CAPÍTULO VII
FINAL
-
Quietos todos, polícia!
- Polícia? – espantou-se Gregório ao ver
todos aqueles homens armados de revólveres e metralhadoras a os arrodear.
- Nós não fez nada, doutor! – falou assustada
Janú, sendo logo puxada para onde estavam Príncipe, Gregório e Calunga, todos
atônitos!
- Onde está a menina?
- Que
menina, doutor? – perguntou Gregório.
- Não finjam – falou asperamente o policial
que comandava a ação – a filha do doutor Almeida!
- Rosinha! – gritou Calunga – Que aconteceu
com ela?
- Deixem de fingimento senão o pau vai comer!
Vocês a sequestraram e telefonaram pedindo resgate ou planejaram isso e seus
comparsas fizeram o serviço!
- Juro, doutor, não fizemos nada disso. A
menina é nossa amiga, nós não íamos fazer isso. Veja essas roupas, quem nos deu
foi ela – falou nervosamente Gregório mostrando suas roupas e apontando para
Príncipe que vestia terno completo, e a Janú com o vestido e blusa de Luiza.
- Safados, sem-vergonha, maldito! – gritava
Calunga chorando e mordendo as mãos.
- Cale a boca! – gritou o policial.
- Foi eles – continuou Calunga sem dar
ouvidos ao policial – os maldito!
- Eles quem? Diga logo!
- Os irmão malvado! – respondeu ainda
mordendo a mão.
- Quem
são?
- É dois vagabundo, doutor. Nós não conhece
eles direito, eles de vez em quando passa aqui, mas nós não gosta deles, são
bandido! – falou Janú, choramingando.
- A gente não sabe. A gente só sabe deles
porque os outros nos contam. Não temos nada com eles, juro! – reafirmava
Gregório.
- Essa história está mal contada. Vai todo
mundo para o distrito, vamos andando!
Não houve tempo. Calunga correu para o lado
do rio e pulou n’água.
- Segurem-na, ela vai fugir!
Os homens correram para a margem e um deles
mergulhou atrás dela. Calunga afundava e subia para tomar ar, distanciando-se
sempre na correnteza, desaparecendo de vista.
Correndo e se escondendo, ela subiu por uma
rua estreita, margeada de casas velhas e pobres. A comunidade era a mais
abandonada do bairro, a pobreza de seus moradores não poderia caber noutro
lugar. Com o vestido vermelho molhado e manchado das águas barrentas Calunga
ardia de raiva e indignação.
- Miserável! Eles vai ver só uma coisa se
fizer mal pra Rosinha!
A tarde ia desfalecendo, o céu encoberto de
nuvens cinzentas prometia mau tempo, um vento frio começava a soprar. Ela
precisava apressar-se se pretendia descobrir onde tinham levado Rosinha!
Encostado a um canto, um carro estacionado
achava-se coberto com panos. Era sem dúvida o carro de ambos. Calunga soubera
ainda há pouco de um velho mendigo, amigo de Gregório, que eles tinham saído
pelas onze da manhã e voltado pelas duas da tarde nesse mesmo carro. Foram
informações muito perigosas que ninguém ousaria dar, porém Calunga houvera
prometido comida e cigarros para o velho. Pensava descobrir tudo e contar para
a polícia. Ela parou diante do barraco que o velho indicara se preparando para
espreitar. Nesse instante, duas fortes sirenes rasgaram o ar, a porta do barraco
se abriu e os irmãos saíram, vendo-a ali parada.
- Ela trouxe eles! – falou um dos
sequestradores.
O outro fez movimento de puxar o revólver e
Calunga pulou para o lado, procurando se esconder atrás de outro barraco. Ele
atirou e a bala foi cravar na madeira. Ele deu mais dois passos e apontou de
novo para Calunga.
- Parem, não atirem! – gritou o policial da
janela do carro que já se aproximava.
Os dois
não obedeceram, atiraram na polícia e correram rua acima. A polícia respondeu
ao fogo e os bandidos correram mais.
- Atrás deles, peguem a negrinha!
- Eles pensa que eu to com eles. Não vou
deixar me pegar! – resmungou, enfiando-se entre barracos e cercas, invadindo
quintais!
A caçada continuou. Enquanto uma parte dos
policiais perseguia os irmãos, enfrentando-se em tiroteio, dois outros corriam
atrás de Calunga. A noite caía e isso facilitava a fuga. Ela conseguiu
esconder-se e deixou o lugar quando achou que não mais a procuravam, descendo
por outra ladeira, ganhando a auto-estrada. Tinha-os enganado direitinho!
Quando pretendia atravessar a estrada, dois faróis jorraram intensamente sobre
ela, estonteando-a e a cegando.
- Pare, não fuja mais!
- Vocês não me pega, ninguém me pega! – gritou
com raiva, lançando-se ao canteiro que separava às duas pistas. Mal conseguia
enxergar; as sombras eram mais intensas do que os pontos luminosos, ela corria
às tontas.
- Volte, menina, por aí não!
Ela não obedecia, olhando para adiante naquela
sucessão de sombras, contornos e faróis que se moviam, julgou ver a pista livre
e se atirou nela. Um estardalhante ranger de freios e torturante cantar de
pneus foram ouvidos e um baque surdo finalizou o terrível instante. O corpinho
da criança foi lançado para o alto, estatelando-se no asfalto noutro baque
abafado.
À distância, no interior de outro carro,
Rosinha, ao lado de um policial, permanecia atenta. O rostinho como cera retratava
os efeitos do medo que aquelas horas de horror lhe tinham causado. Os olhos
mostrando profundas manchas roxas varriam todos os lados em agitação. Seu peito
fremia e chiava, ela temia um ataque mais forte da asma. Um grupo de policiais
se aproximou e aquele junto a ela pôs a cabeça para fora perguntando:
- Então, pegaram todos?
- Os dois conseguiram escapar, mas a negrinha
morreu atropelada – respondeu simplesmente um deles.
Ao ouvir aquilo, Rosinha foi tomada de
desespero, gritou e quis pular para fora do veículo. O policial segurou-a, mas
ela se debatia e, finalmente, gritando como louca desmaiou.
*
* *
Quinze dias se passaram. A tensão e o
abatimento estampavam-se nos semblantes de Almeida e Luiza. Rosinha, desde que
voltara parcialmente do estado de choque há uma semana, permanecia letárgica,
murmurando palavras ininteligíveis. O rosto descarnado e descolorido deixava a
destacar somente os graciosos contornos; o azul daquelas duas safiras
reluzentes não era visto. Os braços alvos, cada vez mais finos, enleavam-se em cordões
transparentes que conduziam o soro e os medicamentos ali misturados. A beleza
ingênua que nela haviam conhecido transformara-se num espectro infantil.
Inútil
tentar descrever o estado de espírito de Almeida e Luiza, mas pelos rostos
consumidos se tinha uma pequena idéia do turbilhão depressivo que deles se
apossara e do remorso que neles entrara. Num martírio sem fim, Luiza ficava a
vigiá-la dia e noite, mortificando-se ao lado da criança.
Mais dez dias se foram. Rosinha, agora, em
repetidos instantes, se debatia. Palavras escapavam-lhe dos finos lábios
arroxeados cujos significados chegavam a um breve termo antes de se consumar. A
luta continuava e o sofrimento a todos compungia.
Nessa
noite o tempo piorara, uma chuva intensa derramava-se pela cidade. O frio se
intensificara e os agasalhos coloriam toda a gente. Pela madrugada, Luiza
vencida pelo cansaço, dormia sentada com a cabeça apoiada no sofá, de corpo meio
estirado e calcanhares apoiados no chão.
Rosinha se remexeu e murmurou:
- Calunga!
Os olhos da criança se abriram e agitada
sentou-se. Com movimentos bruscos foi arrancando os tubos dos braços. Os lábios
descerraram riso estranho e um brilho de loucura ocupava o encanto de seu
olhar. Jogando a coberta ao chão, pulou da cama, e cambaleando qual ébrio
lançou-se em direção da dupla porta que antecedia pequena sacada, arremessada
sobre o pátio interno do hospital.
- Calunga!
Torcendo o trinco, abriu a ambos os lados,
parando sobre a soleira de mármore. O vento gelado atingiu-a em cheio e um
jorro da chuva ensopou seu rosto e peito. Luiza, sentindo aquele impacto, pulou
assustada do sofá.
Rosinha, meu Deus, que está fazendo?
Correndo para a criança alcançou-a no justo
instante em que ela desabava, amparando-a antes que atingisse o chão,
trazendo-a de volta para a cama.
O estado da criança piorou; uma febre alta
veio torturar-lhe o cérebro e incendiar-lhe o corpo inteiro. Todos os recursos
médicos não eram suficientes para fazer o tratamento avançar, ela estava por
demais debilitada, não havia mais dúvida: o fim estava próximo!
No terceiro dia, após aquele episódio,
Rosinha abriu os olhos perto da meia-noite. Luiza arcou-se sobre o leito e
sussurrou para Almeida que cochilava no sofá. Ambos fitaram-na a espera de
algo. Ela permaneceu olhando para adiante, como se visse alguma coisa
invisível, tendo atraído súbita luminosidade, esboçando um sorriso brando e
fácil, como antes fora o seu. Esperançado, Almeida pôs-lha a mão na testa e
estranhamente não lhe sentiu quentura alguma. Rosinha forçou um movimento
tentando levantar a cabeça, ainda estampando o sorriso.
Numa outra dimensão, inacessível aos sentidos
comuns, um corpinho negro flutuava diante dela, sorrindo farta e alegremente a
acenar-lhe. O vestido vermelho era o mesmo, reconhecia-o, tinha a mesma
feitura, largo e mal enjambrado, porém resplandecia.
- Calunga, você veio! – falou clara e
audivelmente, forçando o corpo para adiante, amparada por Luiza e pelo pai, sorrindo
agora com toda a graça.
“Venha, Rosinha, pule daí, eu vim buscar
você!”
- Eu vou! Eu vou! – falou com entusiasmo
fremindo o corpinho, fazendo uso da última reserva de energia que possuía.
Almeida desejou puxá-la de volta, ela estremeceu e soltou-se, largando o
sofrido invólucro em mãos humanas, projetando a alma para mãos espirituais!
Tão logo se viu segura pela amiga uma
corrente de energia percorreu-a fortalecendo-a e ela se foi coberta por vestes
azuis em vestido de gazes reverberante!
- Você demorou, Calunga, pensei que nunca
mais a veria!
- Agora ta tudo bem, eu vou levar você pra um
lugar onde eles vêm lhe buscar.
Seguiram por lugares e cores, flutuando mais
do que andando, de mãos dadas e felizes. Em certo lugar Calunga parou:
- Aqui, Rosinha! Prá lá eu não posso seguir,
só você. Eles deve ta vindo!
- Quem?
– Ela atentou pela primeira vez ao fato.
- Eles! Olha lá, ta vindo!
Duas formas iridescentes desprendendo luz e
beleza em tons distintos chegaram e as envolveram.
- De
novo livre do corpo – falou a primeira delas, a mais azulada.
- Sabe-Tudo, você?
- Purificada e liberta! – disse a segunda, a
mais dourada.
-
Áurea, você também?
- Sim, Rosinha, como sempre juntos de você –
disse Sabe-Tudo
- Mas
por que a vida lá embaixo, o sofrimento, aquelas coisas todas?
- Foi
necessário, criança, para você e para o mundo. Agora que triunfou a levaremos
de volta ao verdadeiro lar, seu planeta, seu mundo azul! – explicou Áurea.
- E Calunga? – questionou preocupada.
- Eu
fico, Rosinha. Eles me disse que tenho de ajudar os meu e outros mais. Vou ter
muitas coisa pra fazer, eu sou daqui, esse mundo é o meu!
- Eu
vou poder voltar para visitá-la?
- Claro, minha menina, sempre que as
condições astrológicas assim permitirem – informou Sabe-Tudo. Ela alegrou-se e
se abraçou à amiga.
- A nave está esperando. Vamos então? –
convidou Sabe-Tudo.
- Vamos! Respondeu a criança.
Eles a envolveram em dois feixes de luz e ela
refulgiu. E como a uma pluma ergueram-na e se desprenderam para o alto. Era um
voo mais do que fácil e ela olhou para baixo vendo Calunga cada vez mais
distante, acenando com alegria e felicidade.
*
* *
Com a morte da filha, Almeida isolou-se por
algum tempo. Deixou a mansão e largou a direção da fábrica a cargo de seu
vice-presidente. Ninguém sabia por onde ele se enfiara, nem mesmo Luiza. Depois
ele voltou magro e abatido. Chamou a governanta e comunicou-lhe ter pensado e
sofrido muito, não desejando morar mais nesse lugar onde vira a esposa e a filha morrerem e onde somente
recordações tristes encheriam sua vida. Lembrando Rosinha, e o que ela
certamente aprovaria, iria transformar a propriedade num grande orfanato, com
isso talvez conseguisse amenizar em si o tremendo remorso que carregava na
alma.
Assim foi feito. Logo a propriedade foi
mudada em alguns aspectos com moderno projeto adaptado à nova situação. Muitas
crianças encheram de outra vida as dependências da mansão. Bosque e pomar
ecoavam suas vozes em horas de lazer e aprendizado ao ar livre. Luiza dirigia e
ocupava-se. O orfanato tinha voluntários de ensino, assistência médica,
alimentação sólida e tudo mais que necessitasse para a formação de futuros
cidadãos e cidadãs. E Luiza viu desfilarem ante seus olhos muitos corpinhos
desprezados por pais egoístas ou visitados pela fatalidade, amando-os
profundamente com carinho e tolerância. Almeida cumpria fielmente a promessa de
nada deixar faltar-lhes, porém jamais voltara ao lugar, embora se casasse
novamente e tivesse a felicidade de ser pai três vezes.
Em momentos de descanso, Luiza buscava
refúgio à beira do lago a meditar. Em algumas ocasiões, ao longo dos anos,
voltavam-lhes recordações de Rosinha e de tempos em tempos, nesses instantes,
pressentia uma forma translúcida coberta de azul a pairar adiante e a
acenar-lhe por inteiro, por vezes acompanhada de outra envolta em vermelho
suave. Ela então exalava suspiros, sua alma lavava-se das tristezas e preocupações
e acalentava novas esperanças. Rosinha estava bem, melhor do que nunca, em
breve a veria e a abraçaria novamente!
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Rayom Ra
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