sexta-feira, 1 de maio de 2009

Genesis da Grande Face Negra

Um poder que viajava através do espaço, deixava atrás de si o permanente rastro de sua presença. Um som semelhante a uma avalanche acompanhava aquele poder, mas era algo grotesco, jamais ouvido, que se encaminhava pelo ar como se rolasse adiante de um dilúvio em permanente e incontida expansão. Havia intensa escuridão, no entanto era possível discernir o progresso do poder. Em certo instante, Sorman deteve a impressão de o avassalador som e o sensorial poder se combinar numa só ação, e deslizar por uma inconcebível esteira no fenomenal espaço de um vasto, profundo e insondável oceano etéreo. Até então, ele ficara preso àquelas imagens que, apesar de imensuráveis, se enquadravam num monumental plano cartesiano; mas de repente, sentiu-se deslocar e trasladar de seu horizonte de observação para outra dimensão, muito acima daquelas voluptuosas e verdadeiramente indescritíveis projeções. E nesta nova situação no universo, num ponto qualquer fora do espaço-tempo, voltou a contemplar a aterradora e fantástica figura.

A incomensurável Face Negra ocupava agora todo o espaço alcançado pelo campo visual de Sorman. Perplexo, ele tentou desviar-se da imagem; buscou uma brecha por onde pudesse concentrar sua atenção a fim de escapar da visão, mas a falta de outra qualquer referência, por menor que fosse, trouxe-o inexoravelmente de volta para a total contemplação. Era tão gigantesca a aparição, - segundo podia supor pela astronômica projeção, - que conteria a todos os átomos de uma existência cósmica, em todos os seus mundos de enigmáticas e simultâneas dimensões.

Mas ao invés de pavor, como na primeira visão de muitos meses atrás, Sorman se petrificava. Algo congelara-lhe todas as reações; somente o sentido interior da visão e o da audição passaram a agir-lhe como as únicas coisas vivas. Nesta nova e inusitada condição, podia então observar que a descomunal e infinita Face Negra estava de olhos fechados, e soprava. O avassalador som, antes ouvido, sendo exatamente o mesmo agora percebido através de seus lábios entreabertos, trazia consigo o poder que de inicio ele acusara. Ela soprava por um tempo de sensação interminável, e o som e o poder juntos, eram sustentados e lançados para distâncias inimagináveis, muitíssimo além de tudo quanto a mente finita poderia suspeitar ou conjeturar. E quando aquele alento terminou, a boca falou lenta e prolongadamente, com voz rouca e grave, à semelhança de esdrúxulo e abismal ruído resultante do atrito de muitos metais pesados: FAAAÇAAA-SEEE!

A boca permaneceu aberta; imediatamente partiram dela milhões de formas negras que eram atravessadas por dois grandes raios ígneos provenientes de seus olhos. As formas não se incandesciam, mas se eletrificavam; tornavam-se transparentes véus ampliados elasticamente a cobrir todos os espaços por onde o poder e o som haviam antes se propagado. Ao cabo de algum tempo, enquanto perdurara a percepção dessas últimas imagens, a Face vestira-se de um sorriso sarcástico e diabólico, ficando seus olhos apertados e repuxados. Em seguida, a forma total passou a se tornar menos densa, cada vez mais etérea, até se desmanchar completamente, vindo se transformar numa infinita película negra de sutilíssima tessitura, finalmente pousando sobre todas aquelas coisas infundidas no universo, permeando-as como água jogada sobre a areia, nelas permanecendo.

Ao acordar Sorman estava trêmulo. Impressões sucediam-se a impregnar-lhe o cérebro. Mediante a incapacidade de se controlar emocional e mentalmente, ele se levantou um tanto atordoado, encaminhando-se para o banheiro a fim de tomar uma ducha. Reagiu bem, e enquanto se vestia, trouxe uma das mãos adiante do ventre examinando-a no dorso e dedos. Estava absolutamente firme, muito embora ainda lhe percorresse um leve tremor por todo o corpo, semelhante a rápidas descargas elétricas.

                                    [ Do livro A Face Negra da Terra, de Rayom Ra ]

Rayom Ra

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