animais nos controlar viveremos a vida de um animal e morreremos como um animal. Ao desejarmos ser pessoa humana, aquele animal deve servir à pessoa humana e não o oposto. O animal precisa ser domado. Então envidemos esforços diários, treinemos a cada dia sem exceção. Não com violência e crueldade contra o corpo e mente, mas com a corda e o gancho: vigilância e atenção plena.

  Gradualmente, pouco a pouco, na conformidade de nossa prática diária, treinamos mente e corpo a obedecerem nossa vontade. Ao longo desse processo teremos incrementado a brandura que finalmente estará totalmente firmada ao alcançarmos os estágios oito e nove, shamatha.

  Brandura é algo a que experienciamos. É definida; é absoluta e definitivamente experiência real. Brandura não é um termo vago ou aberto a interpretações. É algo que pode ser inquestionavelmente identificado por quem a experiencie. Não existem dúvidas quando possuímos brandura.

  Brandura significa que corpo e mente transigem com naturalidade sem qualquer resistência. Eles estão felizes por servir à consciência (Tiphereth), e venturosos por isso. Nessa situação quando alguém deseja meditar não há esforço. Não há luta. Não há briga. Lembremos dos estágios oito e nove que já temos descrito e que são meditação sem esforço. Não há combate nem luta. Corpo e mente estão prontos; estão treinados, serviçais, calmos, relaxados, serenos e alegres! Que experiência maravilhosa é essa! Todos desejamos àquilo e podemos tê-lo.

  Na pintura, a brandura está representada por duas imagens: o monge voando (a) e o monge montando o elefante no arco-íris (b).
pliancy
  Figura 6

  O monge voando representa a brandura no corpo. Essa brandura é real e fisicamente experienciada (não que estaremos literalmente voando). Podemos ver e sentir fisicamente a brandura no corpo. É onde o corpo tem grandes momentos de relaxamento – segundo nosso grau de desenvolvimento. Está completamente pronto para a meditação e não causa qualquer problema na total duração da meditação. Swami Sivananda disse que alguém que verdadeiramente haja desenvolvido a sua prática da meditação consegue sentar-se perfeitamente imóvel por três horas sem dor, sem desconforto, ou sem urgência para se levantar ou para fazer qualquer outra coisa que não seja permanecer exatamente ali sentado, tal o seu contentamento e felicidade. Isso é brandura no corpo.

  Iniciantes na meditação que observam aqueles praticantes avançados se maravilham: “Uau, como aqueles caras sentam-se em meditação diária por oito ou dez horas numa caverna ou caixa? Parecem tão desconfortáveis”. Não podemos imaginar, pois parece-nos uma tortura. Quando tentamos nos sentar daquela forma por dez minutos nos sentimos com muita dor. Meditante que detenha concentração, shamatha, tem brandura. O corpo não reclama de nada, é feliz por fazer aquilo porque está treinado Foi treinado pela consciência. É um servidor disposto. O mesmo se dá com a brandura da mente que o elefante representa; ele é feliz por desempenhar aquela tarefa. É a tarefa que nos é dada, eis porque temos uma mente. A mente existe para realizar aquela tarefa.

  Brandura é um sinal absolutamente definitivo de alguém que tenha alcançado o shamatha. Por que isso é importante? Há muita gente que estuda meditação, que realmente aprecia o assunto, que é muito bem educada naquela terminologia e pode parecer capaz de sentar-se bem. Convence-se de que alcançou um determinado grau de concentração e pode acessar estágios do dhyana ou jhana ou a vários tipos de estágios da concentração sem forma, ou de reinos, mas não detém brandura. Pessoas assim lutam por alcançar aqueles estados, lutam com o corpo e lutam com a mente. Essa luta revela que essas pessoas não têm shamatha. Podem até ter alguma habilidade em se concentrar, em controlar a mente e corpo até um certo grau, mas não têm brandura que é a espontânea servitude da mente e corpo.

  Destacamos isso porque é fácil nos decepcionarmos com esse tipo de trabalho, O orgulho está sempre pronto a se introduzir dizendo: “Eu fiz isso. Eu realizei algo. Agora sou um meditante completo”. Que mentira é essa... Inúmeras pessoas caem nessa armadilha. Eis porque sempre observamos esses sinais científicos. Temos tirado o Eu disso. Nenhum desses estágios tem algo a ver com o Ego ou Eu.

  Os resultados nesses nove estágios são bastante simples. Quando os estudamos e detemos familiaridade na forma como trabalham, não são complicados. São os ABCs da concentração. Porém esses ABCs, esses passos básicos são unicamente um estágio preliminar da prática meditativa. Eles nos levam somente ao ponto onde podemos nos sentar em paz e estarmos concentrados, A partir daí podemos então aplicar novas habilidades a fim de adquirirmos compreensão. A concentração por ela mesma não nos conduz à libertação. Não consegue. A concentração é simplesmente a habilidade em focarmos a atenção numa coisa e a mantermos ali. Eis tudo o que ela é. Por ela mesma não liberta.

  Para a libertação necessitamos de algo muito mais poderoso do que a mera concentração.

  Observemos na Árvore da Vida:
  - A sefira Malkuth, o corpo físico
  - Yesod, energia no corpo
  -  Hod, emoção
  - Netzach, pensamentos
  - Tipheret, força de vontade e consciência

  Estando sentados para meditar ou para nos concentrar e de fato tenhamos brandura, então o corpo, a energia, a emoção, os pensamentos estarão todos perfeitamente relaxados, perfeitamente sob controle com brandura. Eles servem à vontade da alma. Significa que todos esses sefirotes inferiores não serão obstáculos para a meditação. Eles estão servindo a consciência. São aquele elefante na pintura que a consciência está usando para caminhar ao longo do arco-íris. Estão naquele estado, somente naquele estado em que a consciência pode então ser libertada, mesmo por um instante, para experienciar sua verdade natural e subsequentemente compreender a realidade.

  Exercícios

  Desenvolver sua atenção plena durante o dia. Esse esforço é a verdadeira base de tudo o que se alcança espiritualmente. Não sabendo como auto-observar-se, não estando atento durante todo o tempo em tudo o que faça, permanece a ignorância. Para avançar na vida espiritual é necessário conhecer-se, não como achando o que se é, mas sendo verdadeiramente o que se é. Isso é desenvolvido e adquirido pela auto-observância. É possível ver-se através da constante atenção plena no que esteja fazendo a fim de começar a adquirir informações sobre o sofrimento, sobre as ações e comportamentos. Sem informações não é possível nunca resolver o enigma da sua vida. Isso é por demais fundamental.

  O segundo exercício é para desenvolver a concentração meditativa. Nesse estágio do curso é necessário estar trabalhando com visualização. Então é prover-se de uma imagem de um Buda sentado.
maitreya seated
  Figura 7

  Tudo o que é preciso fazer é observar aquela imagem por um momento, então fechar os olhos e visualizá-la. Isso é tudo: não é duro. Não lutar. Não brigar com aquela visualização. Deixar acontecer por ela mesma. Exatamente do mesmo modo quando recordamos qualquer outra memória; exatamente lembrando da figura. Não forçar os olhos. Não balançar o corpo com contorções, ficando tenso, fazendo grando esforço para fixar a imagem. Isso é contraditório ao que se está tentando alcançar. Relaxar simplesmente, fechar os olhos e relembrar. Se a imagem não estiver estabilizada ou clara será devido à concentração ainda não estar o suficiente forte. Manter-se tentando. Ao distrair-se, meramente recomeçar. Manter-se tentando. Pouco a pouco realizará isso.

  O terceito exercício é continuar com o diário espiritual ( Practical Spirituality 02 Spiritual Diary PDF ). Continuar utilizando isso como uma ferramenta a fim de adquirir percepção interior em sentido dos comportamentos.

  Pensamento do dia:
  “A mais elevada forma do pensamento é o não-pensamento. Quando se alcançam a quietude e o silêncio da mente, o “Eu”, com todas as paixões, antros, apetites, medos, afeições, etc., permanece ausente. É somente na ausência do “Eu”, na ausência da mente que o Buddhata consegue despertar para se unir com o Eu Interior e trazer-nos ao êxtase”.

  Samael Aun Weor, The Elimination of Satan's Tail 

Tradução Inglês / Português: Rayom Ra

                                                                        Rayom Ra                                                                                                  http://arcadeouro.blogspot.com.br