O REINO DA FLORESTA QUE SECOU
CAPÍTULO I
CONVERSA FRANCA
As aulas haviam
reiniciado. A rua, durante o dia, ficava mais tranquila porque a meninada não
se reunia como em
férias. Assim, nas manhãs, somente por acaso um e outro se
encontravam. Mas não demoravam e logo se despediam, porque os deveres escolares
os chamavam, ou suas próprias mães. Às tardes, as mesmas coisas, pois estudando
em turnos diferentes somente se reuniam em maior número pelo começo da noite,
defronte à casa de Dino, debaixo do poste de luz.
Nesta primeira semana
eles achavam distrações no ambiente escolar, em meio ainda a uma atmosfera de
reencontro, e quase se esqueciam das peripécias aprontadas nas férias. Assim,
qualquer tropeço, escorregão ou casual trombada, acontecidos nos intervalos das
aulas, nos recreios, nas saídas ou chegadas à escola, transformavam-se em grandes
motivos de risos e deboches. Um simples desafio de habilidade pessoal ou
exibição de força acabava virando atração. Isto, sem dúvida, os fazia esquecer
os dias de férias, pelo menos momentaneamente.
Às noites suas reuniões
acabavam sendo de certo modo repetições do que acontecia durante o dia, pois o
contágio daquelas brincadeiras voltava com eles e só falavam da escola.
Mas veio o sábado; com
ele a necessidade de algo fazerem para não ficarem ociosos. Uma coisa difícil
de explicar os atraiu para os lados da casa velha, a todos os oito, e ao
contemplarem o palco vazio e os bancos de madeira sob o sol, sobreveio-lhes
estranha vontade de ali sentar-se. E mais: desejavam sentir novamente a emoção
da espera, de ouvir a agradável e harmoniosa voz de Leal, o contador de
histórias. Um olhou para o outro e cada olhar foi uma condenação: tinham
abandonado os três amigos que tão longe os haviam levado. Naquela semana sequer
haviam falado deles – dos três heróis – feito um único comentário! Seria
possível uma reconciliação?
De repente, Esmeralda aparece
pelo pátio, saindo da casa, notando-os ali, parados, com caras de quem olha
para o nada e pensa estar vendo alguma coisa. Vem-lhes ao encontro sorrindo,
fazendo brilhar os olhos verdes. Os meninos notaram, pela primeira vez, que ela
de perto era muito mais bonita. Ainda mais com aqueles cabelos loiros
enfeitados de pequenas tranças por sobre a cabeça. Antes a tinham somente visto
a certa distância, no palco, junto ao tio, a representar com bonecos. Mas
apesar desta admiração, pretenderam ir saindo de mansinho, envergonhados de
terem sido surpreendidos, justamente ali.
- Bom dia! Vocês desejam
alguma coisa? Que voz bonita, que dentes brancos, que pele lisa e clara!
- Bem..., é que, nós.
Não, nada não! - respondeu Edu, bastante corado.
- Não?
- Não! - reafirmou
Jorge.
- Querem entrar e falar
com meu tio? Ele está lá dentro com meu pai, lendo jornal.
- Pra que incomodar, né?
- reafirmou Tião, coçando a cabeça.
- É... Deixe pra outra
vez - reconfirmou Dino.
- Não incomoda nada, ele
gosta de crianças. Pronto, ela precisava dizer aquilo! O entusiasmo
imediatamente esfriou e ficaram mais ainda sem graça.
- Vamos, entrem! -
insistiu com carinho. Eles se entreolharam com jeito de quem é novo num lugar e
não sabe como proceder ou onde enfiar as mãos. Mas não tendo como escapar do
convite, foram entrando, um a um, parecendo passar pelo interior de um corredor
polonês.
- Esperem um momento, eu
vou chamar titio - disse ela saindo. Eles respiraram meio aliviados. Magriça
aproveitou e foi logo se sentando num dos bancos, dizendo:
- Quem diria a gente ia
se sentir assim, neste lugar que já foi nosso!
- É mesmo, a gente até
parece estar com medo do seu Leal - completou Dino.
- Já pensaram se, ao
invés do seu Leal, fosse um daqueles camaradas da polícia que morasse aqui? -
imaginou inconvenientemente Tião.
- Qual? - perguntou
Magriça como se realmente não lembrasse.
- Aquele que dona Cinira
mandou chamar pra prender a gente! - relembrou Tião dando especial entonação às
palavras.
- Ih, Tião! Não venha de
novo inventar histórias, ainda mais de coisas que nunca aconteceram. Veja se
cala esta boca! - repreendeu-o Zecão. Tião riu. Leal surgiu detrás do palco,
saudando-os:
- Ora, que prazer, bom
dia amigos! – Mediante a saudação e cativante sorriso, os meninos responderam
quase ao mesmo tempo – vejo que não me esqueceram. Vieram me visitar ou
solicitar algo?
- Bem..., nós... -
gaguejou Jorge.
- Visitar! - socorreu-o
Tião.
- Que ótimo, não querem
entrar?
- Não, não senhor,
obrigado! - respondeu Magriça excitado, lembrando ainda da caveira.
- Então vamos nos sentar
aqui mesmo e conversar, o sol está gostoso.
Sentaram-se todos junto a Magriça se apertando num só banco, tomando-o
por inteiro. Leal sentou-se dois bancos adiante voltado para eles. Sob o sol,
seus cabelos brilhavam muito e os meninos notaram isto.
- Então, gostaram das
aventuras do Pedro Pinote?
- Eu gostei mais do
Cabelos de Ouro - respondeu Japonês. Leal riu gostosamente.
- Seu Leal, o senhor já
foi palhaço? - perguntou de supetão Dino, levando por isso uma cotovelada de
Zecão, soltando um ai...! Leal não se surpreendeu com a pergunta e foi
respondendo com habitual tranquilidade e sorriso franco:
- Palhaço de viver
fazendo sempre espetáculos eu realmente nunca fui, porém em algumas ocasiões,
em emergências, foi preciso que me fizesse palhaço. Conforme já lhes disse, o
que eu fazia, sem dúvida, eram representações de peças com bonecos ou atores.
Mas no fundo, prestando um pouco de atenção em tudo, a gente acaba vendo que
tanto palhaços, atores ou bonecos, acabam fazendo as mesmas coisas.
Os meninos não
entenderam muito bem o que Leal dizia e começaram a se remexer no banco.
- E o senhor era
engraçado? - perguntou desta vez, Japonês, tomando-se de coragem.
- Bem, as crianças e os
adultos riam muito com as coisas que eu fazia, por isto eu creio que era
engraçado.
- O senhor andava
naquele carro velho que se desmancha todo? - foi a vez de Tião.
- Andava, ele fazia
tchuc-tchuc, tchuc-tchuc, soltando fumaça por todos os lados, espirrando água
ou se explodindo. Os meninos já riam e se descontraíam completamente.
- Andava em cima de
elefantes? - a pergunta agora era de Jorge.
- Andei somente uma vez.
A moça que deveria fazer o número ficou doente, então nós tivemos de improvisar
um passageiro, e este acabou sendo eu.
- O elefante era brabo?
- voltou a perguntar Japonês, bastante curioso.
- Não, não, era
mansinho. Ele comia amendoins, balas ou qualquer outra coisa de que gostasse de
nossas mãos. Era muito amigo.
- Tinha leão, gorila,
urso e onça? - quis saber Tião, falando rapidamente, quase atropelando as
palavras.
- Ei, calma lá! –
respondeu rindo – os circos em que trabalhei não eram assim tão ricos que
pudessem ter tantos animais ao mesmo tempo. Em certos espetáculos tínhamos um
ou outro bicho, mas não tantos! Afinal, somente companhias ricas e estrangeiras
podem ter um zoológico assim, de uma só vez. Para fazer graça, na ausência de
bichos, de vez em quando a gente se fantasiava deles e fingia que eram verdadeiros.
- O senhor viu um leão
comer alguém? - perguntou Dino.
- Comer, não, mas causar
danos, sim. O povo sempre desobedece às ordens e chega muito perto das jaulas.
Há pessoas que enfiam a mão lá dentro para alisar os bichos e aí as coisas
acontecem.
- E quando eles fogem,
não atacam as pessoas? - a pergunta veio de Antonio Carlos.
- Durante o tempo em que
viajei com circos, jamais um animal fugido da jaula atacou uma pessoa. Eles
eram muito bem alimentados e somente atacariam se estivessem famintos ou fossem
provocados. Escaparam pouquíssimas vezes, mas eram logo recapturados, sem
muitos problemas.
- O seu circo pegou fogo
alguma vez? - Magriça quis saber.
- Fogo? - repetiu Leal.
- É, de morrer gente, de
sair todo mundo gritando, como passa no cinema e na televisão - Magriça confirmava a sua estranha curiosidade.
- Meu filho, estas
coisas horríveis raramente acontecem. Perigo de incêndio há em qualquer lugar.
Em circos, todos ficam muito atentos e mal um princípio de fogo começa eles correm
para apagá-lo.
- Faz tempo que não
aparece um circo por aqui. Estou com saudade. - o lamento foi de Dino.
- Mas temos um teatro,
não está com saudade também?
- Estou, puxa se
estou! Foi a melhor coisa que Leal
escutou ali. Pareceu tornar-se então como um deles, um menino. E perguntou
quase entusiasmado:
- E os outros, estão
também com saudade?
- Estamos!
- Tamos!
- Estou sim!
- Cabelos de Ouro e seus
amigos devem estar alegres com isso.
- E pode? -
surpreendeu-se Tião.
- Mas claro que sim!
Será que vocês não sabiam que eles já os conhecem e começam a morar em seus
pensamentos?
- Essa não! - exclamou
Jorge.
- Essa sim – reafirmou
Leal – eles viviam em seus próprios
mundos, amando a tudo e a todos. Mas ao conhecê-los de perto passaram a amá-los
especialmente. E como vocês também os amam, esta união irá ficando cada dia
mais forte.
- Mas..., mas..., eles
nunca conversaram com a gente - Edu estava confuso.
- Conversaram, sim
senhor, e vocês os escutaram.
- Como? - perguntou Jorge.
- No lado de lá sempre
que pensavam neles. No lado de cá, de vez em quando.
- Chi, seu Leal, o
senhor está deixando a gente encucado. Será que o senhor podia trocar tudo isto
em miúdos? - sugeriu Tião, coçando a cabeça.
- Ainda não, queridos, mas
pensem a respeito disto e continuem a prestar atenção nas aventuras destes três
personagens. E que tal fazermos uma nova apresentação amanhã à tarde, se não
chover, naturalmente?
- Boa! - aplaudiu Zecão,
logo se envergonhando.
- Viva!
- Eu topo!
- Então ficamos
combinados. Espalhem a notícia. Às três da tarde iremos narrar outra aventura
de Pedro Pinote ou Cabelos de Ouro e seus amigos.
CAPÍTULO II
UMA VOLTA
E MEIA
Não chovera pela
madrugada embora o dia acordasse com o céu nublado. Perto das onze o sol surgiu
meio espremido pelas nuvens escuras, mas, indeciso, desaparecera. Mais adiante
surgiu de novo; a princípio ainda preguiçoso, porém logo se decidindo a
permanecer. A partir daí, o otimismo da criançada se transformou, pois torciam
para que não chovesse.
O Teatro Jornada do
Amanhã voltava a ficar lotado. Muitos rostos desconhecidos figuravam agora na
platéia. Leal notou isso com satisfação tão logo surgiu no palco. Sem outras
referências, além do tradicional: "senhoras e senhores muito boa tarde,
tenho o prazer de apresentar...", foi iniciando a narrativa do novo
episódio:
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Curado daquela tristeza
que o levara a adoecer, Pedro Pinote voltava a viver como sempre. Seus pais
aceitaram Teovaldo e Petisco, julgando com isso que estariam contribuindo com
sua cura. O menino não quis fazer a menor referência sobre o que lhe sucedera;
guardava segredo a respeito de seus novos amigos, do disco de ouro e das
aventuras fantásticas que experimentara.
Um problema surgira:
como manter escondido o disco de ouro com estojo e cinto? Não poderia andar com
eles por aí; arriscando-se a esquecê-los no banheiro após o banho, ou no quarto
ao trocar de roupas. Poderiam também vê-los acidentalmente de mil maneiras, ou
senti-los num abraço. Que fazer, então?
- Compre um cofre,
Pinote, guarde-os lá. Feche o cofre com cadeado e traga a chave no pescoço -
sugeriu Teovaldo.
- É mesmo, Teovaldo, eu
não tinha pensado nisto. É uma excelente ideia!
- Currupáco!
O menino pediu aos pais
o cofre. Eles estranharam tal pedido e quiseram saber tudo direitinho. Ele se
embaraçou: disse-lhes desejar guardar coisas que não queria que fossem vistas.
- Que coisas, Pedro?
- Coisas minhas, já
disse. Não quero que ninguém as veja ou pegue!
- Nem seu pai ou sua
mãe?
- Ih, mãe, não
complique. São coisas minhas e de mais ninguém, só interessam a mim. Será que
não tenho o direito de guardar minhas coisas?
Sua mãe não se
convenceu, nem o pai. Mas resolveram consentir, afinal poderia ser somente um
capricho de menino.
- Ah, finalmente vou
retirá-los debaixo do colchão! - disse a Teovaldo no quarto onde dormia com
seus amigos.
O cofre era pequeno,
daria para deixá-lo sobre a mesa; era bom e forte. Tinha um disco de segredo,
mas nada de cadeado. Pedro não ficou satisfeito e o levou a um ferreiro. Mandou
que soldasse duas hastes: uma na porta e outra na lateral. Desta forma poderia
colocar um cadeado e assegurar-se de que ninguém o abriria, mesmo que
descobrissem o segredo. O trabalho foi feito e Pedro ficou satisfeito. A partir
dai passou a andar com a chave dependurada no pescoço, mas resolvera guardar o
cofre debaixo da cama.
Passada quase uma semana
Pedro estava inquieto. Não lhe faltara trabalho naqueles dias. Por causa de sua
doença fora obrigado a estudar muito, a colocar as matérias em dia e a fazer
dois trabalhos de pesquisa: um de história e outro de ciências. Com todas estas
ocupações durante o dia não pudera mesmo sequer pensar sobre aquela viagem
mágica. Às noites, antes de dormir, sentava-se à beira do leito para trocar
algumas palavras com Teovaldo. Mas logo
o cansaço o dominava e se jogava de cabeça no travesseiro, dormindo.
Mas chegou o sábado.
Pelas oito da manhã ele pulou da cama satisfeito, cheio de vigor, esfregando as
mãos, indo para os lados de Teovaldo.
- É hoje, Teovaldo,
vamos viajar de novo! Já estava começando a ficar nervoso de tanto estudar, a
semana não queria acabar nunca!
- Currupáco! - exclamou
o papagaio meio desanimado.
- Que foi? Não está
satisfeito com a ideia?
- Currupáco! - continuou
a exclamar.
- Vamos, ânimo! Será que
prefere ficar aqui, neste quarto, enquanto Petisco e eu conhecemos coisas novas
e fascinantes?
- Não sei... , não sei -
o desânimo era agora evidente.
- Não sabe o quê?
- Não sei se vou. Estou
muito bem aqui com as penas de minhas asas e de meu rabo. Daquela vez quase
perdi tudo, currupáco!
- Não exagere, Teovaldo,
foram só uns sustinhos à toa. Não deram nem pra meter medo ou será que deram?
- Medo, medo, não. Mas
um pouco de receio deram sim. Se a gente vai se meter com coisas que não nos
dizem respeito, podemos acabar muito mal.
- Coisas que não nos
dizem respeito? Ora, seu papagaio acomodado. Como é que não nos dizem respeito?
Então não se lembra do que nos disse Servo-38?
- Lembro, sim, daquele
baixinho prosa, lembro-me muito bem!
- Então será que não
valeram à pena os riscos porque passamos para sabermos que os minerais têm vida,
alma e energia? Que as almas e os corpos de uns avançam e se enchem de beleza
enquanto outros se atrasam? E tudo o que vimos com nossos próprios olhos? Estas
coisas não lhe ensinaram nada?
- Bem, ensinar,
ensinaram, mas...
- Mas o quê?
- Não me convenceram,
currupáco!
- Ora, assim é demais.
Pedro saiu resmungando e
foi ao banheiro. Após o café procurou Petisco falando-lhe ao ouvido. O cãozinho
latiu satisfeito, abanou o rabo e ficou em expectativa. Pedro
entrou novamente dizendo a sua mãe que sairia a passear com Petisco, talvez
demorasse, mas que ela não ficasse preocupada. Ela, atarefada na arrumação da
casa, nem ligou muito ao que lhe foi dito, fazendo breve aceno de cabeça.
Tendo Pedro colocado o
cinto saíram ambos, ele e o cão, atravessando a rua, tomando o rumo da mata que
muito bem conheciam. Quando começavam a embrenhar-se ouviram atrás um ruído,
voltando-se.
- Ei, vocês não podem
sair assim sem me avisar! – protestou irritado Teovaldo, vindo pousar no ombro
do menino.
- Ué, você não disse que
não queria ir?
- Eu não disse isso, não
senhor, eu disse que não sabia!
- E agora, você já sabe?
- Sei!
- Então?
- Então, o quê?
- Vem ou não vem?
- Que pergunta!
- Arre! Eu acho que ele
disse sim, não foi, Petisco? O cãozinho somente latiu.
Os três se aprofundaram
pela mata. Em certo local pararam debaixo de uma árvore, certificando-se de que
não havia ninguém pelos arredores.
- E pra onde você
pretende ir, Pinote? – perguntou o papagaio.
- Bem, eu estive fazendo
um trabalho esta semana na escola, sobre a flora, e achei que gostaria de
conhecer um pouco mais sobre o reino vegetal do lado de lá. Que acham?
- Pra mim está bem –
disse Teovaldo. Petisco latiu novamente.
Pedro ficou satisfeito e
voltou-se para o nascente; puxou a camisa xadrez para fora das calças, abriu o
estojo e retirou o disco de ouro. Teovaldo como já estivesse sobre seu ombro
direito assim permaneceu. Pedro arcou-se trazendo Petisco para debaixo de seu
braço, apertando-o suavemente contra o corpo e colou o disco pouco acima do
umbigo, pronunciando:
- Senhor do Espaço eu
quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar; me leve pro Reino da Floresta!
O disco de ouro
rebrilhou como um sol de muitas cores. Em três segundos eles desapareciam de
sob a árvore e da vista de todas as coisas. E neste redemoinho em que mergulhavam,
Pedro pôde ainda ver num relance que seu relógio marcava exatamente nove horas!
- Pronto, chegamos!
- Ué, que lugar feio! –
reclamou Teovaldo.
- Não tem planta viva
alguma! – observou Petisco, que deste lado podia falar.
- É mesmo, só vejo
galhos e troncos secos. Até parece que um incêndio aconteceu por aqui! –
admirou-se o menino, que deste lado chamava-se Cabelos de Ouro.
Realmente, a visão que
os três tinham não era nada animadora: uma floresta inteira a perder de vista,
transformada em milhares e milhares de esqueletos. Não havia uma plantinha
sequer que fosse verde, nem uma minúscula folha, nem um capinzinho: estava tudo
seco!
Cabelos de Ouro colocou
Petisco no chão e resolveu caminhar um pouco. Mas o panorama em nada mudava; a
desolação era total.
- Não vejo nada vivo,
Cabelos de Ouro – afirmou Teovaldo.
- Nem eu! – confirmou
Petisco.
- Eu também não, amigos.
Creio que deveríamos sair daqui e procurar outro lugar.
Neste momento Petisco
começou a latir, se metendo por entre uns galhos e desaparecendo.
- Petisco, volte aqui! –
o menino chamou-o, preocupado.
- Lá adiante, Cabelos de
Ouro, ele está farejando algo. Acho que descobriu alguma coisa!
O menino saiu atrás do
cão, se enfiando também por debaixo de galhos secos. Teovaldo se encolhia sobre
o seu ombro meio desequilibrado, batia as asas e reclamava:
- Cuidado, cuidado,
currupáco!
Cabelos de Ouro
finalmente alcançou Petisco e se arcou para examinar o que havia detrás de um
tronco.
- Oh, um anão! –
exclamou surpreso, ajoelhando-se diante dele.
- Outro? – reclamou
Teovaldo.
- Mas este é diferente –
explicou Petisco.
De fato era um ser
diferente daquele que haviam encontrado noutra jornada, no Reino das Pedras, e
que se chamava Servo-38. Este se vestia como uma pessoa comum, embora com
pessoais detalhes. Usava calças justas azuis, que as enfiava nas botas marrons
à altura das canelas. A camisa de mangas inexistentes, esfiapadas aos ombros,
era amarela. Tinha na cabeça um gorro vermelho com uma pequena bola na comprida
ponta que se dobrava para baixo. Estava ali, sentado junto aquele tronco seco,
com braços envolvendo as pernas encolhidas e rosto apoiado sobre os joelhos.
- Ei, amigo, como se chama?
– perguntou o menino. O ser nem se mexeu, ficando como estava.
- Quem é você? –
insistiu.
- Sou um gnomo, rapaz,
não está vendo? – finalmente respondeu com voz abafada e rosto ainda escondido.
- Um gnomo? – repetiu
interrogativamente Teovaldo.
- Um gnomo? – Cabelos de
Ouro também se surpreendeu.
- É..., um gnomo, sim,
que coisa! Vão embora, deixem-me em paz! – respondeu zangado.
- Mas por que está
assim? – perguntou Teovaldo.
- Porque sim!
- Mas o que houve? –
voltou a insistir Cabelos de Ouro.
- Que houve? Então vocês
não estão vendo, ora essa! – continuou zangado, levantando a cabeça pela
primeira vez. Os três puderam então observar-lhe a fisionomia. Seus olhos, a
barba inteira e sobrancelhas eram negros. A testa era vincada e as orelhas
muito grandes para o seu tamanho.
- Você diz..., da
floresta? – Petisco perguntou desta vez
- É..., da floresta, de
tudo isto que virou em nada! – respondeu ainda com zanga. Ele se levantou
diante de Cabelos de Ouro; sua altura seria de pouco mais de um metro.
- Como isto aconteceu? –
insistiu Cabelos de Ouro.
- Aconteceu, acontecendo. Foi secando, secando e pronto! –
respondeu rispidamente, batendo as mãos contra as coxas.
- E quando tudo isso
ficou seco? – Teovaldo perguntou.
- Quando eu não sei.
Somente sei que aqui não se trabalha mais!
- E tinha gente que
trabalhava aqui?
- Claro que tinha,
menino bobo! Não lhe disse que sou um gnomo? Os gnomos são responsáveis pela
conservação da forma e vida de todas as plantas!
- São??
- Claro que somos!
Trabalhamos dia e noite, aqui, ali e acolá; não somos preguiçosos, não! E esta
floresta era linda, cheia de árvores frondosas e frutíferas, com trepadeiras
esparramadas, flores coloridas por todos os lados. Os pássaros cantavam, os animais
corriam e pulavam, os córregos murmuravam. As ondinas bailavam, os silfos se
embalavam sobre a aura perfumada das árvores. Tudo era beleza, tudo!
- Oh!
- Currupáco!
- Au, au! Silêncio, porém logo Teovaldo voltou a
perguntar:
- Que são ondinas e
silfos?
- São vidas que habitam
as águas e o ar, ora essa. E nós agora não temos mais nada pra fazer e ficamos
por aí – mostrou com braço direito estendido e mão aberta, fazendo movimento
adiante, da esquerda para a direita.
- Mas por que você não
se muda para outra floresta? – perguntou Teovaldo.
- Ora por quê? Porque
não posso, gnomos precisam ficar até o fim!
- Dim-dom, dim-dom,
dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
Uma espécie de canto
muito bem entoado penetrou agudamente os seus ouvidos.
- Ei, que é isso? –
espantou-se Cabelos de Ouro, se levantando e procurando.
- É alguém cantando! –
afirmou Teovaldo.
- Dim-dom, dim-dom,
dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
O canto se repetia agora
mais próximo.
- Ele está vindo,
Cabelos de Ouro! – gritou nervosamente Petisco.
- Mas de onde? O canto parece surgir de todos os lados ao mesmo
tempo!
De repente: “craac!”, o
estalido de um galho, e eles puderam perceber uma direção.
- Ali, Cabelos de Ouro,
um vulto negro, currupáco! – gritou assustado Teovaldo, batendo as asas.
- Cuidado, ele está
vindo, au, au!
- Dim-dom, dim-dom,
dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
Eles agora o viam de
perto, parado à sua frente.
- É um velho todo de
preto! – gritou Teovaldo.
- E como uma bengala na
mão! - surpreendeu-se Petisco.
- Não é bengala,
Petisco, é um cajado – corrigiu-o Cabelos de Ouro.
O velho sorria-lhes
estranhamente. Estranha também era sua veste negra: uma túnica larga, brilhosa,
toda pregueada, e um capuz. As mangas da túnica eram justas até o início dos
antebraços, alargando-se dai para diante. Calçava sandálias trançadas, também
negras. O cajado no qual se apoiava era ligeiramente sinuoso, tendo encravadas
na coroa sete pedras verdes que a contornavam. Ele era bastante alto, de olhos
verdes como as pedras. Embora fosse muito velho e de cabelos brancos, sorria
como um jovem. Quando começou a falar, surpreendeu a todos com uma voz
musicada:
Eu venho saudar-vos, oh vós que chegais,
Aqui neste reino sem vida e sem luz,
Eu venho cantando pra vós que aqui estais,
De negro vestido, cajado e
capuz.
Do reino não sois e assim logo vejo,
Nem a mim conheceis vejo isto também,
E se posso adivinho: existe um desejo,
O meu nome saber por
que sou um alguém.
- Chi..., ele fala em verso. Cada um que me
aparece! - reclamou Teovaldo.
- Sim senhor..., eu
quero dizer, nós queremos saber quem é - respondeu o menino.
Sou
o mago do tempo cá deste reinado,
Que o verde não tem porque vida esgotou,
Vivo há milênios no lado encantado,
Sou velho, sou jovem, me chamam Armou.
- Mas como o senhor pode viver tanto tempo
aqui, onde não existe nada? O gnomo nos disse que ele não pode mais trabalhar
porque tudo morreu!
Estou lá, estou cá, daqui nada me afeta,
E do ar me alimento e mais d'água e do vento,
A agir, eis, porém, a vontade me alerta,
Pois outros precisam colher seu sustento.
Algo terrível um alguém
construiu,
Com mal na cabeça, no corpo, na
mão,
E com malquerença ao calor consumiu,
Da vida, da terra, das seivas, do chão.
As plantas secaram, secou toda terra,
A água que tinha em vapor se desfez,
E a vida que em corpos se guarda e se encerra,
Das aves, dos bichos, se foi de uma vez.
Voaram, andaram, correram depressa,
Abrigos, refúgios e coisas buscaram,
Deixando-me a mim; solitário e sem pressa,
E gnomos, coitados, que a terra
encantaram.
- Ué, como é que o
senhor sendo tão poderoso nada fez para impedir isto? - interferiu Teovaldo.
- É..., por quê? -
ajudou-o Petisco.
Poder que carrego no tempo resumo,
E nele registro o que vejo e alcanço,
As eras eu vejo pra's almas dou rumo,
No agora sou sempre, e em passado me lanço.
Na estrada do tempo é que posso rolar,
Atuar cá nos reinos não posso fazer,
É minha tarefa aos espaços olhar,
E de coisas diversas só posso dizer.
Porém, quero agir a vontade me enceta,
Por isso procuro o herói que me ajude,
Que parta, que busque e se lance na meta,
Que faça e resolva o que aquilo eu não pude.
- Já vi tudo, vai sobrar
pra nós. Já estava demorando! - reclamou Teovaldo.
- Mas como alguém pode
ajudar? O que poderá fazer? - perguntou Cabelos de Ouro.
Possua este herói muita força e coragem,
Tenh' alma bondosa e vontade tenaz,
Disposto ele busque onde tantos
não podem,
Que saiba partir dando voltas pra traz.
Por isso viajante que ao ver-te chegando,
Com aura dourada disposto a rasgar,
Da vida mistérios eu
vim caminhando,
Alegre, cantante, para em ti confiar.
- Em mim confiar?
- Não falei? Eu sabia,
currupáco!
O mago prosseguiu,
falando agora para todos:
E quão vosso é o direito de aqui
recusar-vos,
De nada fazerdes não sois obrigados,
E de vós não direi nada posso acusar-vos,
Se assim vão ficar tal floresta
e reinado.
Cabelos de Ouro começou
então a pensar. Que pena, bem que tudo podia estar como antes. Mas nada. Tudo
aqui é morte, até parece um cemitério! Ele baixou a cabeça e encontrou o rosto
sisudo do gnomo que o olhava com expressão interrogativa. Voltou-se de novo
para Armou e encontrou-lhe o mesmo sorriso. O mago aguardava como o próprio
tempo.
- Bem que eu gostaria de
ajudar com meus amigos, mas o que poderíamos fazer senhor Armou?
Nada sei vos dizer do que ides fazer,
Nem vos posso prever do que hão
de passar
Que é certo, porém, mil perigos haver,
E coisas terríveis caminhos fechar.
- Seja o que for estou
agora disposto. Levarei meus valentes amigos Teovaldo e Petisco! – Cabelos de
Ouro finalmente se decidia.
- Currupáco... – fez
Teovaldo, desanimado.
- Au, au! – fez Petisco
mais ativo.
- Além do mais,
continuou o menino, levo comigo o disco de ouro que haverá de nos transportar à
salvo.
O disco que pode a lugares levar-vos,
E de volta trazer-vos à
salvo também,
Aviso, entretanto, não vai transportar-vos,
Pois neste lugar tal efeito não tem.
- Não tem?
- Estamos fritos,
currupáco!
- Como então? Que lugar
é este, onde fica?
Lugar que vos falo pertence ao passado,
Na mente, no tempo tereis de viajar,
Por isso que o disco de brilho dourado,
Não pode ao presente fazer-vos voltar.
Que para a jornada vos seja possível,
Bem antes da porta vós tendes d’estar,
E aquela que roda uma roda no incrível,
Menino, resposta, tu tens de lhe dar!
Cabelos de Ouro coçou a
cabeça em dúvida. Mas
como tinha dado a sua palavra, confirmou-a:
- Está bem, eu tentarei,
eu e meus companheiros!
A vós um alerta é preciso fazer-vos,
Pensai, refleti, e guardado há de estar,
Resposta agradando e puderdes meter-vos,
Depois de repente quiserdes escapar.
Meu nome gritando onde esteja hei de ouvir,
Perigo enfrentando ou com medo, talvez,
Farei num relance a vós todos sumir
Mas uma somente e somente uma vez!
Porém a missão sendo aqui interrompida,
A ninguém permitido será lá voltar,
Esperança aos reinos pra sempre
é perdida,
Jamais novamente se pode tentar.
- Chi... Cabelos de
Ouro, no que fomos nos meter! – reclamou Teovaldo.
- Se sairmos de lá antes
do tempo tudo estará perdido! – lamentou Petisco.
- Que missão difícil,
amigos. Ainda nem a começamos e tudo parece já estar contra nós. O disco de
ouro não nos servirá; teremos de responder perguntas para atravessar a porta do
tempo; e agora esta última. É um grande desafio, mas vou aceitar. Alguém quer
desistir?
Silêncio. Ele então se
voltou para Armou:
- Estamos prontos,
senhor Armou. Pode levar-nos até a porta que nos conduzirá ao passado!
Armou sorriu com mais
beleza e levantou os braços, segurando numa das mãos o seu cajado. Em seguida
recomeçou:
- Dim-dom, dim-dom,
dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Ding-ding-dom, dim-dom! Dim-dom, dim-dom!
Oh! Seres do anel, da memória e momento,
Navegai pelo éter no intemporal,
Aqui vos invoco daqui me apresento,
Carregai estes três para aquém do portal!
E sacudiu o cajado por
sobre eles. As pedras verdes lançaram então súbitas faíscas que se
transformaram em luminosa, fosforescente e flutuante areia verde que os cobriu
da cabeça aos pés. Vuuupt! Sumiram dali, ressurgindo noutro lugar.
- Uma floresta! –
observou surpreso o menino.
- Esta é verde –
confirmou Petisco.
- Ui, que calafrio! –
reclamou Teovaldo.
- Também sinto um mal
estar e creio que já estou sabendo por quê.
- Por que Cabelos de
Ouro? – perguntou o cão
- Reparem melhor nas
árvores e nas flores, e me digam o que veem.
- É mesmo..., estão em
pé, mas não parecem vivas! – exclamou Petisco.
- Dão a impressão que
não têm almas – observou Teovaldo.
- Exatamente, amigos.
Não há energia nelas, estão morrendo. Pelo que sabemos das almas das coisas, as
formas das plantas deveriam conter uma nuvem, uma luz ou qualquer coisa assim.
Pelo menos foi o que nos falou Servo-38 a respeito das almas, lembram-se?
- E aqui a gente não vê
nada disso – reafirmou Petisco.
- Mas como é que pode? –
perguntou Teovaldo.
- Bem, eu creio que o
senhor Armou nos enviou para uma faixa do passado quando este reino não tinha
ainda secado e nem se transformado numa floresta cemitério. Mas pelo jeito não
está faltando muito para isto. Vamos andar um pouco, afinal temos de encontrar
a tal porta.
E começaram a andar. A
floresta estava gélida. Um silêncio de assustar era o que encontravam em todas
as direções e caminhos que tomavam. Não viam nem ouviam pássaros ou animais. As
flores que ainda existiam pendiam dos caules ou estavam caídas pelo chão. Em
certos trechos pisaram sobre milhares de folhas. Depois cruzaram os leitos
quase secos de dois riachos vendo somente filetes de água. Era tudo muito
desolador!
De repente ouviram algo:
uma espécie de choro. Petisco saiu em disparada, latindo, e desapareceu detrás
de arbustos. Cabelos de Ouro veio em seguida, chamando-o, e o encontrou pouco
adiante a farejar junto ao tronco de uma árvore.
- Oh! É o mesmo gnomo
que encontramos na outra floresta! – exclamou surpreso.
- Essa não! Como ele
veio parar aqui? – perguntou Teovaldo.
- Está sentado na mesma
posição que o encontramos antes! – admirou-se Petisco.
O gnomo soluçava sem se
incomodar com a presença dos três.
- Ei, amigo, somos nós!
– falou Cabelos de Ouro em tom alegre, acocorando-se e apoiando as mãos no
chão, olhando-o mais de perto. O gnomo, entretanto, não deu a menor
importância, continuando com a cabeça apoiada sobre os joelhos, como da outra
vez. O menino continuou a tentar:
- Estamos aqui para ajudar, não se lembra? O senhor Armou confia
em nós. Não
chore, vamos achar a porta e mergulhar no tempo!
Mas o gnomo desta feita
não queria mesmo saber de falar e continuou a soluçar. E soluçava com tamanho
sentimento que Teovaldo e Petisco já começavam a ficar tocados.
- Currupáco, currupáco!
- Hum, hum!
- Creio que não adianta
mesmo, disse o menino coçando a cabeça e desistindo, além do mais ele não nos
conhece aqui porque voltamos no tempo. Vamos seguir, amigos!
Seguiram. Quando muito
tinham andado não vendo nenhuma novidade, pararam para descansar.
- Uff..., como é longe
esta porta – disse o menino sentando-se num pedaço de grama quase seca.
- Que coisa difícil,
está tudo complicado, que droga! – reclamou Teovaldo.
- Será que viemos parar
no lugar certo? - perguntou Petisco.
- Acho que sim, o senhor Armou não nos mandaria
para outro lugar.
- Não sei, não sei...! –
duvidou o papagaio.
Após o descanso
prosseguiram. De novo caminharam até não agüentar mais. Como a noite começasse
a chegar eles se aconchegaram debaixo de uma árvore, sobre um colchão de
folhas, e dormiram profundamente. Ao acordarem o dia raiava – triste como tudo
ali – e viram que estavam cobertos de outras folhas que haviam caído durante a
noite.
- Precisamos continuar –
disse Cabelos de Ouro se levantando.
- Mas para onde? –
perguntou Teovaldo.
- Não farejo nada que
seja diferente do que já vimos – disse Petisco.
- Não importa, temos de
procurar. Vamos em frente.
Retomaram a caminhada.
Entravam aqui, saíam ali; desviavam-se de um galho, rodeavam um tronco de
árvore, tomavam um estreito caminho, depois outro, e nada! Não viam qualquer
sinal de vida; nem uma simples e despreocupada borboleta, um inseto vagabundo
ou preguiçosa lagarta!
- Ai, que vontade de
desistir! – reclamou Teovaldo.
- Huuum! – ganiu Petisco
com desânimo.
- Não falem assim, já se
esqueceram do que o senhor Armou nos disse? Ele confia em nós!
- Mas sequer achamos a
porta, quanto mais o lugar! – reclamou de novo o papagaio.
- Não faz mal, vamos
continuar – reafirmou o menino.
Adiante foram surgir
numa clareira rodeada de altos arbustos. Para além da clareira um estreito
caminho se mostrava como a única alternativa para prosseguirem. Cabelos de Ouro
adiantou-se e entrou no caminho, Petisco vinha logo atrás. O menino lutava para
se desvencilhar dos galhos que o atrapalhavam. No seu ombro Teovaldo reclamava;
levantava um pé, depois outro, se encolhia todo ou abria as asas para se
equilibrar.
Em certo trecho o
caminho alargou-se, e adiante mais ainda, até que terminou num tapete de grama.
Na extremidade oposta deste tapete verde, havia duas grossas e velhas árvores
como se fossem duas grandes colunas. Entre elas a passagem se estreitava,
permitindo passar somente uma pessoa de cada vez. Cabelos de Ouro se aproximou
e quando ia cruzar o vão entre as árvores, foi advertido:
- Menino de cabelos
dourados aonde vai com tanta pressa? Ele
olhou para todos os lados, mas não conseguiu ver quem lhe falava. Petisco latiu
nervosamente.
- Quem é?
- Sou eu – respondeu a
mesma voz.
- Eu quem?
- Aonde vai, menino, com
seus companheiros? – continuou a voz, ignorando sua pergunta.
- Estamos procurando a
porta do tempo – respondeu simplesmente.
- A porta do tempo, ora
quem diria, um simples menino!
- E um papagaio chamado
Teovaldo! – intrometeu-se Teovaldo.
- E um cão valente
chamado Petisco! – falou também o cãozinho.
- Três tipos diferentes!
E acham que podem passar pela porta do tempo, assim, somente querendo?
- Bem..., quero
dizer..., sim senhor! – respondeu o menino.
- Senhora!
- Senhora?
Então eles viram de quem
se tratava. Ela veio escorregando e parou ao alto, bem diante deles, entre
ambas as árvores. Suspendeu a enorme cabeça e lançou sua língua muito vermelha
para fora, olhando-os atentamente.
- Uma serpente, au, au!
- Cruz credo, currupáco!
- Uma serpente? –
indagou espantado Cabelos de Ouro.
- Sim, uma serpente,
confirmou ela, e aqui estou para impedi-los...
- Impedir-nos? –
interrompeu Cabelos de Ouro.
- Ou abrir-lhes a porta!
- A porta? Então a porta
é aqui?
- Sim, no meio destas
árvores, mas ninguém passará sem antes desvendar um enigma.
- Qual enigma?
- Um enigma, não importa
qual. Mas para onde pretendem ir?
- Para o passado, quero
dizer, mais ainda – respondeu Cabelos de Ouro.
- Para o passado? Que
temeridade, jovem audaz! Não sabe por acaso que se rebuscarmos ao passado
podemos nos perder nos caminhos que já foram?
- O senhor Armou nos
disse que se precisássemos de ajuda era só gritar o seu nome!
- É isso mesmo, ele
disse! – confirmou Teovaldo já meio irritado com aquela conversa.
- Não é disso que estou
falando, gente, estou falando da cabeça!
- Cabeça?
- É..., da cabeça, sim!
O passado faz girar a cabeça e o que passou volta a passar. O bem retorna como
bem, mas o mal retorna como mal; então dá uma confusão deste tamanho! A gente
acaba não sabendo direito quem somos ou o que fizemos.
- Ai, ai, vamos entrar
bem mais uma vez! – resmungou Teovaldo.
- Mas isso pode
acontecer conosco?
- Claro que sim, pode
com todo mundo. Mas por que está pensando nisto se ainda nem desvendou o
enigma?
- Então pergunte logo e
deixe de conversa fiada! – enervou-se Teovaldo.
- Psiu..., quieto,
Teovaldo, ela só está nos alertando.
- Ora, o que ela devia
fazer era primeiro perguntar, depois alertar, currupáco.
- Está bem, então eu vou
perguntar uma única vez. Preste bastante atenção, menino, porque eu não vou
repetir. Somente você poderá responder:
O que é que corpo não tem,
Cabeça ou membros também;
Está dentro de tudo,
E fora de tudo ele existe;
Não tem boca e nem olhos,
Mas tudo ele engole e assiste;
Está aqui, esteve ali, está acolá,
E onde quer que estejamos,
Igualzinho ele será. Não é Deus!
- Está difícil mesmo! –
comentou Teovaldo.
- Eu também não sei –
falou Petisco.
Cabelos de Ouro trouxe a
mão ao queixo e começou a pensar. Olhou para o chão, para o alto; repetiu
algumas palavras do enigma e de repente gritou:
- O tempo!!
- O tempo! Bravos
menino! - disse a serpente. Petisco
latiu comemorando.
- Boa Cabelos de Ouro,
viva! – comemorou também Teovaldo, logo resmungando - ué, nem sei por que estou
tão alegre se só vamos enfrentar perigos!
- Agora, menino, você e
seus amigos poderão passar, mas antes você precisará me dizer que lugar é esse
do passado em que deseja ingressar.
- Queremos ir para onde
alguém fez uma coisa que secou esta floresta inteira.
- Ah, já sei! – disse a
serpente.
Ela então escorregou
para um galho seco que ficava mais ao alto, apontado para diante do caminho,
entre as duas árvores, e apoiada neste galho formou um grande anel com seu
grosso e comprido corpo, quase tocando o chão. Trouxe a ponta da cauda para
dentro da boca, retirou-a da boca e falou:
- Preste muita atenção,
menino, eu não vou repetir. Você irá segurar a minha cabeça e puxa-la para
baixo, dando uma volta e meia no meu corpo para a esquerda. Daí entrarão pelo
meu anel e você pensará com firmeza onde deseja chegar, dando depois três
passos à frente. Lembre-se bem, uma volta e meia para a esquerda, e o passado
retornará. Adeus e boa sorte!
Cabelos de Ouro assentiu
e se aproximou da serpente. Ela novamente mordia a extremidade da cauda. O
menino ficou na ponta dos pés e puxou-lhe a cabeça conforme ela havia ensinado,
girando seu verde e grosso corpo para a esquerda, completando uma volta. Em
seguida, sem retirar a mão, puxou-a de novo e ela continuou a deslizar, ficando
a meio caminho, de cabeça para baixo. Ele então se curvou tomando Petisco nos
braços, tendo já Teovaldo no ombro, e atravessou o anel pensando firmemente no
lugar ou situação que buscava, dando os três passos. Pluuft! Sumiu quase tudo em redor. Ele virou-se
olhando para trás, notando que o lugar de onde tinham vindo houvera
desaparecido completamente. O que existia agora era outro panorama, embora de
uma floresta!
Como tivesse de andar,
ele recolocou Petisco no chão e foram saindo cautelosamente. Observaram logo
que a vegetação, embora de mesma qualidade, estava novamente com outro aspecto.
Ninguém falava. Petisco à frente ia farejando tudo e de repente percebeu algo:
- Ali, Cabelos de Ouro,
naquela árvore imensa, tem alguma coisa se mexendo nela! Eles correram para lá
e notaram que uma nuvem penetrava a árvore até a copa. A nuvem mostrava-se
agitada e de luz fraca.
- Que alma esquisita de
árvore. Até parece que está sofrendo – observou o papagaio
- Tem razão, Teovaldo, e
acho que está mesmo. Está passando por uma agonia, veja como algo a puxa, mas
ela procura prender-se no corpo da árvore!
- Que luta! O que será
isto? – perguntou Petisco.
- Ainda não tenho a
menor ideia; mas pelo que vejo ela é a primeira alma vegetal que encontramos
nesta floresta. Nenhuma outra planta possuía alma.
- Lá adiante, Cabelos de
Ouro, tem outra. Ela também está lutando assim! – gritou Teovaldo.
- Ali, vejam, outra, e
está se desprendendo. Pronto, sumiu! – apontou Cabelos de Ouro, mais do que
admirado. Eles se apressaram em direção da árvore notando como ela
imediatamente começava se transformar, perdendo de pouco em pouco a vida que
possuía. Cabelos de Ouro pôs as mãos no tronco.
- Está frio, parece
morto! – falou admirado.
Súbito Petisco latiu.
Alguma coisa se moveu detrás de um arbusto: era um vulto, e foram em sua
direção. Nada encontraram, mas Petisco farejou e saiu correndo. Cabelos de Ouro
o seguiu. Adiante perceberam novos movimentos. Aproximaram-se mais e encontraram
algo.
- Uma escada, e vai para
o fundo! Aquele vulto que não conseguimos alcançar deve ter descido por ela,
vamos! – disse o menino.
Cabelos de Ouro segurou
Petisco e começou a descer. À medida que desciam viam que a escada com degraus
escavados na terra era toda iluminada por archotes presos às paredes. A escada
era imensa!
- Uff! Que calor aqui
embaixo!
- Estou ficando sufocado
– reclamou Petisco.
Quando os degraus
terminaram estavam no começo de um túnel. Prosseguiram pelo túnel também iluminado
por archotes, notando o final dele a alguns metros adiante. Apressaram-se e
finalmente atingiram a saída. Porém nova surpresa os aguardava:
- Veja, Cabelos de Ouro,
veja! – excitou-se Teovaldo.
- Uma cidade!!
CAPÍTULO III
FUGA DESENFREADA
Era realmente uma
cidade, mas muito estranha. Daquele patamar onde se encontravam, bem no meio de
uma pedreira cercada por morros de terra preta, podiam distinguir parte dela.
As casas eram de arquitetura jamais vista; pareciam como o fogo de tochas que houvesse
endurecido. Os telhados eram pontiagudos lembrando chamas e as paredes tinham sulcos
de cima abaixo. Eram todas arredondadas e de um vermelho muito vivo.
Dali podiam ver centenas
de archotes e imaginaram que a cidade inteira deveria ter milhares de casas.
Não havia qualquer movimento pelas ruas ou pelas casas; parecia estar tudo
deserto.
- Que cidade feia! –
resmungou Teovaldo.
- Sem graça nenhuma e
ainda iluminada por tochas – comentou também Petisco.
- Têm razão, amigos; é
uma cidade realmente muito esquisita.
- Que fazemos, Cabelos
de Ouro? – perguntou Petisco.
- Vamos descer e
investigar!
Saíram do patamar e
desceram por um caminho cheio de voltas. Ao término viram-se diante de um alto
muro protegendo a cidade e de dois portões de ferro que se juntavam.
- Um dos portões está
entreaberto, vamos entrar – apontou Cabelos de Ouro.
- Lá vem confusão,
currupáco!
- Deixe de se lamentar,
Teovaldo, se até aqui chegamos não fica bem recuarmos.
Entraram. Porém tão logo deram os primeiros passos alguém
gritou:
- Pare! Você está cercado!
Centenas de seres que
estavam escondidos detrás do muro surgiram com lanças nas mãos. Os três heróis
se assustaram, espantando-se com o tipo físico deles. Eram absolutamente da
mesma cor das casas, isto é, vermelhos. Pareciam do mesmo material. Seus
membros possuíam pequenas faíscas endurecidas que se lançavam para cima. As
mãos e pés tinham formato pontiagudo, mostrando somente um grande dedo. As
cabeças e rostos pareciam com o desenho de tochas; os olhos e bocas eram ovais
e puxados para cima. Buracos substituíam os narizes. As orelhas, também puxadas
para cima, colavam-se às cabeças. Possuíam alta estatura; eram magros e andavam
com relativo desembaraço. Neste momento cercavam os três visitantes e apontavam-lhes
as lanças.
- Esperem, viemos em
paz! – falou-lhes o menino.
- Cuidado, é ele mesmo,
o espião do Sol, vejam os seus cabelos! – gritou um deles.
- Espião do Sol?
- Currupáco!
- Sim, é você mesmo e
não tente nos enganar, os seus cabelos mostram isso! Um vozerio espalhou-se entre eles.
- Ouçam, é um engano! Eu
não sou espião do Sol, os meus cabelos são assim mesmo!
- Chega! Vamos levá-los
ao grande imperador. Ele saberá o que fazer com vocês! – ordenou o que
comandava.
Imediatamente formaram
fileiras pelos flancos. O soldado que estava atrás encostou a ponta da lança
nas costas do menino. O comandante colocou-se à frente e as alas passaram a
marchar. Cabelos de Ouro segurou Petisco e começou a andar. Na medida em que
iam passando pelas casas o comandante ia gritando:
- Tudo sob controle, o
espião é nosso prisioneiro! Os moradores
então saíam e gritavam comemorando:
- O espião é nosso
prisioneiro! O espião é nosso prisioneiro!
E foram andando sob a
iluminação de archotes. Dobravam por uma esquina, seguiam em frente, entravam
noutra rua e continuavam no mesmo passo. Por todos os lugares o comandante
gritava e anunciava que o espião era seu prisioneiro.
Logo apontaram numa rua
mais larga que terminava numa casa gigantesca de construção igual a todas as
outras. A enorme casa ligava-se a uma montanha mais atrás. Cabelos de Ouro teve
a impressão que de dentro da casa se podia ingressar no interior da montanha.
Ao se aproximarem da escadaria os soldados pararam e o comandante gritou-lhes:
- Entremos no palácio de
nosso grande imperador!
Imediatamente um
destacamento de seis homens trouxe os prisioneiros para a escadaria,
mantendo-os no meio, enquanto um sétimo soldado acompanhava o comandante.
Subiram até a soleira da altíssima porta. O destacamento parou e o comandante
deu dois passos, alcançando a grande argola, batendo-a três vezes contra a
porta. A porta abriu-se e todos entraram num salão imenso, alto e largo,
completamente vazio.
- Ufa, que calor! –
reclamou Teovaldo.
- Sniff, sniff! – fez Petisco sem nada
conseguir farejar.
Atravessaram o salão.
Havia realmente muito calor ali dentro e Cabelos de Ouro já sentia muitas gotas
de suor a escorrer-lhe pelo corpo. Ao final subiram mais três compridíssimos e
largos degraus, que iam de um lado a outro das paredes, e se viram defronte a
uma nova porta, porém menor do que a anterior. Desta vez o próprio comandante a
empurrou e eles, temerosos, pararam na soleira.
- Oh! É uma bola de fogo
gigantesca!! – gritou o menino.
- Essa não! – exclamou
Teovaldo.
- Ela se move!! –
observou Petisco.
Neste salão, que era
também imenso, a bola de fogo ardia intensamente. Ocupava metade do espaço e
tinha muitos metros de altura. O calor era terrível. Cabelos de Ouro e seus
amigos jamais poderiam entrar.
- Vamos! – ordenou o
comandante.
- Não podemos, vamos nos
queimar! – protestou o menino.
- Mas como um espião do
Sol pode ter medo do fogo? – admirou-se o comandante.
- Eu não sou espião do Sol,
já disse, eu sou do lado de lá!
- Viu como está mentindo?
Do lado de lá só existe o Sol, então você veio mesmo do Sol!
Neste exato instante a
bola de fogo começou a estalar, movendo-se mais intensamente de um lado a
outro. O comandante vendo aquilo se precipitou para dentro e se arremessou ao
chão, de braços estendidos, assim permanecendo. Os guardas fizeram o mesmo.
Teovaldo aproveitou-se e cochichou ao ouvido do menino.
- Cabelos de Ouro, nós
podemos correr por este degrau até aquela parede. Lá tem uma entrada, quem sabe
dá pra fugirmos daqui!
- É uma boa ideia, mas
antes precisamos saber o que é isto.
- Droga de curiosidade.
Por causa dela vamos acabar virando assado no espeto! – reclamou o papagaio.
A bola de fogo
continuava a estalar e uma forma saiu de dentro dela, logo acompanhada de sete
outras. A primeira era alta. As sete menores se afastaram um pouco.
- Fale comandante!–
ordenou a mais alta. O comandante ainda estirado começou:
- Grande imperador,
capturamos três invasores. Um deles é o espião do Sol que tanto temíamos um dia
viria nos espionar.
- O espião do Sol?
Estamos com sorte!
À medida que falava ele
ia tomando aspecto de um corpo de homem inflamado, o mesmo acontecendo com as
sete bolas menores. Ele adiantou-se dois passos e os sete fizeram o mesmo.
- O espião do Sol! – falou admirando o menino.
- O espião do Sol!! –
repetiram os sete. Ele olhou melhor para os três e os convidou:
- Entrem, quero-os aqui
mais perto de mim.
- Não podemos,
imperador. O calor é forte demais, não agüentaríamos!
- Ora, como um espião do
Sol não resiste ao nosso calor?
- Mas eu não sou...
- Cale-se! – gritou. Ele
então se virou para a bola de fogo, levantando os braços, sendo imitado em tudo
pelos pequenos seres.
- Então nosso fogo é
mais poderoso, somos os mais poderosos!
- Somos os mais
poderosos! – repetiram os sete. Ele voltou-se para Cabelos de Ouro.
- O Sol o mandou aqui
para talvez fazer um acordo conosco. Já nos teme, não é?
- Não, senhor imperador,
eu estou aqui para saber por que o reino da floresta está secando.
- Ah, ah, ah! –
gargalhou, e os sete também gargalharam – se já está secando é porque eu mandei
secar.
- Mandou secar?
- Sua cabeça de pavio
aceso! – enraiveceu-se Teovaldo.
- Sim, mandei, e
mandarei secar outra floresta, depois outra, e mais outra, ah,ah,ah!
- Eu pensei que só na
Terra tinha cientista louco! – comentou Petisco.
- Mas como, imperador,
para quê?
- Como? Para Que? Ora,
então o Sol não lhe contou?
- Não é isso, é que..., bem,
não contou não!
- Se não contou é porque
não sabe, mas eu vou mostrar-lhe. Olhe para aquele lado! - ele fez um movimento
com o braço e a bola de fogo decresceu num pedaço, deixando à mostra alguma
coisa atrás dela.
- Oh! São seres
transparentes que estão entrando na bola de fogo! – admirou-se o menino.
- Exatamente, e saindo
do outro lado, veja! – mostrou com a mão.
Espantados, Cabelos de
Ouro e seus companheiros viam centenas daqueles incríveis seres entrando e
saindo da bola de fogo. Seus corpos eram como plástico finíssimo e transparente,
ou como bolha de sabão. Tinham cabeça, tronco e membros, mas não tinham
fisionomia; nos rostos viam-se somente buracos de olhos, de nariz e boca. Logo
todos sumiram.
- O que eles fazem?
- Ao saírem daqui vão
entrar na terra, pedras, árvores ou qualquer coisa existente. Nada os impede.
Neste momento estão indo para o solo daquela floresta para continuar a roubar
sua energia. Depois retornam e descarregam aqui na minha “gema de fogo”,
voltando para buscar mais lá na floresta. Nem as pedras se agüentarão, nem os
rios permanecerão nos seus leitos quando o solo começar a perder sua energia
vital!
- Mas como eles
conseguem fazer isto?
- Fazendo. Com meu poder
modifiquei a maneira deles trabalhar. Agora, ao invés deles levarem a energia daqui
do fundo da terra para cima, eles a roubam da superfície e a trazem para mim, ah,
ah, ah! Os sete riram também. Ele, satisfeito, continuou:
- Com isso tudo morre,
porém nós vamos ficando cada vez mais fortes, até que buuum...! Subiremos para
tomar o Sol como prisioneiro!
- O senhor não deveria
fazer isto, imperador. Está prejudicando todos os reinos, toda a vida
existente! – repreendeu-o o menino.
- Faço, sim, ora essa! E
chega de conversa! Agora venham, vou levá-los para dentro da minha “gema de
fogo,” lá ficarão presos!
- Estamos fritos,
Cabelos de Ouro, precisamos sair daqui – cochichou novamente Teovaldo ao seu
ouvido. O comandante se levantou e ordenou aos guardas que os trouxessem.
Cabelos de Ouro então gritou, jogando Petisco ao chão:
- Agora, Petisco, corra!
E se atirou sobre um dos guardas, derrubando-o. Teovaldo equilibrou-se no ar e
saiu voando sobre Petisco. Cabelos de Ouro vinha em seguida, correndo como
podia.
- Peguem-nos,
peguem-nos! – gritava o comandante perseguindo-os. Os três conseguiram chegar
ao final daquele comprido degrau e se enfiaram pelo buraco existente na parede.
- É um túnel, vamos! – falou o menino.
O túnel conduzia para
baixo. Eles foram descendo e tropeçando porque a claridade era pouca. Adiante a
claridade aumentava e puderam enxergar melhor. Escutavam os passos de seus
perseguidores cada vez mais próximos. De repente pararam ao início de ampla
galeria iluminada por uma luz que oscilava. A luz provinha de várias frestas
das paredes. O calor era bastante forte e Cabelos de Ouro estava completamente
banhado de suor, o mesmo se dando com Petisco. O calor também incomodava a
Teovaldo, talvez mais do que a eles, devido as suas penas.
- E agora, aonde vamos,
currupáco!
- Petisco, não está
farejando algo?
- Nada ainda, Cabelos de
Ouro.
- Então vamos entrar por
aquele caminho. Ao que parece existem cavernas por aqui. Com sorte talvez os
enganemos. – disse o menino apontando para adiante.
Entraram, mas logo
escutaram os ruídos dos passos dos soldados e se apressaram. O caminho era
estreito, as rochas estavam quentes. Não demorou chegaram noutra galeria
iluminada por tochas. A galeria era circular e tinha outras entradas pelas
paredes. Cabelos de Ouro escolheu uma e ingressaram. Ao darem os primeiros
passos, Teovaldo gritou:
- Uau! Vejam! As tochas
estão andando!
- Não são tochas, são
seres com as cabeças em chamas! – falou o menino.
Os seres vieram
cercá-los. Seus corpos eram idênticos aos dos soldados que os perseguiam, com a
diferença de que estavam incandescentes e com cabeças inflamadas.
- O imperador mandou! O
imperador mandou! – diziam em coro, ao mesmo tempo em que iam formando um
círculo em torno dos três. De repente uma faixa de fogo os uniu pelas cabeças,
formando um único anel. Logo o anel desceu pelos seus corpos até o chão se
transformando num tubo ardente, deixando os três amigos totalmente cercados e
em grande perigo de serem assados vivos.
CAPÍTULO IV
DJAYAN, UM
AMIGO
O calor estava
insuportável e o tubo ardente formado pelos seres se fechava cada vez mais. Chamas
avermelhadas se lançavam para dentro e logo os alcançariam.
- Estamos perdidos, não
temos saída! – falou nervosamente Petisco.
- Grite, Cabelos de
Ouro, grite – pediu Teovaldo.
- Gritar o quê?
- Para Armou, ele é o
único que pode nos tirar daqui!
- Mas e depois, e
depois? - perguntou angustiado.
- O depois fica pra
depois, currupáco.
- Grite, Cabelos de
Ouro, já não agüento mais! – pediu também Petisco.
- Não posso, será o fim
do reino da floresta! Teovaldo então desesperado levantou vôo e desapareceu
sobre o tubo.
- Teovaldo escapou! –
gritou Petisco.
- Tomara que sim.
O tubo vinha se
fechando, eles já não tinham mais como se agüentar. Cabelos de Ouro trazia o
braço à frente dos olhos e Petisco protegia os seus com as patinhas. De repente
uma pedra foi lançada na cabeça de um daqueles seres, rolando para dentro do
tubo, parando aos pés do menino. Viera de Teovaldo, que lá de cima a deixara
cair, batendo as asas em seguida e novamente desaparecendo. Cabelos de Ouro viu
que o círculo de fogo diminuíra quando a pedra batera na cabeça daquele ser e
teve uma ideia. Procurou e achou uma pedra grande que a segurou com ambas as
mãos. Nisto, Teovaldo voltou com outra pedra nas patas. Cabelos de Ouro
gritou-lhe:
- Jogue no mesmo,
Teovaldo!
Teovaldo fez como
solicitado e o menino, por sua vez, lançou sua pedra no mesmo ser.
"Plict," "Ploft," fizeram ambas, atingindo a cabeça dele,
fazendo-o cair. Imediatamente formou-se uma abertura onde ele caíra e Cabelos
de Ouro agarrou Petisco, pulando pela abertura, escapando daquele inferno de chamas.
- Por aqui, venha! -
chamou Teovaldo, mostrando um grande túnel. Cabelos de Ouro correu mais do que
pode, entrando pelo túnel. Os seres, entretanto, não lhe deram tréguas e vieram
em suas perseguições. Os soldados vieram logo atrás, já transformados também em
seres de chamas.
- Depressa, Cabelos de
Ouro, depressa! - gritava Teovaldo voando sobre sua cabeça. Cabelos de Ouro
fazia o que podia, evitando tropeçar, porque a claridade era insuficiente. De
repente: "chááp!", um dardo de fogo atingiu a parede, próximo a ele;
"chááp!", "chááp!", outro e mais outro.
- Eles estão atirando,
uái, currupáco! Teovaldo foi atingido por um deles, cambaleando no seu voo,
caindo ao chão. Cabelos de Ouro largou Petisco e segurou Teovaldo.
- Como está, Teovaldo?
- Ai, ai, os miseráveis
queimaram o meu rabo, mas acho que foi só de raspão.
- Vamos, Cabelos de
Ouro, não podemos perder tempo! - alertou Petisco, impaciente, vendo a
aproximação dos seres.
Cabelos de Ouro
recomeçou a escapada com Teovaldo junto à cintura. Petisco partiu na frente,
correndo em zig-zag. Os
dardos continuavam a ser lançados perigosamente. Súbito, os fugitivos chegaram
ao final daquele túnel e dobraram para a direita. Havia uma rampa e começaram a
descê-la. O som de algo que conheciam fez com que o menino e o cão parassem a
fim de escutar, porém os seus perseguidores chegaram ao topo da rampa lançando
novos dardos. Cabelos de Ouro e Petisco partiram novamente. Chegando ao final da rampa ouviram uma voz:
- Ei, entrem por aqui,
depressa!
Do lado esquerdo da
rampa, um menino de cabelos negros e longos, muito claro, vestindo somente um
saiote também branco e tendo uma tiara de prata sobre a testa, acenava-lhes.
Cabelos de Ouro nem pode entender direito o que era aquela aparição porque um
dardo atingiu-lhe a perna, acima do tornozelo, fazendo-o dar um pulo atrás.
- Uiii! Que dor!!! -
gritou e gemeu, abaixando-se e pondo a mão no local atingido.
- Depressa, venha, senão
será tarde demais - chamou-o de novo o estranho. "Chááp!", outro
dardo raspou-lhe o ombro; "chááp!", outro fez Petisco saltar para o
lado e latir. Cabelos de Ouro esforçou-se, pondo-se de pé. Petisco já pulava
para o lado do estranho e aguardava ansioso.
- Rápido, Cabelos de
Ouro, eles vão nos alcançar! - gritou Teovaldo, que apesar de tudo permanecia
ainda em sua mão.
Cabelos de Ouro
levantou-se e saiu mancando, entrando pelo túnel indicado. O estranho ia à
frente, seguido de Petisco; Cabelos de Ouro vinha mais atrás. Poucos metros
haviam vencido e novamente os seres de fogo se puseram nos seus calcanhares,
entrando pelo túnel. "Chááp!", "chááp!", novos dardos foram
lançados, passando muito próximos de suas cabeças.
- Depressa, falta pouco
agora, é logo depois daquela curva1 - apontou o estranho, olhando para Cabelos
de Ouro que vinha mancando e se atrasava. O som que haviam escutado da rampa
tornava-se agora mais audível, e chegando à curva Cabelos de Ouro gritou:
- Água, estamos salvos!
- Ainda não – alertou o
estranho – precisamos antes cruzar
aquela cortina!
Os seres chegaram à
curva, mas temerosos por causa da umidade no chão não prosseguiram. Entretanto
passaram a disparar os dardos com melhor pontaria e mais intensamente. Os
fugitivos se abaixavam e pulavam, mas felizmente conseguiram alcançar a cortina
d'água, cruzando-a, pondo-se definitivamente a salvo.
Cabelos de Ouro e
Petisco, exaustos, jogaram-se pelo chão, mal conseguindo respirar. Teovaldo
pulou para uma pedra e ali permanecia, ao passo que o estranho que os salvara
os observava de pé. Passados poucos minutos ambos recuperaram o controle da
respiração vendo que se encontravam numa imensa e alta gruta. A água que
formava a cortina que tinham atravessado tomava um lado inteiro da gruta,
prosseguindo por uma fenda no chão. Vinha do teto, lá de cima, de onde descia
também claridade através de um buraco. O ambiente era fresco e úmido e eles
aproveitaram para beber e lavar-se.
- Graças a você, amigo,
estamos salvos - falou Cabelos de Ouro, cujas palavras receberam aprovação de
seus companheiros.
- Não foi nada, pessoal,
afinal os twichz não são flor que se cheire. A propósito, chamo-me Djayan.
- Sou Cabelos de Ouro.
- Teovaldo, seu criado.
- Sou Petisco.
- Como nos encontrou,
Djayan? - perguntou Cabelos de Ouro
- Isso não vem ao caso
agora, o importante é que consegui trazê-los. Como estão todos?
- Eu já estou bem -
respondeu prontamente Teovaldo.
- Eu também – falou
Petisco.
- Minha perna ainda dói
muito. Deixe-me ver como está – falou Cabelos de Ouro levantando uma perna das
calças. Ao baixar a meia viu que havia um ferimento. Estava vermelho e sem
pele, como forte queimadura. Ele recolocou a meia, gemendo, e verificou que a
perna das calças, acima do tornozelo, estava também queimada. Ficou de pé e
ensaiou alguns passos.
- Dói, mas creio que
dará para caminhar.
- Então vamos acompanhar
a extensão da gruta. Lá adiante tomaremos outro caminho; não é muito longe. –
apontou Djayan.
Assim fizeram. Djayan ia
à frente. O som produzido pela água, embora forte, agradava-os. A água descia
por um lado inteiro do caminho e os três heróis tinham a sensação de estar
dentro de uma cachoeira. Mais adiante Djayan parou dizendo:
- Aqui entramos! Eles
olharam para todas as direções e nada viram, exceto o corredor adiante e a cortina
d água caindo neste lado.
- Onde? – perguntou
Teovaldo. Petisco somente farejou.
- Nada vejo Djayan –
afirmou Cabelos de Ouro. Ele sorriu e indicou com a mão:
- Entramos bem aqui,
pelo interior da água. Existe uma abertura na parede que nos conduzirá a um
túnel. Vamos!
- Segure-me, Cabelos de
Ouro, currupáco.
Djayan penetrou pela
água dando um único pulo, desaparecendo. Eles, indecisos, aguardavam.
- Venham, não temam! –
gritou-lhes do outro lado.
- Vamos Petisco? –
perguntou o menino, tendo já Teovaldo entre as mãos.
- Vamos! – respondeu o
cão. E pularam.
- Ótimo, estamos todos
aqui. Vamos seguir adiante – disse Djayan indicando o caminho.
O túnel era curto. Logo
atingiram um patamar. Havia certa claridade; assim podiam caminhar com
desembaraço. Tudo ali era úmido, mas eles se sentiam bem. Djayan apontou para o
túnel da esquerda e prosseguiram. Logo pararam. Os três viram então algo que os
surpreendeu: um portal perfeitamente quadrado, de pedra clara e transparente.
Ali existia uma energia que vibrava.
De cada lado um homem
montava guarda. Possuíam cor branca como Djayan, porém um deles tinha os
cabelos louros e o outro os cabelos negros. O louro usava uma tiara dourada na testa,
um medalhão da mesma cor no peito mostrando um sol, e braçadeiras de igual cor
nos pulsos. O de cabelos negros usava a tiara prateada, igual à de Djayan, um
medalhão da mesma cor no peito, mostrando uma lua crescente, e braçadeiras nos
pulsos, também prateadas. Os trajes eram saiotes iguais. Portavam tridentes da
cor dos metais que usavam, apoiando-os junto a um dos pés. Eram cravejados de
pedras em várias cores. Ante a aproximação dos três visitantes eles cruzaram os
tridentes ao alto, bem no meio do portal, e as pedras faiscaram deixando-os
imediatamente paralisados. Djayan, entretanto, falou-lhes:
- São amigos, deixem-nos
passar! Eles descruzaram os tridentes e
os três voltaram a se locomover.
- Ui, fiquei preso! –
reclamou Teovaldo
- Eu também – disse
Petisco.
- Foi por causa dos
tridentes, mas agora estamos livres – disse Cabelos de Ouro.
- Venham, acompanhem-me
– convidou Djayan.
Entraram numa espécie de
caixa retangular, transparente, clara e levemente rosada. Ela transmitia, além da
cor, luz própria, possivelmente pela energia que nela vibrava. Produzia um som
muito agradável. Ao seu final, entraram por um largo túnel. Uma névoa branca
espalhava-se por todo o espaço. Raios de luz branca provindos das paredes, do
chão e teto, cruzavam-se: era tudo fantástico!
- Que lindo, Djayan,
nunca vi nada igual! – admirou-se Cabelos de Ouro
- Que fumaça é essa,
será gás? – perguntou Petisco.
- Isto não é fumaça, é
vapor d'água! – respondeu Djayan.
- Para que serve? –
insistiu o menino.
- Saberão depois. Vamos prosseguir. Tão logo
deram os primeiros passos alguma coisa começou a suceder-lhes.
- Estou me sentindo
leve, parece até que vou voar! – falou alegremente Cabelos de Ouro.
- Eu também! – falou
Petisco.
- E eu! E nem estou batendo
as asas!
Djayan ria, continuando
a caminhar. Mais adiante aquela névoa branca terminou e outra azul veio
espalhar-se. Repetia-se tudo o que acontecera com a névoa branca. Os raios
azuis cruzavam-se da mesma maneira pelas paredes, teto e chão. Veio depois uma
névoa rosa, uma violeta, uma verde, uma laranja e finalmente uma dourada,
acontecendo efeitos iguais em todas elas. Ao término daquele túnel eles estavam
tão mais leves que pareciam não possuir corpos.
Adiante nova passagem os
aguardava, antecedida por uma cortina maravilhosa que não era nem água ou
vapor. Parecia, talvez, gelatina, a mais fina que pudesse existir, com luz
correndo pelo seu interior nas exatas cores que tinham visto há pouco. A
cortina movia-se e vibrava, produzia um som que era envolvente e macio. Djayan
voltou a falar-lhes:
- Agora temos de parar
em frente a esta cortina e pularmos de uma só vez, gritando o nome do lugar onde
queremos chegar. Onde vou levá-los chama-se: O Vale Guardado do Quarto Reinado
na Terra de Djan.
- Que nome grande e
complicado! – reclamou Teovaldo.
- Nem tanto, vamos
repetir para não errar – comandou Cabelos de Ouro.
Repetiram uma, duas,
três vezes. Ao final sabiam tudo de cor sem cometer enganos. Djayan fez sinal
para Cabelos de Ouro e ele tomou Petisco nos braços. Teovaldo aninhou-se no seu
ombro. Ficaram então em posição e repetiram juntos a um só tempo: O Vale
Guardado do Quarto Reinado na Terra de Djan..., e pularam para dentro da
cortina!
CAPÍTULO V
O VALE
GUARDADO DO QUARTO REINADO NA TERRA DE
DJAN
- Oh! Isto não pode
existir! – falou Cabelos de Ouro, quase boquiaberto.
- Currupáco!
- Au, au!
Os quatro foram surgir
próximo à margem de uma incrível bacia onde sete cachoeiras se derramavam. Tudo
ali era grandioso! As sete cachoeiras possuíam, cada qual, águas de um matiz
diferente. As águas brilhavam e resplandeciam, cantavam e se misturavam.
Produziam ao encontro de todas, combinações multicoloridas. Respingos voavam;
pequenas ondas se formavam refletindo, vibrando e transmitindo suavidade.
Criaturas cheias de alegria espalhavam-se por toda a bacia. Umas mergulhavam do
ar, outras das pedras junto às margens ou mesmo das próprias margens que eram
verdes, entremeadas de flores e de pequenas plantas.
Muitas daquelas
criaturas vinham caindo junto com as águas lá do alto, do início das
cachoeiras; algumas planavam no meio da queda, paravam no ar ou desciam com
menor velocidade. Possuíam véus finíssimos que as cobriam em certos instantes,
ou as descobriam. Os cabelos pareciam não molhar-se, esvoaçavam sobre seus
ombros e tinham a mesma cor dos véus.
Havia pássaros, animais e grande número de outros seres
encantados. O Sol brilhava sob um céu muito azul. Tudo transpirava uma
atmosfera de paz e harmonia.
- Quem são aquelas moças
que dançam e cantam nas águas? – perguntou Cabelos de Ouro em certo instante.
Djayan logo respondeu:
- São as ondinas, também
chamadas de yaras ou nereidas. Você não as conhecia?
- Não! – respondeu
simplesmente.
- Só ouvimos falar - intrometeu-se
Teovaldo do ombro de Cabelos de Ouro - o gnomo da floresta nos disse que lá
existia antes as ondinas.
- E mais os silfos –
completou Petisco, já no chão.
- Os silfos? Vejam lá no
alto, sobre a floresta. Os raios e as formações de luz são eles.
- Que bonitos, são
pequenos! – admirou-se Cabelos de Ouro.
- Ei, Cabelos de Ouro,
sua roupa, veja só! – espantou-se Petisco.
- Está vestido igual à
Djayan! – surpreendeu-se Teovaldo.
- Ué, onde está toda a
minha roupa, estou só de saiote?
- E por que nós não? –
interrogou-o Teovaldo, falando também por Petisco. Djayan rindo começou a
explicar-lhes:
- As aves e os animais
daqui não usam saiotes ou outras vestes, só os encantados. Reparem, as ondinas
têm véus e eu tenho saiote.
- Então você é um
encantado? – perguntou Cabelos de Ouro.
- Sim, das profundezas
do reino das sete águas. Lá vive um rei, o rei de todos e eu sou um de seus
súditos. Aqui também há uma rainha e as ondinas são suas súditas.
- E onde está a rainha?
– Cabelos de Ouro voltou a perguntar com interesse.
- Nas águas, nas
correntezas, nas cachoeiras, nas ondinas. Está em todas as partes, em todos
estes lugares.
- Chiii..., que
complicação! – reclamou Teovaldo.
- Voltando às vestes.
Por que acabei vestido assim se não sou um encantado?
- Suas roupas não eram apropriadas para o
local, por isso a magia do Vale o vestiu assim.
- A magia do Vale?
- Sim, a magia de tudo.
Não vê como tudo aqui é mágico e perfeito? Todos os de fora que raramente
entram aqui precisam adaptar-se às sete correntes da perfeição deste Vale, como
vocês fizeram. Nestes momentos em que aqui permanecem transformam-se também em
encantados como nós.
- E por que este lugar é
chamado de Quarto Reinado na Terra de Djan? – perguntou ainda o visitante.
Djayan calmamente continuou a responder:
- Existem vários reinos
que se desenvolvem durante os vários reinados. Este é somente o Quarto Reinado
na Terra de Djan, o grande Ser que tudo sabe e tudo possui.
- E por que você nos
trouxe aqui, Djayan?
- Para ajudá-los a fim
de que em troca vocês nos ajudem. Sabemos que pretendem auxiliar ao Reino da
Floresta que secou. Mas para isto precisam combater o mal entranhado nas chamas
dos twichz. Entretanto, precisarão descer mais para o interior da Terra a fim
de encontrar o Senhor da Chama. Só ele, Cabelos de Ouro, e somente ele poderá
ensiná-lo como vencer os twichz, com a ajuda de seus companheiros,
naturalmente.
- Descer mais..., não
podemos, é muito quente!
- Não dá, não dá não,
currupáco!
- Eis porque desejamos
ajudá-los. Se você não os vencer, Cabelos de Ouro, nós também deste Vale e de
toda a Terra de Djan, correremos igual perigo!
- Mas por que vocês não
se unem e não os enfrentam?
- Não podemos, nossa
natureza é outra. Somos plásticos, passivos, sem o poder de combater. Somos o
bem, a pureza; não lutamos contra o mal. Somente alguém humano como você e puro
de coração, poderá enfrentar esta ameaça. Se eles vencerem partirão também para
o seu mundo colocando em perigo todas as outras coisas existentes.
- Mas não há ninguém
aqui deste lado que os enfrente?
- Você é humano e por
isso tem certas vantagens. Somente os humanos possuem a magia da palavra que
pode tanto construir como destruir em todos os mundos.
- Cada vez nos
enrascamos mais! – voltou a reclamar Teovaldo.
- E como vocês pretendem
nos ajudar a descer ainda mais, sem que nos queimemos?
- Já olhou o ferimento
de seu pé? Cabelos de Ouro baixou os olhos e admirou-se:
- Sumiu, não tem mais
nada!
- Nossas águas o
curaram. Esta é uma das maneiras que temos de protegê-los contra o calor e o
fogo. Então aceita?
- Aceito.
- Aceito – repetiu
Petisco
- Eu também! – confirmou
bravamente Teovaldo.
- Estão dispostos a
partir imediatamente?
- Estamos! – respondeu
Cabelos de Ouro. Mediante aquela decisão, Djayan voltou-se para as águas e
começou uma invocação:
- Ondinas, nereidas,
yaras, irmãs das sete águas! Filhas de um grande e sábio rei e de mãe toda
generosa. Vocês que trazem sob seus véus o segredo das sete profundezas, das
sete emanações e das sete purezas dos reinos das sete águas. Venham e tragam a
sua magia de encantadas!
No mesmo instante um
verdadeiro exército daquelas belas criaturas saiu das águas e começou a rodear
Cabelos de Ouro e seus dois amigos. Com sua dança e canto os iam cobrindo com
véus em sete cores, uns sobre outros. Ao término, eles se sentiram vestidos,
mas os véus tinham desaparecido em seus corpos e nada parecia ter existido.
- Pronto, estão vestidos
com os sete véus mágicos. Agora poderão partir e penetrar os labirintos das
profundezas do reino das chamas sem serem afetados. Porém, tratem de tudo
realizar rapidamente porque os véus somente suportarão sete tempos. Cada tempo
que se conclua fará derreter um véu e vocês sentirão isto. Cuidado!
- E como vamos sair daqui?
- Agora será fácil.
Bastará mencionar o nome do lugar onde desejam estar e pular juntos para
frente, como fizemos há pouco.
- E qual é este lugar?
- Ninguém consegue estar diante do Senhor da Chama por um
simples desejo. Vocês terão de percorrer labirintos, pular sobre abismos e
escapar das chamas que guardam aquele reino. Assim, para iniciar a descida
precisarão começar do Salão das Sete Cavidades Ardentes.
- O que tiver de ser que
seja, vamos de uma vez! – decidiu-se Cabelos de Ouro tomando Petisco nos
braços. Teovaldo permanecia em seu ombro. E repetiram em coro:
-... O Salão das Sete
Cavidades Ardentes!
CAPÍTULO VI
O SENHOR
DA CHAMA
Vuuupt! Os três foram
aterrissar num lugar estranho.
- Mais cavernas, mais
labirintos! – reclamou Teovaldo.
- Não está calor aqui,
Cabelos de Ouro! – surpreendeu-se Petisco.
- Possivelmente estará,
porém não sentimos por causa dos véus.
- É realmente um lugar
com sete entradas, mas uma sobre a outra – observou Teovaldo.
- Exatamente. E isto nos
obriga a tomar a primeira delas aqui embaixo.
- É, as outras são mais
altas, só o Teovaldo alcançaria – entendeu Petisco.
- Eu não; eu vou com
vocês aqui por baixo mesmo, currupáco!
- Então vamos! –
comandou o menino.
Entraram. Era um túnel
escuro e Cabelos de Ouro caminhava cautelosamente. Súbito uma claridade intensa
surgiu diante deles e uma parede de vivas chamas veio fechar-lhes o caminho. As
chamas cantavam e dançavam.
- Como vamos prosseguir?
– perguntou Petisco temeroso.
- É impossível, currupáco!
Cabelos de Ouro tentou chegar mais perto, porém as chamas se alvoroçaram e ele
recuou.
- Vamos voltar! –
sugeriu Petisco. Entretanto eis que nova parede de vivas chamas vem surgir
atrás dos três, impedindo-os de qualquer tentativa de fuga.
- Vamos atravessar,
precisamos seguir em
frente. Estamos cobertos pelos véus, nada nos acontecerá –
falou o menino sem qualquer dúvida, pulando para o interior da parede em
chamas.
- Conseguimos! –
festejou Teovaldo. Porém tão logo chegaram ao outro lado, uma nova e idêntica
parede veio colocar-se diante deles.
- Outra, essa não! –
irritou-se Petisco.
- Vamos seguir. Temos de
vencê-la também!
Assim fizeram penetrando
através da nova parede em
chamas. Mas logo em seguida encontraram outra; depois outra e
mais outra. Mas a todas iam ultrapassando até que o túnel terminou e nada mais
veio surgir. Então se viram diante de uma rampa ascendente, feita em
semicírculo, ao lado de uma cratera a perder de vista para o alto. Subiram a
rampa. Ao término encontraram uma cavidade na rocha e novamente entraram. Era
um novo túnel escuro, e Cabelos de Ouro foi tateando. De repente surge-lhes à
frente um verdadeiro exército de seres em chamas, em duas alas, deixando um
corredor no meio percorrido por comprida língua de fogo. Neste mesmo instante
os três heróis sentiram que algo se derretia em seus corpos e evaporava.
- Que foi isto? –
perguntou Petisco.
- Foi-se o primeiro véu,
teremos ainda seis.
- Que fazemos, Cabelos
de Ouro? – Petisco novamente ficava nervoso.
- Vamos atravessar. Se
as paredes não nos impediram estes seres também não nos impedirão.
Possuído desta coragem o
menino saiu correndo pelo interior do fogo carregando os companheiros. Os seres
inflamados tentavam impedi-los de todas as maneiras. Tomavam várias formas para
assustá-los e se lançavam diante de Cabelos de Ouro. Mas nada conseguiam; os
três heróis foram surgir no interior de gigantesca gruta onde existiam muitos
caminhos, sob um teto sustentado por diversos pilares.
Lá no fundo viram três
aberturas de túneis. Cabelos de Ouro resolveu que entraria numa delas e correu
pelo interior da gruta. Mas quando alcançava a metade do caminho começou a sair
intenso fogo das três entradas, muito mais intenso do que todos os que até
agora tinha visto ou enfrentado. O terrível fogo se lançava das aberturas para
adiante e em direção ao teto.
Cabelos de Ouro parou
sem saber se prosseguia. Enquanto se decidia, uma avalanche de pedras veio
caindo do teto, bloqueando as bocas dos três túneis. Eram pedras enormes. Umas
caíam e rolavam para o meio da gruta. Cabelos de Ouro, temeroso, correu para o
lado e descobriu uma larga fenda no chão, que se estendia para muito além,
constituindo-se num verdadeiro abismo. Era profundo e ele acompanhou a sua
borda, tentando descobrir qualquer coisa que lhes servisse. A avalanche
continuava forte e o fogo que a provocava também.
- Estamos sem saída. O
perigo agora são as pedras! – falou Teovaldo.
- Ali adiante tem uma
rampa, vamos descer por ela! – apontou Cabelos de Ouro. A estreita rampa levava
para o fundo do abismo e ele começou a descê-la. A certa altura uma nova ameaça
veio encontrá-los: o abismo era tomado pelo fogo! Labaredas subiam não
permitindo enxergar nada do fundo.
- Não consigo enxergar
um palmo, se falsear o pé poderemos cair!
- Cruz credo, isto pode
ser o nosso fim, currupáco.
- Vou tentar seguir
tateando a parede. E prosseguiu com todo o cuidado, penetrando o fogo. O tempo
ia passando. Cabelos de Ouro lutava contra aquelas terríveis labaredas até que
chegou ao fundo.
- Chegamos! – falou
satisfeito.
- No fundo do inferno! –
completou Teovaldo.
- Seguirei tateando,
ainda não consigo enxergar nada. Assim
ele continuou até que sua mão se perdeu num vazio. Tinha chegado à abertura de
um novo túnel. Prosseguiu e as chamas ficaram para trás.
- Aqui estaremos a salvo
por enquanto – afirmou Teovaldo. O menino continuou, porém três metros adiante
parou.
- Uma ponte sobre um
abismo, que estranho! – apontou. O local era uma pequena gruta iluminada por
uma faixa de luz que oscilava, vinda de uma fenda da parede.
- É feita de rocha,
começa larga e termina estreita – observou Petisco.
- Vou atravessá-la, não
tenho escolha novamente – decidiu-se Cabelos de Ouro, já andando.
- O abismo é fundo, não
consigo ver o final – reclamou Teovaldo.
- Não olhe para baixo,
Cabelos de Ouro, você pode ficar tonto! – solicitou o cãozinho.
- Não olharei, afinal a
claridade aqui não é grande coisa.
Ao atingir o meio da
ponte uma horrível boca que cuspia fogo os assustou. Logo tomou a forma de uma
grande cabeça de dragão e se colocou exatamente na outra extremidade da ponte!
- Outra ameaça! – falou Cabelos de Ouro
decepcionado. Mal isto se deu voltaram a sentir outro véu se derreter.
- Derreteu mais um! –
alertou Petisco.
- Agora restam cinco! –
falou Cabelos de Ouro.
A cabeça de dragão
passou a lançar fogo na direção dos três. A boca se abria vomitando labaredas e
as ventas pareciam dois lança-chamas. As línguas ardentes os envolviam, mas
apesar de tudo Cabelos de Ouro resolveu continuar sem se intimidar. A cabeça
vendo isto começou a dirigir suas labaredas para o chão, no final da ponte,
tornando aquele trecho incandescente. Logo um pedaço da rocha tremeu e ameaçou
desprender-se.
- Veja, Cabelos de Ouro,
a cabeça de dragão está começando a destruir a ponte! – falou preocupado
Teovaldo.
- Preciso me apressar
antes que isto aconteça, mas posso cair no abismo!
O resultado da ação do
fogo causou o deslocamento do bloco da pedra que realmente caiu no abismo feito
enorme brasa, ficando um vão no final da ponte. Imediatamente a cabeça começou
a lançar mais chamas sobre o trecho seguinte, fazendo-o imediatamente
incandescer.
- Se a cabeça destruir o
outro pedaço não conseguiremos atingir a margem, depressa Cabelos de Ouro! –
Petisco gritou.
- Vou correr e tentar
pular.
- Cuidado, é distante,
podemos cair, currupáco!
Mas decidido, Cabelos de
Ouro correu valentemente em direção ao perigo. Nada conseguia enxergar do lado
oposto, mesmo assim investiu contra a cabeça de dragão.
- O chão está partindo,
cuidado! – gritou Petisco assustado. O bloco que virava em brasa caiu no
abismo, porém o menino já havia impulsionado o corpo, conseguindo pular.
- Viva, conseguimos,
currupáco! – festejou Teovaldo.
- Esta foi por pouco,
ufa! – exclamou Cabelos de Ouro.
Entretanto a cabeça de
dragão não se deu por vencida e voltou a atacá-los, lançando suas labaredas na
parede ao lado.
- Cuidado, ela está
provocando uma avalanche! – gritou Petisco.
- Vamos sair daqui!
Cabelos de Ouro virou-se
e se lançou em disparada por um caminho junto a uma parede de rocha. Procurava
escapar das quedas de pedras. Mas a cabeça de dragão tomou-lhe a dianteira e
provocou novos desabamentos.
- Cuidado, cuidado,
currupáco! – torcia-se todo Teovaldo no ombro do menino.
- Au, au! – latia
Petisco, temeroso.
Cabelos de Ouro pulava e
se desviava como podia. Às vezes era alvejado por uma ou outra pedra que lhe
causava alguma dor. Também Teovaldo e Petisco sofriam com pedaços de pedras.
Cabelos de Ouro conseguiu
alcançar uma curva e viu mais adiante o abismo formar um “T”. Ele contornou
aquela curva e notou que agora corria paralelo a um rio de lavas!
- Vejam, falou parando
meio resfolegado, somos acompanhados agora por um rio de lavas, o abismo ficou
para trás, naquela curva!
- É mesmo, reconheceu Teovaldo, e as lavas chegam até aqui em
cima!
Como o menino parasse
por um instante, a cabeça de dragão se aproveitou disto e lançou fortes línguas
de fogo aos seus pés. O fogo incandesceu onde ele pisava e partiu o chão,
separando um bloco de pedra, fazendo-o perder o equilíbrio.
- Cuidado, Cabelos de
Ouro, cuidado! – alertou Petisco.
- Cuidado, cuidado,
cuidado! – gritou Teovaldo.
- Vamos cair no rio,
uaii...!
E caíram. Na queda
Cabelos de Ouro largou Petisco. Teovaldo, no entanto, conseguiu se equilibrar
no ar, batendo as asas.
- É o fim dos dois –
lamentou o papagaio.
Mas Teovaldo se
enganara. Cabelos de Ouro e Petisco, ao invés de serem devorados pelas lavas,
batiam os pés e mãos acompanhando a correnteza, nadando como se estivessem num
rio de águas comuns.
- Ai, caramba, eles
estão nadando! – exclamou surpreso e satisfeito indo pousar na cabeça de
Cabelos de Ouro.
- Os véus nos protegeram de novo - falou o menino enquanto
procurava nadar. Mal ele disse isto, outro véu derreteu-se – restam agora
quatro! – lembrou.
A correnteza puxava
muito e eles nadavam como podiam. As lavas borbulhavam, estalavam e lançavam
respingos para todos os lados. Súbito, após a curva daquele rio incomum, o
menino observou que a correnteza começou a ficar mais fraca. Notou também que
as lavas os lançavam para próximo da margem e gritou para que Petisco ficasse
atento porque iria tentar sair do rio. Num certo instante, Cabelos de Ouro
gritou e nadaram mais fortemente para a direção de umas pedras, conseguindo
segurar-se nas suas pontas. Logo pularam para a margem pisando o solo firme, e
descansaram.
Cabelos de Ouro
prosseguiu em seguida, novamente segurando Petisco e tendo Teovaldo no ombro.
Agora não mais caminhavam à margem do rio, mas noutra direção, sobre um largo
patamar. Adiante viram a entrada de uma gruta gigantesca, jamais antes vista, e
que recebia um foco de fortíssima luz. Mas de repente levaram um grande susto e
Cabelos de Ouro pulou espantado, enquanto Teovaldo voava de seu ombro.
Repararam então que um pequeno vulcão de um fogo absolutamente vermelho
explodira próximo de onde estavam, jorrando sobre suas cabeças. Nada aconteceu
em seguida e o pequeno vulcão assim permaneceu. Cabelos de Ouro resolveu
caminhar com mais cuidado, mas outro vulcão idêntico deu-lhes novo susto.
Novamente se desviaram e outro vulcão explodiu. Porém convencidos de que mais
vulcões explodiriam não se assustavam.
Por vários metros estes fenômenos
realmente iam se repetindo, mas de repente, como num passe de mágica, todos
eles se apagaram e nenhum outro explodiu. Cabelos de Ouro chegou à entrada da
gigantesca gruta, ali parando. A luz que vinha lá de dentro os tocava, sendo de
fato fortíssima.
- É muita luz – reclamou
Teovaldo.
- Quase não enxergo nada
– reclamou também Petisco.
Cabelos de Ouro protegia
os olhos com uma das mãos, Petisco escondia os seus com as patinhas, enquanto
Teovaldo cobria a cabeça com uma das asas. Quando Cabelos de Ouro tentou
prosseguir duas grandes portas em chamas fecharam a entrada, impedindo-o de
entrar.
- Preciso atravessá-la,
vou mergulhar dentro delas! – disse o menino resolutamente. Assim ele fez, mas
desta vez foi arremessado de volta, caindo sentado no chão. Teovaldo permaneceu
no ar batendo asas e Petisco esparramou-se de barriga para cima.
- Uau, elas agora são
sólidas, embora macias – admirou-se Cabelos de Ouro – vou tentar novamente!
Decidido, tomou novamente Petisco nos braços, já com Teovaldo em seu ombro, e
pulou de encontro às portas. Porém, como da outra vez, bateu e voltou.
- É impossível! – gritou
Teovaldo.
- Que fazer, não vejo
nenhuma alternativa!
- Veja, Cabelos de Ouro,
numa das portas surgiu uma enorme argola!
- alertou Petisco.
- É mesmo. Vou lá bater,
talvez seja esta a solução! – falou o menino, se encaminhando para lá e batendo
a argola por três vezes contra uma das portas.
Um som esquisito ecoou
lá dentro por três vezes e a porta rangeu abrindo uma fresta.
- Que desejais? – uma
poderosa voz como forte trovão foi ouvida.
- Queremos ver o Senhor
da Chama! – respondeu o menino.
Ambas as portas
imediatamente se abriram, escancarando-se completamente. A claridade voltou a
jorrar e Cabelos de Ouro protegeu novamente os olhos. Teovaldo, como antes,
escondeu a cabeça debaixo de uma das asas e Petisco ganiu correndo para trás do
menino. Cabelos de Ouro começou a andar lentamente seguido do cãozinho,
chegando defronte às portas que se abriram completamente. No momento que
entraram sentiram outro véu derreter-se.
- Restam agora três –
cochichou o menino. A claridade era demasiada e Cabelos de Ouro, impedido de
prosseguir, gritou:
- Senhor da Chama, onde
está? Não consigo vê-lo!
Viiiiiiiip...,
viiiiiiip..., viiiiiiip...! Cantavam as chamas dentro daquela gigantesca gruta.
Cabelos de Ouro não agüentando fechou os olhos e de novo gritou:
- Senhor da Chama, por
favor, preciso falar-lhe, mas não consigo vê-lo, tem luz demais!
Viiiiiiip...,
viiiiiiip..., viiiiiiip...! Continuavam as chamas a cantar, porém de repente a
claridade começou a diminuir. E foi diminuindo até que puderam abrir os olhos
normalmente.
- Que gruta maravilhosa!
– exclamou o menino deslumbrado.
- Nunca vi outra igual!
– admirou-se Teovaldo.
- Que linda! - admirou-se também Petisco.
A gigantesca gruta era
realmente maravilhosa e fantástica. Era muitas vezes maior do que a maior de
todas que até agora haviam conhecido. As paredes tinham todas as cores; havia
milhões de pequenas chamas dentro delas, dentro das pedras. As pedras, como cristais, possuíam muitas
tonalidades e refletiam, cantavam ou assobiavam! O teto, o chão, o ar, todos os
lugares impregnavam-se de uma vibrante vida. E se estendia para o interior da
gruta, por tudo!
Pelo meio da gruta havia
fogueiras de pedras que lançavam chispas de luz como finas labaredas. Do
interior das paredes iam surgindo figuras coloridas nos formatos de quadrados,
triângulos, losangos, estrelas de quatro, cinco, seis ou mais pontas e outras.
As figuras deslizavam um tempo pelas paredes e depois se lançavam para fora,
produzindo sons diversos. Mas tão súbito como surgiam, desapareciam. Novas
figuras apareciam da parede, de diversas direções, deslizando retamente, em
círculos ou em outros movimentos. Nada ali permanecia tranqüilo, todas as
coisas se mexiam. Tudo era vida, cor, vibração!
Tendo admirado aquelas
coisas maravilhosas, Cabelos de Ouro deu quatro passos. A cada passo que dava
um som diferente acontecia, saindo de todos os lados. Mas ele não sabia direito
se aqueles sons os estariam reprovando ou não. Resolveu parar e chamar
novamente:
- Senhor da Chama, onde
esta?
- Aqui! Responderam as
chamas nas paredes.
- Aqui!
- Aqui!
- Aqui! Responderam o
chão, o teto e todos juntos. Petisco latiu assustado e Teovaldo encolheu-se
todo.
- Apareça, por favor,
quero vê-lo!
As chamas de todos os
lugares começaram a crescer e diminuir no mesmo instante. Logo uma parede de
fogo surgiu-lhes à frente.
- Aqui estou! – falou a
parede.
- Senhor da Chama? – o
menino perguntou surpreso.
- Surpreende-te? -
respondeu a parede. Talvez assim te pareça melhor! E se transformou de parede
para um exército de seres inflamados que deixavam entre eles um corredor de
ardentes chamas.
- Ou talvez assim...! -
continuou a se transformar agora em cabeça de dragão, exatamente aquela que
tanto os perseguira. Cabelos de Ouro deu um passo para trás, espantado.
- Ou, possivelmente,
estarei melhor assim...! – e se transformou nas duas grandes portas que tinham
se colocado diante deles à entrada da gruta.
- Porém, creio que assim
estarei melhor, mais vibrante! E tornou a desaparecer, fazendo voltar aquelas
belíssimas formas de luz e cor por toda a gigantesca gruta.
- Estás diante de mim,
sempre estiveste!
- Mas por que, por quê?
– Cabelos de Ouro parecia estar meio tonto.
- Porque sou o Senhor da
Chama, aquele que não tem uma só aparência. Tomo mil formas, mil variações e
ainda assim sou eu mesmo, o Senhor da Chama. Enfrentaste muitos perigos, mas
diante de todos tiveste coragem e firmeza, por isso chegaste. Agora fala, que
desejas?
- Os twichz estão
ameaçando todos os reinos. Secaram o reino de uma grande floresta e ameaçam
secar outras e outras. Como vencê-los?
- Os twichz nasceram de
minhas chamas, mas ao tomarem formas definitivas nos rumos do progresso de meu
elemento, o fogo, se alvoroçaram tornando-se ambiciosos. Não quiseram mais
prestar obediência, e formaram uma família rebelde. São pretensiosos, querem
chegar à crosta da Terra para dominar o Sol, o grande Hélios, o pai único de
nossas verdadeiras vidas. Seu chefe intitula-se o imperador. Com suas ambições
se transformaram realmente em grande ameaça para todos os reinos, podendo
devorá-los se não forem impedidos a tempo.
- Mas por que o senhor
não os impede?
- Porque uma guerra
entre nós teria conseqüências ruins. É preciso vencê-los de outra maneira e tu
podes, humano de coração puro e cabelos como o fogo de Hélios!
- Mas eles parecem tão
poderosos...
- Tendes coragem
suficiente, tu e teus companheiros, provastes isso vindo até aqui. Quereis
tentar?
- Sim senhor, agora
pretendemos ir até o fim!
- Então me ouve. Deverás
fazer o seguinte... Cabelos de Ouro ouviu atentamente as palavras do Senhor da
Chama. Ao final voltou a perguntar:
- E como chegar lá?
- Vá até a margem do rio
de lavas, e de lá partirás!
- Obrigado Senhor da
Chama!
CAPÍTULO VII
DE VOLTA
À CIDADE DOS TWICHZ
Os três partiram
rapidamente buscando o rio. Ainda nem bem o tinham enxergado, novo véu se
derreteu.
- Agora são só dois! –
disse o menino com preocupação.
- Temos de nos apressar,
currupáco.
- Senão seremos
torrados! – completou Petisco.
Ao chegarem à margem do
rio de lavas, havia ali um barco flamejante em forma de flecha e dois seres
inflamados os aguardando.
- Entrem – ordenou um
deles.
Eles entraram e os dois
barqueiros tomaram posições: um ia à frente e o outro atrás, ambos sentados.
Seguraram os remos, que eram como dois raios, e começaram a levar o barco rio
acima, com incrível agilidade. A correnteza de lavas puxava forte, porém o
barco deslizava como se ela não existisse. Em determinado trecho eles
encostaram à margem direita e o da frente falou apontando:
- Entrem por aquele
túnel que logo estarão na cidade dos twichz.
Cabelos de Ouro desceu
com os dois amigos e os barqueiros desapareceram rio acima. Logo entrou pelo
túnel carregando Teovaldo no ombro e Petisco numa das mãos, colado ao
corpo. Havia escuridão e ele tateava
pela parede. Após percorrer por certo tempo notou uma claridade lá adiante; ao
final viu novamente aquela mesma cidade, desta vez de dentro de seus muros e do
alto.
- É a mesma cidade feia,
currupáco.
- A mesma, sem
modificações, exceto pelos moradores que agora andam pelas ruas – confirmou o
menino colocando Petisco no chão.
Súbito som muito agudo
espalhou-se pelo ar. Um rebuliço imediatamente começou entre os moradores da
cidade. Eles todos passaram a correr em direção da casa do imperador, lotando a
grande praça que havia diante dela. Soldados formaram fileiras pelos lados da
grande escadaria, deixando ao centro largo corredor. Logo o comandante apareceu
ao alto da escadaria, anunciando:
- Sua majestade o
imperador!
Todos se ajoelharam
baixando as cabeças. O imperador então surgiu pela imensa porta, acompanhado
daqueles sete seres em chamas e se aproximou para ser visto por todos. Levantou
os braços e falou:
- Podem levantar as
cabeças e ficar em pé. Hoje
é o dia da união e do alimento. Repitam comigo: juramos sempre fidelidade, fé e
obediência ao nosso grande e único imperador que nos alimenta com seu eterno
fogo. Juramos sempre a ele obedecer sem nada pedir em troca porque ele nos dá
generosamente de seu fogo. Com sua sabedoria nos levará a conquistarmos nosso
maior inimigo, o Sol. Então seremos donos do mundo e nada nos faltará. Que o
imperador viva para sempre!
Eles repetiam palavra por palavra e quando o vozerio calou-se o
imperador estendeu os braços sobre a multidão, lançando labaredas que
percorriam incríveis distâncias. As labaredas ao tocarem cada um deles os
deixava incandescentes, como ferro em brasa. Então eles pulavam e se agitavam em imensa
alegria. Quando toda aquela multidão estava incandescente, incluindo o
comandante e os soldados, gritaram todos numa única voz:
- Viva o imperador! Viva o imperador! Viva o imperador!
Na medida em que
gritavam, faíscas iam saindo de seus corpos, fazendo-os agitar-se cada vez
mais. E continuavam com aquele coro.
- Que coisa horrível! –
reclamou Teovaldo.
- É de arrepiar! – falou
Petisco.
- Eles são fanáticos e
perigosos. É hora de tentarmos acabar com isto. Vamos descer e deixar que nos
agarrem!
E iniciaram a descida
indo Petisco à frente. Chegando às ruas da cidade aproximaram-se da casa grande
e subiram pela extremidade do primeiro degrau. A multidão continuava a gritar em coro. De repente um dos
soldados os viu chegando e gritou:
- Os fugitivos!
- Peguem-nos! – gritou o
imperador. Os soldados correram e os cercaram. Cabelos de Ouro segurou Petisco
nos braços e ficou imóvel.
- Derreteu outro –
cochichou Teovaldo.
- Falta somente um não
podemos falhar ou seremos cozidos! – disse Cabelos de Ouro também cochichando.
- Tragam o espião do Sol
e seus amigos, tragam-nos! – gritava o imperador. Eles os trouxeram e o
imperador falou satisfeito para a multidão:
- Eis o espião do Sol.
Foi mandado para roubar os nossos segredos. Nosso inimigo deseja nos destruir,
mas somos mais espertos. Vamos levá-los para a gema de fogo e mantê-los presos,
depois resolveremos o que fazer com eles! A multidão gritou e aplaudiu.
- Um momento, imperador!
Quero dar-lhe uma oportunidade e a todos os seus comandados para que se
arrependam. Vocês jamais conseguirão chegar ao Sol, jamais!
- Cale-se, espião, você
não sabe o que diz. Iremos alcançar a crosta do planeta, pular e chegar ao Sol!
- É impossível, ele fica
muito distante da Terra, ninguém consegue chegar lá, desistam! Voltem para o
comando do Senhor da Chama, ele os aceitará, voltem!
- Eu sou o Senhor da
Chama, o mais poderoso, o mais sábio e aquele que irá tirar o trono do Sol. Eu
sou o imperador do mundo e serei o seu rei. Agora basta! Guardas tragam-nos!
- Esperem, não façam
isto, vocês serão destruídos, ele está errado!
Mas os guardas o
seguraram e o fizeram subir os degraus. Cabelos de Ouro então se lembrando das
palavras ensinadas pelo Senhor da Chama, gritou já próximo do imperador:
- Oh! Hélios, fogo dos céus! Venha com seu raio que inverte, e ao mal faça
retornar!
- Não! Não! Não! –
gritou o imperador.
Imediatamente raios e
trovões faiscaram e explodiram. Uma gritaria espalhou-se por toda aquela
multidão e uma correria começou. O imperador foi o primeiro a ser atingido por
um raio e seu fogo aumentou repentinamente, ficando totalmente vermelho. O
vermelho logo se modificou em violeta e ele desapareceu como se jamais tivesse
existido. A multidão inteira começou a sofrer o mesmo efeito e desaparecia. Em
seguida a cidade inteira se incendiou e começou a desmoronar.
- Vamos correr, Petisco,
ou seremos soterrados! – falou Cabelos de Ouro soltando-o no chão, saindo em
disparada, desviando-se das fogueiras que eram os seres que iam desaparecendo e
de suas casas que desmoronavam. A montanha no fundo casa do imperador começou a
soltar blocos de pedra, que vinham rolando e soterrando tudo.
- Depressa, Cabelos de
Ouro, depressa, ou seremos esmagados! – gritava Teovaldo. Mas estava difícil se
desvencilhar de tudo e eis que em meio à fuga Cabelos de Ouro reclamou:
- Oh, não! Lá se foi o
último véu!
- Currupáco!
- Ufa, que calor! Agora
poderemos nos queimar! – falou Petisco correndo ao lado do amigo.
Atingiram as imediações
dos portões que estavam fechados. Cabelos de Ouro tentou subir por ele, porém
mal o segurou teve de tirar as mãos.
- Ui, está quente! Não
poderei pular!
- Cuidado! Cuidado! -
gritou Petisco. Uma enorme pedra caída da montanha veio rolando para onde se
encontravam. Cabelos de Ouro e Petisco pularam para o lado e Teovaldo voou
alto. A pedra foi chocar-se contra o muro, produzindo um imenso buraco.
- Vamos Petisco, é agora
ou nunca!
Entraram pelo buraco que
se formara. Petisco saiu adiante. Cabelos de Ouro veio correndo ao máximo,
enquanto Teovaldo voava pouco acima da sua cabeça. Alcançando à base da
pedreira, próximo de onde haviam chegado ao início desta aventura, e subindo
pelo mesmo caminho, ouviram muito próximo o ruído de mais pedras que rolavam.
- Depressa, depressa,
elas nos estão alcançando! – gritava Teovaldo em seu voo.
De repente, o chão
tremeu e rachou. Eles perderam o equilíbrio e caíram. A cidade inteira, ou o
que restava dela, foi engolida pela terra, formando-se imensa cratera em seu
lugar. A pedreira continuava a desmoronar e gigantescos blocos de pedra
permaneciam rolando.
- Precisamos alcançar o
túnel! – apontou Cabelos de Ouro, se levantando.
O chão ainda tremia. A
pedreira estalava e abria fendas. Finalmente alcançaram a boca do túnel,
entrando. Cabelos de Ouro suava demais e mal conseguia respirar, o mesmo se
dando com Petisco. Dentro do túnel a situação também não era segura, pois tudo
tremia e pedras soltavam-se do teto e paredes. Avançaram alguns metros, mas
pararam assustados, olhando para trás. A boca do túnel por onde haviam entrado
e o trecho que tinham percorrido, desmoronavam produzindo enorme estrondo levantando
uma nuvem de poeira.
- Está caindo tudo -
falou Petisco recomeçando a correr.
- Ui, o chão está agora
tremendo mais! - disse Cabelos de Ouro bastante assustado.
Novo trecho desmoronou
dois metros atrás deles. Apavorados se lançaram para frente. As pedras continuavam
a se soltar; eles correram mais depressa e finalmente atingiram a escada, ao
final do túnel.
- Acho que não
agüentarei subir - disse Cabelos de Ouro parando a fim de tomar fôlego.
- Estou também quase
caindo - falou Petisco.
Mas mudaram logo de ideia
quando olharam para trás vendo o túnel inteiro a desabar, empurrando sobre eles
aquela enorme nuvem de poeira.
- Cóff, cóff, vamos
embora! - falou o menino tossindo.
- Currupáco, currupáco!
- Teovaldo somente reclamava, levantando nervosamente um pé e depois outro
sobre o ombro do amigo.
Petisco partia à frente,
Cabelos de Ouro vinha em seguida pulando os degraus dois a dois. No primeiro
patamar pararam para retomar o fôlego. Os desabamentos haviam cessado, mas o
chão ainda tremia e a nuvem de poeira tornava-se cada vez mais forte.
- Para frente, para
frente! - incentivava Teovaldo.
Mas cansados como
estavam somente conseguiam prosseguir lentamente. A nuvem de poeira os envolvia
completamente; eles mal enxergavam. Seus olhos ardiam. Cabelos de Ouro tentou
de novo subir os degraus dois a dois, mas escorregou e caiu. Teovaldo pulou de
seu ombro gritando:
- Cuidado, cuidado! O
menino se levantou com dificuldade. Teovaldo voltou ao seu ombro e Petisco
aguardava dois degraus acima.
Entretanto, novo perigo
veio ameaçar-lhes: um tremor mais forte rachou a escada bem no meio, de cima
abaixo. A rachadura continuou a abrir-se formando larga fenda. O menino e o cão
pularam para um dos lados da parede, apoiando-se nela. Uma onda de calor subiu
da fenda e eles amedrontados temeram afundar. Faltavam agora mais ou menos sete
metros. A claridade vinda da superfície já era percebida apesar da poeira.
Cabelos de Ouro se arrastava apoiando-se na parede, Petisco ainda seguia dois
degraus adiante, igualmente esgotado, com a língua de fora.
- Não desistam, falta
pouco! - falava Teovaldo seguidamente.
De onde agora estavam já
conseguiam enxergar a ponta do galho de uma árvore. A claridade aumentava, mas
suas forças quase acabavam. Quando faltavam dois metros para saírem daquele
buraco, um tremor definitivo puxou a escada sob os seus pés, como se puxa um
tapete. Porém, ambos, num último esforço, dois segundos antes, se lançaram para
cima, pularam e conseguiram alcançar a superfície.
Mas não estavam ainda a
salvo. A terra tremia muito e abria fendas ao redor; ondulava como bandeira ao
vento. Cabelos de Ouro e Petisco deitados e sem forças não conseguiam se mexer.
- Mais um pouco, um
pouquinho só, currupáco! - implorava Teovaldo voando acima dos dois.
Tudo inútil, ambos
haviam desfalecido. Súbito uma imensa cratera se abriu levando para o fundo
árvores, arbustos, grama e tudo o que existia naquele círculo. Teovaldo batia
asas e gritava, tentava puxar o menino pelos cabelos e Petisco pelas orelhas.
Cabelos de Ouro só gemia e Petisco um pouco afastado gania. Para desespero do
papagaio, a cratera alargou-se mais e passou debaixo do corpo de Cabelos de
Ouro. Um braço e uma perna dele permaneceram no ar e o resto de seu corpo ficou
cái-não-cái.
EPÍLOGO
Assim ficou Cabelos de
Ouro, dependurado e desfalecido. Petisco, por sorte, caíra um metro adiante,
fora de perigo, pelo menos por enquanto. Teovaldo andava nervosamente, bicava a
cabeça de Cabelos de Ouro tentando acordá-lo e resmungava. O tempo passou. Petiscou
acordou antes, e para ajudar a despertar o menino, lambia-lhe o rosto.
- Onde estou... Ui, que
buraco! - acordou, finalmente, assustado, rolando para o lado..
- Foi por pouco, por
muito pouco! - reclamava Teovaldo ainda no chão, mais aliviado.
Cabelos de Ouro
levantou-se com todo o cuidado e olhou para o fundo daquela cratera,
comentando:
- Isto foi o fim dos
twichz e dos sonhos loucos de seu imperador. O Sol ainda é o rei e sempre será!
- Quem tudo quer, tudo
perde! - falou Teovaldo voando para o menino.
- É isto mesmo. Andemos
um pouco para vermos como estão as coisas por aqui - disse Cabelos de Ouro
sacudindo a poeira da roupa e passando as mãos nos belos cabelos.
Mas para a decepção
deles, nada ali havia mudado. Eles se entristeceram. Resolveram que chamariam
por Armou. Porém, no exato instante em que o menino ia chamar tendo já Petisco
nos braços e Teovaldo no ombro, surge-lhes no ar a serpente, enrolada num liso
galho, de cabeça para baixo como a tinham deixado.
- Um momento menino
apressado, não se vá ainda não!
- Por quê?
- É, por quê? -
interrogou-a, igualmente, Teovaldo.
- Será que não sabe que
sua tarefa não terminou? Não viu como a floresta ainda está abandonada?
- Sim, isto me deixou
triste porque pensei que com o fim dos twichz, tudo voltaria a ser como antes.
- Mas não voltou, não
senhor. Está faltando algo e se você partir agora nada terá conserto. E tudo o
que foi feito não terá ajudado a floresta!
- Há algo mais a se
fazer?
- Uma coisa pequena,
porém muito importante.
- E o que é?
- Um apelo para a
Semente Mãe.
- Semente Mãe?
- É menino, a Semente
Mãe desta floresta que secou. Será que você não sabe que toda a floresta possui
uma Semente Mãe? Se assim não fosse como é que as plantas iriam nascer?
- Mas onde fica a
Semente Mãe?
- Fica para lá.
- Para onde?
- Para lá, menino perguntador, lá para cima onde as nuvens
descem e se transformam em alma de todas as coisas!
- Mas como?
- Se transformando, ora
essa! Ela é a Semente Mãe e as almas são suas filhas, e tudo é uma alma só,
será que não entende? Cabelos de Ouro não entendeu muito bem; não insistindo
naquilo, mas quis saber:
- E qual apelo eu devo
fazer?
- Um apelo qualquer, em
voz alta, que venha do fundo de seu coração. Você deve pedir que a alma da
floresta volte à vida.
- E as pedras que
perderam a alma, e os animais e pássaros que partiram e os rios e córregos que
secaram?
- Menino preocupado,
deixe isto para lá. Se a floresta novamente vingar tudo voltará como antes.
Cabelos de Ouro largou
Petisco ao chão e parou a pensar. Coçou o queixo, passou a mão nos cabelos e
olhou para as copas secas das árvores. Como uma ideia o socorresse, começou:
- Semente Mãe, que é a
alma de todas as coisas deste reino, o mal já se foi, mas falta a sua presença.
Será que você podia de novo vir morar nesta floresta? Nós ficaríamos muito
felizes se isto acontecesse. Obrigado!
- Pronto menino do
coração puro, agora é só esperar.
- Mas isto demora, leva
muito tempo – reclamou o menino.
- Que importa o tempo?
Ele está aqui, esteve ali, está acolá. O tempo não passa, menino, são as coisas
que passam!
- Então não veremos o
resultado do apelo? – insistiu Cabelos de Ouro.
- Se o seu coração é
puro sua palavra recria. Então o que é palavra é vida!
- Que bicho complicado,
currupáco!
- Não entendi nada,
também! – reclamou da mesma forma, Petisco.
- Está tudo muito certo,
dona serpente, mas não podemos esperar para ver as coisas passarem. Precisamos
voltar para o nosso mundo. Como fazemos, gritamos para o senhor Armou?
- Não, menino, você
precisa fechar a porta que deixou aberta. Do contrário, todas as vezes que
viajar irá parar num lugar do passado. Chegue para junto de mim e vire meu
corpo para a direita, uma volta e meia..., para a direita!
Ele fez conforme a
serpente havia explicado e a cabeça dela voltou a ficar para cima. Cabelos de
Ouro abaixou-se tomando Petisco nos braços, mas quando ia entrar no anel
formado pelo corpo da serpente, ela o interrompeu:
- Um momento, menino, se
entrar agora ainda estará no passado, lembra-se? Foi Armou quem o trouxe antes
do portal. Mas se quiser voltar ao presente de onde aceitou a missão, gire o
meu corpo mais sete graus para a direita, somente mais sete!
- Como é que eu vou
saber onde são sete graus?
- Preste atenção porque
não volto a repetir: pense em sete graus e gire minha cabeça. Quando sua mão
tremer, ali será. Cuidado, menino, se passar de sete irá para o futuro. Ao
transpor o meu anel pense no lugar onde deseja estar e ande três passos!
Cabelos de Ouro passou
Petisco para o outro braço, colocou a mão direita sobre a cabeça da serpente,
pensou em sete graus e veio puxando-a para a direita com todo o cuidado......,
bem devagarzinho. Afinal, sete graus é tão pouquinho! De repente, sua mão
tremeu como uma vara de pescar quando um peixe é fisgado. Ele, satisfeito,
largou-a.
- Pronto, disse
sorrindo, abraçando de novo Petisco com os dois braços, agora vamos. Adeus dona
serpente!
- Adeus fogaréu
infernal, adeus twichz, currupáco! – despediu-se também Teovaldo.
- Adeus tudo o que é
ruim! – disse Petisco.
E entraram pela porta do
tempo. Cabelos de Ouro pensou naquele lugar de onde haviam deixado o mago do
tempo e andou os três passos ensinados pela serpente. Vuuupt! Uma névoa os
envolveu e záz, surgiram noutro cenário.
- Estamos de volta! –
comemorou o menino, pondo Petisco no chão.
- Veja, Cabelos de Ouro!
As coisas estão mudadas neste lugar! – alertou Teovaldo.
- É mesmo, no lugar de
cada vegetal que secou já nasce outro verde!
- A Semente Mãe ouviu o
meu apelo. A alma da floresta voltou!
- Cabelos de Ouro, ali
há gnomos! – mostrou Petisco olhando para o local.
- É..., estão
trabalhando felizes, que bom!
Resolveram caminhar para
ver outras coisas e notaram que o leito de um riacho começava a encher.
- Ouçam, um pássaro está cantando – observou
Teovaldo.
- Viva! – gritava e
pulava o menino. Petisco corria e dava cambalhotas. Teovaldo voava e rodopiava
no ar. Cansados de comemorar, Cabelos de Ouro falou-lhes:
- Devemos ir para casa,
já tivemos aventuras demais desta vez. Meu relógio parou em nove horas. Não sei
quanto tempo se passou desde que aqui chegamos. Meus pais certamente estarão
pensando que me perdi no mundo. Vamos!
Ele abriu o estojo preso
ao cinto e tomou Petisco num dos braços. Teovaldo veio pousar em seu ombro. Virou-se
para o nascente puxando o disco sobre o plexo, acima do umbigo, e recitou:
- Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro
lugar, me leve pro lado de lá! E pensou no lugar de onde tinham saído ao início
de tudo.
- Pronto, chegamos!
Ele olhou então para o
relógio em seu pulso. Eram nove horas e sete minutos.
- Nove e sete? Será que
passamos somente sete minutos do lado de lá?
- Currupáco!
- Hum, hum – ganiu
Petisco.
Eis que de repente uma
nuvem azul se formou diante deles e duas figuras surgiram inteiras no ar.
- Chi..., será mais
confusão? – perguntou-se Teovaldo.
É o fim da jornada - quanto fostes
leais!
E graças aos três todo mal acabou,
Deixar eu não posso que agora aqui estais,
A todos dizer que tão grato eu sou.!
O mundo aqui no lugar onde estamos,
Que hoje não sabe e
haverá de saber,
Que todos os reinos que a todos amamos,
Aos três muito devem e inda hão de dever!
Que eu trago comigo pequena lembrança,
Que eu quero ela
dar, pois que vem deste Armou,
E qual joia é pequena, mas muito ela alcança,
E que vinda de mim e se vem nela estou!
Eis aqui
ampulheta: só de ouro e com grãos,
Que neste momento a vós quero entregar,
E quando a tiverdes segura nas mãos,
Somente a este mago podeis vós chamar!
Qual um raio, centelha, um segundo no espaço,
No lugar estarei num exato momento,
Pra servir-vos virei isto é certo vos faço
Tal e qual sei vos
servem esse ar, este vento!
E a estendeu a Pedro. A ampulheta brilhava e
rebrilhava; seus grãos de ouro desciam um a um, produzindo sons agradáveis.
- É maravilhosa, senhor
Armou!
- Também lhes trago
algo, amigos, tomem! – disse Djayan, o
outro que viera, entregando a Pedro um pequeno peixe de prata, do tamanho de um
polegar – trouxe-o do fundo das sete águas, das urnas dos tesouros. É de vocês.
Se um dia estiverem em perigo, sobre as águas ou dentro delas, soprem a boca
deste peixe e imediatamente receberão ajuda.
- É um presente também
maravilhoso, Djayan. Muito lhe agradecemos e ao senhor Armou.
- Nada me tem a
agradecer, adeus! – despediu-se Djayan, acenando.
- Adeus! – despediu-se também Armou, com um
sorriso.
- Adeus! - responderam o
menino e o papagaio. Petisco somente ganiu. A nuvem desapareceu levando com ela
os dois amigos.
- Bem, andemos agora –
disse Pedro Pinote.
- Como vai a cabeça,
menino? – perguntou a serpente, surgindo-lhe adiante, ainda enroscada como um
grande anel.
- Oh! É a senhora dona
serpente?
- Como vai a cabeça? –
repetiu a pergunta.
- A cabeça?
- Sim, os pensamentos!
- Confusos. Parece-me
que somente sete minutos se passaram desde que partimos daqui. Mas sinto que na
realidade foi muito mais tempo!
- É isto, menino, é
isto! O passado confunde. Ele está no tempo e não sabemos se fomos ou se não
fomos, mas quantas coisas trazemos! Então dá uma confusão deste tamanho, e não
sabemos se de fato fizemos!
- E isto é mal?
- É mal quando se faz o
mal. Mas você, menino, nada tem a temer por que seu coração é como os seus
cabelos. E não temam agora os seus dois amigos. Não há perigo para eles porque
suas mentes verdadeiras ainda brotarão. Adeus, menino, adeus a todos e não
pense sobre o tempo, viva o momento! E
sumiu também.
Cabelos de Ouro
dirigiu-se então aos companheiros:
- Creio que agora
ninguém mais nos visitará. Estes sete minutos em que nos ausentamos valeram por
metade de uma vida. É o tempo, é o tempo! – encerrou rindo.
- Currupáco!
- Au, au!
Por Rayom Ra
[ Direitos
autorais No 75.012 ]
Acesse também os links:
1. Histórias Mágicas(1)
https://arcadeouro.blogspot.com/2018/06/pedro-pinote.html (1)
2. Histórias Mágicas (3)
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Obra revista em 18-06-2018
SÉRIE HISTÓRIAS MÁGICAS
* PEDRO PINOTE
* O REINO DA FLORESTA QUE SECOU
* O VELOCINO
"Esta obra está
protegida por direitos autorais. Sua reprodução deverá ser solicitada
diretamente ao autor. É proibida qualquer alteração do conteúdo ou de plágios
de seus personagens."
Rayom Ra
http://arcadeouro.blogspot.com.br
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