PEDRO
PINOTE E O VELOCINO
Capítulo I
Notícias de Tião
Tião não aparecera nas costumeiras reuniões
de início de noite, após o jantar, e não fora à escola, o que agora causava
estranheza.
- Alguém viu o Tião hoje? – perguntou Edu.
- Eu
não! – respondeu prontamente Jorge.
-
Também não! – respondeu igualmente Antônio Carlos, enquanto os demais faziam
sinal negativo de cabeça.
- Que
será que aconteceu! – indagava ainda Edu.
- Vai
ver ele saiu! – aventurou-se Jorge.
- Mas assim sem avisar e nem ir pra escola? –
Edu insistia.
- Ué! E precisa avisar? – perguntou Zecão,
fingindo desinteresse - Às vezes acontece de repente e não dá tempo.
- É...! - concordou Dino – E depois, como é
que ele ia avisar pra todo mundo. Ia ser um trabalho danado!
- Avisava um e aquele ia avisando todo mundo!
– ensinou Jorge.
- Quem,
por exemplo? – a curiosidade de Edu era agora maior.
- O Zecão! – apontou secamente Jorge.
- Eu? Por que eu? – reclamou alto.
- Você não vive dizendo que é o líder do
grupo? Então tinha de ser você – continuou Jorge.
- Eu não sou empregado do Tião! – respondeu
bruscamente começando a ficar vermelho - Tem graça sair por aí, de casa em
casa, ou lá na escola: olha o Tião viajou. Fulano, o Tião mandou dizer..., tem graça!
– já se indignava
- Tem
nada de mais – comentou Antônio Carlos, sentando-se e encostando-se ao muro.
- Tem sim, eu não sou empregado de ninguém! –
Zecão fazia questão de repetir, desta vez falando mais alto.
- Calma,
Zecão, assim a rua inteira vai ouvir que você não quer ajudar o Tião – disse
Dino debochando da situação.
-
Dane-se, não quero mesmo! – gesticulou jogando a mão adiante.
- Vai ver é por isso que ele não avisou que
ia viajar – falou Antônio Carlos na mesma posição, olhando para o chão,
evitando encarar Zecão.
- Isso o quê? – fingiu-se de desentendido
Dino.
- Que ninguém ia mesmo ajudar, nem o Zecão –
completou Antônio Carlos. Zecão não se conteve e esbravejou:
- Até você, Tonho, que quase não fala,
resolveu hoje pegar no meu pé? Antônio Carlos levantou os olhos e deu um riso
meio amarelo.
- Oi, turma! – saudou Japonês, se
aproximando.
- Oi! – responderam dois deles.
- Já souberam do Tião? – ele passou os olhos
em todos.
- É..., ele viajou e nem quis avisar pro... -
Dino parou de repente, mas completou rapidinho - pra ninguém.
- Viajou? – Japonês conseguiu franzir a testa
– Viajou?
- Mas ninguém sabe direito pra onde –
explicou Jorge.
- Como é que pode? – Japonês se mostrava pra
lá de surpreso.
- Podendo, ué! – Dino deu de ombros.
- Mas..., mas como é que ele não me disse
nada? – Japonês parecia inconformado e coçava a cabeça.
- Pra nós também não, aquele careta prosa.
Vai ver até pegou um trem lá pro interior e está agora numa boa. Ele não dizia
que era da roça? – afirmava e perguntava Jorge.
- Dizia - respondeu Edu – contou umas
mentiras por aí; disse que o pai dele antes de morrer era fazendeiro e outras
coisas.
- Mas..., mas... – gaguejava Japonês.
- Que nada! – interferiu Dino – vai ver ele
foi mesmo é de ônibus. E já deve ter chegado!
-
Ônibus anda menos que trem. O meu pai falou que por estrada de ferro é mais
rápido – afirmou Edu.
- Aí depende – intrometeu-se Zecão, parecendo
ter um coelho na cartola – se o trem tiver de subir montanha ele vai quase
parando. Neste caso o ônibus pode andar mais depressa.
- Nem sempre. Tem ônibus que sobe também
muito devagar – informou Jorge.
- Mas na hora de descer o trem se manda e
deixa o ônibus, ó, longe! – afirmou de novo Edu, fazendo gesto com a mão e
estalando os dedos.
- Ele
vai contar que até caçou onça – disse Zecão, voltando à Tião.
- Que tomou banho no açude e mergulhou sei lá
quantos metros – adivinhava Dino.
- Mas..., ele não pode! Ele... - Japonês
tentou informar qualquer coisa, movendo negativamente o dedo indicador da mão
direita.
- Por
que não? Ele sabe nadar. Bem, quer dizer..., pelo menos vive contando que sabe
– lembrou Edu.
- Conversa, ele nada mal pra burro! – Zecão
voltava a criticar - Eu já vi lá no lago, um dia. Ele quase afundou. Eu tive
que tirar ele de dentro d’água.
- No
lago, Zecão? Mas não é proibido? Tem até guarda tomando conta, por causa dos
peixes – admirou-se Jorge e confirmando o motivo.
- É que..., bem, foi num dia desses aí, depois do jogo do Brasil. Tinha ninguém, nenhuma alma viva por lá – respondeu sem graça.
- Viva
alma! – corrigiu-o Antônio Carlos de seu canto. Zecão já ia de novo protestar,
mas Japonês interrompeu:
- Ele não foi, turma, eu...
- Foi
sim! Não sou mentiroso, não, ouviu! – Zecão reagiu novamente.
- Desta vez é verdade sim. O Tião me contou
que já tinha mergulhado no lago – confirmava Dino – mas esta história de se
afogar ele não me contou.
- Que afogar? Quem falou em afogar? – Zecão já
estava pra lá de irritado – Eu disse só que ele quase afundou, não falei nada
de afogar!
- Ah
bem...! – fez Dino com cara fingida, como se somente agora tivesse entendido
tudo.
- Quando ele voltar de viagem vai ter tanto
lê-lê-lê, que eu não vou querer nem ouvir – afirmou Jorge com certo desânimo.
- Mas ele não viajou!!! – berrou Japonês, assustando todos, logo
tentando retomar o tom de voz normal - Quero dizer..., se viajou antes já
voltou, mas não me disse nada – Japonês se atrapalhava nas explicações.
- Como é que você sabe? – perguntou Zecão.
- Eu estou vindo da casa dele. Ele está
doente, lá na cama – falou finalmente, aliviado.
- Doente? – surpreendeu-se Edu.
- É..., com problemas gastos... – tentava
explicar.
- Gastos? Que é isso? – perguntou Dino.
- É aqui, ó..., na barriga, dói muito né! –
mostrou batendo com a mão aberta no estômago.
- Gástricos, seu burro! – corrigiu-o Antônio
Carlos.
- Então
é... Ele pediu pra eu avisar todo mundo, e a professora dele na escola, só que
amanhã não tem aula.
Silêncio. Zecão olhou para o chão e coçou a
orelha. Edu lançou olhar para Antônio Carlos e depois também para o chão. Jorge
e Dino somente miravam Japonês. Como ninguém falasse Japonês recomeçou:
- A mãe dele disse que ele vai precisar ir ao
médico, mas ela não pôde ainda levar ele – os meninos voltaram todos a encarar
Japonês.
- Por que não? – perguntou Jorge.
- Porque ela não pode faltar ao trabalho.
Aliás, ele ficou sozinho na casa todo o dia.
Antônio Carlos pensou em corrigir as últimas
palavras de Japonês, mas diante da situação perdeu o ânimo.
- Mas
eu acho que é outra coisa – prosseguiu Japonês.
- O quê – perguntou Dino bastante curioso.
- Ela
não tem dinheiro pra pagar o doutor – completou, olhando novamente para todos.
- Chi.... – lamentou Dino.
- Mas
não tem o hospital do I..., INES... – gaguejava Jorge
- INSS! – ajudou-o Antônio Carlos.
- É,
esse daí! – apontou para o colega.
- Já se esqueceu da greve? Está dando na
televisão. Tem cada fila que não tem mais tamanho! – lembrou Edu.
- É mesmo! – concordou Jorge desanimado.
Novamente silêncio. Ninguém tinha qualquer
outra ideia. Passou quase um minuto até que Dino quebrou aquele vazio:
- Será que isto mata?
- O que? O problema do Tião? Não sei! –
perguntou e respondeu Jorge.
- Acho
que não – respondeu Edu.
- Acho que sim – Japonês surpreendeu a todos.
- Como é que você sabe? – perguntou Jorge.
- Saber direito eu não sei, mas pela cara
dele... – ele encolheu os ombros, afundando mais ainda o pequeno pescoço,
passando uma ideia muito dramática.
- Que é
que tem a cara dele? – Jorge hoje estava realmente muito perguntador.
- Bem..., tava esquisita, né!
-
Esquisita, como? – a curiosidade era geral, mas Dino perguntou primeiro.
- Assim..., parada. Depois ele me disse que
doía a barriga quando comia, e não podia comer.
- Só por isso? – A inquirição de Dino
simplificava tudo.
- É, né..., quem não come morre! –Japonês de
novo complicava o problema.
- Mas demora – resolveu Edu – meu pai disse
que pra morrer de fome a pessoa precisa ir desfinando.
- Desfinando? Como é? – interrogou-o Jorge.
- É ir ficando fino, ora! – respondeu Edu com
absoluta certeza.
- É definhando, cavalgadura! – Antônio Carlos
mais uma vez não aguentou.
- Coitado do Tião... – lamentava Jorge
ignorando o resto.
- Olhe Turma, eu tive uma ideia - falou Dino
subitamente - topa a gente ir lá agora visitar o Tião?
- É mesmo, a gente até que podia – Edu gostou
da ideia.
- Então
vamos? – convidava Dino.
- Péra aí, péra aí! – interrompeu Jorge com
energia – todos o olharam. Ele ficou sem graça, mas continuou – a gente não
sabe se a doença dele pega. E se pegar...?
Eles se entreolharam. Jorge podia ter razão.
- É mesmo! – concordou meio desanimado Dino,
o autor da ideia da visita.
- Se todo mundo pegar podemos morrer! – A
lembrança de Edu já era uma ameaça.
- O Japonês teve lá e não pegou! – lembrou
Dino, embora antes tivesse concordado com Jorge.
- É cedo ainda pra saber, ele já pode estar
contaminado – continuava Edu – depois,
têm certas doenças que aparecem mais tarde. A pessoa ta toda ruim e não sabe.
Meu pai que falou.
- Besteira! – interrompeu Zecão depois de seu
longo silêncio, talvez com um pouco de remorso por ter criticado Tião.
- Besteira nada! Pode perguntar pra quem sabe
– confirmava Edu com infalível certeza.
Japonês,
agora assustado, perdera a fala. Olhava de um para outro dos meninos enquanto
discutiam, já começando a sentir alguma coisa estranha que não sabia direito o
que era. Zecão resolveu explicar seu pensamento:
- A gente só se contamina se fica muito tempo
no quarto com o doente, ou se come com ele. Assim, de uma vez só é difícil.
- Será?
– duvidava Jorge.
- Claro, continuou Zecão, não é assim também
não – sua certeza parecia desafiadora –
escute, Japonês, quanto tempo você ficou lá com o Tião?
-
Ah..., eu..., meia hora! – respondeu nervoso.
- Meia hora? – repetiu interrogativamente
Zecão.
- Aí já
dá! – afirmou Dino com segurança.
- É..., meia hora – repetia pensativo Zecão –
mas só no quarto?
- É né... – mordia o dedo Japonês – mas...,
mas – gaguejava e não conseguia explicar – a mãe dele também estava lá! –
finalmente completou.
- Ué, e que é que tem a mãe dele? –
interferiu Edu – Mãe é mãe. Nelas essas coisas não pegam. Pegam mesmo é na
gente!
- Será que eu vou morrer também? – Japonês já
mostrava certo desespero. Eles todos deram um passo atrás e Japonês se sentiu
definitivamente morto.
- Se eu fosse você, Japonês, corria pra casa
e contava tudo pra sua mãe – aconselhou-o com toda a fé Antônio Carlos.
- É, de
repente ela tem um remédio lá pra ajudar – Edu mostrava imensa camaradagem. Não
precisou mais nada. Japonês rodopiou nos calcanhares e saiu em grande carreira,
quase atropelando Magriça que neste instante chegava.
- Que houve com o Japonês? Por que ele está com cara de choro?
- Ele foi pra casa se tratar, coitado, pegou
a doença do Tião – respondeu Dino.
-
Ninguém sabe ainda. Pode ter pegado e pode não ter! – Jorge não tinha tanta
certeza.
- Que doença? O Tião está doente?
- É, com problemas gás..., no estômago, pode
até morrer. Não está comendo nada – tentava explicar Edu.
- Chi... – Magriça fez careta.
De novo silêncio. Jorge foi sentar-se ao lado
de Antônio Carlos, se encostando ao muro, e os demais o seguiram, exceto
Magriça. Este olhava para o extremo da rua tentando enxergar Japonês. Mas ele
já havia desaparecido.
- Sabem
quem eu vi inda pouco? – recomeçou Magriça. Ninguém respondeu, talvez achando
que não era mais importante do que a doença do Tião.
- Seu
Leal! – resolveu então dar a notícia.
- Seu
Leal? Ele já está de volta? – animou-se Dino.
- É...
– confirmou simplesmente Magriça. Porém nada mais falaram. Magriça ainda meio
sem ambiente olhava de novo para a distância e murmurava:
- Coitado do Tião, será que é grave mesmo?
CAPÍTULO
II
A VISITA
Dia seguinte pelas nove da manhã eles de novo
se encontraram. Só que desta vez pelos lados da casa velha, sem que houvessem
combinado. Cumprimentavam-se com um “oi” desconfiado, e ficavam por ali. O
último a juntar-se foi Dino. Somente faltava Tião e, naturalmente, Japonês.
A casa velha, por sinal, não era mais velha.
O nome permanecera, mas ela houvera rejuvenescido. Naqueles trinta dias em que Leal se ausentara, a
casa passara por reformas. Todos os dias bem cedo um grupo de homens chegava e
começava a trabalhar. Às tardes, perto das seis horas, largavam tudo, tomavam
banho e se iam, voltando na manhã seguinte. Como o tempo ajudasse, não chovesse
neste mês, exceto por uma ou outra garoa rápida e não houvesse interrupções, o
trabalho fora concluído. A casa agora, com tábuas novas substituindo as velhas
e apodrecidas, com portas, janelas e telhado recuperados, fora pintada.
E não ficara somente nisto: uma nova calçada
fora feita em redor da casa e criaram jardins com tijolos decorativos pintados
à mão, margeando o muro; aplanaram o chão, plantaram grama, fizeram pequenos
alpendres para trepadeiras e estenderam a calçada até o portão principal. O
muro, da mesma forma, passara por reforma de cabo a rabo: buracos tinham
desaparecido. Ganhara bem maior altura e recebera excelentes demãos de tinta.
Tudo cheirava a novo..., ou a novidade!
O dia estava claro e o sol gostoso; isto dava
um sabor especial ao sábado. Mas eles já começavam a inquietar-se com aquela
situação de calma e tranqüilidade.
- Você tem certeza que era mesmo o seu Leal?
– finalmente perguntou Jorge, olhando para Magriça.
- Claro! Então eu não conheço ele?
- Podia se enganar; prosseguiu Jorge, foi de
dia ou de noite?
- De
tarde – respondeu Magriça simplesmente, com certa ironia.
- Ele
lhe viu? – indagou agora Edu.
- Não, ele estava com pressa.
- E nem
falou com você? – a pergunta agora vinha de Dino.
- Se ele não me viu como é que ia falar
comigo? Você faz cada pergunta!
- Sei lá... –
desculpou-se – podia ter visto e você não saber.
- Ah...! – fez Magriça mal humorado.
- Bom dia, garotada! – eles se viraram e para
surpresa geral era Leal, bem atrás deles, como uma saca de compras à mão.
- Bom dia! – responderam timidamente, meio
sem graça.
- Estão passeando? – perguntou sorrindo.
- É...,
a gente passava por aqui – respondeu Edu, bastante embaraçado.
- Então vamos entrar, lá a gente conversa.
Depois de um mês de ausência deve ter muita novidade. Vamos! – insistiu
gentilmente, encaminhando-se para o portão.
Eles o seguiram. Leal adiantou-se em direção
da casa a fim de levar as compras. Os meninos se instalaram nos bancos do Teatro
Jornada do Amanhã. Logo Esmeralda surgiu à porta, de vestido azul,
acenando-lhes. Zecão ficou vermelho, os outros se coçavam após responderem ao
aceno. Havia mais gente na casa, podiam perceber isto pelas vozes que ouviam.
Não demorou e Leal retornou, sentando-se num
dos bancos, procurando colocá-los à vontade:
-
Então, o que me contam de novidade?
- O
Tião está doente, pode morrer! – informou Edu de supetão.
- É
capaz do Japonês ter pego a doença dele! – Dino completou a informação.
- Nossa! – surpreendeu-se Leal – O Tião,
aquele escurinho? Mas o que ele tem de tão grave?
- É... – Edu tentou, mas não falou.
- Problemas gástricos! – ajudou-o Antônio
Carlos.
Leal solicitou-lhes para que relatassem tudo.
Eles foram falando às pressas, às vezes juntos, fazendo com que Leal
pedisse-lhes calma. Até Zecão, tímido diante de adultos, falou e explicou. Ao
final, Leal ficou pensativo. Depois lhes disse que aguardassem e entrou na
casa.
Minutos depois estava de volta, desta vez
acompanhado de outro homem e Esmeralda. Os meninos se sentiram de novo
envergonhados.
- Meninos, este aqui é meu irmão que mora
comigo; é pai de Esmeralda.
- Bom
dia, garotada, meu nome é João Leal. Eles responderam ao cumprimento e ficaram
atentos. O homem não se parecia nem um pouco com Leal. Era mais jovem, de
cabelos pretos e lisos e de bigode bem cheio. Leal prosseguiu:
- Meu irmão é médico e estudioso da natureza.
Contei-lhe o que se passa com o Tião e ele aceitou ir dar-lhe uma olhada. Vamos
lá agora?
Os meninos se entreolharam pelo inesperado,
mas nenhum se recusou. O médico entrou e rapidamente voltou, trazendo uma
valise abaulada. Saíram. Esmeralda não os acompanhou, o que de certa forma
aliviava os meninos. Já na rua Leal ordenou:
-
Alguém de vocês, vá procurar o Japonês e dizer-lhe para ir à casa do Tião. Meu
irmão irá examiná-lo também!
- Eu
vou! – prontificou-se de imediato Edu, saindo em disparada.
Pouco depois chegavam à casa do Tião – uma
casa humilde, porém de material, conservada com algum capricho. Ao portão
pararam e Leal perguntou-se:
- Será que ele está sozinho em casa?
Resolveu bater palmas. Logo a porta da frente
abriu-se e Sebastiana apareceu. Ao ver aquela gente toda se espantou, mas
sorriu meio nervosa ao reconhecer Leal, que foi logo falando:
- Bom dia, dona Sebastiana, desculpe
incomodar, mas soubemos que seu filho está doente e viemos cá fazer uma visita.
A senhora nos dá licença?
Ela veio abrir o portão e Leal apresentou-lhe
o irmão, explicando-lhe a verdadeira intenção da visita. Ela, satisfeita,
mandou-os entrar, indo os adultos à frente e os meninos, ressabiados, atrás, em
fila.
- Tião, tem visita pra você – informou-lhe a
mãe da porta do quarto. Tião rapidamente ajeitou-se, encostando-se à cabeceira
da cama. Eles foram entrando e se espalhando pelo quarto. Os meninos procuravam
ficar o mais longe possível. Ao ver aquele homem que não conhecia Tião
arregalou os olhos.
- Bom dia, Tião, como está hoje? - Leal foi
logo perguntando. Ele ainda de olhos arregalados fez gesto com a mão de mais ou
menos, passando a olhar fixamente para a valise do doutor João.
- Este aqui é meu irmão, doutor João,
prosseguiu Leal, veio para examiná-lo. Vamos saber agora o que você tem.
Tião continuava mudo. Sebastiana chegou-se
rapidamente, estendendo-lhe as mãos e falando com tal rapidez que quase
atropelava todas as palavras:
- Ande, menino, se arrume logo, o doutor vai
lhe examinar – ela puxou-o fazendo-o soltar um ai – senta na beira da cama que
eu vou buscar uma cadeira pro doutor.
Voltou logo com a cadeira colocando-a junto
ao médico. Ia sair para buscar outra, para Leal, mas ele não quis. O médico
então se sentou, pondo a valise sobre a cama, abrindo-a e retirando o
estetoscópio, o termômetro e pequena pá de aço. Os meninos, aos pés da cama,
acompanhavam tudo com a maior atenção. Tião se encolhia apertando os braços
contra o corpo.
O médico passou a examiná-lo, mandando-o
abrir a boca, introduzindo nela a pequena ferramenta. Os olhos de Tião se
arregalaram ainda mais.
- Calma, relaxe – falava doutor João – ponha
agora a língua para fora. Tião obedecia porque não havia outro jeito, porém mais
parecia um sapo apertado.
Doutor João fez exames completos: garganta,
olhos, coração. Examinou-lhe a pele, apertou-lhe o estômago, o fígado,
colocou-lhe o estetoscópio aos pulmões, mandando-o dizer trinta e três por três
vezes, o que causou aos meninos não conterem o riso. Depois, verificou-lhe os
ouvidos e colocou-lhe o termômetro sob a axila direita, olhando para o relógio.
Passados três minutos retirou-o e constatou:
- Está com febre: trinta e sete e meio; é pouca,
mas precisa ser cuidada – arcou-se então e remexeu dentro da valise. Tião não
suportando mais aquela expectativa finalmente indagou assustado:
- É injeção, doutor?
- Sossegue. Não é injeção, é só um
antitérmico que trago comigo, são comprimidos. Tião pela primeira vez relaxou
de verdade e até sorriu olhando para os amigos.
Doutor João voltou-se para Sebastiana
fazendo-lhe perguntas sobre o filho. Ela, nervosa, respondia a tudo, às vezes
até repetindo. Depois, ele retirou um bloco da valise e começou a escrever.
Sebastiana nem o esperou terminar:
- É grave, doutor?
- Não é nada grave, ele vai ficar bom –
respondeu tranqüilamente sem desviar os olhos do que escrevia.
- Graças a Deus! – exclamou Sebastiana
juntando as mãos. Neste exato instante surgem à porta Edu e Japonês, este
último de cabeça baixa, olhando por cima.
- Oi, turma, chegamos – saudou Edu com ar
vitorioso, como alguém bem sucedido numa importante missão.
- Muito bem, Edu, que bom ter trazido Japonês
– falou Leal, logo apontando de mão aberta em direção aos outros meninos – entrem,
juntem-se aos demais.
- Qual é a doença dele, doutor? – voltava a
perguntar Sebastiana.
- Não é doença. Ele deve ter comido ou bebido
qualquer coisa que lhe fez mal: frutas ácidas ou verdes, refrigerantes,
guloseimas em geral – coisas em excesso. Isto lhe atacou o estômago causando-lhe
problemas em todo o aparelho digestivo. Como a flora intestinal dele ficou
prejudicada, precisamos dar-lhe medicamentos para recuperá-la. Porém, nada
fabricado, exceto um purgante logo de início. Os remédios nós mesmos vamos
preparar.
O que Sebastiana entendeu de verdade foi que
Tião comera demais, de gulodice, tivera uma baita dor de barriga, que estava
tudo preso e precisava botar para fora. Agora doutor João ia fazer os remédios
para curá-lo de vez. João começou a explicar-lhe o que fazer, lendo para ela o
que escrevera. Disse que iria arranjar os ingredientes para que ela mesma fizesse
os remédios. Não ia gastar nada.
Tião voltara a encostar-se à cabeceira da
cama e observava os companheiros que cochichavam algo. Terminada a conversa
entre o médico e Sebastiana, o doutor levantou se dirigindo a Tião:
- Quanto a você, menino, permaneça ainda em
repouso por uns dois dias. Logo estará bom de novo!
- Seu Leal! – chamou Dino, mal o médico
encerrara as recomendações a Tião – quando o senhor vai contar outra história
do Pedro Pinote? Leal sorriu como sempre, isto lhe causava satisfação.
- Bem, podemos combinar de novo, que tal
neste domingo?
- Oba, legal! – aplaudiu Dino. Todos riram e
se alegraram, menos Tião. Ele cruzou os braços e ficou carrancudo. Leal
percebeu de imediato.
- Bem,
um momento – coçou o queixo e pensou. Eles aguardaram em silêncio – como o Tião
está doente e não vai poder ir ao teatro, eu tenho outra ideia. Tião já se animava, descruzando os braços e
abrindo bem os olhos – Dona Sebastiana, a senhora se incomoda da gente ficar
aqui conversando um pouco sobre o Pedro Pinote?
- Virgem Maria! Claro que não seu Leal, podem
ficar à vontade, o senhor, o doutor e os meninos!
- Ótimo.
João fica? – perguntou ao médico.
- Não, obrigado. Já conheço as histórias do
Pinote. E como não preciso examinar o Japonês porque o problema do Tião não
pega em ninguém, eu vou indo. Até logo pra todos! Japonês voltara a sorrir.
Doutor João os deixou acompanhados de Sebastiana. Ela voltou, logo falando da
porta:
-
Escute seu Leal, tem um banco de madeira ali na varanda do fundo, é só buscar
que dá pros meninos sentar.
- Boa ideia. Venham, garotada, vamos lá
buscar!
O banco foi trazido e cinco dos meninos o ocuparam.
Japonês e Zecão sobravam, mas não se importaram, indo sentar-se no chão,
encostando-se à parede. Sebastiana trouxe uma cadeira para ela e Leal sentou-se
na mesma que seu irmão utilizara. A janela estava aberta, o sol entrava e
iluminava. Leal então começou.
CAPÍTULO III
DE NOVO ARMOU
Tendo cumprido com sucesso a missão que lhe
confiara Armou, o Mago do Tempo, Pedro Pinote voltara à vida normal. Ia à
escola, fazia os deveres de casa e descansava. Sossegara um pouco de sua
vontade de viajar pelos espaços. Talvez se recuperasse da última aventura em
que passara por maus bocados.
Quinze dias decorreram sem qualquer novidade.
Certa noite, porém, Pedro sonhou que o Mago do Tempo acenava-lhe, chamando-o.
Dizia-lhe algo de certa distância, mas não conseguia entender. Ao acordar,
recordou-se do sonho e na escola a todo o momento se lembrava.
Na noite seguinte teve outro sonho com Armou.
Mas ele agora o trazia para uma alta montanha, colocava-lhe o dedo na testa e o
menino passava a ver um vale ao longe. Começou a perceber uma tempestade de
areia. Na medida em que se concentrava nisto um vão ia se abrindo através da
tempestade. Ele, cada vez mais se aprofundando neste vão, passou a ver imagens
que se moviam. Eram homens que lutavam numa guerra..., e acordou!
As estranhas imagens o acompanharam durante o
dia na escola, como acontecido da outra vez. À noite, em casa, tomou então uma
decisão, comunicando-a aos companheiros Teovaldo e Petisco:
- Amanhã à tarde viajaremos novamente. Após
fazer os deveres, darei uma desculpa para sair e partiremos. Acho que Armou me
chama!
- Currupáco! - fez somente Teovaldo, andando
de um lado para outro no puleiro. Petisco latiu e pulou alegremente.
Na tarde seguinte ele lançou mão de seu cofre,
abriu-o e retirou do estojo o cinto que guardava o disco. Apesar de ser um
cofre, Pedro sentia que não era o lugar mais seguro para guardar aquelas coisas
tão importantes. Mas no momento não podia fazer nada, nenhuma outra ideia o
socorria. Aproveitou e tomou também o peixe de prata que lhe dera Djayan,
colocando-o no bolso, afinal poderia necessitá-lo! Em seguida, foi até o
armário, abriu a gaveta e retirou dali outro objeto, guardando-o consigo.
Saiu com seus amigos. Na primeira
oportunidade, pelas imediações da mata, tomou Petisco num braço, tendo Teovaldo
no ombro, e colocou o disco pouco acima do umbigo, recitando:
- Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve
no tempo pra outro lugar, me leve pra Armou! E foram surgir no salão de enorme
castelo.
- Chegamos!
-
Currupáco!
- Que lugar bonito, Cabelos de Ouro! -
admirou-se Petisco, chamando-o pelo nome que atendia neste lado, devido a cor
de seus cabelos.
- É um
castelo de cristal – falou-lhe o menino enquanto o soltava no chão e abotoava o
disco de ouro no estojo preso ao cinto.
O castelo era realmente magnífico. As
paredes, o teto, o chão, tudo era cristal de várias tonalidades. Brilhavam e
iluminavam. Havia ali alguns móveis: mesas, cadeiras, armários, quadros nas
paredes e um trono também de cristal, que brilhava muito. Não havia guardas ou
empregados pelos arredores.
- Cabelos de Ouro, sinto uma energia estranha
no meu corpo – falou Petisco.
- Também sinto, porém fico mais forte e com
leveza. É algo gostoso! – Cabelos de Ouro abria os braços e se examinava.
- Eu também, currupáco!
Os cristais vibravam diversos e agradáveis
sons. Súbito, os sons pararam, mas em seguida recomeçaram. A corrente de
energia que os visitantes tinham sentido, parecia percorrer o interior de todos
os cristais do salão.
Din-don,
din-don, din-don! Ding-ding-don, din-don, din-don! Ding-ding-don, din-don,
din-don!
- É Armou! – exclamou o menino.
Eis que diante deles surge o Mago do Tempo,
naquelas mesmas vestes negras e com o mesmo cajado onde as pedras verdes
rebrilhavam.
Venho saudar-vos
amigos leais,
Aqui
bem chegando pra me visitar,
Alegre
eu estou que aqui já estais,
Humilde
castelo, uma casa, meu lar!
Comigo
sonhaste sei disto daqui,
Menino
esperto, valente, audaz,
Chamei-te, mostrei-te,
outra vez insisti,
Nova
luta venceres, porque sei, és capaz!
- Nova
luta senhor Armou? – interessou-se Cabelos de Ouro.
Milênio que vai sem qualquer solução,
Homens lutando e nada a fazer,
Porque velocino alguém lançou mão,
Guerras sem fim isso veio trazer!
- Velocino? Que é isto? – perguntou Petisco.
- É um símbolo da antiga mitologia. Uma
estátua de carneiro – explicou o menino a sua maneira – que mais senhor Armou?
Grande importância um povo lhe dera,
Riqueza, afirmavam, viera existir,
Outro povo acusou ao roubo fizera,
A paz lá se foi nada pôde impedir!
Lutaram e lutam a mais não poder,
Para a Terra do além o seu ódio carregam,
Renascem pra guerra até sem querer,
Se juntam de novo a quem os esperam!
- O que o senhor acha que eu deveria fazer,
se puder é claro? – perguntou abrindo as mãos.
Menino valente perigos terás,
Se a missão aceitares e fores saber,
A razão disto tudo, e ali estarás,
E a guerra, enfim, a puderes conter!
- Isto quer dizer que terei de me meter na
luta para descobrir quem tem razão? E ainda acabar com a guerra? Armou somente
assentiu com a cabeça e seus verdes olhos lançaram faíscas. Cabelos de Ouro
continuou a perguntar com certa agitação – Mas onde é isto? Como chegar lá? O
que terei de fazer exatamente?
Ao local de batalhas a ti enviarei,
E a teus companheiros contigo também,
Dali em diante não mais eu farei,
Não posso, não devo, somente outro alguém!
O tempo é meu reino aqui meu reinado,
Um fato já disse não posso mover,
Por obra de ti possa ser alterado,
Em ti já existe esse tal de poder!
Qual noutra jornada aqui estiveste,
É direito de teu desta cá recusar,
De sair, de voltar, o poder te investe,
E ninguém vai por isto a ti condenar.
- Eu
quero! – afirmou bravamente Cabelos de Ouro.
- Eu também! – afirmou em seguida Petisco. Teovaldo
nada falou, Cabelos de Ouro olhou-o de esguelha sobre o ombro. Os olhos de
Armou novamente brilharam de satisfação, e recomeçou:
Os perigos,
falei-vos, que lá vós tereis,
Se
por mim tu gritares convosco serei,
Uma
vez e somente aqui voltareis,
E levar-vos de novo
jamais poderei!
O
teu disco de ouro a ti servirá,
Se
demais não entrares no tempo pra trás,
Pois assim tão distante poder não
terá,
Só
Armou estarei onde tu estarás!
- Como da outra vez a missão estará perdida
se voltarmos antes do tempo – comentou Cabelos de Ouro – estou pronto senhor
Armou, pode me enviar para o local da missão!
- Eu também! – confirmou Petisco.
Tua mente que
li, bem de lá percebi,
Por isto algo bom tenho cá, te darei,
O
teu disco me dá, dá-me o disco aqui,
Olha
bem, olha só, o que então eu farei!
Confiante, Cabelos de Ouro de imediato puxou
o disco do estojo e o estendeu ao Mago do Tempo. Ele o tomou e o observou. As pedras
começaram a rebrilhar porque uma corrente passava de uma a outra pedra. Armou
passou o disco da mão direita para a esquerda, e em movimento rápido elevou o
braço direito acima da cabeça. Fez outros movimentos e trouxe a mão adiante,
aberta, à altura do peito. Surpresa, um objeto surgira em sua mão!
- Um cinto de ouro! – exclamou o menino,
admirando-se daquele ato mágico.
Sem distrair-se Armou juntou o disco de ouro
ao cinto e começou a esfregar os dedos sobre ambos. Fazia isto com tal rapidez
que os três mal conseguiam acompanhar os movimentos. Tendo terminado, viram que
o disco havia se encaixado perfeitamente no cinto. Não havia sinal ou marcas;
era como se um tivesse derretido no outro!
Armou fez sinal com a cabeça e Cabelos de
Ouro se aproximou. O mago então se arcou e envolveu o cinto à cintura do
menino. Ao encostar uma extremidade à outra, o cinto ligou-se e se mostrou numa
única peça, totalmente lisa, sem a menor separação. Neste exato instante
Cabelos de Ouro sentiu uma corrente de energia percorrer todo o seu corpo.
Ele baixou o rosto e passou a examinar o que
recebera. O cinto era largo à frente, afinando nas laterais e fechando atrás
com menor largura. Tinha linhas em ambos os lados, que à distância ele não
pudera notar. Pareciam sinais ou símbolos. O disco ficara exatamente acima de
seu umbigo. O menino voltou a olhar para o Mago do Tempo. Armou logo levantou o
dedo indicador da mão direita adiante do rosto e pronunciou:
“Alah-bha-thar!”
Com espanto o menino e seus companheiros
viram o cinto desaparecer.
-
Sumiu! – disse simplesmente Cabelos de Ouro, passando a mão onde o cinto
estivera nada ali sentindo. Armou sorriu e novamente levantou o dedo indicador,
pronunciando:
“Rah-tah-bha-lá!”
E o cinto surgiu novamente na exata e
anterior posição com o disco de ouro.
- Voltou! – exclamou o menino novamente
maravilhado.
O
cinto de ouro de ti sumirá,
Bastando somente a palavra falar,
Ao contrário
dirás e outra vez surgirá,
Embora em ti para sempre há de estar!
- Deixe-me experimentar! Cabelos de Ouro então pronunciou a palavra e
o cinto sumiu. Pronunciou-a ao contrário e o cinto reapareceu.
-
Funcionou! Viva! Acabaram-se minhas preocupações. Não preciso mais esconder o
disco! – ele voltou-se para Armou – Estou muito satisfeito com o presente,
senhor Armou, não sei como agradecer! Armou somente sorriu.
- Estamos prontos, falou novamente, pode nos
mandar para o local das batalhas. Faremos todo o possível para cumprir a missão
com sucesso!
Armou levantou o braço direito e o cajado
surgiu em sua mão. Eles notaram com surpresa que o cajado houvera sumido sem
que tivessem percebido. O Mago do Tempo sacudiu-o sobre suas cabeças e as pedras
verdes soltaram uma poeira de mesma cor. Ele então invocou:
Oh!
Seres do ar que a vós eu invoco,
Pelo espaço aos amigos convosco levai,
Deixai-os pousar onde ali os coloco,
E no
tempo, ordeno, vigilantes ficai!
Imediatamente desapareceram dali, indo
reaparecer noutro lugar.
CAPÍTULO IV
A
MISSÃO SE INICIA
- Chegamos! – falou Cabelos de Ouro, soltando
Petisco ao chão. O cãozinho rapidamente correu pelo local farejando tudo.
- Não
vi nada, Cabelos de Ouro, estamos sós – falou voltando.
- Lugar deserto, lugar deserto! – resmungava
Teovaldo.
- Vejo algo ali adiante, olhem! – o menino
apontou para o meio de dois altos arbustos.
- Uma cidade! – admirou-se Teovaldo.
- Uma cidade? – perguntou Petisco, que do
chão nada podia enxergar. Cabelos de Ouro tomou-o nos braços mostrando-lhe o
que vira.
- Vamos até lá. Usemos o disco de ouro, pois
me parece distante daqui!
O céu estava nublado e não viam o Sol.
Cabelos de Ouro virou-se para um lado pronunciando as palavras que os fariam
viajar.
- Falhou! – disse Petisco vendo que não saiam
do lugar.
- Esperem! – disse o menino colocando Petisco
no chão e remexendo num dos bolsos, trazendo na mão um objeto.
- Que é isto? – perguntou Teovaldo.
- Uma bússola - achei que nos serviria - explicou-lhes
ao mesmo tempo em que abria a tampa redonda e a observava atentamente. Começou
então a girar procurando a posição leste, que é o nascente.
-
Pronto, creio que agora poderemos viajar – informou guardando o objeto, tomando
Petisco novamente nos braços, pensando no lugar, e sem mesmo saber o motivo,
resumiu tudo simplesmente em:
- Senhor do Espaço, a cidade desconhecida!
Sumiram
dali, aterrissando no meio de uma praça.
- Não há ninguém – falou Petisco.
- Realmente, olhando daqui parece uma cidade
deserta – confirmou o menino colocando Petisco no chão.
Vaaapt! De repente algo caiu a dois passos deles.
- Uau! Cuidado! – espantou-se Teovaldo.
- Uma
flecha! Mas quem...? Nem bem Cabelos de
Ouro se perguntava, vaaapt! Outra e mais outra!
- Vamos! Corra Petisco! – gritou assustado.
Mais flechas continuaram a ser lançadas. Eles corriam desesperados, mas não
achavam um local a salvo. E as flechas caíam de todos os lados.
- O disco, o disco! – falava Teovaldo.
- Não
há tempo..., não consigo! – tentava explicar o menino enquanto corria.
Eles corriam em torno da praça, contornando
um enorme monumento com muitos degraus circundantes. Era a estátua de um
guerreiro de saiote como os antigos gregos, trazendo uma lança na mão direita,
um escudo retangular na outra mão, e às costas um arco com um saco de flechas.
- Petisco..., procure... uma saída, fareje!
Senão..., caire...mos de can...sa...dos! – falava Cabelos de Ouro ainda
correndo.
Petisco saiu em disparada em direção dos
prédios ao redor, recebendo uma saraivada de flechas, porém nenhuma o atingiu.
Chegando ao outro lado, começou rapidamente a farejar e a procurar. Ainda assim
se desviava das flechas.
- Cuidado! Cuidado! – era só o que dizia
Teovaldo, enquanto novas flechas caiam sobre ambos na praça. Petisco latiu do
outro lado, junto a um prédio.
-
Petisco está nos chamando, temos de ir. É a nossa única chance. Segure-se! –
disse o menino partindo a toda velocidade em direção de Petisco. Dezenas de
flechas foram arremessadas sobre eles; uma atingiu de raspão o braço de Cabelos
de Ouro, rasgando sua camisa. Ele nem teve tempo de olhar, chegando junto a
Petisco.
- Ali tem uma saída! – indicou-lhe o cão.
-
Uma...rua...estreita! Estamos...salvos! – comemorou Cabelos de Ouro ainda
cansado, correndo para lá.
A rua era de paralelepípedos. Começava sob um
arco entre dois prédios, prosseguindo espremida entre vários outros prédios,
passando debaixo de novos arcos e passarelas. Mas eles não seguiram
imediatamente. Cabelos de Ouro sentou-se ali mesmo, encostando-se a uma parede,
esticando as pernas para frente, procurando recuperar o fôlego. Petisco ficou
ao seu lado, jogando as patas adiante, soltando o corpo no chão. Teovaldo voou
do ombro de Cabelos de Ouro e foi pousar aos seus pés, andando de um lado a
outro, resmungando:
- Quase morremos, quase. Só entramos pelo
cano, só isso!
O menino e o cão não lhe davam ouvidos.
Passados minutos Petisco perguntou:
- Quem
eram, afinal?
- Não sei, mas pelo jeito não nos querem
aqui! – respondeu Cabelos de Ouro.
- Ou querem acabar conosco de vez, currupáco!
- Estranho – começou Cabelos de Ouro se
levantando, olhando para a praça e para o alto dos prédios – por que não
aparecem e não vêm atrás de nós? E onde estará o povo da cidade?
- Currupáco.
-
Precisamos sair daqui. Sigamos por esta rua tentando descobrir algo.
- Não,
não! Vamos embora de vez! – reagiu Teovaldo, voando para o ombro do menino.
- Antes me deixem providenciar uma coisa – disse
Cabelos de Ouro, sem prestar atenção à Teovaldo, metendo a mão no bolso e
retirando a bússola. Tendo se orientado para o lado certo fechou-a na palma da
mão esfregando o cinto de ouro para ter a certeza de que ele ali estava, embora
nada sentisse.
- Prossigamos! - ordenou.
- Uau! Pensei que íamos viajar, mas você diz
prossigamos. É perigoso, muito perigoso, currupáco!
-
Quieto, Teovaldo! Vamos caminhar em silêncio. Petisco
vá farejando tudo o que puder, mas não se distancie muito!
Petisco entrou logo pela rua e Cabelos de
Ouro vinha dois passos atrás. Olhavam para todos os lados e para o alto, mas
não percebiam qualquer movimento. Estava tudo quieto sem qualquer sinal de
vida; isto os deixava cismados. A rua era comprida e ensombreada; os
paralelepípedos não eram do tipo conhecido, porém mais largos e irregulares:
lembravam placas de pedra. Havia espaço entre alguns deles, embora a maioria se
juntasse e lhes permitisse andar sem problemas. Estavam lisos e gastos!
- Cabelos de Ouro, farejo algo! – parou de
súbito o cão.
- O
quê?
-
Gente, muita gente!
- Pra que lado?
- Pro final da rua – respondeu fungando e
deixando aparecer alguns dentes.
- Que mais Petisco? – ao mesmo tempo em que
perguntava, o menino encostava-se a um prédio, apoiando um ombro, procurando
enxergar melhor.
- Só isso, nada mais.
Cabelos de Ouro permaneceu nesta posição por
alguns segundos; em seguida endireitou-se esfregando o rosto no corpo de
Teovaldo, levantando um pouco o ombro e o sacudindo.
- Teovaldo, precisamos de seu auxílio.
- Já sei, já sei, lá vem abacaxi. Vou ter de
voar lá pra frente pra contar o que tem; é a mesma história de sempre, currupáco,
é...
- Psiu!
- fez Cabelos de Ouro trazendo o dedo aos lábios – não esbraveje tanto, podem
nos escutar!
- Currupáco – fez ele baixinho.
- Vá, Teovaldo, mas cuidado, não se exponha
muito. Vá!
Teovaldo bateu asas e partiu. Cabelos de Ouro
abaixou-se ficando de cócoras, com calcanhares levantados, estendendo a mão e
trazendo Petisco, colocando-o ao seu lado. Poucos minutos depois Cabelos de
Ouro já estava de pé, percebendo que Teovaldo voltava com rapidez.
- Nada,
nada, tudo deserto, ninguém à vista!
- Mas eu sinto o cheiro! – confirmou Petisco.
- Devem estar dentro das casas. Mas serão os
mesmos que nos atacaram? – perguntava-se
o menino, voltando-se de novo para Teovaldo - Que existe adiante?
- A rua termina logo ali; depois tem outra
praça também redonda. Tem um prédio enorme bem no meio dessa praça, mas todo
fechado. Eu voei por tudo e me escondi. Está silêncio, não ouvi nenhum
barulhinho. Fiquei com medo e voei de volta. Parece até cemitério, currupáco!
Cabelos de Ouro trocou a bússola de mão,
enxugando-a na roupa. Depois abriu e fechou a mão livre para ajudar na
circulação e se decidiu:
- Temos de continuar até descobrirmos por que
se escondem.
Continuaram a avançar. Na medida em que se
adiantavam naquela rua estreita Petisco mais ainda se agitava, farejando sem
parar.
- Estão
pertos, muito pertos! – repetia nervosamente o cão.
- Depois desta curva termina a rua e vem a
praça, cuidado! – alertou Teovaldo.
- Esperem! - falou Cabelos de Ouro parando e
abrindo novamente a bússola, virando-se para o lado onde seria o nascente –
Petisco venha! – chamou-o e o abraçou, colando-o contra o corpo. O coração de
Petisco batia mais rápido e seu corpinho tremia de nervosismo. Teovaldo,
descontrolado, andava sobre o ombro de Cabelos de Ouro, abria e fechava as
asas, mexendo a cabeça com enorme rapidez.
- Agora vamos! - falou Cabelos de Ouro com
disposição, reiniciando os passos, chegando ao final da estreita e descolorida
rua, frente à praça mencionada por Teovaldo.
Os prédios em volta eram parecidos com
aqueles que os amigos haviam visto da primeira praça onde foram atacados com
flechas. Eram, porém, todos brancos e bem cuidados. No centro desta praça havia
longos patamares em pedra formando degraus e bem no meio dos patamares tinha o
enorme prédio de que Teovaldo falara, mas diferente de todos os demais. Este
era alto e comprido, possuindo colunas adiante.
- Um templo! - exclamou Cabelos de Ouro – e
belíssimo! Sem mais distrair-se, Cabelos de Ouro olhou de novo a bússola reorientando-se.
Depois colocou Petisco no chão, dizendo-lhe:
- Ande sempre ao meu lado nesta posição, nem
à frente nem atrás, exatamente aqui. Petisco entendeu e foi colocar-se onde o
menino indicara.
- Que fazemos? - mexia-se ainda nervosamente
o papagaio.
- Vamos
caminhar em direção do templo, mas prestando atenção a todos os lados.
Entretanto, mal tinham dado três passos, ouviram:
- É ele! Peguem-no! Agarrem-no!
De todos os lados começaram a surgir homens
correndo em sua direção, com armas e paus à mão. Eram tantos que pareciam
formigas saindo de formigueiros.
- Petisco, venha! – gritou Cabelos de Ouro. O
cão pulou-lhe aos braços e ele gritou:
- Senhor do espaço, a floresta! E sumiram,
deixando aqueles que haviam pulado sobre os três, com caras de tolos sem saber
o que tinha acontecido.
CAPÍTULO V
A
CABANA
- Ufa, escapamos por um triz! - falou Cabelos
de Ouro colocando Petisco no chão.
- Por pouco, muito pouco mesmo, currupáco!
- Estamos noutra parte da floresta, não é
mais aquela – farejou Petisco, se afastando para fazer novo reconhecimento.
- É verdade, aqui a mata é mais fechada e
escura, mal se consegue enxergar o céu.
Alguns segundos depois Petisco voltou.
- Nada
de estranho, tudo normal - disse simplesmente.
- Então vamos caminhar um pouco, talvez
achemos algo interessante – falou o menino já começando a se movimentar.
A floresta ali era realmente fechada; em certos
trechos o cão e o menino andavam com dificuldade. Chegaram a um rio num local mais
aberto com grama espalhada, sentando-se à margem, e Cabelos de Ouro molhou a
testa e a nuca. Isto provocou respingos em Teovaldo que se arrepiou e se
sacudiu reclamando. Petisco descobriu lugar melhor e meteu-se por ali, indo
beber água. Depois se juntou aos dois, perguntando:
- Que lugar é esse? Que fazemos?
- Não sei, Petisco, mas se para aqui viemos é
por algum motivo.
- Cuidado,
cuidado, ele é mau! - alertava e se agitava Teovaldo.
Eles se viraram, vendo surpresos, bem atrás
deles, um pigmeu com uma lança enorme à mão. Apontava-a em posição de
arremesso, chegando passo a passo. Era negro, vestia-se tão somente com uma
tanga escura e tinha braceletes feitos de pequenos dentes de animais. Ao
pescoço, trazia um colar de conchas com um dente maior parecendo de javali; nos
tornozelos tinha adornos de palha entrelaçada. Petisco rosnou, mas Cabelos de
Ouro acalmou-o:
- Quieto, Petisco, não faça nenhum movimento,
ele pode atirar-nos a lança – e foi se levantando lentamente, sorrindo para o
pigmeu – ei, somos amigos, não lhe queremos mal! Mas o pigmeu parecia não
escutar, continuava a avançar com a lança apontada.
- Ele
quer nos matar, currupáco!
O pigmeu parou a três metros fazendo sinal
com a outra mão, indicando para um lado, fazendo gesto para que caminhassem.
- Ouça,
amigo, nós... Porém o pigmeu não deixou Cabelos de Ouro continuar, mexeu a
lança nervosamente e trouxe o braço mais para trás, como se fosse arremessá-la.
- Está
bem, está bem! - Cabelos de Ouro mostrou-lhe as mãos abertas - vamos caminhar!
- Use o disco, Cabelos de Ouro! – lembrou-lhe
Teovaldo.
- Ainda não, esperemos para saber o que ele
deseja.
- É nos matar, fazer churrasco. Droga de curiosidade!
- Será que ele é canibal? – perguntou
Petisco.
- Não sei, mas agora é melhor obedecer e
andar.
Assim fizeram saindo do lugar, entrando por
um caminho de terra batida. Isto fez Cabelos de Ouro concluir que deveriam
existir muitas pessoas vivendo por aqueles lados, usando aquela trilha.
Continuaram. Petisco caminhava ligeiramente adiante. Teovaldo ia dando a
Cabelos de Ouro a posição do estranho, virando-se a todo o momento em seu
ombro, falando-lhe ao ouvido:
- Ele continua com a lança apontada. Baixinho
atrevido, currupáco!
Em certo instante, ouviram um ruído atrás, se
voltando. O pigmeu batera a lança três vezes num tronco para chamar-lhes a
atenção. Em seguida, indicou-lhes para que entrassem à direita. Eles assim fizeram,
indo Petisco sem dificuldade, mas Cabelos de Ouro afastava com ambas as mãos os
finos galhos de árvores ou arbustos que pendiam pela trilha; às vezes se arcava
ligeiramente.
Deram mais alguns passos e pararam ao
perceber uma cabana de palhas. Era como uma tenda que possuísse somente duas
partes, uma apoiada na outra, formando duas paredes inclinadas. O pigmeu
pulou-lhes adiante como um felino, fazendo sinal para que esperassem. Começou a
andar de costas, sempre apontando a lança, e parou tão logo sentiu que estava
sob a proteção da cabana. Alguém lá dentro falou-lhe alguma coisa e ele
imediatamente saiu indicando para que entrassem.
- Não
devemos! – temeu Teovaldo.
- Não temos escolha, ele nos aponta a lança,
temos de ir. Petisco venha! Petisco pulou-lhe aos braços e Cabelos de Ouro
entrou naquela estranha construção.
Estava um tanto escuro ali dentro e o menino
teve de forçar um pouco as vistas para enxergar melhor. No fundo da cabana
notaram uma pessoa sentada e pararam.
-
Aproxime-se, não tema! – disse a voz cansada e meio rouca.
Cabelos de Ouro carregando os companheiros
aproximou-se e de perto pode vê-lo melhor. Era um negro e velho. Sentava-se num
cepo de árvore, tendo adiante, no chão, uma peneira de palha. Segurava às mãos
uma espiga de milho que parecia ter parado de debulhar. No interior da peneira
havia alguns grãos. O velho estava de cabeça baixa e não conseguiram ver-lhe a
fisionomia.
- Sente-se – apontou para o outro cepo a sua
frente sem levantar o rosto. Cabelos de Ouro obedeceu, colocando Petisco no
chão, ao seu lado.
- Então você é o menino que veio para
descobrir o mistério do roubo do velocino – falou com a mesma voz cansada,
porém agora menos rouca.
- Como
sabe, senhor?
- Eu sei, eu sei..., eles me contam –
respondeu sem se mexer.
- Eles quem?
- Currupáco! – fez Teovaldo impaciente.
- Os grãos! – respondeu simplesmente.
- Os grãos? – surpreendeu-se o menino,
olhando-os dentro da peneira.
- Os
grãos? – repetiu Teovaldo.
- Sim, menino, os grãos me contam tudo o que
eu desejo saber.
- Eu heim! Cada uma, grão que fala, ora essa!
– Teovaldo começou a ficar nervoso. Petisco somente ganiu.
- Esses grãos de milho daí? Como podem? –
insistiu Cabelos de Ouro.
- Não acredita? – perguntou o velho
levantando o rosto pela primeira vez e os assustando. Era cego e tinha os olhos
completamente brancos.
- Currupáco! – assustou-se o papagaio.
- Eu..., bem... – gaguejava o menino, ainda
surpreso.
- Eu não acredito, é conversa! – disse logo
Teovaldo, já recuperado do meio susto. Cabelos de Ouro tentou explicar:
- É que..., eu nunca vi nada disso antes.
Como eles fazem pra contar?
- Magia, meu filho, magia – respondeu
delicadamente o velho. Aliás, aquele velho falava de maneira amigável e após o
susto causado pelos seus olhos, Cabelos de Ouro já se recuperava.
-
Poderia mostrar-nos, senhor?
- É, mostre que eu quero ver, currupáco!
- Menino e seus companheiros - começou o
velho levantando o dedo indicador direito, movendo-o – como passaram no teste
de coragem vou provar-lhes o que digo.
- Teste
de coragem?
- Sim
menino. O pigmeu os assustou de propósito. Ele é manso, mas fingiu que era
feroz para ver-lhes a reação. Sei que podia ter usado este disco aí e desaparecido
no momento em que desejasse, mas preferiu ficar até o final. Parabéns pela
coragem!
- Isso mesmo, ficamos até o final, currupáco!
- Então prestem atenção e observem! - Ele
apertou a espiga de milho que segurava e liberou um grão. Tendo-o na mão
direita falou:
Poderes da
luz que na luz se refletem,
Ao grão outra
vez façam a luz penetrar,
Para o ar lanço o
grão bem aqui no espaço
E no ar quero ver os
amigos andar!
E o
lançou para cima, soprando-o. Imediatamente formou-se um globo de luz branca,
explodindo. Os três amigos começaram então a ver um desfile de suas próprias
imagens, desde o momento em que haviam chegado à cidade desconhecida. Ouviam
suas próprias vozes, mal conseguindo acreditar naquilo. Assim, as cenas foram
se passando e reviram o ataque de flechas, a corrida para tentar escapar, a
caminhada pela estreita rua e tudo mais que lhes tinha acontecido até este
momento. Estas cenas não duraram mais que um minuto, sumindo tudo ao final.
- Incrível, como isto pode acontecer?
- Magia, já disse. A magia é capaz de coisas
realmente incríveis. Mas diga-me filho: está ainda disposto a tentar acabar com
esta guerra absurda?
- Sim,
senhor, estou!
- É, estamos! – enchia-se de coragem Teovaldo.
- Eu
também! – afirmou Petisco.
- Então
terá muitas coisas a fazer. Não lhe serão fáceis, enfrentará muitas
dificuldades e perigos, você e seus companheiros.
- Quais perigos e dificuldades?
- Vários, mas estas coisas você terá que
descobri-las sozinho. Porém, vou ajudá-lo – dizendo isso ele passou a mão no
fundo da peneira e trouxe um punhado de grãos do milho. Abriu a mão e os
mostrou, eram sete! – guarde estes grãos com muito cuidado por que são mágicos.
Lance-os ao ar, um de cada vez a cada situação de perigo, sopre-os e virá imediata
ajuda sempre que precisar. Em sete ocasiões poderá ser salvo, após isto somente
você próprio terá de resolver.
Cabelos de Ouro os tomou da mão do velho e os
examinou: eram comuns, não possuíam nada de especial..., então os guardou num
bolso das calças.
- Somente posso adiantar-lhe uma coisa – o
velho prosseguiu com o rosto voltado para ele como se o estivesse enxergando – quem
possui o velocino está ao sul. Ande sempre para o sul se quiser chegar onde
vive tal personagem. Agora vá e boa sorte!
Ao sair da cabana com seus amigos o pigmeu os
aguardava. Estava parado com a lança apoiada no chão, como uma sentinela. Ao
ver o menino sorriu e arcou a cabeça em saudação. Cabelos
de Ouro respondeu da mesma maneira, mas Teovaldo reclamou:
- Agora faz gentileza, quase nos matou. Este
baixinho...
- Quieto, Teovaldo, ele só estava cumprindo
ordens. Já passou tudo.
O pigmeu indicou-lhes a saída e foi
caminhando atrás. Ao alcançarem de novo à trilha por onde haviam chegado ele se
adiantou, parou e passou a mostrar com a lança qual direção Cabelos de Ouro
deveria tomar. Às vezes se arcava indicando com a outra mão. Como não
pronunciasse uma única palavra, o menino concluiu que ele seria mudo.
Prosseguiram sem o pigmeu. Petisco ia um
pouco à frente farejando, e assim se embrenhavam cada vez mais na floresta.
Após algum tempo, sentindo-se meio desorientado, Cabelos de Ouro resolveu
conferir se continuavam na direção certa. Meteu a mão no bolso e tirou a
bússola. Abriu-a e girou lentamente, verificando que estava fora do rumo,
caminhando quase a leste. Reorientou-se e reiniciou os passos em direção ao
sul.
- Socorro, ajudem!
- Que foi isto? - ele parou.
- É
pedido de socorro, mas nada consigo farejar! – agitou-se Petisco.
- Socorro, ajudem! De novo ouviram. Cabelos
de Ouro desta vez conseguiu localizar de onde vinha a voz, entrando pelo mato,
seguido de Petisco. Um pouco adiante começou a ouvir ruído de águas.
- Socorro, ajudem! Voltaram a ouvir o mesmo
apelo.
- É por aqui, vamos! – indicou Petisco já à
frente, correndo ligeiro.
Chegaram numa clareira e viram uma bonita
jovem com longo vestido branco, amarrada a uma árvore. Ao ver Cabelos de Ouro
pediu-lhe:
- Por favor, tire-me daqui! - ele se aproximou
e começou a desamarrá-la – Pensei que ia morrer – disse como quem vai desmaiar,
abraçando-se ao menino e quase caindo.
- Calma moça! – disse Cabelos de Ouro sem
saber direito o que fazer. Petisco ganiu e Teovaldo foi pousar num galho da
árvore – Que houve, quem a prendeu aqui?
- Foram eles! – a moça apontou para adiante e
ele se virou para a direção indicada, nada vendo senão a beirada de um abismo.
- Eles quem?
- Eles, que moram lá embaixo! – ela
continuava a apontar já se afastando do menino. Petisco latiu e falou:
- Alguma coisa me cheira mal. Não gosto
disto, Cabelos de Ouro!
- Mas quem são? O que fazem? – insistiu o
menino.
- Venha, vou mostrar-lhe – ela se adiantou um
passo, segurando-lhe a mão, levando-o para a direção do abismo.
Teovaldo veio de novo pousar em seu ombro e
Petisco caminhava ao lado, ganindo. O ruído de águas tornava-se cada vez mais
forte à medida que se aproximavam do abismo.
- Lá no fundo, veja! – ela apontou para o
rio, já a dois passos do abismo. Cabelos de Ouro deu mais um passo e olhou para
baixo. Viu um redemoinho que subia e descia, provavelmente formado pelas
correntezas.
- Somente vejo o redemoinho. Cabelos de Ouro
forçava as vistas tentando enxergar para onde ela apontara.
- Olhe bem, concentre-se – disse a jovem
largando-lhe a mão e dando um passo atrás, se colocando às suas costas. Cabelos
de Ouro procurava concentrar-se conforme ela solicitara, mas de repente ela
levou as mãos adiante e o empurrou para baixo. Em seguida deu um pontapé em
Petisco, lançando-o também ao abismo.
- Uaauuu! – gritou o menino enquanto caia junto
com o cão e eram devorados pelas rodopiantes águas.
- Currupáco, currupáco! – gritava desesperado
o papagaio se equilibrando no ar e vendo os dois amigos desaparecerem.
CAPÍTULO VI
ÁGUAS E VENTO
As
águas giravam violentamente formando um buraco que aparecia e desaparecia. O
redemoinho movia-se assustadoramente. Teovaldo voando sobre ele recebia
respingos e resmungava. De repente, Cabelos de Ouro reapareceu lutando
ferozmente, batendo os braços e tentando nadar. Mas o giro do redemoinho era
muito forte e o menino logo afundava. Já perdia as forças, cuspia água, mal se
aguentava. Petisco vinha atrás dele, lutando com a mesma dificuldade.
Teovaldo tentava se aproximar, mas a
violência das águas não permitia e subia novamente. Súbito, lembrou-se de algo
e tentou falar com Cabelos de Ouro. Inútil tentativa, pois o menino preocupado
em manter-se sobre as águas nem lhe percebeu a presença. E ambos começaram a
afundar, girando e descendo com maior velocidade.
- Eles vão morrer, preciso tentar e novo!
Teovaldo então subiu com enorme velocidade e
com incrível valentia mergulhou de asas fechadas em direção dos amigos.
Conseguiu encontrar a cabeça de Cabelos de Ouro antes que afundasse completamente,
agarrando-se aos seus cabelos.
- O peixe de prata..., o peixe de..., glub!
Uma quebrada violenta de água lançou-o fora da cabeça do menino, vindo cair na
correnteza a se debater.
Cabelos de Ouro mal se aguentava, entretanto
ouvira o que lhe dissera Teovaldo. Meteu a mão no bolso conseguindo tocar no
pequeno peixe de prata que lhe dera Djayan. Porém, afundou e rodopiou para o
interior do redemoinho, bebendo mais água, quase desfalecendo. No entanto, teve
ainda forças para trazer o peixe aos lábios e soprá-lo.
Como num passe de mágica surgiram em torno
deles alguns peixes-cavalos, enormes e belos. Tinham cores esverdeadas, com
largas listas douradas pelos corpos. Imediatamente começaram a girar em sentido
contrário ao movimento das águas, com velocidade extraordinária, provocando
estabilidade na correnteza e acalmando tudo. Os três heróis ficaram ainda
girando lentamente, levados agora pelo fraco deslocamento das águas, movendo-se
feito astronautas no espaço.
Surgiram sereias colocando sobre suas cabeças
redomas transparentes, cheias de ar, e eles começaram a respirar. Tossiam e
cuspiam expelindo alguma água pelas bocas e narizes.
Tendo se recuperado, as sereias ajudaram
Cabelos de Ouro montar no dorso de um dos peixes-cavalos. Ele chamou Petisco
colocando-o diante de si, com as patinhas apoiadas no pescoço de sua montaria.
Teovaldo veio apoiar-se na ponta de seu ombro, enfiando as unhas em sua camisa
xadrez, se encolhendo todo. A sereia que comandava as demais apontou para o
fundo das águas e os peixes-cavalos mergulharam rapidamente. Na velocidade com
que viajavam Cabelos de Ouro mal conseguia observar as coisas que iam
encontrando. Em certo instante, Teovaldo começou a soltar as garras da camisa
do menino, ameaçando largar-se. Cabelos de Ouro então o trouxe com uma das
mãos, enquanto a outra segurava uma das corcovas do peixe-cavalo, e o apoiou de
encontro ao peito, mantendo-se curvado para frente.
Após certo tempo os peixes-cavalos pararam.
Aquele em que montavam prosseguiu lentamente em linha reta e parou mais adiante,
com parte do corpo já fora d’água. As redomas que tinham envolvido as cabeças
dos três passageiros de imediato sumiram e eles começaram a respirar
normalmente. Vieram então para a direção da margem do rio, antecedida por um
banco de areia. Desmontaram. As águas mansas alcançavam a cintura de Cabelos de
Ouro e ele agarrou Petisco, trazendo-o para debaixo do mesmo braço cuja mão
segurava Teovaldo. Com a mão livre ele alisou a cara do peixe-cavalo
dizendo-lhe:
- Muito grato amigo e a todos vocês que nos
salvaram na hora exata.
O peixe-cavalo somente piscou os grandes
olhos e girou se afastando, desaparecendo de vista.
- Vamos para a margem, estou exausto – falou
o menino colocando Teovaldo no ombro, dando alguns passos, mas parando no banco
de areia. Largou Petisco e se deitou de costas, fazendo com que Teovaldo
pulasse de seu ombro.
Um forte vento o despertou minutos depois, e
a Petisco. Teovaldo não dormira, ficando o tempo todo a vigiar.
- Dormimos Petisco. Não devemos nos atrasar
mais, precisamos ir em frente! Ele se pôs de pé e seus cabelos ainda molhados
se levantaram ante a força do vento. Teovaldo já no ar tentava alcançar o ombro
do menino, mas o vento dobrou em força e lançou-o longe. Ele rodopiou e caiu mais
adiante, na areia da margem do rio.
-
Socorro, socorro! - gritava
Cabelos de Ouro lançou-se em sua direção,
espalhando com os pés os pequenos lagos de água rasa após o banco de areia.
Desequilibrava-se ante o vento e quase caia. Petisco, mais a frente, começou a
ser arrastado na areia, fechando os olhinhos que não conseguia mantê-los
abertos.
- Segure-se, Teovaldo, estou indo! – gritou o
menino, mais preocupado com o papagaio.
Teovaldo bem que tentava segurar-se, mas não
conseguia. Ainda mais que folhas, galhos secos, poeira e areia, vinham voando
de todos os lados atrapalhando-lhe os movimentos. Ele procurava abrir as asas a
fim de se equilibrar, mas o vento o empurrava para trás e ele de novo era
arrastado e rolava.
Nesta luta veio chocar-se de encontro a um
tronco de árvore caído e ali parou. Isto deu tempo para Cabelos de Ouro alcançá-lo,
tomando-o nas mãos. Entretanto, o vento tornou-se mais forte e o menino tinha
maior dificuldade de se equilibrar. Teve então a ideia de colocar Teovaldo dentro
de sua camisa, fazendo isto rapidamente. Seu corpo era sacudido e seus cabelos
arremessados. Ele, porém, nada quis com o disco de ouro e ao invés de usá-lo
ainda pronunciou:
- Alah-bha-thar! E o cinto desapareceu. Petisco neste instante
rolou e se embaraçou em seus pés. Ele arcou-se e o tomou nas mãos.
- Precisamos sair daqui! - gritou.
- Mas pra onde? - gritou também Petisco.
As árvores da floresta balançavam
furiosamente; algumas estalavam e se quebravam, caindo umas sobre as outras.
Grossos e enormes galhos se soltavam, arrastavam-se ou ficavam presos nos
troncos e galhos de outras árvores. Milhares de folhas já cobriam parte do
banco de areia e margem do rio. O vento uivava e uivava!
Cabelos de Ouro olhou para o rio e não teve
coragem de voltar, ainda mais que suas águas estavam revoltas levantando perigosas
e altas ondas. Tudo estava contra eles!
Sem outra escolha resolveu procurar terra firme, caminhando na mesma
direção do vento.
Conseguiu agarrar-se ao tronco de uma árvore
com um dos braços, enquanto o outro segurava Petisco. Teovaldo, dentro de sua
camisa, o arranhava por que era também arremessado de um lado para outro, e
resmungava. Mais forte ainda tornou-se o vento, um verdadeiro tufão. Cabelos de
Ouro tropeçou, caindo de joelhos e na queda largou Petisco que saiu rolando.
Teovaldo subiu-lhe pela camisa e meteu a cabeça para fora do colarinho. Cabelos
de Ouro rolou e virou, ficando estatelado de costas no chão. Teovaldo começou a
gritar:
- Cuidado, cuidado, ela vai cair!
Gigantesca árvore de grossíssimo tronco
balançava e ameaçava tombar bem em cima deles. Cabelos de Ouro a viu, mas
estava sem forças para se levantar. Ela se moveu para frente e veio
despencando, trazendo junto outras altas árvores que encontrava pelo caminho.
- Está caindo, socorro! – gritou Teovaldo.
CAPÍTULO VII
PRISIONEIROS
DOS ANÕES MACACOS
E aqui terminamos por hoje! – falou Leal olhando
para o relógio, verificando que faltavam cinco minutos para o meio dia.
- Ah, logo agora! – reclamou Edu.
- Conte mais, seu Leal! – pediu Jorge.
- Não, não! – fez sinal negativo com a mão
aberta – por hoje chega. Precisamos deixar dona Sebastiana sossegada para
tratar da vida dela e cuidar da saúde do Tião.
- Vige, como o tempo correu. Que história
mais perigosa, gente! – ela comentou.
- Perigosa não, mãe, cheia de perigos –
corrigiu Tião.
- Ué, e
não dá no mesmo, menino? Leal riu e se levantou.
- Amanhã tem mais, seu Leal? – perguntou
Japonês.
- Bem...
– olhou para Sebastiana – depende da dona da casa, se ela deixar tem,
senão vamos ter de resolver.
- Deixa aqui, mãe, amanhã! – implorou Tião.
- Mas claro, uái! É só combinar a hora pra eu
fazer um cafezinho antes. A casa é sua seu Leal, pode abusar.
- Tio Leal! – Esmeralda o chamou da rua. Ele
foi atender. Ela lhe entregou um embrulho – papai mandou, é pra mãe do menino
fazer remédios.
Leal o levou para Sebastiana informando-lhe
do que se tratava. Os meninos não saiam do quarto e conversavam acerca desta
aventura de Cabelos de Ouro. Leal da porta perguntou:
- Vamos combinar um novo encontro para amanhã
às três da tarde?
- Pode ser de manhã, seu Leal? Estou morto de
curiosidade pra saber o que vai acontecer – pediu Edu.
- É morrendo de curiosidade! – corrigiu-o
Antônio Carlos, fazendo beiço.
- Os chineses já diziam que o melhor da festa
é a sua espera. Além do mais amanhã é domingo. Três da tarde é um horário
ideal, está bem assim?
- Ta!
- Ta bem! Leal então se despediu e se foi com
Esmeralda.
Os meninos comentaram com seus familiares da
reunião acontecida na casa do Tião e da nova marcada para domingo. Houve
surpresa de parte dos adultos que Leal não os tivesse chamado ao Teatro Jornada
do Amanhã, como noutras oportunidades. Os meninos explicaram-lhes porque Leal
mudara de local, pois Tião não tinha condições de ir ao Teatro. Seu Vincenzo
não aceitou as explicações e reclamava:
- Mesmo assim. Ele devia ter dado outro
jeito!
Leal casualmente pela manhã do domingo, ao
voltar da banca de jornal, tomou conhecimento da decepção dos adultos através dos
meninos que se encaminhavam a um terreno baldio para jogar bola.
- Digam-lhes para não ficarem assim. Próximo
final de semana nos reuniremos todos no Teatro Jornada do Amanhã para nova
história.
Esta promessa abrandou um pouco seu Vincenzo,
que à mesa, diante da travessa de macarronada, ainda assim reclamava:
- Que pena não poder ser hoje. Adoro ouvir as
histórias daquele moleque!
- Não faz mal, vô. Depois ele conta outra! –
Dino tentava consolá-lo.
Chegava
finalmente a hora. Os meninos lá estavam desde mais cedo. Uma novidade:
Sebastiana arrumara a sala, espalhara cadeiras e colocara o banco ao canto.
Deixara o coador preparado com pó de café e já fervia água na chaleira. Eram
três e dez quando Leal apontou no portão. Viera acompanhado de Esmeralda e isto
alegrou Sebastiana.
- Que bom que a menina veio. Entrem, por
favor, e não reparem - disse indicando a porta que dava acesso à sala. Ao
entrar, Leal cumprimentou os meninos:
- Boa tarde pessoal!
- Boa tarde! - responderam.
- Boa tarde – cumprimentou-os também
Esmeralda, ao que eles responderam se entreolhando.
- Vejo que o Tião está melhor, até levantou
da cama!
- É verdade seu Leal – falou Sebastiana – graças
aos remédios do doutor João. Graças a Deus. Eu preparei tudinho como ele
ensinou. Está dando certo, o Tião até comeu hoje e não sentiu mais nada.
-
Ótimo, ótimo! – falou Leal satisfeito. Sebastiana apontou para as cadeiras.
- Vão se sentando, por favor, eu vou trazer
um cafezinho pro senhor e pra menina. Num instantinho.
Leal ficou conversando com os meninos até que
Sebastiana trouxesse os cafezinhos e os servisse.
- Pros meninos eu fiz refresco de maracujá,
menos pro Tião que não pode ainda. E saiu novamente para buscar o refresco.
Terminada a gentileza, e tendo recolhido a
louça e os copos ela veio sentar-se ao lado do filho. Leal, tendo Esmeralda à
direita, sentava-se bem adiante. Fazia calor e a dona da casa houvera aberto a
porta e a janela. O ambiente na sala ficara bastante claro; a luz solar
espichava-se pelo assoalho em larga faixa, começando a tocar os pés de
Esmeralda. Leal então recomeçou a história:
- A
gigantesca árvore despencava sobre Cabelos de Ouro. Descia arrancando cipós,
galhos e tudo o que encontrava. Não havia como escapar. Deitado de costas no
chão, o vento o empurrava fortemente, mas assim mesmo, sem conseguir
levantar-se Cabelos de Ouro lançara mão de um dos grãos que lhe dera o velho da
cabana, trazendo-o junto à boca. Com
imensa dificuldade o soprou.
- É o fim! É o fim! – gritava Teovaldo no
peito de Cabelos de Ouro, vendo a árvore a dois metros deles.
Imediatamente, após o sopro, aconteceu uma
explosão de luz e viram com espanto um gigante azulado sair de dentro da
claridade. Ele abriu os enormes braços, agarrou a imensa e grossíssima árvore
que caia e a sustentou no ombro. Tendo-a firme, fez sinal para Cabelos de Ouro
com o outro braço a fim de que se retirasse imediatamente. Cabelos de Ouro
virou-se e começou a se arrastar. O vento uivava; os pequenos galhos, as folhas
soltas e a terra doiam-lhe ao chocar-se contra seu corpo. Mas assim mesmo ele
se arrastou, afastando-se dali.
Teovaldo se debatia dentro da camisa do
menino e o arranhava. Ele procurou por Petisco, tentando enxergá-lo, mas não
conseguiu. Outra árvore estalou e despencou ao seu lado quase o atingindo. Onde
estaria Petisco?
Súbito ouviu um grande estrondo e sentiu a
terra tremer. Virou-se para trás, ainda no chão, se apoiando sobre as mãos e de
joelhos, mal conseguindo perceber que a gigantesca árvore finalmente despencava
no exato lugar onde há pouco estivera. Não agüentando a força do vento ele
protegeu Teovaldo, caindo novamente e batendo o ombro no chão, assim ficando.
O gigante se aproximou dele e criou ao seu
redor um muro de proteção. O muro não deixava o vento passar e ele conseguiu
levantar-se.
- Petisco, onde está você? Sua voz era abafada
pelos uivos do vento, pelos ruídos de folhas e arrastar de galhos que rolavam
ou voavam. Petisco não respondia. Angustiado, ele saiu correndo e se enfiou
pelos galhos e folhas no chão, procurando desesperadamente ao amigo.
- Petisco! Petisco!
Nada. Não via nem ouvia nenhum sinal do
cãozinho e começou a sentir uma grande tristeza. De repente, um jato de luz
azul foi lançado do muro, se enfiando lá na frente, debaixo de um galho pesado
de uma árvore caída. A luz abriu-se sobre um monte de folhas, formando um
pequeno tubo. Cabelos de Ouro correu para lá e passou a remexer na pilha de
folhas. Alegrou-se quando finalmente viu a pata do amigo.
- Petisco, você está bem? – gritou puxando-o.
- Estou Cabelos de Ouro – respondeu fechando
os olhinhos por causa do vento e da poeira – tive de ficar quieto por que não
conseguiria mesmo caminhar. Então as folhas me cobriram e o galho que caiu
sobre elas me prendeu. Mas o que é isto? – perguntou se referindo ao muro de
luz.
- O grão de milho trouxe um gigante que nos
salvou. Mas vamos sair logo daqui! – falou, retirando o cão daquele emaranhado
de galhos e folhas e se levantando. Teovaldo subia-lhe ao pescoço tentando se
libertar da camisa. Cabelos de Ouro o colocou no ombro, uma vez que ali o vento
os alcançava com menos força.
Um braço estendeu-se do muro e a mão apontou
para adiante. Cabelos de Ouro seguiu naquela direção se afastando do local. No
entanto, mesmo com a proteção do muro não lhe era fácil caminhar entre as
coisas que o tufão derrubara. Tinha de pular sobre troncos, arrastar-se sob
árvores caídas e desviar-se de galhos. De novo a mão apontou para a direção de
um caminho dentro da floresta. Ele o tomou e viu mais adiante uma pedreira. Ao
chegar mais perto pôde perceber uma pequena entrada de caverna que o obrigou a
arcar-se para nela entrar.
Fim da ventania. Lá dentro tudo cessava. A
caverna, entretanto, era escura e ele caminhou devagar com todo o cuidado.
Estavam de novo sozinhos.
- Não
enxergo um palmo, currupáco.
- Nada
farejo.
O menino foi andando meio arcado, pois ao
tentar levantar o corpo batera com a cabeça no teto. Ele deu mais alguns passos
e finalmente percebeu uma luz lá adiante.
Ao alcançar a claridade viu que a estreita
caverna terminava numa enorme gruta. Uma vez dentro da gruta, Cabelos de Ouro
sentou-se e descansou.
- Cabelos de Ouro isto aqui é um grande salão
– disse Petisco no chão, após ter observado em redor. Sua voz ecoava, o que os
surpreendia.
- É, Petisco, parece um santuário, que
estranho! Vamos examinar melhor - disse se levantando.
Entraram para o meio da gruta. Cabelos de
Ouro viu que existiam várias aberturas no teto, por onde entrava luz. Não havia
mais nada, exceto a parede arredondada construída da própria pedra e o chão
liso.
- Tudo aqui foi muito bem trabalhado –
mostrou o menino para Petisco que procurava farejar.
- Sinto cheiro de complicações - disse
Teovaldo.
- Não sinto nada - disse Petisco.
- Não vejo saída alguma, como pode?
Realmente era algo misterioso. Teriam de
retornar pela estreita caverna? E a ventania, teria passado? Nestas dúvidas,
eles percorreram todo o salão circular, andando rente a parede, mas nada
encontravam. Em certo local, porém, Cabelos de Ouro viu uma pedra triangular,
como um pequeno assento colado à parede e nela sentou-se. A pedra mexeu-se e
ele se levantou rapidamente temendo cair.
- Está solta, quase caio. Vou colocá-la no
lugar. Ao fazer força para recolocá-la na sua posição inicial a pedra começou a
deslizar para dentro da parede. Para seu espanto um pedaço da parede começou
também a deslizar.
- Uáu! A parede também se move! – falou
Petisco igualmente surpreso.
- Exatamente. Aqui existe uma porta secreta.
A pedra onde sentei é uma alavanca!
Quando aquela parte da parede já havia inteiramente
deslizado para dentro, ligou-se a uma ponte. O menino e o cão caminharam pela
abertura que se formou, pararam, e viram o que ali havia.
- Vejo árvores e um gramado. Parece uma nova
floresta – observou Cabelos de Ouro - venha Petisco, vamos ver que lugar é este
– ele estendeu as mãos para o cão e o segurou.
Cabelos de Ouro então saiu andando
lentamente, alcançando a ponte. Ao dar os primeiros passos verificou que a ponte
se deitava sobre um rio, cujas águas corriam alguns metros abaixo. Atravessou
sem problemas. Chegando à outra margem pisou em verde relva e prosseguiu
entrando por uma larga trilha, ladeada de árvores e mais grama. Pouco adiante
encontrou uma névoa azul.
- Que fumaça esquisita! – reclamou Teovaldo.
- Não é fumaça é névoa – explicou o menino.
- Pra mim dá no mesmo, pois não posso
enxergar – insistiu o papagaio.
- Petisco, fareja algo?
- Nada até agora, Cabelos de Ouro.
O menino foi penetrando naquela forte névoa
sem nada conseguir enxergar. Caminhava com todo o cuidado. De repente, uma ave
bateu as grandes asas próximo deles, soltando estridente guincho. Levaram
tamanho susto que seus corações dispararam. Mas não se intimidaram, e passado o
susto, Cabelos de Ouro prosseguiu. Não demorou, ouviram vozes e risos. As vozes
aumentaram e os risos também. Eles não entendiam o que as vozes diziam, mas
pareciam estar cada vez mais próximos daquilo. Os risos se transformaram em
gargalhadas e as vozes viraram em vaia, fazendo: uuuuu!
- Quem são? – perguntou nervosamente
Teovaldo.
- Não sei, nada vejo!
Aquilo continuou aumentando e os perturbava.
De tal forma aumentaram as vaias que Cabelos de Ouro se encolheu, ajeitando
Petisco entre os braços, procurando tapar os ouvidos com os dedos. Teovaldo
enfiava a cabeça sob uma asa e Petisco colocava as patinhas sobre as orelhas.
Assim mesmo, meio tonto, Cabelos de Ouro
continuou a caminhar, mas tropeçou e quase caiu. Equilibrou-se de novo e tentou
novamente caminhar. Os risos e as vaias continuavam e o menino mais tonto caiu
ao chão, soltando Petisco.
- Ui, minha cabeça parece que vai estourar,
não aguento mais...
- UUUUUUUUUUUUUUUUU!!!! Aquilo não parava. Petisco
e Teovaldo rolavam pelo chão tapando os ouvidos.
- Calem-se! Parem com isso! – gritou desesperado
Cabelos de Ouro. Eles riram mais fortes e gritaram mais alto. Cabelos de Ouro
sentiu que tudo girava; tentou manter-se de joelhos, mas caiu novamente e
desmaiou.
Dezenas de anões com caras velhas e
enrugadas, semelhantes às caras de chipanzés, rindo e dando vivas, os cercaram.
Vestiam-se como nos tempos dos reis e foram logo agarrando Cabelos de Ouro e o
virando de costas para o chão. Teovaldo e Petisco levantaram-se. Petisco
começou a latir ferozmente, tentando morder os anões. Teovaldo voava sobre suas
cabeças, atacando-os com as garras.
Mas eles eram muitos; se movimentavam com
facilidade pela névoa e rapidamente cercaram Petisco, chutando-o e batendo nele.
Uma rede foi lançada sobre o cão e outra em Teovaldo. Petisco
foi envolvido, mas Teovaldo se desviou e passou a voar ora em círculos ora
subindo e descendo com rapidez. Eles lançaram outra rede que passou de raspão.
- Fuja, Teovaldo, não deixe que lhe
peguem...,ui! Um pontapé fez Petisco se
calar e os anões soltaram pragas e grunhidos. Teovaldo desapareceu deixando-os
enraivecidos, esmurrando o ar.
Os anões examinaram os bolsos de Cabelos de
Ouro, retirando a bússola. O peixe de prata ele havia perdido no redemoinho.
Depois o puxaram dali segurando-o pela camisa, calças, braços e pés, quase lhe
rasgando a roupa. Levaram a ambos para fora dali a um povoado na floresta, onde
a névoa era mais suave. As pequenas casas eram feitas de troncos e partes de
árvores, distribuídas em vários círculos. Ainda arrastando-os, os anões os
deixaram no meio de uma área livre. Eles gritavam e festejavam. Os outros
moradores que vieram recebê-los, também pulavam, gritando feito macacos.
Cabelos de Ouro foi amarrado em pé num poste
de árvore e Petisco num cepo ao lado, preso a uma coleira. Os feios e disformes
anões então se chegaram formando pequena multidão. Um deles, parecendo o chefe,
com uma comprida vara começou a cutucar o peito e a barriga de Cabelos de Ouro.
Ao ver que o menino não se mexia, fez sinal a outro e grunhiu. Aquele saiu
rapidamente furando a multidão logo voltando com um balde cheio d’água.
Enquanto isso, o outro anão ficou a atiçar Petisco, batendo-lhe com a vara,
provocando risos em todos.
- Grrr! Seu anão covarde! – Petisco latia e
rosnava e isto os fazia rir mais.
O anão do balde atirou a água na cabeça de
Cabelos de Ouro. Ele despertou assustado não entendendo o que acontecia. Mas ao
ver Petisco também amarrado entendeu tudo.
-
Teovaldo, onde está?
- Fugiu! – respondeu simplesmente o cão. Cabelos
de Ouro gritou-lhes:
- Ouçam, não sabemos quem são vocês, mas
somos amigos. Soltem-nos, só queremos seguir em frente!
Uma onda de risos, vaias e grunhidos
novamente aconteceu. O anão da vara ainda rindo, avançou dois passos e cutucou
a barriga do menino.
- Uiii! Fez Cabelos de Ouro e ele riu e
pulou. Depois o cutucou no peito e pernas. Vendo que o prisioneiro se
contorcia, ele pulava mais e se divertia. De repente parou de rir e cutucá-lo,
chamando dois outros anões. Um deles ficou de quatro no chão enquanto o outro
virava de costas. Então ele subiu nas costas de um e pulou para os ombros do
outro. O anão debaixo andou até próximo de Cabelos de Ouro. O que lhe subira
aos ombros se espichou, apoiando-se na vara, e segurou uma mecha de cabelos do
prisioneiro. Examinou a mecha com curiosidade, depois a camisa. Mandou que o
descesse ao chão e passou a examinar também as calças do menino. Fez sinal para
o outro, grunhindo e apontando para Cabelos de Ouro. Um anão subiu também aos
ombros de outro e começou a desabotoar a camisa do menino.
Nisto, outro deles se aproximou correndo e
jogou ao chão os dois que tentavam desabotoar a camisa do prisioneiro. Bateu no
peito, grunhiu e apontou para Cabelos de Ouro. O anão da vara se aproximou dele
e o empurrou. Ele reagiu e se prepararam para lutar.
- Estão brigando por causa de suas roupas –
falou Petisco.
- Sim, que coisa esquisita!
Engalfinharam-se e rolaram pelo chão. A
multidão pulava e gritava, dividindo-se na torcida. Nesta confusão, Teovaldo
apareceu e pousou no ombro de Cabelos de Ouro sem que ninguém percebesse.
Cabelos de Ouro cochichou-lhe virando ligeiramente o rosto:
- Entre no meu bolso e retire um grão
mágico! Ele sacudiu a perna direita
mostrando qual era o bolso.
Teovaldo assim fez e desapareceu dentro do
seu bolso. Mas de repente, tocados por uma desconfiança, eles pararam de lutar
e olharam para o prisioneiro.
- Quieto agora, Teovaldo, não se mexa! –
Teovaldo obedeceu e parou seus movimentos.
O anão
da vara, parecendo ser maior mandante que o outro, fez sinal com a mão mandando
que abrissem espaço. A multidão obedeceu em silêncio. Ele grunhiu e fez sinal
para que trouxessem alguma coisa. Logo surgiram vários anões puxando cordas. O
ruído de rodas fez Cabelos de Ouro entender que traziam um veículo.
Um rugido feroz fez todos tremerem e se
afastarem. Cabelos de Ouro assustou-se pensando no pior. E realmente o pior
estava para vir, pois os anões puxavam uma grande jaula feita de paus tendo dentro
dela um nervoso tigre.
-
Rápido, Teovaldo, continue, acho que nos querem dar de comer para esta fera.
Teovaldo continuou a mexer-se no bolso de Cabelos de Ouro em busca de um grão.
Os anões abandonaram a jaula a três metros
dos prisioneiros e dois deles apoiaram nela uma escada, subindo no teto. O
animal vendo aquilo saltava ferozmente dentro da jaula tentando agarrá-los. Os
dois anões começaram então a levantar a porta da jaula. Na medida em que faziam
isto a multidão ia se afastando. Em redor, vários outros anões se preparavam
com redes nas mãos, prontos para qualquer emergência. A porta subia diante de
Cabelos de Ouro. Não havia dúvida, a fera se lançaria sobre ele e o comeria.
- Vamos, Teovaldo, rápido! – dizia nervoso o
menino.
A porta da jaula abriu-se completamente e o
tigre veio se encaminhando para fora. Ao ver Cabelos de Ouro ali, indefeso,
rugiu e apoiou o corpo nas patas traseiras, calculando o pulo.
- Não vai dar tempo, Cabelos de Ouro, o tigre
vai pular! – gritou Petisco.
CAPÍTULO
VIII
A
GEMA DE CRISTAL
O tigre trouxe o corpo mais para trás e
preparou o bote. Teovaldo conseguira encontrar um grão, colocando a cabeça para
fora do bolso. Cabelos de Ouro gritou:
- Para
cima, Teovaldo! Ao ver o tigre
preparando o bote, Teovaldo voou sobre a cabeça de Cabelos de Ouro e soltou o
grão de milho mágico. A fera pulou, mas o menino soprou e buuum! Uma luz explodiu.
Um tigre maior surgiu no espaço e lançou-se sobre
o outro feito um raio, agarrando-o no ar. Caíram ambos diante de todos,
iniciando terrível luta. Como a luz ainda brilhasse intensamente, os anões se
afastaram apavorados, correndo e se jogando ao chão, chorando feito crianças.
O tigre da luz arremessou seu adversário
longe, fazendo-o chocar-se de encontro à jaula. Ao sentir que não podia vencer
a luta, o tigre dos anões disparou para o interior da floresta, fugindo
covardemente. O tigre da luz aproximou-se de Cabelos de Ouro e roeu-lhe a corda
com tal facilidade que parecia de açúcar. O menino, livre, correu para libertar
Petisco da coleira. Teovaldo veio pousar-lhe no ombro. O tigre agachou-se e
Cabelos de Ouro entendeu que deveria montá-lo. E assim fez com Petisco já em seus
braços.
O tigre com os passageiros às costas
levantou-se e rugiu, girando em todas as direções. E foi tão alto e vigoroso o
rugido que os anões saíram correndo e rolando. Gritavam desesperadamente e
abandonaram o local.
O tigre carregou-os a salvo pelo interior da
floresta, a largos pulos, porém com suavidade. Num local aberto e agradável
parou e deixou Cabelos de Ouro escorregar de suas costas, voltando por onde
viera.
- Desta escapamos por pouco! – aliviava-se
Cabelos de Ouro, virando-se para examinar o lugar.
- Aqueles anões macaquinhos. Não é à toa que
não gosto de macacos! – desabafou Teovaldo.
A camisa de Cabelos de Ouro ainda estava fora
das calças e ele começou a arrumar-se. Ao meter a mão nos bolsos,
surpreendeu-se:
- A bússola não está comigo!
- Os anões roubaram, currupáco.
- Oh! –
exclamou decepcionado.
- Para onde vamos agora, Cabelos de Ouro? –
perguntou Petisco.
- Não cheguei ainda a nenhuma conclusão sobre
o nosso trabalho aqui. Até agora só tivemos obstáculos e passamos por perigos.
Por isso, acho que não faz nenhuma diferença se caminharmos para qualquer
direção. Vamos em frente!
Ele reiniciou os passos por aquele trecho da
floresta. Petisco veio caminhar ao seu lado. Em determinado ponto viram no
horizonte uma forte claridade na cor rosa.
- Que será aquilo? – perguntou-se Cabelos de
Ouro.
- Nem
desconfio – falou Petisco.
- Currupáco – fez somente Teovaldo.
- Não parece estar muito distante, vamos
verificar.
Enquanto andava Cabelos de Ouro pensou em usar
o disco de ouro para chegar mais rápido, porém logo desistiu. Se viajasse pelo
espaço poderia deixar de ver alguma outra pista ou descobrir algo importante.
Na medida em que avançavam a claridade se tornava maior esparramando em tudo. Ele sentiu que se
aproximavam rápido demais. Mas quando pensou estar chegando a claridade
diminuiu e todas as coisas em redor voltaram a ter suas cores naturais. Por que
aquilo?
- Que coisa estranha, Cabelos de Ouro, a luz
está quase sumindo. Até parece que corre pra trás! – observou Petisco.
- Creio
ter havido um movimento da claridade em nossa direção. Por isto pareceu que
andávamos rápido demais. Mas por que agora diminuiu?
Prosseguiram seguindo a claridade que agora
parecia estar escapando. O caminho era fácil de percorrer; havia muito espaço
entre as árvores e arbustos em geral, porém em certo instante Cabelos de Ouro
parou, estranhando um fato.
- Não vi qualquer ave ou animal desde que o
tigre nos deixou. O silêncio aqui é completo.
- É
mesmo, só nós! – concordou Teovaldo.
- Não farejo nada – completou Petisco.
A claridade continuava a se afastar
rapidamente. O menino resolveu apressar-se: ora andava a largos passos ora
corria. Teovaldo ia se segurando em seu ombro como podia, abrindo e fechando as
asas. Petisco às vezes pulava adiante, às vezes corria a seu lado.
- A claridade agora está novamente se
tornando mais forte, mas não avança! – apontou Cabelos de Ouro, parando a fim
de tomar fôlego, logo reiniciando os passos.
A poucos metros dali a vegetação terminava,
iniciando-se largo patamar de pedra. Eles se lançaram sobre o patamar que
adiante se fechava como uma ponta de lança. Ficaram sem escolha ante um
estreito desfiladeiro onde somente uma pessoa a cada vez poderia caminhar.
Cabelos de Ouro tomou Petisco nos braços e penetrou por aquela passagem. A
claridade havia quase desaparecido, só uma fraca luz iluminava o caminho.
Mais adiante Cabelos de Ouro se viu ante uma
passagem mais larga, pois as altíssimas paredes se afastavam permitindo que andasse
com desembaraço. Mal tinha dado poucos passos levou grande susto. Detrás de
duas rochas, surgiram duas gigantescas serpentes najas, uma de cada lado da
passagem. Levantaram-se sobre seus corpos, movendo as cabeças ameaçadoramente,
mostrando suas finas línguas de duas pontas.
-
Currupáco, currupáco! – gritou nervosamente Teovaldo.
- Cuidado, Cabelos de Ouro, elas vão atacar!
– alertou Petisco.
Quando isto ia acontecer a claridade
espalhou-se com incrível rapidez alcançando-os e os obrigando a proteger os
olhos. Entretanto, tão rápido quanto surgira, a claridade se recolheu, voltando
novamente a ser fraca. Quando os três de novo conseguiram enxergar não viram
mais as gigantescas e ameaçadoras serpentes najas.
- Sumiram! – exclamou o menino
- Cuidado, pode ser uma cilada, currupáco!
- Irei
com cuidado. Petisco fique atento, se perceber alguma coisa estranha avise.
Mais adiante, depois de pequena curva das
paredes, viram que a luz rosada tinha novamente ficado mais forte.
- É dali
que ela sai – Cabelos de Ouro apontou para a direção. Mas não pode prosseguir
além de três passos por que a luz se tornara novamente intensa, jorrando para
todos os lados.
- Uiii! Não consigo enxergar, meus olhos
doem! Ele tentava proteger-se colocando
o braço adiante. Petisco e Teovaldo também protegeram seus olhos. A luz era
muito forte e Cabelos de Ouro ficou de costas. A luz cessou e ele pode
novamente se virar, caminhando e circundando a pequena curva.
- Um... monólito... de cristal! – espantou-se,
parando e vendo diante de si aquela forma.
Era como uma caixa retangular, branca,
transparente e em pé; um cristal puro de incrível beleza. Era grande, pois se o
abraçasse o menino não conseguiria tocar as mãos. A luz, embora fraca, ainda
brilhava.
- Tem uma pedra lá dentro, Cabelos de Ouro, é
ela que brilha! – falou Petisco e o menino o soltou ao chão.
- É outro cristal. Mas com este tamanho e
sendo branco como é que pode lançar tanta luz rosa? E para que servirá?
Sobre o monólito havia algo e Cabelos de Ouro
se aproximou para ver. Era um papiro enrolado. Ele o tomou e o abriu.
- Não entendo nada. Está escrito com figuras
e símbolos. Como descobrir o que diz?
Neste instante o cristal do interior do monólito
brilhou mais e lançou um raio rosa sobre a testa de Cabelos de Ouro. Ele sentiu
o local esquentar, descobrindo que podia agora ler o que estava escrito no
papiro. Dizia o seguinte:
“Aquele
que aqui chegar não deve mais voltar sem o que busca. Terá de lutar mais para
obter a chave que o conduzirá ao objetivo. Até agora venceu os desafios da
água, do ar e da terra. Eis que chegará o desafio do fogo. Vencendo-o terá a
chave do segredo da gema de cristal, guardada no monólito. É a única capaz de
ajudá-lo definitivamente naquilo que deseja. Boa sorte.” E o raio de luz
apagou-se.
- Conseguiu ler, Cabelos de Ouro?
- Sim, Petisco. Tudo o que passamos até o
momento foram desafios, provas de coragem. Agora é a vez do fogo, se o
vencermos teremos a chave que abrirá este monólito e nos dará esta gema. Ela é
a única que pode nos ajudar na busca do velocino!
- Gema? Pensei que só ovo tinha! – falou
Teovaldo.
- Que dificuldade! – reclamou Petisco.
- É verdade, porém prometemos ao senhor Armou
que tentaríamos. Estamos inteiros, nada em realidade nos aconteceu de mal –
Cabelos de Ouro olhou para o próprio corpo como a mostrar-lhes.
- Mas já não chega o fogo dos twitchz? –
Teovaldo estava inconformado, lembrando-se da outra aventura.
- Pelo jeito não. Mas creio que teremos agora
um desafio diferente. Vamos em frente?
- Para onde? Currupáco!
Cabelos de Ouro olhou em redor e descobriu
algo: duas grandes pedras lado a lado. Eram bojudas em cima e finas embaixo.
Depois delas somente vinha a pedreira. Ele se aproximou e colocou a mão numa
delas procurando girá-la. A pedra começou a se movimentar. Um ruído mostrou que
uma brecha se abrira na pedreira. Ele continuou a girá-la e a brecha foi
aumentando.
- Uma passagem secreta! – admirou-se Petisco.
Quando a passagem estava aberta Cabelos de
Ouro tomou Petisco num dos braços e entrou. Viu que se tratava de um túnel
completamente escuro. Ele foi tateando a parede com imensa dificuldade, mas
teve uma surpresa agradável. A luz rosa veio atrás, passou sob seus pés e
estendeu-se um metro adiante. Desta forma ele pôde andar com desembaraço tendo
a luz a guiá-lo.
Ao final do túnel parou. Tinha ali uma área
circular feito um patamar. Havia suficiente claridade e a luz rosa voltou pelo
túnel.
- É como se fosse um poço; lá em cima é
aberto – apontou o menino, logo continuando – Acho que já sei, é uma cratera de
vulcão.
-
Vulcão, Cabelos de Ouro? E se começar a sair fogo? – Petisco ficou preocupado.
- Tomara que não, ou estaremos fritos.
- Super
fritos, currupáco!
Cabelos de Ouro soltou Petisco ao chão e
começaram a andar a procura de qualquer pista. Era tudo muito claro e podiam
enxergar o céu. De repente ouviram um terrível guincho!
- Cuidado, Cabelos de Ouro! – gritou Petisco
e ele pulou para o lado, sentindo algo forte bater-lhe no ombro, jogando-o ao
chão. Ouviram de novo o guincho e a enorme e negra ave, parecendo uma águia
gigante, subiu pela cratera batendo suas largas e compridas asas.
- Ui! O menino gemeu no chão, virando-se para
ver melhor a ave. Ela girou em círculo acima da cratera e voltou rapidamente.
- Ela vai atacar de novo, corra Petisco!
CAPÍTULO IX
O
ROUBO DE GOULAN
O menino e o cão correram enquanto a negra
ave se aproximava rapidamente. Záz! Atacou Cabelos de Ouro, mas ele deu um pulo
para frente e se jogou ao chão. Ela passou raspando e subiu novamente,
preparando-se para novo ataque. Eles correram para a direção da parede
procurando algum abrigo e viram grandes pedras nas proximidades. Teovaldo voava
à frente, Petisco vinha em seguida e Cabelos de Ouro logo atrás. A enorme ave
lançou-se sobre o menino, mas ele já havia saltado e se enfiado com seus
companheiros entre duas pedras.
- Ufa,
escapamos por pouco! – disse ficando de cócoras procurando observar a ave. Ela
não os atacou novamente, porém ficou a voar em círculos acima da cratera e a
soltar estridentes guinchos. Logo outras aves iguais se juntaram a ela soltando
os mesmos guinchos.
- Se elas todas nos atacarem estaremos
perdidos, currupáco!
E realmente vieram em bando, soltando
terríveis guinchos e escurecendo o céu. Entretanto Cabelos de Ouro lançou um
grão de milho para o alto e o soprou. Uma luz explodiu e uma ave incrivelmente
grande surgiu, voando para a boca da cratera. Lá no alto soltou um guincho tão
estridente que fez as negras aves ficarem tontas, perdendo a orientação,
batendo-se entre si. Então fugiram.
- Viva! – comemorou Petisco.
- Currupáco!
Cabelos de Ouro sorria e se levantava dentre
as pedras. A águia de luz olhou-os lá de cima como a certificar-se de que
estava tudo bem e desapareceu suavemente.
- Escapamos de mais outra – falou o menino
esfregando a testa.
- Graças ao grão mágico! – lembrou Teovaldo.
- É verdade, resta-nos ainda quatro. Tomara
que não acabem antes de encerrarmos nossa missão.
- Ali, Cabelos de Ouro, algo se moveu! –
mostrou Petisco com o focinho apontado para a parede detrás.
- Vamos ver do que se trata. Saíram
lentamente, procurando pelo local indicado por Petisco.
- Foi aqui. Mas nada percebo agora.
- Mais
à frente há uma entrada na rocha! – disse ainda o cãozinho.
Encaminharam-se para lá e Cabelos de Ouro
tomou novamente Petisco nos braços, penetrando no lugar. Era outro túnel como
tantos que conheceram. Estava escuro e o menino teve de tatear a parede.
- Adiante há alguma coisa, sinto cheiro de
queimado – alertou Petisco. Após alguns tropeções notaram uma luz fraca. Ao
chegarem mais perto viram tratar-se de uma tocha presa à parede. Cabelos de
Ouro retirou-a do lugar, levando-a.
- Sempre túneis, sempre passagens, sempre desfiladeiros!
– reclamava Teovaldo.
O túnel veio terminar numa escadaria para
cima, estreita, na qual caberia somente uma pessoa de cada vez. Cabelos de Ouro
foi logo subindo. Ao término dos degraus viu-se diante de três entradas de
túneis.
- Temos de escolher um deles. Alguém tem
alguma sugestão?
- Qualquer um serve a gente vai se lascar
mesmo! – Teovaldo estava irritado.
- Nada farejo. Para mim são todos iguais –
Petisco virava o focinho de um para outro túnel.
- Então
escolho o do meio!
O menino entrou com seus companheiros e nada
aconteceu de anormal, apesar da escuridão. Ao final, chegaram a uma comprida e
estreita ponte de troncos de árvores. Os corrimões eram longos cipós. Abaixo
tudo eram sombras.
- Que ponte perigosa, será que agüenta? –
perguntava Teovaldo, preocupado.
- É realmente muito velha. Não temos escolha.
O jeito é mesmo atravessá-la.
Cabelos de Ouro pôs Petisco no chão a
fim de se segurar num cipó, caminhando à frente. Com o peso a ponte balançava,
e mal conseguiam enxergar. Ao avançarem alguns metros, o menino e o cão pararam
assustados vendo arcos de fogo que cruzavam ao alto, sobre a ponte. Seguidas e
várias línguas de fogo apareceram.
- Uau! São labaredas, como vamos prosseguir?
– Petisco se assustou
Começaram a sentir muito calor. Cabelos de
Ouro não desejava recuar. Notou então que os arcos de fogo não se alteravam,
somente o calor aumentava.
- Temos de avançar!
- Não dá, currupáco!
- Tentemos – disse o menino reiniciando os
passos. Ele procurava se apressar; a ponte balançava muito, e temeram que não aguentasse.
Encolhidos passaram sob um arco e depois sob outro. Dali, já podiam perceber o
final da ponte. Se ela aguentasse chegariam.
- Conseguimos! – aliviou-se Petisco ao final
de tudo. Mas nem puderam pensar em mais nada. Diante deles formou-se uma
cortina de fogo a impedir-lhes os passos. O calor tornou-se mais forte, e a
cortina se movimentava. Abriu um espaço bem no meio a mostrar-lhe o que existia
além dela, caso conseguissem ultrapassá-la.
- Vejam, há milhares de seres de fogo lá
dentro, um verdadeiro exército!
- Impossível entrar, ainda mais que não temos
daqueles véus que Djayan nos deu para enfrentar os twichz! – relembrou o cão
- Tem razão, Teovaldo, é impossível continuar
sem ajuda!
O fogo começou a lançar-se em sua direção.
Eles recuaram e o fogo também. Quando se adiantaram novamente o fogo outra vez
lançou-se sobre eles.
- Não dá, Cabelos de Ouro, não dá! – reclamou
Petisco.
- Ei, aqui! – alguém gritou a um canto.
Cabelos de Ouro virou-se vendo um pequeno ser que lhe acenava de junto a
pedreira – venham rápido!
- Uau! Outro anão, e desta vez vermelho! –
surpreendeu-se Teovaldo.
- Venha, Petisco, pode ser a nossa chance –
Cabelos de Ouro tomou o cãozinho nos braços e se lançou para lá. Chegando
próximo, viram que o pequeno ser era realmente vermelho e careca, embora
parecesse humano. Até os seus olhos eram vermelhos!
- Por aqui, depressa, antes que os soldados
os ataquem!
- Soldados, aqueles seres de fogo lá dentro?
- Exatamente, os guardiões de Goulan. Eles
não perdoam invasores.
Entraram por um caminho entre dois grandes
blocos de pedra. Havia muita claridade por ali e Cabelos de Ouro largou a tocha
a um canto. Podiam enxergar a grande distância.
- Quem é você, e por que nos ajuda? – Cabelos
de Ouro perguntou ao estranho.
- Sou Nathar da cidade de Zuin. Sou sacerdote
do templo da chama sagrada que nos foi roubada por Goulan.
-
Credo, currupáco!
- Chama sagrada, como?
- Ela é a nossa vida. A ela devemos tudo o
que possuímos. A chama sagrada jamais poderia ser tirada do templo. E Goulan,
contrariando as escrituras, a roubou. Desde então a cidade esfriou e seus
habitantes vivem tristes e sem vontade.
- E como ele fez isso? - perguntou novamente
Cabelos de Ouro bastante curioso. Eles não paravam de andar e o calor que iam
sentindo começava a incomodar os três viajantes. Nathar respondeu:
- Ninguém sabe como aconteceu, nem mesmo
Isdam o grande sacerdote. A chama ao ser roubada deixou Isdam sem poderes e
todos nós sofremos por isto.
- Mas se vocês sabem que foi Goulan quem
roubou a chama, por que não vão buscá-la?
- O exército de Goulan é forte e nos derrotaria.
Além disso, com o roubo da chama ficamos mais fracos. A chama é nossa vida e
sem ela nada podemos. Nossa única esperança agora é você.
- Eu? - assustou-se Cabelos de Ouro, parando.
- Sim,
Isdam nos disse que alguém estrangeiro e valente chegaria para nos ajudar.
Finalmente você chegou.
- Ai, ai! - lamentou Teovaldo.
- Mas o
que eu poderia fazer?
- Recuperar a chama e recolocá-la no altar do
templo.
Continuaram. Cabelos de Ouro ia agora calado.
Chegando ao final do caminho viram-se sob uma área coberta por grande e lisa
pedra escavada dentro de um rochedo. Atravessaram o lugar saindo no lado
oposto, nas ruas de uma cidade.
- Quanta gente, Cabelos de Ouro, todos
pequenos! – admirou-se Petisco.
- São realmente pequenos e vermelhos, e não
há mesmo alegria por aqui.
A cidade era toda de pedra e as ruas de
paralelepípedos. Havia carros que eram puxados levando passageiros. Diversos
outros veículos circulavam, porém sempre puxados pelos seres, não tendo motores.
Pelas imediações, tinham barracas com diversos objetos, parecendo haver ali um
tipo de comércio. Nathar fez sinal e pequena carruagem puxada por dois daqueles
seres parou. Ao reconhecerem Nathar, arcaram-se, fazendo-lhe reverência e um
deles abriu a cortina do veículo. Nathar indicou para que Cabelos de Ouro
entrasse com seus dois amigos, ordenando:
- Para o templo!
Percorreram algumas ruas. Cabelos de Ouro
afastava a cortina para observar a cidade. Era interessante. As casas eram
pequenas, mas bem feitas, embora fossem de pedra bruta, e não viu qualquer tipo
de vegetação pelos arredores.
- Chegamos! – disse Nathar após certo tempo,
logo descendo da carruagem. Cabelos de Ouro desceu com os companheiros,
colocando Petisco no chão. Os dois condutores se aproximaram de Nathar, que os
tocou nas testas com os dedos indicador e médio unidos, e eles se foram.
Estavam diante do templo que era imensa
construção. Tudo era pedra. A fachada quadrada apoiava um triângulo. Ele
empurrou uma das portas e entraram.
Em torno do ambiente circular havia muitos
degraus, como arquibancadas de ginásios esportivos. No centro, uma grande
estátua em pedra vermelha representava o tipo comum do habitante de Zuin, muito
embora todos vistos até agora fossem pequenos. Segurava entre os braços uma pira,
como um prato fundo. A estátua, sobre um largo pedestal cilíndrico, ficava mais
alta que a última volta dos degraus em redor.
- Foi dali que Goulan nos roubou a chama
sagrada. Ela nunca antes tinha sido retirada nem se apagado. Foi-nos trazida pelos
deuses há muitas gerações – Nathar apontava para a pira entre os braços da
estátua.
Nathar caminhou em redor da estátua e Cabelos
de Ouro o seguiu. Pararam diante de estreito portal coberto de uma cortina de
pingentes, parecendo cristais. Nathar afastou a cortina que tilintou, entrando
no ambiente. Cabelos de Ouro precisou abaixar a cabeça a fim de poder passar. O
interior era uma sala que continha poucas coisas: cadeiras pelos cantos, uma
mesa no centro, quadros e tochas pelas paredes. Num dos lados havia uma pequena
janela aberta.
Encaminharam-se para o fundo da sala,
atravessando outro portal e cortina semelhantes aos anteriores, e viram Isdam.
Estava de costas, olhando para o alto com braços levantados. Ali era um
cubículo extremamente alto, como o interior de uma estreita pirâmide. As quatro
paredes acima pareciam perder-se de vista. Cada uma tinha um diferente tom de
vermelho. Lá do alto descia pouca claridade.
- Aqui é o santuário das orações onde somente
Isdam e os sacerdotes como eu podem vir orar – cochichou Nathar.
Isdam ao ouvir o cochicho interrompeu a
oração, voltando-se. Tinha a mesma altura de Nathar, nenhum cabelo e vestia
igual saiote que era semelhante a um couro fino, macio e dobrável como tecido.
No seu peito achava-se encravado um símbolo grande, representando uma chama em
formato triangular, de um vermelho vivo que brilhava sob a luz das tochas nas
paredes. Era um velho sacerdote daquele estranho povo de estranha cidade! Ele
sorriu para Cabelos de Ouro, baixando a cabeça em reverência e falou:
- Saúdo ao herói e aos seus amigos! O fogo
revelou-me que viria. É a pessoa que nos trará de volta a chama sagrada roubada
por Goulan.
- Como
pode saber que sou eu, senhor. Sou um simples menino que aqui cheguei por
acaso.
- Não existe acaso, jovem. Aqui veio porque
foi chamado. Os deuses ouviram minhas orações. Chegou a hora!
- Já estou ficando cheio destas coisas,
curupáco! – Cabelos de Ouro sacudiu o ombro para que Teovaldo se calasse. Ele
bateu as asas nervosamente.
- Mas o que fazer, senhor? Onde devo ir? Como
é esse Goulan?
- Goulan é traidor. Já foi sacerdote do
templo da chama sagrada. Recebeu a força, mas desobedeceu aos mandamentos.
Tornou-se ambicioso; quer possuir sozinho o poder. Por isso roubou-nos a chama
sagrada criando um exército para nos dominar.
- Já ouvi esta história antes – Teovaldo
desta vez cochichou.
- E por que ainda não dominou tudo?
- Algo o impede. Falta-lhe ainda um elemento
que o tornará invencível. Nosso povo está enfraquecendo pela falta do poder da
chama sagrada. Desde que nos foi roubada não pudemos mais transmitir as
bênçãos. Só você poderá nos salvar. Sabemos que possui poderes superiores ao de
Goulan.
- Eu? Poderes superiores? – ele, surpreso,
apontou para o próprio peito.
-
Caramba, estamos de novo enrascados. Já vi isto com os twichz – disse Petisco
junto ao menino.
Isdam calou-se. Cabelos de Ouro coçou o
nariz e olhou para Nathar. Este somente o observava.
- Bem..., já que é assim, posso tentar –
disse o menino meio sem graça.
- Ah! – exclamou o velho sacerdote – os
deuses não falharam! Eles mostraram que o herói nos ajudaria. Teremos de volta
a chama sagrada!
- Quem mandou eles nos meterem nisto? -
reclamou de novo Teovaldo.
- Como posso chegar a este Goulan? Que
cuidados devo tomar?
-
Ninguém sabe como ele construiu suas defesas. Somente conhecemos a entrada de
seu território onde a cortina de fogo impede qualquer um de lá chegar. Todos
temem seus soldados que já andaram pela cidade para se mostrar. Nada mais
sabemos, herói, nem sequer onde escondeu a chama sagrada.
- Estas
informações ajudam muito pouco. Mas se temos de ir partiremos agora. Não
podemos interromper nossa missão. E isto parece fazer parte dela também.
Isdam levantou a mão direita, uniu os dedos
indicador e médio e lançou uma benção na testa de Cabelos de Ouro, que
imediatamente saiu. Nathar o acompanhou. Ao chegarem à rua viram um princípio
de tumulto. O povo corria e buscava abrigo nas casas ou becos. No outro lado da
praça muitos seres ígneos vinham marchando.
- Os soldados de Goulan! – falou Nathar
assustado.
Eles avançavam e o povo saia correndo. Eram
todos iguais em tipo e estatura, mas possuíam o poder de tornarem-se inflamados
quando desejassem. E assim eles faziam. Este fogo causava desconforto e mal
estar ao povo, visto ser fogo inimigo. O pequeno exército veio marchando em
direção do templo.
- Eles
vêm para cá, creio que atrás de vocês! – falou Nathar, ainda assustado.
- Lá
vem confusão! – lamentou Teovaldo e Petisco latiu com raiva.
De fato, ao verem Cabelos de Ouro começaram a
correr em sua direção.
- Vocês têm que fugir daqui. O fogo não afeta
nossos corpos, mas a vocês certamente queimará. Fujam, corram! – apressou-os
Nathar.
Cabelos de Ouro tomou Petisco nos braços e
com Teovaldo no ombro, começou a correr para o lado oposto de onde vinham os
soldados, mas logo parou. Mais soldados surgiram daquele lado e os três ficaram
cercados. Sem ter por onde escapar, Cabelos de Ouro gritou para Nathar:
- O Sol, de que lado nasce?
- O
quê? - perguntou Nathar sem entender.
- O Sol, de que lado nasce?
- Lá! - apontou para o nascente.
Os soldados já estavam mais próximos e
Cabelos de Ouro voltou-se para o nascente.
- Rah-tha-bha-lá! – falou. O cinto de ouro
imediatamente apareceu-lhe à cintura e ele recitou: Senhor do Espaço, me leve
pra longe do perigo! E desapareceu do lugar, despertando largo sorriso em
Nathar e espanto nos soldados que não sabiam o que fazer.
Foram ressurgir no alto de uma colina, de
onde podiam enxergar um pedaço da cidade de Zuin.
- Escapamos daqueles palitos de fósforos
acesos, currupáco.
- Que
fazemos agora, Cabelos de Ouro? – perguntou Petisco, ainda nos braços do
menino.
- Não sei exatamente. Vamos nos movimentar,
as coisas sempre vêm ao nosso encontro.
Cabelos de Ouro tomou o caminho que
contornava aquela colina. O caminho vinha terminar diante de largo túnel e
apesar das reclamações de Teovaldo, o menino nele entrou.
- Este
pelo menos é largo e claro – comentou Petisco. Em determinado local ouviram
ruídos de muitos passos.
- Petisco, pressente algo? Petisco farejou o ar.
- Ali, Cabelos de Ouro, naquele lado. O
menino passou então a andar junto à parede que Petisco indicara. Ele colocou o
cãozinho no chão, andando mais alguns metros sem nada ver.
-
Estranho, não vejo nada! Ele então se apoiou numa larga e saliente pedra
empurrando-a com enorme esforço.
- Mexeu-se! - gritou Petisco.
- Era o que eu suspeitava. Vou empurrá-la
mais.
A pedra
começou a rolar, tornando-se mais leve. Cabelos de Ouro continuou a empurrá-la
até que surgiu um vão, suficiente para que nele entrasse.
- Vamos!
- Está escuro, currupáco!
- Lá adiante há luz. Petisco venha!
Petisco pulou para seus braços e ele foi
tateando a parede. O ruído que tinham escutado parara, porém ouviam agora
algumas vozes. Logo ele chegou ao final do túnel, observando lá embaixo um
enorme salão muito bem iluminado por várias tochas nas paredes. No fundo do
salão havia um trono onde um daqueles seres de Zuin se sentava. Soldados o
rodeavam ou tiravam guarda por todos os cantos. No centro daquele lugar existia
largo pilar com uma pira, e dentro da pira brilhava uma fraca luz. Dois outros
seres escutavam as palavras ameaçadoras daquele que se sentava ao trono.
Cabelos de Ouro os reconheceu imediatamente:
- Isdam
e Nathar! Eles os pegaram! Aquele então deve ser Goulan!
- E quantos soldados! – admirou-se Petisco.
Eles procuraram prestar atenção no que falavam. Goulan estava furioso:
- Digam logo, onde está o intruso?
- Não sabemos, Goulan, ele desapareceu sem
nos dizer onde ia – respondeu Nathar.
- Mentira. Vocês mentem e vão se arrepender
por isto. Como ele poderia sumir no ar?
- Ele tem poderes mágicos – falou desta vez
Isdam – são superiores aos seus. Ele foi enviado pelos deuses para destruí-lo.
Devolva-nos a chama sagrada enquanto é tempo.
- Nunca! Ela é minha! É de Goulan, o maior
sacerdote que reinará sobre Zuin. Ninguém irá impedir-me!
- Onde está a chama sagrada, Goulan? –
perguntou Isdam
- Ali
em seu verdadeiro altar! – ele apontou para a pira no meio do salão.
- Por que ela não brilha como em nosso
templo? – Isdam continuava a perguntar. Goulan se levantou falando de punhos
fechados, raivosamente:
- Ela vai brilhar diante de mim!
Ruídos desviaram-lhes a atenção e viram
Cabelos de Ouro e Petisco correndo pelos degraus da escada que terminava no
salão. Atrás deles soldados inflamados os perseguiam.
- É o
intruso, peguem-no! - gritou Goulan.
- Goulan! – chamou-o Nathar. Goulan não lhe
deu atenção. Nathar chamou-o novamente – Goulan, por favor. Mande os soldados
apagarem-se. Ele não resistirá ao fogo, é diferente de nós!
- Claro que é diferente! - respondeu-lhe sem
ao menos virar o rosto para Isdam.
Os soldados do salão também correram para pegá-los,
se inflamando como os outros. Era grande o perigo de serem queimados.
- Por favor, Goulan, prenda-o vivo, não é
isto que você quer?
- Soldados, apaguem! Parem! – ele ordenou
Mediante a ordem de seu rei eles pararam e se
apagaram.
-
Aproxime-se intruso! – ordenou Goulan. Cabelos de Ouro tomou Petisco novamente
aos braços e ainda ofegante veio para junto de Isdam e Nathar. Goulan olhava-o
curiosamente da cabeça aos pés.
- Então
é este o enviado dos deuses para derrotar-me. Como se chama intruso?
-
Cabelos de Ouro. Goulan olhou para Petisco e Teovaldo.
- E
estas criaturas?
- Criatura é sua avó, seu anão vermelho! –
respondeu Teovaldo
- Ele fala! – surpreendeu-se.
- Sim,
é um papagaio, chama-se Teovaldo.
- E este aí? – estendeu a mão para Petisco,
que rosnou e latiu. Ele se assustou e puxou a mão.
- É um cão, chama-se Petisco, também fala.
- Incrível! E de qual lugar os deuses os
trouxeram? – perguntou rindo e olhando para Isdam.
- Eu vim do Brasil, nós três viemos!
- Brasil? Que é isto?
- É um país, fica na América do Sul –
explicou Cabelos de Ouro.
- América do Sul? Que coisas estranhas você
fala intruso!
- Você
que é um burro, currupáco!
Goulan percebeu que Teovaldo debochava e
inflamou o dedo apontando-o.
- Uau! – gritou Teovaldo pulando e voando
para o outro ombro de Cabelos de Ouro. Petisco latiu furiosamente. Goulan
ameaçou fazer o mesmo com ele, mas Cabelos de Ouro deu um passo atrás,
segurando-o.
- Por favor, senhor, pare!
- Realmente temem o fogo! – olhou-os com
surpresa mais uma vez – então que poderes tem para levar a chama sagrada?
- Não pretendo levar a chama sagrada – Goulan
olhou-o novamente surpreso – pretendo pedir-lhe para que a devolva. Ela é muito
importante para o povo de Zuin.
- Pedir-me para que a devolva? Ah, ah, ah!
Então este é o herói que os deuses enviaram?
- Quem me enviou foi o senhor Armou, o Mago
do Tempo!
- Armou? Que faz ele?
- Domina o tempo. Ele nos confiou a missão de
recuperar o velocino roubado de um povo, que por isso faz guerra.
- Armou, velocino, Brasil, basta! Já estou
farto desta conversa!
Falando isto ele notou pela primeira vez o
cinto que Cabelos de Ouro trazia à cintura e que neste instante começava a
rebrilhar suavemente.
- Que é isto? - apontou.
- É meu
cinto de ouro.
- Pra que serve?
- Pra muita coisa. Ele estendeu a mão para
examiná-lo, porém Cabelos de Ouro pronunciou:
- Alah-bha-thar! E o cinto desapareceu
imediatamente.
- Sumiu! – Goulan, espantado, olhava o rosto
do menino. Isdam e Nathar sorriram. Ele ficou furioso e gritou:
-
Soldados, inflamem-se! Acabem com estes três intrusos!
No mesmo instante todos os soldados se
tornaram em centenas de chamas, aumentando terrivelmente o calor naquele salão.
Sufocado, Cabelos de Ouro pediu mais uma vez:
- Por
favor, senhor, pare, não faça isto!
- Ataquem-nos! – ele gritou mais alto.
Não vendo outra saída, Cabelos de Ouro
retirou um grão de milho de seu bolso lançando-o para o alto e o soprou. Uma
explosão aconteceu e uma luz branca se espalhou por todo o ambiente. Em
seguida, a luz se concentrou ao alto do salão, formando enorme bola de espuma.
Os soldados pararam para olhar aquilo. Imediatamente começaram a sair dezenas
de bonecos da bola de espuma que se atiravam sobre os soldados inflamados,
grudando-se neles, abafando suas chamas. Eles caiam ao chão, gemiam e rolavam. Goulan
recebeu um daqueles bonecos, também caindo.
- Bem feito! – comemorava Teovaldo.
Isdam e Nathar acompanhavam aquilo com grande
atenção. Era uma magia e tanto que Cabelos de Ouro demonstrara! Os soldados iam
endurecendo e permaneciam imóveis.
- Temos agora um exército de inofensivas
estátuas – falou Cabelos de Ouro sorrindo.
- Socorro..., ajudem-me...., estou fraco! –
gritava Goulan, endurecido como seus soldados, sem poder se levantar, logo
perdendo a voz. Cabelos de Ouro virou-se para o velho sacerdote:
- Isdam suba lá e retire a chama sagrada da
pira!
- Não
posso, ela é sagrada!
- Vá, Isdam – insistia o menino – tenho
certeza de que você pode. Ela o aceitará. Leve-a para Zuin, ao verdadeiro
templo! Isdam olhou para Nathar e este confirmou com aceno de cabeça. Isdam
então foi subindo os degraus em redor do pilar, aproximando-se da pira.
Estendeu as mãos para a chama e a tomou. Era pequena e fraca, e ele pode
transferi-la de uma palma para a outra, descendo com ela.
- É diferente de qualquer outra, é pura!
Veja! – mostrou-a tranquilamente para Cabelos de Ouro.
No caminho, já na cidade, ao vê-lo passar com
a chama sagrada, o povo se ajoelhava diante de Isdam, se lançando ao chão.
Alcançaram o templo. Isdam, com ajuda de Nathar e de outros sacerdotes,
recolocou a chama na pira da estátua. Não houve qualquer alteração na sua luz e
resolveram orar. Ao término, os sacerdotes ficaram todos calados, de joelhos e
cabeças baixas.
Cabelos de Ouro, sem nada ter com aquele
improvisado ritual, a um canto a tudo assistia com seus amigos. De repente, uma
surpresa: a chama estalou e cresceu, jorrando imensa luz em todo o templo! Os
sacerdotes sentindo que o poder novamente entrara em seus corpos, imediatamente
se levantaram.
- O poder voltou! – falou alegremente Isdam
que veio para onde Cabelos de Ouro se encontrava, dizendo-lhe – Graças a você o
reconquistamos. A partir de hoje o povo de Zuin será novamente forte. A
revelação foi verdadeira, você veio para nos salvar. Que podemos fazer para
recompensá-lo?
- Nada desejo em troca. Porém há algo
que eu e meus amigos estamos procurando e que talvez você possa nos ajudar a
encontrar.
- O que
é, diga-me?
- Procuramos
a chave que abrirá o monólito onde se encontra a gema de cristal. Precisamos
prosseguir para achar o velocino, mas somente a gema poderá nos auxiliar.
- A
gema de cristal, sei do que falam. Ela é intocável, somente um enviado dos
deuses como você poderia tentar. Venha, vou mostrar-lhe algo.
E saiu com Cabelos de Ouro e seus amigos para
as ruas da cidade. Todos os que os viam se aproximavam e Isdam os tocava nas
testas. Uma transformação imediatamente acontecia, e se fortaleciam, ficando alegres
e mais ativos. Mas como não pudesse dar a benção para toda a população, os
informava:
- Vão para o templo, lá Nathar e os
sacerdotes lhes darão a benção.
Ele chamou uma carruagem que os levou para
fora da cidade. Tomaram o caminho das montanhas, parando à entrada de uma
gruta. Isdam ordenou que os condutores da carruagem aguardassem e entrou na
gruta com Cabelos de Ouro e seus amigos. Era uma mina de cristais de várias
tonalidades. Havia muitos túneis; cada um levava a um veio de uma determinada
cor de cristal. Este, por onde entraram, era todo branco e transparente. A mão
de Isdam acendeu-se, iluminando todo o caminho, fazendo os cristais
rebrilharem. Mais adiante, encontraram muitos seres que ali trabalhavam, porém
desanimados. Isdam os chamou e informou-lhes:
- O poder está novamente conosco. A chama
sagrada voltou para o templo. Aproximem-se, vou transmitir-lhes poder! Isdam os
tocava nas testas e todos se tornavam ativos e felizes, passando a operar na
mina com maior vibração.
Cabelos de Ouro e seus amigos começaram a
observar-lhes com atenção. Tão logo recebiam a benção, colavam-se nas paredes e
no chão, transferindo faíscas de seus corpos para os blocos de cristais, Vários
sons se produziam. As faíscas iam se espalhando dentro dos cristais por larga
área como pequenos raios. Na medida em que isto acontecia os cristais ficavam
mais ativos, incorporando nova vida.
- Por
que fazem isto? – perguntou Cabelos de Ouro, após Isdam terminar as bênçãos.
- A chama sagrada transmite poder que mantém
a vida dos cristais. Daqui esta vida vai se espalhando de um lugar a outro, de
bloco a bloco, de montanha a montanha, até que não haja um só pedaço de cristal
que não esteja ligado ao poder da chama sagrada. Entende agora?
Cabelos de Ouro começou a pensar e após
alguns segundos falou:
- Aqui
em Zuin a vida estava enfraquecida por causa do roubo da chama sagrada. Somente
agora tudo volta ao normal. Por que então a gema de cristal continuou a ter
tanta luz?
- Não sei responder. A gema é a gema, depois
que ficou adulta adquiriu poderes próprios. Só conhecemos o que aqui realizamos
e o que sentimos em nós mesmos. Isdam sorriu-lhe e apontou a saída.
Lá fora Cabelos de Ouro pediu orientação
sobre o nascente do Sol. Isdam informou-lhe a direção e o menino mandou
lembranças para Nathar. Despediram-se. Cabelos de Ouro tomou posição com
Petisco nos braços e Teovaldo no ombro, pronunciando:
- Rah-tha-bha-lá! – O disco surgiu e ele
recitou: Senhor do espaço, me leve pro monólito da gema de cristal! Num instante
reapareceram diante do monólito.
A gema rebrilhava suavemente quando Cabelos
de Ouro se aproximou. Ele colocou Petisco no chão e começou a falar:
- Gema
de cristal, o que aprendi sobre esta situação é que a chama sagrada transmite
vida para os cristais, tornando-os mais belos. Mas você que esteve todo o tempo
poderosa, de onde tirava tanta energia? Creio que a luz de todas as coisas é
uma só e a sua é também a mesma da chama sagrada. Para eles a chama precisa lá
estar. Para outros estará noutro lugar, sem jamais se acabar. Ninguém de verdade
a roubará; a luz é eterna, pertence a todos os seres vivos da natureza. Na
verdade, a chama sagrada vem do Criador; está em meu coração, em você, em toda
a vida da Terra.
Ele parou por segundos e observou-a. A gema
permanecia como antes e em nada mudara e ele prosseguiu:
- Para conquistar a chama devemos antes
conhecê-la de verdade. Mas somente conseguiremos isto realizando bons atos que
resultem de bons pensamentos. Esta é a razão de eu estar aqui com meus amigos.
Mas penso que isto possa ser demais para um simples menino como eu!
Como resposta apareceu um risco de luz que percorreu
a parte de cima do monólito, dividindo-o.
- O risco formou uma tampa que está se
abrindo! – falou Petisco bastante admirado.
Cabelos de Ouro se aproximou e sem hesitar retirou
a gema de dentro do monólito, examinando-a. Cabia-lhe na palma da mão.
- Ela tem vida! Parece um coração pulsando!
Realmente ela pulsava, ficando ora menor ora
maior, exatamente como um coração. Ele colocou-a num dos bolsos e falou:
- Se o que nos resta fazer é continuar, vamos
em frente. Tenho uma ideia.
Ele foi até a pedra da esquerda, próximo de
onde os três amigos antes estiveram e começou a forçá-la. E como acontecido da
outra vez, no lado oposto, esta passou também a girar e mostrar um vão.
- Abriu! Lá vamos de novo! - falou Teovaldo.
Cabelos de Ouro tomou Petisco nos braços e
penetrou aquele túnel. Estava totalmente escuro como o outro, porém ele andava
com menor dificuldade. O chão era completamente liso e aos poucos ia se
inclinando para frente. O trajeto foi então realizado em descida reta, sem
nenhuma novidade, até que sentiram uma rajada de vento.
- Estávamos mesmo precisando, faz calor! –
comemorou Teovaldo
- É verdade, embora o calor daqui nada
represente comparado ao que passamos em Zuin.
Continuaram a descer por mais alguns minutos,
terminando num patamar plano. Cabelos de Ouro parou e observou frestas de luz
alguns metros adiante. Ao se aproximar mais notou que o túnel ali acabava.
- Não há saída, que droga, currupáco!
- Tenha
calma, Teovaldo, vamos antes examinar. Ele colocou a mão na parede por onde
havia as frestas de luz e notou que se tratava de uma grande pedra. Largou
Petisco no chão e começou a empurrá-la com ambas as mãos. Para surpresa e
alívio viu que a pedra se movia com facilidade, e a rolou, abrindo-lhes uma
passagem.
- É a
floresta de novo! – falou Petisco com alegria.
- Já estava mesmo com saudade do verde. Chega
de fogo, calor, anões, currupáco!
Diante
deles se mostrava amplo e verde gramado, onde o menino e o cão foram pisando.
Logo depois penetraram por caminhos entre belas árvores encontrando um rio que
julgaram o mesmo já conhecido. Respiraram aliviados.
- Petisco, vamos acompanhar a descida das
águas para saber onde nos levam!
Assim fizeram, descendo pela margem do rio.
Em certo trecho pararam ao atingir uma clareira de onde partiam vários outros
caminhos, ladeados de altos arbustos.
-
Quantas saídas, Cabelos de Ouro! – admirou-se Petisco.
- Certamente darão para lugares diferentes.
Creio que já podemos abandonar a margem do rio e tomarmos um deles. Mas qual? –
ele foi até o centro daquela clareira e ficou a pensar. – Petisco, tem alguma
sugestão? – finalmente falou.
- Nenhuma, Cabelos de Ouro, nada percebo –
respondeu após correr em círculo diante dos caminhos.
- Eu também não, pra mim qualquer um serve! –
respondeu Teovaldo antes mesmo de ser perguntado.
- Talvez você tenha razão, Teovaldo. Venha
Petisco! O cão pulou-lhe aos braços e o menino entrou num daqueles caminhos que
nada tinha de diferente dos demais.
Cabelos de Ouro foi penetrando a floresta,
observando que os arbustos à beira eram altos e cada vez maiores. Adiante se
tornaram tão grandes que ultrapassavam em muito a altura de Cabelos de Ouro,
tocando-se em cima, ligando um lado ao outro.
- Agora é um túnel verde. Que destino o
nosso! – reclamou Teovaldo. O túnel verde acabou a poucos passos dali num arco,
onde em cima liam-se: “Limite da
Liberdade. Não Ultrapasse!”. Cabelos de Ouro leu aquele aviso para seus
amigos.
- Não estou gostando nada disto – comentou
Petisco.
- Precisamos entrar para saber. Fiquem
atentos! – ele cruzou o arco.
Após caminhar alguns passos Cabelos de Ouro
não percebeu nenhuma novidade. O cenário era idêntico ao que vinham vendo. Ele
ia atento, olhando para todos os lados. Petisco farejava. Adiante uma névoa
veio envolvê-los. Não era tão intensa como aquela onde os anões macacos os
atacaram. Era muito mais suave, porém fria, e causava arrepios. Silêncio. De
repente viram-se à beira de uma ponte sobre um rio onde havia muitos
crocodilos. A ponte iniciava-se em subida, depois seguia reta e quase ao final
descia. Cabelos de Ouro deu os primeiros passos sobre ela.
- Cuidado, muito cuidado, eles querem nos
comer, currupáco!
CAPÍTULO X
ETNÉA
A MAGA DO MAL
Os crocodilos se agitavam e abriam as
bocarras, dando rabanadas uns nos outros. A ponte, porém, era curta, e
atravessaram-na sem problemas. Adiante encontraram outro arco com novo aviso: “Último aviso. Não Avance. Não Voltará!”.
Ele novamente leu as palavras em voz alta e
resolveu continuar, penetrando sob o arco. Poucos metros dali, dois portões de
ferro se abriam para dentro. Cabelos de Ouro entrou e após darem dois passos os
portões bateram violentamente se fechando, dando-lhes um grande susto.
- Ninguém aparece. Só querem nos amedrontar,
por quê?
- É o que pretendo descobrir, Petisco.
Uma alta escadaria apareceu após terem
passado sob uma cortina de trepadeiras. A névoa não lhes permitia que a
enxergassem com nitidez. Mas perceberam que ali havia uma grande construção.
Cabelos de Ouro iniciou a subida. Em certo ponto puderam saber que lugar era
aquele.
- Um castelo cinzento! – falou Cabelos de
Ouro com admiração.
- Com muitas torres! – admirou-se também
Petisco.
Após muito subirem chegaram ao final da
escadaria. A névoa ficara mais abaixo, porém o céu estava encoberto por nuvens
escuras. Um calafrio percorreu o corpo de Cabelos de Ouro e Petisco ganiu.
- Cruz credo, agora é a hora do terror! –
reclamou mais uma vez Teovaldo. Alguns urubus voavam sobre o castelo, mas
Cabelos de Ouro resolveu que entraria. Antes perguntou aos amigos:
- Petisco, Teovaldo, vocês têm alguma ideia
onde nasce o Sol?
- Não dá pra ver o céu – respondeu Teovaldo.
- Não dá, Cabelos de Ouro, não dá! –
respondeu Petisco.
- É..., se precisar usar o disco de ouro
terei de contar com a sorte.
- Muita
sorte, muita sorte! – repetiu nervosamente Teovaldo.
Estavam diante de imensa e larga porta e
Cabelos de Ouro a forçou. A porta rangeu e foi abrindo. Era um gigantesco
salão. O teto era tão alto que quase não o viam. Havia muitas janelas enormes
com vitrais descoloridos, mas a luz que ali entrava iluminava pouco. O salão
estava vazio.
- Coisa esquisita – cochichou Petisco.
- Isto não me agrada, fiquem atentos – disse
o menino começando a andar, chegando à metade do salão.
- Pare! – uma voz de mulher fez eco por todo
aquele salão, assustando-os. Cabelos de Ouro olhou para todos os lados, mas
como nada visse continuou a andar.
- Pare, já disse!
- Onde está você? – perguntou Cabelos de Ouro
sem parar de andar. Aproximava-se do final daquele gigantesco salão. Nada vira:
nem móveis, trono, tapetes ou qualquer outra coisa. Porém, ao final via uma
coluna e sobre ela uma pedra retangular de mais ou menos um metro quadrado, e
parou a fim de examiná-la.
- É um tipo de pedestal. Creio que antes
havia alguma coisa sobre esta pedra.
- Exatamente abelhudo! – falou a mesma voz, ecoando
por todo o salão. Ele pôde então perceber que a mulher falava do alto de uma
sacada no fundo do salão.
- O que você procura não está mais aqui. Eu o
retirei – ela continuou a falar.
- Quem é a senhora? – ele tentava vê-la, mas
a escuridão não lhe permitia. Ela deu dois passos e ficou junto à grade. Tinha
um véu escuro sobre a cabeça e o foi retirando.
- Posso assumir várias fisionomias. Uma delas
é esta – ela mostrou o rosto.
- Raios, trovões! – reclamou Teovaldo.
- Eu
conheço ela, Cabelos de Ouro! – falou Petisco.
- Sim, lembro-me de você, é a moça que me
atirou no redemoinho! Ela riu escandalosamente, perdendo aquele ar fingido de
moça tímida.
- Vejo que conseguiu escapar de todas as
armadilhas que lhe preparei. É um jovem esperto, muito esperto mesmo. Mas aqui
termina sua aventura e desses dois animaizinhos. Não conseguirá recuperar o
velocino. Ele é meu!
- Então foi você quem o roubou?
- Sim,
há vários séculos e ninguém irá levá-lo.
- Mas por que fez isso?
- Queria obter mais poderes!
- Mas não conseguiu! – falou Cabelos de Ouro.
- Como
sabe disto, menino? – ela olhou-o com severidade.
- É fácil entender. E ainda sonha com isso.
Mas onde está o velocino?
-
Mandei-o de volta para um lugar do passado. Você não o achará. Aliás, você e
seus dois amigos jamais sairão daqui. Teovaldo andava nervosamente sobre o
ombro de Cabelos de Ouro enquanto Petisco, também nervoso, gania em seus
braços.
- De
volta ao passado? Mas como?
- O tempo é um jogo para mim. Sou Etnéa, a
maga. Ninguém pode deter-me. Agora basta! Já me causou muitos aborrecimentos.
Prendam-nos! – gritou.
Diante deles começaram a surgir criaturas.
Eram metade homens, metade animais. Tinham os corpos pesados e braços longos
como os homens das cavernas, mas as caras eram de jacarés de narizes menores.
Nas costas tinham escamas. As mãos eram achatadas, também os pés, e andavam se
arrastando.
- Que monstros horríveis! Fuja, Cabelos de
Ouro! – gritou Teovaldo.
Cabelos de Ouro virou-se para fugir, mas às
suas costas mais criaturas vinham se aproximando. Ele correu para um canto,
encostando-se à parede sem a menor chance de escapar.
- Eles vão nos pegar! – falou Petisco
afobado.
- O grão, use o grão! – gritou Teovaldo.
Cabelos de Ouro meteu a mão no bolso, mas não teve tempo.
- Uáu, cuidado! – gritou Teovaldo, e desapareceram
dali. O chão se abrira e foram engolidos por um alçapão.
Caíram sobre montes de feno, no fundo de uma
masmorra. Teovaldo não, pois se equilibrara no alto batendo as asas, embora
tivesse passado pelo alçapão.
- Ui,
que tombo feio. Estou cheio de palhas pela roupa e cabelos.
- É feno, amorteceu a queda – falou Teovaldo,
vindo de novo pousar no ombro do menino que permanecia sentado.
- Mesmo assim doeu – reclamava ainda,
passando a mão pelo corpo. Petisco surgiu de dentro do monte, próximo a Cabelos
de Ouro, sacudindo o corpo e passando a pata no focinho.
- Aqui é o fundo deste castelo horrível. Só vejo
paredes e grades – informou Teovaldo.
- Deve haver outras masmorras. Dê uma voada
por ai, Teovaldo, e venha nos dizer o que viu. Ele saiu voando e passou por uma
grade.
- Está escuro, mas vejo muito bem e farejo
algo.
- O quê, Petisco?
- Há mais alguém aqui. Fique atento! Cabelos
de Ouro levantou-se de imediato, tentando ver através das sombras.
- Ali naquele canto, junto à parede! –
mostrou Petisco.
Cabelos de Ouro firmou o olhar, mas nada viu.
Foi andando naquela direção e conseguiu perceber um vulto.
- Quem é? – parou, sentindo Petisco
encostar-se na sua perna.
- Sou
eu! – uma voz fina e fraca respondeu.
- Eu quem? – insistiu.
- Gunther, o guardião do velocino! – a voz
era agora mais forte.
- Guardião... do velocino? – repetiu interrogativamente
Cabelos de Ouro, resolvendo aproximar-se mais, já começando a enxergar melhor.
Tratava-se de um anão, ou melhor, de um gnomo que ali estava sentado.
- Não consigo vê-lo direito, senhor...
- Gunther! – ele confirmou o nome – vou dar um
jeito. Ele se levantou e apesar da escuridão Cabelos de Ouro pôde perceber que
não se tratava de um gnomo dos menores. Este era quase do seu próprio tamanho e
começou a recitar:
Pirilampos,
pirilampos, saiam do campo,
Pirilampos,
pirilampos, venham cá estar,
Voando,
voando, venham pro meu canto,
Quero a
sua luz pra este lado iluminar!
- Não repare..., eh...., sei fazer pequenas
mágicas. Só que esta demora um pouco. Aguardaram por quase um minuto e nada
aconteceu. Cabelos de Ouro voltou a perguntar:
- Que
você fez para estar nesta prisão?
- Foi Etnéa..., ela me prendeu aqui...,
eh..., depois de roubar o velocino. Nada pude fazer, sua magia foi mais forte.
- Mas o
velocino não foi roubado há séculos?
- Isso, isso! – repetiu engraçadamente –
falou bem, há séculos. Há séculos estou preso aqui sem poder sair!
- Como é que pode? – duvidava Cabelos de
Ouro.
- Roubar o velocino? Pra ela foi fácil, eu é
que falhei..., eh..., dormi em serviço.
- Mas, séculos? Você é tão velho assim,
Gunther?
- Ora,
dez séculos não é tanto tempo assim. Funcionou! – ele gritou e pulou. Cabelos
de Ouro não entendeu nada – Funcionou! – gritou novamente – eles estão
chegando, consegui, veja! Cabelos de Ouro olhou para trás e viu dois pirilampos
que entravam pela janela.
- Agora
teremos luz! Aqui amiguinhos, aqui! – ele acenava com a mão.
Logo milhares de pirilampos foram chegando e
sobrevoavam sobre eles. Uns pousavam nas paredes ou nas grades e rebrilhavam.
Cabelos de Ouro pode então ver o rosto de Gunther. Era velho; tinha cabelos e
barba ruivos. Os olhos podiam ser castanhos, não sabia ao certo, mas eram
grandes e vivos. As orelhas eram também grandes, mas não exageradas.
- Você tem os cabelos bonitos, rapaz. Como se
chama? – ele abria bem os olhos enquanto falava.
-
Chamam-me Cabelos de Ouro!
- Cabelos de Ouro..., hum! Cabelos de Ouro,
interessante, muito interessante. Ela lhe prendeu também, e a seu amiguinho aí?
– apontou para Petisco no chão.
- Me chamo Petisco! – falou de onde estava.
- Oh, Petisco, heim! Bem que eu tinha
escutado outra voz. Estava dormindo, sabe. Mas por que ela os jogou aqui, que
fizeram?
- Ela
não quer que achemos o velocino. Viemos aqui para buscá-lo.
- O velocino? Impossível! Você é só um
menino! -– ele pareceu ter levado um
choque. Petisco latiu – Ehh..., e um cão também, quero dizer...bem..., Petisco
– ele fazia sinal com a mão para acalmar Petisco.
- Sou um menino simplesmente, mas o senhor
Armou confiou-me esta missão!
- Armou, quem é?
- O Mago do Tempo. Ele domina sobre o tempo e
acha que eu e meus amigos podemos recuperar o velocino. Se fizermos isto a
guerra poderá terminar.
- Um menino heim? Mas por que ele não veio
pessoalmente, será que teme os poderes de Etnéa?
- Não
creio. Ele explicou-me que não pode interferir nos destinos, só comandar o
tempo. Somente um humano como eu poderá realizar a missão.
- Humano!
Você é humano? Não acredito... Nenhum humano jamais chegou até aqui!
- Mas sou, Gunther. Sou lá do Brasil. Eu e
meus amigos Petisco e Teovaldo, um papagaio. Viajamos pelo espaço de lá pra cá.
- Um
papagaio também? Incrível..., incrível mesmo! Mas Etnéa prendeu vocês, logo foi
mais esperta. Não conseguirão.
- Nossa missão ainda não terminou. Se você
nos ajudar talvez consigamos sair daqui e recuperar o velocino.
- Ajudar? Eu, Gunther?
Neste exato instante surgiu Teovaldo,
pousando na grade da janela.
- Pirilampos, currupáco – e voou para o ombro
de Cabelos de Ouro. Mal pousou, logo se espantou – uái, outro anão! Este é
grandão!
- É Gunther. Ele é o guardião do velocino, ou
melhor..., foi!
- Sou Teovaldo!
- Um papagaio inteligente...., hum, quantas
coisas interessantes. Humano é...., como entrou na dimensão?
- Sei
também fazer mágica. Posso entrar e sair – respondeu com um sorriso maroto.
- Pode? Assim à vontade? Hum..., quem diria,
um menino com poderes. E por que não sai então, aqui não é bom!
- Estou atrás de informações. Etnéa falou que
roubou o velocino. Pensei que ela estava me enganando, mas vejo que não. Se
você me ajudar liberto-o daqui!
- Liberdade para Gunther? Impossível, ninguém
consegue escapar de Etnéa! O gnomo ao dizer estas coisas mostrou-se agitado.
Cabelos de Ouro continuou:
- Você sabe exatamente onde se encontra o
velocino? Etnéa disse-me que o mandou para o passado.
- Para o passado? O velocino....! Aquela
bruxa! Sei, Gunther sabe. Só há um lugar onde ele pode permanecer, é no
pedestal do castelo. Aposto que voltou para lá..., no passado, naturalmente.
- Ótimo, Gunther, então vamos lá buscá-lo.
- Não...
, não! Você não pode! Só Etnéa pode..., e eu também. Mas nunca fiz!
- Como assim, Gunther? Explique-me direito o
que é isto.
- É..., bem..., Etnéa roubou-me o segredo das
palavras. Elas são mágicas..., somente elas conseguirão transportar o velocino
de um lugar a outro. Eu as conhecia. Deveria pronunciá-las sempre que houvesse
perigo para o velocino. Mas falhei..., Gunther falhou..., dormi em serviço e
contei para ela quais eram as palavras. Ela agora possui o segredo. Se eu não
tivesse retirado a armadura...!
- Que armadura, Gunther, você tem uma?
- Tenho...,
bem..., quero dizer... eh, tinha. Depois que Etnéa me prendeu aqui nunca mais
soube dela.
- O que ela tinha de especial?
- De especial? Era tecida com fios também...,
eh..., mágicos, quero dizer..., magnéticos. Tinha poderes em meu corpo. Ninguém
podia se aproximar sem que eu comandasse. Eu revertia a força de qualquer um.
Mas eu tirei-a naquele dia..., e por isso dormi. Gunther falhou..., como
castigo rei Dun Gartha esqueceu-me aqui.
- Rei Dun Gartha?
- É..., meu rei. Ele quem me confiou a guarda
do velocino, ensinou-me as palavras e deu-me a armadura magnética.
- Ouça, Gunther, precisamos enfrentar Etnéa.
Ouça bem, se ela escondeu o velocino no passado é por que teme que eu o leve.
Será que ela é mesmo invencível?
-
Hum.... – pensou Gunther – hum...,
talvez você tenha razão, menino. É..., se você tem um plano talvez...
- Ainda não. Só sei de uma coisa: preciso
partir para buscar o velocino.
- Com o disco não pode! – lembrou Teovaldo.
- Sei
disto, Teovaldo, tentaremos outra coisa – ele voltou-se para o gnomo – Gunther,
diga-me uma coisa: Com sua armadura e acordado o tempo todo, você poderia ser
vencido por Etnéa?
-
Jamais! – ele levantou o dedo indicador com energia – Etnéa nem ninguém teria
conseguido.
- Você acha que ela utilizou sua armadura
para qualquer outra coisa, depois de roubar o velocino?
- Talvez..., talvez..., mas não teria
poderes. Só funcionava em Gunther. O rei a preparou somente para mim.
Cabelos de Ouro começou a pensar. Saiu dali e
andou pela grande masmorra. Seus olhos já se acostumavam com a escuridão e
enxergava o que antes não pudera. Parou debaixo da janela gradeada e levantou a
cabeça, começando a murmurar:
- Ao passado o disco não pode me levar. Aqui
neste presente sim. Mas quanto a Gunther? Espere..., tenho uma ideia, não custa tentar!
Gunther venha cá!
O gnomo
atendeu e se aproximou. Ficou olhando-o com aquela cara engraçada, enquanto os
pirilampos sobrevoavam sobre sua cabeça, piscando suas luzes.
-
Tentaremos sair todos desta masmorra, agora!
- Sair, como? – ele novamente se agitou.
- Tenho minhas mágicas. Não sei se
funcionarão, mas tentarei assim mesmo. Se sairmos, a primeira coisa a fazer
será procurar sua armadura. De acordo?
- Eu..., de acordo? Sim..., sim, de acordo.
Mas que mágica é essa?
- Petisco, venha! – o cãozinho pulou-lhe aos
braços, estando Teovaldo em seu ombro – agora você, Gunther, segure-me aqui
neste braço – o gnomo obedeceu – antes, porém, me informe de que lado nasce o Sol?
- O Sol? Vejamos, sim..., ali! – mostrou. O
menino virou-se para a direção indicada e recitou:
- Senhor do espaço, me leve pra armadura de
Gunther!
- Funcionou! – falou admirado o gnomo tão
logo aterrissaram.
- Ainda bem! – aliviou-se Cabelos de Ouro.
- Quanta coisa velha! – farejou Petisco.
-
Conhece isto aqui, Gunther? – perguntou Cabelos de Ouro.
- Não, nunca estive aqui. Mas creio que é no
mesmo castelo de Etnéa..., é..., deve ser sim..., é o depósito mesmo.
Cabelos de Ouro largou Petisco no chão e
começou a andar. O gnomo o acompanhava. Havia alguma claridade por ali. Viram
montes de coisas: pedaços de madeira, móveis, armas enferrujadas, enormes
livros, pergaminhos amarelados, armaduras amassadas e muitos outros objetos:
todos empoeirados. Andavam sobre tudo, afastando-os para os lados e
desimpedindo o caminho.
- Não vejo..., eh, minha armadura – dizia
Gunther, procurando ansiosamente. Petisco latiu a um canto. Eles o procuraram e
não o viram. Ele latiu de novo e foram para o lado do latido, localizando-o
debaixo de uma folha de madeira.
- Aqui tem um baú! – informou Petisco. Eles afastaram
a madeira e alguns objetos das imediações, vendo realmente tratar-se de um
velho baú, grande e negro.
- Abra-o, Gunther – pediu Cabelos de Ouro.
Ele segurou a tampa e a levantou. A tampa soltou-se quase caindo no pé do
gnomo, que pulou e se desequilibrou. Depois se arcou para o interior do baú
vendo que tinha roupas. Ele as foi retirando e amontoando. De repente gritou
surpreso e feliz:
- É ela, minha armadura! – imediatamente
começou a examiná-la - está perfeita..., Etnéa não estragou a armadura de
Gunther!
A armadura era inteira, como certas
vestimentas de soldados da idade média. Era dobrável, embora tecida com fios
prateados e grossos. Ele a vestiu, ficando unicamente com o rosto de fora e a
cabeça coberta pelo capuz.
- Então, Gunther? – perguntou o menino.
- Não
funciona – disse decepcionado – está inteira, mas não tem poder! Cabelos de
Ouro viu a tristeza de Gunther e comentou:
- Deve ter alguma solução. Mas agora
precisamos prosseguir. Não podemos ficar aqui.
-
Sim..., sim – repetiu desanimado o gnomo.
Cabelos de Ouro tomou um grão de milho e o
colocou na palma da mão direita. Em seguida pronunciou:
- Alah-bha-thar!
- Oh,
sumiu..., aquela coisa sumiu! – espantou-se Gunther, agora mais esperto.
- Ouçam com atenção, amigos! Já que não
podemos contar com o disco de ouro nesta viagem que iremos fazer ao passado,
vamos utilizar os grãos. Se der certo viajaremos a salvos e traremos de volta o
velocino.
- Lá
vamos de novo, cada vez mais pro buraco, currupáco!
Cabelos de Ouro, com Teovaldo no ombro, tomou
Petisco num braço pedindo para que Gunther segurasse este mesmo braço como a
pouco ele fizera. Gunther, vestido de maneira engraçada naquela estranha
roupagem, olhava o menino com grande admiração. Sem mais esperar, Cabelos de
Ouro lançou o grão para o alto, soprando-o, e desta vez dizendo:
- Para
o passado, ao velocino!
CAPÍTULO XI
O VELOCINO
Imediatamente um redemoinho de luz azul os
envolveu, uivando feito vendaval, e os deslocou no ar. Eles sentiram uma
sensação de vertigem e gritaram, desaparecendo do lugar.
Os quatro viajantes tiveram a impressão de
que voavam dando cambalhotas com incrível velocidade. Foi tudo muito rápido e
aterrissaram sem qualquer problema.
- Que
viagem! – exclamou Cabelos de Ouro.
- Ui..., incrível! Um grão de milho...,
incrível! É..., magia grande! – murmurava Gunther sem entender direito o que se
passara.
-
Voltamos para aquele salão – Petisco reconheceu o lugar.
- De fato, mas vejam lá no pedestal – apontou
Cabelos de Ouro.
- O
velocino! É ele, o velocino! – quase gritava Gunther.
O velocino era a estátua de um carneiro, mas
toda de ouro. Apoiava-se sobre as patas dianteiras, olhando para adiante.
- Vamos levá-lo de uma vez – disse Cabelos de
Ouro, já se encaminhando para o pedestal.
- Não..., espere – Gunther o segurou pelo
braço – você não pode..., ninguém pode! Só as palavras mágicas conseguem
transportá-lo.
- Então
diga as palavras – convidou Cabelos de Ouro.
- Eu..., é..., não me lembro delas!
- Não lembra? – o menino agora se admirava.
- Essa
agora, um anão esquecido, currupáco.
- É..., bem, foi Etnéa. Ela deve ter feito
alguma magia, apagando-me a memória.
Cabelos de Ouro resolveu investigar
procurando alguma solução. Estavam em posição lateral e rodeou o pedestal
parando em frente ao velocino.
-
Gunther veja! Aqui há algo estranho! – O gnomo se aproximou de Cabelos de Ouro –
Há um buraco bem no peito do velocino. Que significa isto?
- É..., um buraco..., não sei, não sei. Ele
não tinha isto quando eu era seu guardião.
- Espere, Gunther, talvez... – o menino ia
completar quando ouviram:
- Intrometido, menino intrometido! Você de
novo, e Gunther também..., o guardião fracassado. Como puderam chegar até aqui?
Etnéa surgia-lhes a poucos passos. Vestia-se
de roupa longa e cinzenta, com largas mangas. Tinha agora aspecto de mulher e
não de jovem como a conheciam. Os longos e negros cabelos caiam-lhe sobre os
ombros. Estava muito zangada, com pernas abertas e mãos fechadas, apoiadas nos
quadris.
- Uái!
Um açucareiro de duas asas! - debochou Teovaldo. Petisco latiu furiosamente.
- Ah..., Etnéa! – exclamou temeroso Gunther.
-
Ousaram entrar no meu templo do passado. Quem os trouxe?
- Foi..., foi..., o... – Gunther não
conseguiu responder.
- Fui eu, senhora, por mim próprio. E trouxe
comigo meus amigos para levarmos o velocino.
- Jamais diga isto de novo, menino. Como se
atreve desafiar os poderes de Etnéa. Vai pagar muito caro por esta ousadia!
- O
velocino precisa voltar, ele não lhe pertence! – insistia ainda Cabelos de Ouro.
- Basta! Soldados ataquem-nos, destruam-nos!
– ela gritava com todas as forças, apontando o dedo em direção dos quatro. Seu
rosto estava agora tomado de uma expressão de ódio.
- E agora, menino..., que fazemos? – Gunther
perguntou assustado.
- As palavras, Gunther, tente lembra-las!
- Não consigo..., eu conheço, mas não
consigo!
Aquelas mesmas horrendas criaturas que antes
os tinham ameaçado, surgiram de todos os lados, arrastando os pés. Traziam
machados, bolas de ferro em correntes, facões, clavas, maças, espadas e outras
armas dos tempos medievais. Cabelos de Ouro olhou para o velocino e tirou do
bolso a gema de cristal. Seu brilho estava fraco, mas não se apagara.
- Teovaldo – disse baixinho virando o rosto
sobre o ombro – tome a gema nas patas e tente colocá-la no peito do velocino.
Tenho certeza que ali é o seu lugar!
Teovaldo pulou para a mão de Cabelos de Ouro
e tomou a gema de cristal. As criaturas cercavam-nos e eles recuavam para o
lado do pedestal.
- Destruam-nos, não os deixem escapar! Estou
farta deste intrometido! – Etnéa gritava cada vez mais furiosa.
Teovaldo voou e se aproximou do velocino.
Tentou colocar a gema, mas falhou, batendo as asas e recuando. Etnéa vendo
aquilo desconfiou de alguma coisa.
- Peguem o papagaio, acertem-no! – gritou.
Uma clava foi lançada e passou rente à cabeça do velocino, quase o acertando.
- Parem seus imbecis, assim não! Cuidado com
o velocino! – Etnéa desesperava-se. Eles todos pararam sem saber o que fazer.
-
Rápido, Teovaldo, agora que estão confusos. Tente de novo! – disse Cabelos de
Ouro, olhando para cima, apoiado de costas na coluna que sustentava o pedestal.
- Não
deixem! – gritou novamente desesperada Etnéa. Mas Teovaldo falhou mais uma vez.
O encaixe da gema era muito justo e ele não conseguia. As criaturas fizeram
movimentos para outra vez atirar. Etnéa berrou furiosa:
- Não..., não! Parem! – eles pararam. Ela então levantou os braços
e começou a falar - Armat Yenm Zimbá...
- As
palavras! O velocino vai se desmaterializar! Ela vai levá-lo pra outro lugar!–
gritou desesperado Gunther.
- Não, agora não! – disse nervoso Cabelos de
Ouro. Teovaldo, porém, conseguiu finalmente encaixar a gema de cristal no peito
do velocino.
-... Katmaná Tamade Ruam Maratatan! Ob Dob
Kust Goby Rahiá Ad Lux Velocino Tam! – Etnéa completou as palavras olhando
ferozmente para o velocino.
Entretanto, o velocino não desaparecera, ao
contrário, começava a ficar mais vivo. A gema de cristal brilhava e irradiava
intensa luz que se espalhava por todo aquele mal iluminado salão. O corpo do
velocino mudou de aspecto. Ele agora possuía uma pele de finíssimos fios de
ouro que o cobriam. Ganhara outra vida!
- O poder voltou! – gritou Gunther – a
armadura tem poder outra vez!
Etnéa começou a recuar, amaldiçoando a todos.
As criaturas traziam as mãos aos rostos e os cobriam; rugiam e se afastavam do
pedestal. Gunther então fechou os olhos e se concentrou. Etnéa gritou e
desapareceu. As criaturas largaram as armas fugindo o mais rápido que puderam.
Cabelos de Ouro escorregou as costas na pilastra e sentou-se no chão.
- Ufa! Esta passou perto. Pensei que íamos perder
o velocino! – ele pôs a mão na testa. Teovaldo veio pousar no seu ombro
enquanto Petisco ao seu lado observava Gunther.
- O poder voltou! Gunther é forte de novo! – ele
olhou para Cabelos de Ouro, perguntando-lhe – mas como você sabia que aquilo
pertencia ao velocino?
- Eu
não sabia, Gunther, vim descobrir aqui. Achei que o coração do velocino de
alguma forma foi retirado. Por isso ele não funcionava para Etnéa, pois se
transformou em simples estátua de ouro.
- Sua magia é forte, menino. Humano, hem?
Incrível..., incrível! Salvou-me. Fez Gunther recuperar a armadura e o poder.
Agora posso lembrar-me das palavras mágicas eh..., e de outras coisas mais.
Graças a você, graças a todos.
- Até que enfim lembrou de mim! – reclamou
Teovaldo.
- De mim também! – completou Petisco. Cabelos
de Ouro se levantou, olhando para o velocino.
- Vejam, não há mais o buraco no peito do
velocino. Está fechado!
-
Sim..., sim. O coração está guardado! – confirmou o gnomo.
- Que fazemos agora, Cabelos de Ouro? –
perguntou Petisco.
- Bem. Acho que devemos transportar o
velocino de volta para seu verdadeiro lugar. Onde ele ficava antes, Gunther?
- Ah..., no templo, na cidade de Anthar. É lá
mesmo que ele ficava.
- Vamos
todos para lá. Gunther transporte o velocino com as palavras mágicas. Eu usarei
um grão para nos levar.
- O
velocino..., sim..., as palavras, claro: Armat Yenm Zimbá Katmaná Tamade Ruam
Maratatan! Ob Dob Kust Goby Rahiá Ad Lux Velocino Tam! – ele olhava para o
velocino enquanto recitava. Cabelos de Ouro, tendo já Petisco num braço e
Teovaldo no ombro, observou o velocino desaparecer. Jogou então um grão de
milho para o alto, o soprou e falou:
- Para o templo de Anthar! – e segurou o
braço de Gunther com a mesma mão que lançara o grão ao ar.
O mesmo redemoinho azul os envolveu e os
carregou. Eles partiram do lugar gritando. Foram reaparecer dentro do templo de
Anthar, diante do qual, no lado de fora, ali estivera Cabelos de Ouro e seus
amigos ao início da jornada.
- O templo! – exclamou alegre e surpreso
Gunther.
O imenso salão de entrada era longo e belo,
com grandes e decorativas colunas. O salão terminava onde começavam três
degraus de mármore branco, vindo depois um patamar, em seguida mais três
degraus e outro patamar. Finalmente vinha um terceiro patamar onde existia o
pedestal sobre uma única e pequena coluna.
-
Vejam, lá está o velocino! – apontou Cabelos de Ouro. Eles o admiraram. O
velocino de ouro rebrilhava, tornando-se muito belo.
- Este lugar está vazio e fechado – observou
Teovaldo.
-
Precisamos sair e avisar o povo de Anthar que o velocino é deles novamente. Mas
como fazer? Da vez que estivemos aqui fomos atacados!
- Vamos soar o gongo. Abriremos as portas
para o povo! – disse Gunther.
- Boa ideia, Gunther. Aguardem-me que eu já
volto – disse Cabelos de Ouro saindo a correr pelo salão em direção das altas
portas de entrada daquele templo, abrindo-as e retornando em seguida. Gunther
foi até o gongo e o fez soar por três vezes. O som espalhou-se por todo o salão
sendo ouvido pelas imediações da cidade. Logo o povo veio chegando e entrando.
Ao verem o velocino corriam e se atiravam ante o pedestal.
- O velocino voltou! – isto corria de boca em
boca até que a cidade inteira foi sabedora. O templo ficou apinhado de tanta
gente, todos que chegavam queriam se atirar diante do velocino. Gunther teve de
organizar filas para não haver tumulto.
- Abram alas! Vem aí o governador!
Soldados
usando vários tipos de armas, coletes de armaduras e elmos vieram chegando e
afastando o povo. Quando um corredor havia se formado surgiu um homem gordo.
Vestia-se com calças justas e camisa com bordados, tendo sobre um dos ombros
uma capa vermelha que quase tocava o chão. Ele foi entrando no meio de uma
escolta e parou diante do pedestal, ficando a olhar o velocino.
- É o velocino sem dúvida alguma! Os antigos
contavam que ele era exatamente assim – falou admirado, jogando-se ao solo. Depois
se levantou olhando para os quatro, perguntando – quem são vocês?
- Meu nome é Cabelos de Ouro – disse o menino
dando dois passos adiante – este é Gunther o guardião do velocino e estes são
meus amigos Teovaldo e Petisco. Vim do Brasil, sou humano e tive a missão de
recuperar o velocino recolocando-o em seu verdadeiro lugar.
- Humano? Como chegou aqui?
- É uma longa história, governador, porém
posso adiantar-lhe que o senhor Armou, o Mago do Tempo, foi quem me deu esta
missão. Com a ajuda de Gunther conseguimos trazer o velocino de volta.
- Gunther - disse o governador olhando
atentamente – não me lembro de tê-lo visto antes. Ele olhou de novo para Cabelos de Ouro –
disse que ele era o guardião do velocino?
- Sim – respondeu o próprio Gunther – fui o
guardião do velocino, porém quando ele foi roubado o senhor não era ainda
eh..., governador e não me conhecia. Foi eh...., Etnéa quem o roubou e
escondeu. Mas agora estou de volta para protegê-lo dia e noite. Gunther
recuperou os seus poderes.
- Com uma condição – interrompeu Cabelos de
Ouro e todos se voltaram para ele – que a paz com o povo da outra cidade seja
feita em definitivo e eles possam também vir visitar o velocino.
- Camar! Sim, sim, mandarei emissário a Camar
para explicar-lhes tudo. Selaremos a paz. Mas Etnéa, onde ela está agora? E se
ela roubar de novo o velocino?
- Aqui estarei para protegê-lo, governador.
Gunther desta vez não falhará. Recuperei os poderes dados pelo rei Dun Gartha. O
governador pareceu não acreditar nas promessas de Gunther. Porém, não teve
tempo de dizer mais nada. De repente, uma escuridão desceu sobre toda a cidade
deixando tudo às escuras. Todos se assustaram, começando imediatamente uma
grande ventania. Muitos do povo vieram para dentro do templo, que já estava
lotado. A multidão que não conseguiu entrar saiu correndo pelas ruas buscando
refúgio nas casas, pois o vento aumentara em muito. Figuras horrendas surgiram
pelas altas janelas abertas do templo. Eram como ferozes cães negros de asas,
com caras achatadas. Outras eram aves gigantescas, também negras. Uma delas
pousou diante da porta do templo e soltou um terrível guincho que assustou a
todos. Era tão imensa que tomou toda a entrada do prédio.
-
Etnéa...., é ela! - falou Gunther assustado.
CAPÍTULO XII
O
ÚLTIMO COMBATE
Gunther então fechou os olhos e pronunciou
algumas palavras. A ave imediatamente soltou outro guincho, mas pulou para trás,
mas logo levantou voo e desapareceu. As outras aves e criaturas que rodeavam as
janelas também fugiram. Um facho de luz partiu do velocino quase tocando o alto
teto. Deste facho outros menores foram surgindo e se espalhando feito uma rede
luminosa. O povo exclamou um oh!, lançando-se ao solo.
Lá fora
Etnéa provocava um vendaval. Algumas pessoas não conseguindo se manter em pé
rolavam pelo chão. Telhados voavam e se despedaçavam no solo ou contra outros
prédios. Objetos eram lançados a grandes distâncias; muitos redemoinhos se
formavam.
- Aqui ela não conseguirá entrar, mas eh....,
poderá destruir a cidade – falou Gunther preocupado.
- Não,
isso não! Precisam impedi-la! – pediu o governador.
- Tentarei! – disse Cabelos de Ouro. Petisco
pulou-lhe às pernas e ele o segurou – abram caminho, vou lá fora! – anunciou,
voltando-se em seguida para Gunther – permaneça em seu posto protegendo o velocino!
- Sim, menino..., sim. Boa sorte!
Chegando à porta do templo ele pôde ver os
estragos que o vendaval produzia. Mas não conseguiu ver Etnéa, somente às
horrendas criaturas que voavam de um lado a outro, ou rondavam o templo.
Estando debaixo da laje externa sustentada por colunas, chamada átrio, trazia
Petisco nos braços e gritou:
-
Etnéa, apareça! Quero lhe falar! Passado
um minuto nada aconteceu.
- Ela não escutou – disse Petisco.
- Escutou sim, mas fingiu não escutar. Ela
quer que eu saia da proteção que vem da armadura de Gunther para poder me pegar.
- Currupáco! – fez Teovaldo simplesmente
A
escuridão do céu enegrecia também a cidade. Eles não tinham podido acender os
lampiões das ruas por causa do vendaval criado por Etnéa. Cabelos de Ouro
decidiu-se:
- Teovaldo e Petisco, fiquem aqui ou serão
arrastados pelo vento. Permaneçam na proteção do templo. Eu vou lá fora.
- É loucura! Ela vai pega-lo! – falou
Petisco.
- Não vá, não! – Teovaldo reforçou o pedido.
- É a
única maneira, amigos, ou ela destruirá a cidade e nossos esforços com o
velocino não terão adiantado nada para Anthar e Camar. Andem, obedeçam! – ele
colocou Petisco no chão enquanto Teovaldo voava de seu ombro, pousando num
mármore ao pé de uma das colunas.
Ele começou a descer os degraus. Mas devido à
força do vento se desequilibrava e caia. Em certo instante conseguiu manter-se
em pé, colocando o braço dobrado diante dos olhos e gritando:
- Estou
aqui, Etnéa, venha buscar-me!
Um trovão explodiu à sua frente e Etnéa
apareceu no ar, com os cabelos agitados, acompanhada das criaturas aladas,
feito cães monstruosos.
-
Menino intrometido, roubou meu velocino. Quero o velocino de volta!
-
Impossível, ele nunca lhe pertenceu. É do povo de Anthar e também será de
Camar. Desista! – ele falava com dificuldade por causa do vento, seus cabelos
esvoaçavam e mantinha ainda o braço diante do rosto.
- Vai se arrepender. Vou lhe mostrar quem é
Etnéa! – ela apontou-lhe o dedo e lançou um raio vermelho que estourou aos pés
de Cabelos de Ouro, destruindo o degrau onde ele pisava. Cabelos de Ouro caiu e
rolou, ficando tonto. Mas conseguiu se levantar.
- Devolva meu velocino! – gritava ainda
Etnéa.
-
Nunca! – respondeu corajosamente Cabelos de Ouro.
- Então é o seu fim! – ela levantou os braços
e gritou - aves negras, cães alados, poderes da destruição, ataquem! As aves e os cães então se agruparam. Era um
verdadeiro exército, haveria uns cem de cada tipo e avançaram para ele:
Cabelos de Ouro, entretanto, tirou do bolso o
último grão de milho e o trouxe junto à boca, fazendo concha com ambas as mãos
para que não voasse. Soprou-o e uma explosão de luz branca imediatamente
aconteceu, surgindo enorme esfera. Da esfera foram saindo grossos cordões,
também brancos, que se lançavam na direção das criaturas e aves e de Etnéa,
amarrando-os. Eles gritavam e se esperneavam, mas não conseguiam se libertar.
Os cordões se uniram e a esfera girou com todos em enorme rapidez, lançando-os
para longe, fazendo-os desaparecer de vistas, provavelmente para sempre.
Mas o vendaval continuava. A esfera de luz
recolheu seus cordões e novamente girou, provocando um redemoinho. O redemoinho
uivou, cresceu e foi engolindo o vendaval. Tudo se acalmou: a nuvem escura
desapareceu do céu e a cidade novamente clareou. Cabelos de Ouro sorriu
satisfeito, voltando para o lado de Petisco e Teovaldo.
- É o fim de Etnéa e seus malignos poderes –
falou aliviado. Petisco pulou-lhe aos braços e Teovaldo voou para seu ombro.
Ao entrar novamente no templo o povo ia se
atirando ao chão, como fizera diante do velocino.
- Ei, calma lá, pessoal! Não façam isso! –
dizia o menino sem graça. Mas eles continuavam a se atirar.
- Melhor isso do que flechadas – lembrou
Teovaldo.
- É mesmo! – reforçou Petisco.
Ele
atravessou o corredor entre a multidão deitada, chegando junto ao governador e
Gunther. O governador também se lançou ao solo de braços estendidos. Depois se
levantou e falou:
- Não sei como mostrar-lhe nossos
agradecimentos.
- Não é necessário. A única coisa que peço é
a paz entre Anthar e Camar.
- Isto
será feito. Estamos cansados de tanta guerra. De nossa parte a paz já existe.
- Ótimo. Não creio que o povo de Camar pense
diferente. Mas se assim não fizer já não dependerá de nós convencê-los. Minha
missão com o velocino termina aqui. Devo ir. Não sei quanto tempo se passou
desde que saímos do Brasil, mas acho que foram muitas horas!
Gunther se aproximou de Cabelos de Ouro e o
abraçou fortemente.
- Desejo também....,eh....agradecer-lhe por
ter....,ressuscitado Gunther. Estou novamente feliz!
- Somente dei-lhe um pequeno empurrão,
Gunther. O resto você mesmo fez! – Cabelos de Ouro falava com altivez, como
experiente adulto – a propósito, governador, de que lado nasce o Sol? Ele surpreendeu-se com a pergunta, mas olhou
para as paredes do templo procurando orientar-se.
- Deste lado! – finalmente indicou.
Cabelos de Ouro voltou-se para a direção
indicada pelo governador e falou:
- Rah-tah-bha-lá! O cinto apareceu causando
grande espanto a todos. Uma onda de admiração se espalhou pelo templo. Ele então
recitou:
- Senhor do espaço, me leve ao lugar de onde
eu vim! E desapareceram das vistas de todos vindo com seus amigos aterrissar
novamente nas imediações da mata de onde tinham saído no início da missão.
- De novo em casa - falou o menino
- Ainda bem, que saudade, currupáco! Petisco
somente latiu.
- É dia ainda, o Sol não se pôs. Não devemos
ter ficado tanto tempo fora. Isto é se for o mesmo dia – ele colocou Petisco no
chão e olhou para dentro da mata – vamos para casa, estou precisando de um bom
banho e feijão com arroz. Ah, ia me esquecendo: Alah-bha-thar! E o cinto de ouro desapareceu.
CAPÍTULO XIII
ÚLTIMAS SURPRESAS
- Pedro, onde esteve? São quase seis horas, o
jantar está quase pronto!
- Estive passeando, mãe, muito longe.
- Longe? Onde?
-
Noutros mundos! – disse rindo e ela também riu.
- Sempre imaginando coisas. Vá tomar seu
banho enquanto termino o jantar.
Tendo saído do banho, estando ainda com a
toalha enrolada à cintura, Pedro viu três objetos sobre a cama.
- Veja,
Petisco, a bússola, o peixe de prata e uma miniatura em ouro do velocino. Eles
os trouxeram para mim. Mas a miniatura terá algum poder? Petisco somente latiu
e abanou o rabo como se informasse nada saber.
Pedro olhou para todos os lados, nada vendo.
Procurou escutar algum ruído diferente, mas inutilmente. Então desistiu.
- Creio que somente saberei mais tarde. Vou
usar de novo o cofre para guardá-los.
Após o jantar Pedro foi para a
espreguiçadeira da varanda e nela sentou-se. Seu pai sentado numa cadeira lia
jornal, enquanto sua mãe, na sala, assistia televisão. Ele ficou a pensar sobre
tudo o que ocorrera nesta sua recente aventura e nos perigos que haviam
enfrentado. Pensou muito no velocino. Mais tarde, já de pijamas, sentado na
beira da cama e fazendo orações, ouviu surpreso:
- Gostou de receber de volta seus objetos e
do novo presente?
- Que? Heim? - ele olhou em volta e nada viu.
- Sou eu, lembra-se?
- O
velho da cabana! – exclamou. Petisco, sobre o tapete, como nada visse, farejou
e ganiu. Ele nem desconfiava que aquele início de diálogo se passasse na mente
de Pedro. Teovaldo se agitou no puleiro sem também nada ver ou ouvir, além da
voz do menino.
- Vejo que me reconhece em seus pensamentos.
- Mas por que não aparece?
- Por que estou noutra dimensão, meu filho,
estou lhe falando por telepatia. Você nem precisa falar, podemos conversar em
silêncio.
- Que deseja, senhor? A missão ainda não
terminou? - perguntou Pedro, desta vez em pensamento.
- Sim, terminou, e com sucesso. Sua coragem e
de seus amigos foi notável. Nesta dimensão estamos todos alegres. Mas há algo
mais que desejo falar-lhe a mando de Armou, o Mago do Tempo.
- De que se trata, senhor?
- Tendo ele lido os seus pensamentos de há
pouco sobre o velocino, mandou-me aqui para esclarecer-lhe. Você se perguntou
como uma estátua pôde trazer para aquele povo tanto respeito e admiração. E também
por que isto ainda acontece se sabemos que não é justo trocarmos a razão das
coisas por objetos. Não foi assim?
- Sim! - confirmou simplesmente.
- Bem meu filho, aquela tristeza pela qual o
povo de Anthar passou por mil anos no continente em que habitava em meio a
montanhas, onde nenhum estrangeiro jamais chegou, está terminada. Foi
necessário recuperar o velocino para eles, mas agora os tempos são diferentes.
Aos poucos saberão que não é o velocino que lhes trará alegria e felicidade,
mas terão de conquistá-las com esforço próprio e muito trabalho. O enigma da
gema de cristal que você resolveu também eles entenderão. Saberão que a força e
o poder estão neles próprios, que o cristal precisará viver neles mesmos, em
seus corações. Descobrindo isto, não irão mais adorar a estátua como antes,
somente a respeitarão pela grande magia que nela existe. Tanto Anthar como
Camar continuarão a ver a luz e perceber a energia que o velocino produzirá: pequenos
fenômenos por assim dizer-se. Entretanto, saberão que isto não é tudo e as
soluções verdadeiras de seus problemas terão de ser procuradas em suas mentes e
corações.
- Entendo.
Mesmo noutra dimensão a mente aprende e o passado precisa ser atualizado.
- Exatamente menino inteligente. Quanto à
miniatura do velocino guarde-a com cuidado por que poderá precisar dela.
Segure-a e pronuncie somente Lux Velocino Tam!
E ela lhe ajudará nas situações difíceis, mesmo aí neste seu mundo!
Agora vou-me embora.
- Eu queria agradecer-lhe pelos grãos mágicos
de milho. Sem eles eu e meus amigos não teríamos escapado de tantos perigos e
nem derrotado Etnéa.
- Não
precisa agradecer, foi um prazer ajudá-los. Adeus!
-
Adeus! – esta última palavra Pedro falou em voz alta.
- Eu heim, currupáco! Petisco ganiu
levantando o focinho e tentando farejar qualquer coisa.
- Não é
nada, amigos, foi o velho da cabana que conversou comigo eu...., ah! – bocejou
de sono – amanhã conversaremos.
* * *
- E boa noite para todos. Já são seis horas
em ponto! – falou Leal aos seus ouvintes.
- Seis horas! - espantou-se Sebastiana.
- Puxa, passou tão rápido! – reconheceu
Antônio Carlos.
- Uau! Que história legal! – quase gritou
Tião.
- Boa, boa! – repetiu Japonês. Leal escutava aquilo com grande satisfação.
- Bem, creio que já abusei demais da hospitalidade
de dona Sebastiana – disse Leal se levantando, no que foi acompanhado de
Esmeralda que procurava desamassar o vestido com as mãos.
- Imagine! Foi um prazer seu Leal. Pode
voltar sempre..., e a menina também.
- Obrigada – agradeceu Esmeralda. Saíram
todos.
Lá fora
Leal falou aos meninos:
- Vão todos direto para suas casas. Não quero
que seus pais imaginem que ficaram depois das seis andando por aí.
- Semana que vem tem mais? – perguntou Dino.
- Basta
combinarmos. Se desejarem podemos antecipar para sábado à noite, instalando
luzes no Teatro Jornada do Amanhã. Afinal de contas é verão e está calor. Só
não pode é chover!
Os meninos ficaram satisfeitos e prometeram
conversar com seus pais. Agora levavam nas mentes as imagens que haviam criado
das novas aventuras de Pedro Pinote ou Cabelos de Ouro. Leal carregava alegria
em seu coração por ter compartilhado de momentos tão importantes com jovens.
Por Rayom
Ra
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1.HistóriasMágicas(1)
https://arcadeouro.blogspot.com/2018/06/pedro-pinote.html (1)
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2. Histórias Mágicas (2)
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Obra revista em 23-06-2018.
SÉRIE HISTÓRIAS MÁGICAS
* PEDRO PINOTE
* O REINO DA FLORESTA QUE SECOU
* O VELOCINO
[ DIREITOS
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qualquer alteração do conteúdo ou de fazer plágios de seus personagens."
Rayom Ra
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