segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os Cátaros - Extratos da Sua História

       O fenômeno cátaro apareceu no Ocidente por volta do século X. Nesta época, os heréticos eram denunciados um pouco por toda a Europa. São muitas vezes qualificados de maniqueístas. O termo cátaro, que significa puro, apareceu mais tarde. Referindo-se aos cátaros da Renânia, o beneditino Eckbert, reitor da catedral de Colônia, informa-nos que eles celebravam uma festa em honra a Manés; e o bispo de Chalon, Roger, escrevia ao bispo de Liége para lhe indicar que os cátaros de sua diocese pretendiam receber pela imposição de mãos, o Espírito Santo, que não era outro senão o próprio Manés.

       Em 1017, encontram-se cátaros em Orleans. Foram queimados vivos após o julgamento em concílio de bispos. Em 1022, repetia-se a mesma coisa em Toulouse. Em 1030, na Itália, na região de Asti, descobre-se uma colônia de hereges que se designam já pelo nome de cátaros. São massacrados todos os membros da seita. Apesar das fogueiras, o movimento continua a alastrar; no século XII, encontramo-lo já mais ao norte, em Soissons, Liége, Reims, e até nas margens do Reno, em Colônia e em Bona, onde numerosos hereges são também vitimados pelas chamas. A Itália do Norte, atravessada frequentemente por viajantes búlgaros, foi um dos países mais atingidos e Milão foi durante muito tempo considerada como centro bastante ativo da heresia. O papa Inocêncio III, agindo com particular brutalidade, consegue, todavia, com grande esforço, conter a torrente.

       Mas é no sul occitano, nos territórios languedocianos e provençais do conde de Toulouse, que o catarismo deveria registrar os maiores sucessos. Em poucos anos, no fim do século XII, ao princípio do século XIII, o neomaniqueísmo desenvolve-se como um rastilho e conquista direito de cidadania nas terras visigóticas de Garona ao Mediterrâneo, e com tal força que a doutrina dos albigenses (nome dado aos cátaros de Languedoc) parecia em breve vir a triunfar sobre o catolicismo. Que doutrina era esta que tanto seduzia as multidões como aos senhores da mais alta estirpe?

       No sul languedociano, o catarismo é o ponto de convergência de duas forças: a primeira faz proceder o catarismo do maniqueísmo, religião que opõe duas forças iguais neste mundo: a luz e as trevas, o bem e o mal, o espírito e a matéria. O maniqueísmo, por seu lado, dimana largamente do culto esseniano (Essênios dos tempos de Cristo na Palestina), de onde Cristo é oriundo, por parte de sua mãe. Consideram-se o essenianos como formando o laço e o ponto de reencontro entre os platônicos ou pitagóricos, de um lado, e o budismo, de outro, o que nos leva a falar da segunda força de atração do catarismo.

       (...) Os essenianos, tal como os budistas, professavam o dualismo do mundo. Tinham três ordens de aderentes, com três graus de iniciação. Praticavam os banhos sagrados, como os brâhmanes e os budistas. Condenavam os sacrifícios sangrentos, abstinham-se da carne e do vinho e praticavam uma moral exemplar, segundo nos diz o historiador Flavius Josephe. Foi por intermédio dos essenianos que as idéias indo-persas passaram ao cristianismo. Mesmo Jesus, recebendo o batismo das mãos de São João, filiava-se na seita dos essenianos, para quem o batismo era um rito essencial.

       Não se pode esquecer, por outro lado, que a região de Garona é uma velha terra druída. Ora, os druídas, homens muito sábios, e isto apesar do que deles se disse, tinham uma filosofia bastante elevada. Acreditavam nomeadamente na migração das almas e na sua reencarnação após a morte. É nesse velho princípio pagão que veio enxertar-se a heresia arianista do século VII, à qual se converteram os reis visigodos. Assim, os condes de Toulouse, oriundos da nobreza germânica, eram os descendentes diretos destas famílias, não sendo, portanto, motivo de admiração, o fato de o catarismo ter encontrado na terra languedociana um lugar privilegiado para se desenvolver. Ao que sabemos, é certo e seguro que a doutrina cátara é mais do que uma simples heresia. Em muito separa-se do cristianismo tradicional e rejeita todos os dogmas da Igreja Católica.

       (...) Esta crença tem por corolário que a alma, para atingir a perfeição, deve ser purificada da sujidade material e do contato com a carne. O ideal é, portanto, a castidade que conduz à salvação. Todavia, como tal doutrina implicava numa disciplina muito rigorosa, a massa dos crentes não era obrigada a praticá-la estritamente. O ascetismo restringia-se aos perfeitos, pequena elite de sábios capazes de receber a iluminação do conhecimento. Abstendo-se de matar qualquer animal, respeitando a natureza em todas as suas manifestações, os perfeitos, sempre vestidos de negro, "uma tiara persa na cabeça, pareciam-se com os brâhmanes ou com os acólitos de Zoroastro. Logo que terminavam as suas cerimônias, de um rolo de couro que traziam sempre consigo sobre o peito, tiravam o Evangelho de São João e liam-no em voz alta" (Otto Rahn - La Croisade Contre le Graal).

       Os cátaros não possuiam um lugar predileto para praticar o seu culto: a natureza oferecia-lhes os bosques e os campos; os senhores os seus castelos; os burgueses as suas casas. Disse-se que eles queriam destruir a família, o que é falso, pois aprovavam o casamento "civil" para os simples crentes. (...) Não temendo a morte, acontecia, por vezes, que os perfeitos se deixassem morrer por endura. A sua doutrina - afirma Otto Rahn - permitia, como a dos druídas, o suicídio; exigindo, todavia, que se pusesse fim à vida não por lassitude de viver, por medo ou por dor, mas por um estado de perfeito desinteresse na matéria. Sempre, segundo este autor, os cátaros efetuavam o endura a dois: "o irmão, ao lado do qual o cátaro tinha passado, na mais ideal amizade, anos de esforços contínuos e de espiritualização intensiva, queria, ainda, concertado com ele na outra vida, a verdadeira vida, gozar as belezas apenas pressentidas no Além e as revelações das leis divinas que movem os mundos".

       Para por fim aos seus dias, escolhiam entre cinco gêneros de morte: envenenamento, fome, cortando as veias; atirando-se a um precipício, ou mergulhando em água gelada após um banho quente, o que provocava uma congestão pulmonar. Certos indícios permitem supor que os albigenses escolhiam, por vezes, o suicídio em grupo. Numa cripta da montanha do Are, não longe de Carcassona, encontraram-se esqueletos datando da época que nos interessa, deitados circularmente, as cabeças no centro e os pés na circunferência, como os raios de uma roda perfeita. "Aqueles que se estenderam para morrer numa secreta solidão, e desenharam com seus corpos uma figura geométrica de roda, procuraram esse meio estranho e inusitado porque era um rito excepcionalmente importante e de que esperavam um resultado sublime". Maurice Magre pensa que esta forma de morte era já conhecida na Bretanha, na Ilha Tiviec, há mais de cinco mil anos e seria um costume dos povos descendentes dos antigos atlantes. Todavia, a prática do endura não conduzia fatalmente à morte. O mais frequente era tratar-se de um jejum prolongado de purificação, durante dois meses, cortado por pequenas pausas, em que os ascetas comiam pão e bebiam água.

muro do castelo de Montsegur
       (...) Entretanto, acumulava-se no céu occitano, em 1207, o legado pontifício Pierre de Castelnau, que em vão procurava congregar os senhores meridionais contra os albigenses, excomungando o conde de Toulouse, Raimundo VI. Sentindo aproximar-se o perigo, os cátaros procuraram um lugar onde pudessem refugiar-se em caso de ataque. Já podiam contar com os castelos de Quéribus, Puylaurens e Peyrepertuse. Mas foi Montségur, no meio dos Pirineus ariegenses, que os heréticos escolheram como lugar espiritual por excelência. Para este efeito, pediram, com êxito imediato, a Esclaramonde de Foix e ao senhor da região, Ramon de Perelha, ambos fervorosos albigenses, que reerguessem o castelo de Montségur, que estava em ruínas.

       "É assim que Montségur, a cidadela que protegia a montanha sagrada do Thabor, Parnaso da România, foi fortificado e organizado. Semelhante a um barco, conseguiu durante meio século afrontar o caudal de sangue e de crimes que em breve caiu sobre a România, e que finalmente iria afogar a sua cultura e civilização!". Uma verdadeira guerra de secessão vai desenrolar-se; o Sul da França ergue-se como um só bloco contra os exércitos do Norte (vinte mil cavaleiros, duzentos mil peões) que reunidos em Lion, atingem o vale do Rhône a 24 de junho de 1209, provenientes de todas as regiões situadas ao Norte do rio Loire.

       Otto Rahn faz uma colorida descrição desses bárbaros vindos do Norte que queriam terminar completamente a conquista das províncias meridionais, começada setecentos anos antes por Clovis: "Na frente cavalga o sombrio e irreconciliável abade de Citeaux, - o chefe das forças cristãs contra os heréticos albigenses. Semelhante a um cavaleiro do Apocalipse, galopa, o burel ao vento, através do país que não adora o seu Deus. Atrás, marcha o exército dos arcebispos, bispos, abades e monges. Ao lado dos príncipes da Igreja cavalgam os príncipes leigos, nas suas armaduras refulgentes de aço, prata e ouro. Depois vêm os brilhantes cavaleiros com seus mercenários; Roberto-Sem-Ter, Que-Não-Bebe-Água - Deus sabe os seus nomes! Seguidamente, os citadinos e os camponeses, e atrás, finalmente, aos milhares e milhares, o refugo da Europa; os debochados, salteadores, e no Templo de Vênus, montados sobre quatro rodas, as meretrizes de todos os países possíveis".

       E é a conquista e o saque de Béziers, em 21 de Julho de que toda a população foi massacrada (vinte mil pessoas), heréticos e ortodoxos misturados na Igreja da Madalena. "Matai-os a todos, Deus reconhecerá os seus!", teria gritado o legado do papa. Depois é a vez de Carcassona, que vê Arnaud-Amaury, apoderar-se, por traição, do Visconde Trencavel, sob o pretexto de negociações.

       Em 1220, na pequena vila de Lavaur, os cruzados repetem as suas exacções: todos os habitantes, sem distinção de credo, de idade ou de sexo, são passados a fio da espada, e a castelã do lugar, Geralda, é atirada ainda viva para um poço, seguidamente atulhado com pedras. Os cátaros dão assim prova da sua coragem, da sua fé. Em Goslar, preferem ser enforcados a matarem uma galinha; em Minerve, no Hérauld, onde se rendem a Simon de Montfort, após uma resistência encarniçada, cento e cinquenta heréticos atiram-se voluntariamente às chamas entoando cânticos.

       No lugar em que parecia ter se concentrado o gênio humano, jaziam mais de um milhão de mortos, número que a supressão de todas as outras heresias não atingiu.

       A verdadeira causa do grande massacre dos albigenses, a sua causa oculta, mas verdadeira, era que o segredo dos santuários, o antigo ensinamento dos mistérios tão ciosamente guardado em todos os templos do mundo por todas as confrarias, tinha sido revelado. Compreendera-se, por conseguinte, que os acontecimentos desse tempo não tinham jamais sido vistos na história do Universo.

       Montségur, templo do catarismo, no entanto, erguia, ainda, como que num desafio à ortodoxia, as suas muralhas invioladas. Já em 1209, Guy de Montfort recuara perante as dificuldades de cercar a montanha. A morte dos inquisidores dominicanos de Avignonet foi o que deveria decidir o cerco e a queda da fortaleza. A investida contra o Pog começou na Primavera de 1243, mas seis meses depois o cerco pouco tinha progredido. Os cátaros, beneficiando de numerosas cumplicidade em todo o país e sem dúvida também no exército real, comunicavam com o exterior. Mensagem de estímulo chegavam da Itália, do Santo Império Germânico e mesmo de Constantinopla. O bispo cátaro Bertrand d'En-Marti encorajava os sitiados.

       Finalmente, o senescal de Carcassona, Hughes des Arcis, que dirigia a cruzada, conseguiu terminar com a resistência utilizando a traição. Um guia, conhecedor de certo caminho secreto, conduziu um grupo armado à plataforma cimeira. Uma crônica  do tempo conta-nos que, quando se fez dia, os voluntários da escalada noturna sobressaltaram-se de terror à vista do inverossímel caminho percorrido durante a noite. Daqui em diante, a rendição da fortaleza é apenas uma questão de tempo. No dia 1 de março de 1244, foi assinada uma trégua pelas duas partes e a 16 do mesmo mês a cidadela se rendia. Duzentos cátaros, entre os quais cinquenta perfeitos, recusando-se renunciar à sua crença, preferiram morrer na pira erigida num campo, que recorda, com o seu nome, o sacrifício dos "heréticos": O Campo dos Cremados (ou Campo dos Queimados).

       Quanto ao tesouro dos heréticos, Pierre-Roger de Mirepoix recebeu autorização para o levar. Compunha-se de objetos preciosos, moedas de ouro e de prata. Mas o verdadeiro tesouro dos cátaros, espiritual, o Graal, onde se encontraria? Os documentos da Inquisição confirmam que, na noite anterior à capitulação, quatro albigenses foram descidos por cordas ao longo da parede rochosa (Amiel Alcart, Poitevin, Hughes e Alfaro) e conseguiram fugir para as montanhas levando com eles o objeto sagrado. A tradição conta que, quando o Graal foi colocado em lugar seguro, uma chama brilhou na montanha vizinha anunciando aos cátaros que podiam morrer em paz. O Graal-pedra, ou Livro Sagrado, foi sem dúvida escondido numa das numerosas grutas de Sabarthez, o que esclarece a lenda que Otto Rahn recolheu da boca de um velho pastor.
                                            ["Hitler et La Tradition Cathare"/Jean-Michel Angebert]

Rayom Ra

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