Para acompanharmos, por alguns séculos, o Cristianismo na Provença, nos é forçoso recuar a um momento anterior à sua entrada oficial na região. Outros elementos, que não apenas aqueles trazidos pelo Império Romano, quando fez dele, também na Gália, o culto oficial do Estado, conjugaram-se para formá-lo tal como nos é mostrado ali hoje, deixaram raízes que sobrevivem nas crenças religiosas provençais.
A Provença situa-se no lado oriental da antiga "Província Narboneza" criada pelos romanos, quando estes necessitaram, ao final do ano 200 a.C., conquistar para Roma o território gaulês, próximo á costa mediterrânea, localizado entre os Pirineus e os Alpes, a bem de terem uma livre entrada para a Espanha, que já lhe era submissa.
A Itália, por seus invasores, marcaria a região, para sempre, com a sua cultura. Imprimiria nos provençais a facilidade de comunicação exuberante de seu povo, que hoje ainda os distingue, tanto do francês do norte. As raizes romanas ali implantadas, somente iriam aumentar as diferenças causadas por uma geografia que por si só, tornaria diversa a Provença. Quem chega, ou das rotas do Delfinato, ou do Massiço Central, ou das margens do Garonne, sempre se surpreenderá. Notará, ofuscado, seu céu cheio de luz, seus grandiosos rochedos calcáreos, o solo pedregoso, passará por camponeses rosados pela quentura causticante do sol, falando o seu incompreensível "patois" provençal.
Entrados num universo geográfico absolutamente diverso do restante da Gália, os romanos encontram nele os celtas, com seu viver seminômade, com sua religião totêmica muito rudimentar, que englobava faunas sagradas, tabus e ritos. E a única autoridade à qual tiveram de fazer face foi justamente uma autoridade sacerdotal, que exercia sobre a população uma influência, não só religiosa como administrativa: A Ordem dos Druídas.(1)
(1) "Druídas [Do celta derw, carvalho.] - Eram os Druídas uma casta sacerdotal que floresceu na Bretanha e Gália. Eram iniciados que admitiam mulheres em sua ordem sagrada e as iniciavam nos mistérios de sua religião. Nunca colocaram por escrito os seus versos e escrituras sagradas, senão que, à semelhança dos brahmanes da antiguidade, os confiaram à memória; fato que, segundo afirmação de Cesar, necessitou de vinte anos para se cumprir. Como os parsis, não tinham imagens nem estátuas de seus deuses. A religião celta considerava como uma ímpia irreverência representar um deus qualquer, ainda que de menor importância, numa figura humana. Bom teria sido que os cristãos gregos e romanos houvessem aprendido esta lição dos "'pagãos" druídas. Os três principais mandamentos de sua religião eram: "'Obediência às leis divinas; Interesse pelo bem da humanidade; Sofrer com fortaleza todos os males da vida" (HPB)" - (Rayom Ra)
O certo é, que a religião recebeu, para a sua composição étnica, também elementos da remota Hélade, através da Itália antiga e das Ilhas do Mediterrâneo, e os costumes druídicos, como seus cerimonias nos fazem crer, provém da Grécia Órfica. A confraria contava, para seu uso próprio e relacionamento com o povo, de uma organização hierárquica composta por sacerdotes e sacerdotisas que tinham a seu encargo: administrar a justiça criminal e cível; prever acontecimentos futuros; realizar sacrifícios; transmitir ciência e educação e ainda exortar o povo a atitudes virtuosas.
Dos sacerdotes, os mais amados eram os dois últimos, devido ao costume dos gauleses de criarem os seus filhos ou pelos Druídas, ou por famílias estrangeiras (o que estabelecia um relacionameento afetivo entre mestres e discípulos) e os últimos chamados "Bardos", por suas exortações através da música, e de uma oratória poética, cheia de sabedoria, o que lhes valeu o título de "Os Sapientíssimos".
A adoração às Deusas-Mães, algo similar ao amor grego à mãe-natureza e à mãe-terra, sobressaía-se como forte característica dos Druídas. Em seus colégios, a maioria das oferendas e ritos lhes era dirigida e a arqui-sacerdotisa, sua repreentação terrena, contava com a mais absoluta veneração, vendo-se nela um canal onde a energia da Deusa era transmitida ao apelante. Apesar dos historiadores romanos se referirem aos Druídas com grande admiração, colocando-os sempre separadamente do que consideravaam o barbarismo celta e ter Cesar, nos anos de sua expansão no restante da Gália, identificado até certos deuses gauleses aos deuses romanos, o certo é que os Druidas passaram a constituir uma ameaça aos representantes de Roma, pela grande importância de seus colégios.
Afirma-se que foram exterminados pelo governo romano no século I de nossa era. No entanto, o mais provável é que tenham ido esconder os seus ritos mais para o norte, longe da Provença e da proximidade da Itália, pois encontraremos citações a eles nas lendas arturianas, como ainda existentes no século VI.
Surpreendentemente também, pelo tempo de Carlos Magno, a principal de suas devoções, aquela dirigida à árvore do carvalho, da qual o visgo mágico curador era retirado, apenas pelos sacerdotes druidas, com o seu podão de ouro, foi objeto de acirrada devastação.
Um século após a invasão da Gália por Cesar, o culto cristão, o primeiro monoteísta no Ocidente, entraria ali para agir também clandestinamente, esquivando-se aos olhos do império. E os Druidas teriam deixado uma grande contribuição à mente cristã, a lição que nos será de valia através das eras: o seu amor à natureza e à liberdade. Os seus sacerdotes possuíam o autêntico sentido da Onipresença, da força espiritual difundida. Deus em tudo, que é um dos conceitos teológicos do Cristianismo, mas que poucos cristãos conseguiram ainda ter dele qualquer percepção.
Para seus cultos, não haviam paredes necessárias. Seus templos eram todo e qualquer ponto da natureza. Aonde existisse um lago, um bosque, uma pedra, ali encontravam o sagrado, entravam com ele em comunhão mística. Haviam transcendido já a adoração temerosa dos primitivos, tão frágeis ante as forças naturais, tratavam-na com a intimidade de quem a usa quando dela necessita para reabastecer-se espiritualmente ou repousar. Ela fazia parte de seus pensamentos e emiscuia-se em todos os seus atos. Amor igual à natureza só iria aparecer muitos séculos depois, com Francisco de Assis, em sua identidade ao irmão sol, ao irmão vento, à irmã lua...
Muitos cristãos procuram ainda hoje, a oeste do rio Rhone e da Provença, junto aos bosques do Moulins, na Cordilheira de Cevennes, os locais das suas cerimônias, levados pelo desejo de achar o sentido da Onipresença, que inspirava o homem celta druida. A sua crença muito forte, numa natureza toda povoada por seres parecidos aos homens, invisíveis à maioria de nós; seres benfazejos, fadas principamentes, o animismo druidico, enfim, é também uma duradoura herança deixada por eles na alma provençal. Um exemplo disto se encontrará na pequena cidade de Moustiers. Seus habitantes afirmam que entre as suas duas rochas principais, próximo à subida para a Igreja Notre Dame de Beauvoir, existe o "Caminho das Fadas". Ali, aqueles que amam a quietude dos bosques, poderão encontrá-las.
Ao chegar à Gália, o império de Roma trouxe toda uma cultura religiosa também pagã, cujos deuses, com nomes romanos, eram os mesmos do Olimpo grego. Adotaram então alguns deuses celtas, segundo o uso romano de assimilar a cultura dos vencidos.
A cidade provençal de Nimes, chamada posteriormente "A Roma francesa", devido as suas inúmeras relíquias daquele império, fora antes da chegada dos romanos um santuário da deusa Neumasus (primitivo nome da cidade) e lá, à beira de um riacho, a população celta venerava esta deusa. Juntamente com os habitantes locais, os romanos passaram também a adorá-la e assim comportavam-se sempre em outras localidades.
Hoje, a cidade possui um dos mais importantes museus arqueológicos da França e, ali, os estudiosos poderão encontrar a bela cabeça de Júpiter-Serapis e também, recolhida ao Museu da Antiguidade, a magnífica estátua de Apolo, entre outros atestados do Paganismo romano. Lembremos, ao visitar as grandes cidades da região sedes das antigas administrações imperiais, como Aries, Orange, Riez, Vaisonia-Romaine, etc., que no primeiro século antes de Cristo, um século após chegarem à Gália, os romanos atravessavam a sua "Idade de Ouro", o "Século de Augusto", deixando por onde se estabeleciam, as marcas de sua grandeza artística.
A nós, americanos, que não convivemos com vestígios de um passado tão longínquo, é dificil imaginar que o privar cotidiano com os deuses, vê-los sempre representados por obras de arte, fazem dos conceitos que estas obras representam, conceitos eternamente vivos, integrados sempre àqueles novos que chegam. É de se concluir que, mesmo após a vinda de um credo de tanto vigor emocional como o Cristianismo, nas cidades de herança artística, em tão grande número na Provença, o Paganismo o tenha constantemente permeado.
As representações de divindades pagãs, infelizmente, à entrada oficial do culto cristão, pelas mãos dos próprios romanos, foram objeto de terríveis estragos. Contudo, a linha esotérica do Cristianismo nunca concordou com as perseguições do Monoteísmo ao Paganismo, pois coloca entre seus postulados religiosos aquele: "Diversidade na Unidade". Segundo ele, a adoração feita por um tribal a uma tora de madeira, poderá perfeitamente dirigir-se ao Divino, incluso como Ele é, no Todo.
Aqueles vestígios provençais são atestados de que, também ali, o evoluir dos ciclos históricos, onde o entendimento do Absoluto tende sempre a representá-lo de forma cada vez mais abstrata e simbólica, onde a diversidade do Politeísmo foi sucedida pelo Monoteísmo, ao invés de ter sido feita espontaneamente, através do conhecimento cultural, o foi por imposições violentas que agrediram, como fizeram, o livre crescimento da consciência religiosa do homem provençal.
[Helyette Malta Rossi - FEEU]
Rayom Ra
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