Alexandre!
Esse nome ainda hoje ressoa aos nossos ouvidos como o símbolo eterno da
juventude e da vitória. Com efeito, o destino de tal homem é de tão excepcional
que parece partir diretamente da lenda e não da história. Os próprios
contemporâneos de Alexandre ficaram de tal maneira maravilhados, que para
distingui-lo de todos os outros personagens que levavam seu nome, chamaram-no O
GRANDE e esse esplêndido epíteto, melhor que todos os elogios, coroa a fronte
do prodigioso herói que como Jasão, partiu à conquista do maravilhoso Tosão de
Ouro!
E, entretanto, esse semideus, esse ser que se
diria descido do Olimpo, imortalizado pela estatuária antiga no brilho dos seus
vinte anos, de tal maneira belo que mais parece a representação de algum Apolo
hiperbóreo, mais do que um simples mortal pertence à história; os homens
aproximaram-se dele, conheceram-no e as descrições que nos deixaram ressuscitam
para nós o jovem rei da Macedônia, e não é este o menor prodígio. Através de
uma sucessão ininterrupta de vitórias fulminantes, o filho de Zeus chega à
aurora de seus trinta anos, a tocar nas margens do Hydaspes, o Império do
mundo.
Um supremo esforço e sem dúvida a Índia
milenária abriria suas portas aos filhos do Sol, desvelando para eles as fontes
da luz. O abismo da morte tragou esse sonho desmensurado. Fulminado pela
doença, com a idade apenas de trinta anos, número fatídico, Alexandre levou o
segredo de seu gênio para o mausoléu de cristal e ouro que recebeu seu corpo no
Egito.
Não é relendo os modernos historiadores do
grande capitão, aplicados a buscar no desenvolvimento da política e no
turbilhão das batalhas a chave de um destino incomunicável, que poderemos
responder à última interrogação: Quem foi
verdadeiramente Alexandre?
A resposta a esta única pergunta e que contém
todas as outras não pode ser encontrada num horizonte racional. Liberemo-nos
por um instante das imagens feitas e dos clichês convencionais que nos traçam o
retrato tranquilizador de um Alexandre teatral, fixado no cartão envelhecido de
uma tapeçaria dos Gobelins. Os fatos por importantes que sejam não são o
espelho da verdade. Além dos acontecimentos políticos, das conquistas militares
e de todos os fatos grandes ou pequenos que chovem sobre nós como granizo de
uma tempestade, é preciso desvendarmos a mágica essência da divindade que se
apresenta diante de nossos olhos como a luz rasgando as nuvens.
Alexandre foi um grande espírito místico,
profundamente penetrado do sentimento de sua origem sobrehumana e das
consequências decorrentes de semelhantes crenças. Filho espiritual de Amon-Ra,
esse deus supremo que tem em suas mãos os atributos cósmicos do Fogo Criador, o
Raio e o Sol, o maior herói da Antiguidade inscreve-se bem nessa linhagem de
criaturas divinas, engendrada pela vontade do Logos. E como nós veremos, o destino de Alexandre foi o de um meteoro, poderia
ser de outra maneira?
A
Tumba de Alexandre
“Onde
se encontra, diga-me, a tumba de Alexandre”? Já perguntava no fim do século
IV de nossa era, São João Crisóstomo e hoje, muitos turistas que visitam
Alexandria perguntam ingenuamente, como se a presença do corpo do grande
conquistador nessa “megalópolis” fosse obrigatória!
Portanto, os restos mortais de Alexandre
foram enterrados nessa cidade do Egito, fazendo dentro em pouco vinte e três
séculos. Ao morrer Alexandre o Grande levava consigo O Segredo de Seu
Prodigioso Destino e a chave do mistério foi talvez encerrada em sua tumba. Mas
antes de chegarmos lá é preciso sem dúvida explicar porque caminho o corpo do
herói chegou das margens do Eufrates às margens do Nilo. A idéia de ser
enterrado no Egito partiria do próprio Alexandre, desejoso de reencontrar para
a eternidade a terra sagrada de seu deus tutelar, Amon-Ra, o Sol vivo?
O historiador grego Luciano atribui-lhe essas
palavras em resposta a uma questão de Diógenes. “Eis que há três dias jazo em Babilônia; mas Ptolomeu prometeu mandar
levar-me ao Egito para lá ser inumado e colocado na categoria dos deuses”.
Verdadeiras ou falsas essas palavras, em todo o caso correspondem aos
sentimentos profundos do jovem rei, morto aos trinta anos. Sua visita ao
oráculo de Amon que lhe prometera o Império do Universo marcara-o muito
profundamente para que não anelasse repousar na terra dos faraós. Já muitas
vezes no curso de sua vida, confiara aos seus próximos o desejo de ser inumado,
senão na própria Alexandria, a cidade fundada por ele, ao menos no santuário
que lhe recordava sua fulminante ascensão no coração do oásis da Líbia, cercado
de todos os lados pelos fogos do deus-Sol.
Malgrado essa vontade bem determinada, a
disputa foi grande no campo dos herdeiros, para saber quem entre os macedônios,
os sírios ou os egípcios ficariam com o corpo de Alexandre. Os primeiros
reclamavam-no com insistência como lhe pertencendo de direito já que se tratava
de seu rei. Queriam, portanto, depositá-lo na sua capital de Aegae na
Macedônia. Finalmente Ptolomeu, um dos
generais de Alexandre que se apoderara do Egito, roubou os despojos e os fez
transportar para Alexandria, após havê-lo embalsamado, em meio a uma grandiosa
pompa que o antigo historiador Diodoro da Sicília descreveu-nos fielmente:
“Neste
ano (1) Arrhide encarregado de transportar o corpo
de Alexandre, fizera construir o carro que servia a esse transporte e acabara
os preparativos para essa solenidade digna da glória de Alexandre.
Distinguia-se de todas as solenidades desse gênero, tanto pelas enormes
despesas que ocasionou como pela magnificência. Achamos pois conveniente entrar
agora em certos detalhes. Primitivamente construiu-se um primeiro ataúde
recoberto de ouro laminado e cheio de perfumes, para ter ao mesmo tempo um
cheiro bom e conservar o cadáver. Esse ataúde se fechava com uma tampa de ouro,
adaptando-se perfeitamente à parte superior da superfície. Sobre a tampa foi
jogado um belo tecido drapeado, de ouro e púrpura sobre o qual colocaram-se as
armas do defunto para que nada faltasse no tocante è imaginação, em tais
circunstâncias. Após tudo isso ocuparam-se da construção do carro que
transportaria o corpo; o alto representava uma abóbada de ouro ornada de
mosaicos dispostos em escamas de oito polegadas de comprimento. Sob essa
abóbada achava-se um trono de ouro ocupando o espaço de toda a peça; era
quadrado, ornado de focinhos de carneiros (2) aos
quais estavam fixadas presilhas de ouro de dois palmos de espessura; a essas
presilhas suspendiam-se guirlandas fúnebres cujas cores resplandecentes
imitavam flores naturais. No topo prendia-se uma rede carregada de grandes
campainhas que por seu ruído anunciavam a aproximação do cortejo. Em cada
ângulo da abóbada elevava-se uma vitória de ouro levando os troféus. Toda a
abóbada com suas dependências repousava sobre colunas de capitéis jônicos.
Dentro do peristilo via-se uma pequena rede de ouro cujos fios da grossura de
um dedo, sustentavam quatro quadros da mesma altura do peristilo, e paralelos às
colunas.
(1) Os preparativos fúnebres levaram dois
anos: portanto, a data da transferência das cinzas é 321.
(2) No simbolismo dos animais o bode ou o
carneiro é a representação tradicional do deus Amon, pai espiritual de
Alexandre. Em astrologia, ciência particularmente estimada na Antiguidade, o
signo do carneiro é um signo do ar e no que concerne o conquistador, representa
a corrida do Sol, Ra, no tempo do carneiro. Alexandre é representado em
numerosas moedas, com a fronte ornada dos cornos sagrados do carneiro solar.
O
primeiro quadro representava um carro ornado de cinzelados nos quais Alexandre
achava-se sentado, tendo na mão um cetro muito belo. Em torno do rei estavam as
armas de sua casa militar composta de macedônios, persas melophores precedidos
dos escudeiros. O segundo quadro representava em continuação da casa militar,
os elefantes equipados para a guerra, montados adiante pelos condutores indus e
atrás pelos macedônios revestidos de suas armas comuns. No terceiro quadro
figuravam os esquadrões da cavalaria evoluindo nas manobras militares.
Finalmente no quarto quadro representavam os navios armados para a guerra,
preparados para um combate naval. Na beira da abóbada viam-se leões de ouro
fixando o olhar sobre os que se aproximavam do carro. Nos interstícios das
colunas viam-se os acantos de ouro, o dorso elevando-se quase até os capitéis
das colunas. Sobre as costas da abóbada estendia-se um drapeado de púrpura
sobre a qual repousava imensa coroa de oliveira, em ouro; os raios do Sol
caindo sobre essa coroa produziam de longe, por seu reflexo, o efeito de
relâmpagos deslumbrantes. Todo o trem repousava sobre dois eixos em torno dos
quais giravam quatro rodas pérsicas cujo centro e raios eram dourados e as
juntas guarnecidas de ferro. As saliências dos eixos eram em ouro e levavam
focinhos de leão tendo entre os dentes o ferro de uma lança. No centro do fundo
do carro de uma parte e no meio da abóbada, de outra, fixava-se em toda altura
do monumento um mecanismo que girava para proteger a abóbada das sacudidas do
carro rolando sobre um terreno desigual e áspero. Quatro timões estavam fixados
no carro e em cada timão um trem de quatro jugos compostos de quatro mulas e
que formavam uma atrelagem de sessenta e quatro mulas escolhidas entre as mais
vigorosas e mais esguias. Cada um desses animais levava à cabeça uma coroa de
ouro; às duas mandíbulas suspendiam-se duas campainhas de ouro e os pescoços
ornavam-se de colares de pedras preciosas.
Era
esta a aparelhagem desse carro, mais belo de ver-se que de compreender por uma
simples descrição. Grande era o número de espectadores que a magnificência
desse funeral atraía.
A
multidão acudia de todas as partes das cidades por onde devia passar e não se
cansava de admirar; e essa multidão confundindo-se com os viajantes, com os
artistas e os soldados que seguiam o comboio, aumentava a pompa desses
esplêndidos funerais. Arrihide que empregara quase dois anos de trabalhos
dessas exéquias, pusera-se em marcha para transportar da Babilônia para o Egito
os despojos do rei. Ptolomeu para prestar as honras a Alexandre foi com seu
exército à frente do comboia até a Síria. Recebeu o corpo com as maiores
demonstrações de respeito. Julgou mais conveniente transportá-lo no momento,
não para o templo de Júpiter-Amon, mas para a cidade fundada por Alexandre e
que quase se tornara a mais célebre do mundo. Fez construir lá um templo que
por sua grandeza e sua beleza era digno de glória de Alexandre; ali celebrou um
serviço fúnebre com sacrifícios heroicos e solenidades de concurso. Ptolomeu
foi recompensado pelos homens e pelos deuses por ter assim honrado a memória de
Alexandre. A generosidade e a grandeza da alma de Ptolomeu fizeram acudir à
Alexandria uma multidão de estrangeiros desejosos de servir no seu exército; e
embora logo tivessem que combater o exército real e não ignorassem os perigos a
que se expunham, estavam todos prontos a dar a vida por Ptolomeu. Os deuses em
recompensas de tantas virtudes salvaram inutilmente Ptolomeu de maiores
perigos.
Esse valor profilático da tumba de Alexandre,
ressaltado por Diodoro, tivera crédito entre o exército e o povo, desde a morte
do conquistador. Os magos afirmavam que a terra abrigando o corpo de Alexandre,
desfrutaria da eterna proteção dos deuses e de fato de todos os reinos
helenísticos o Egito dos Ptolomeus foi o mais próspero e o mais duradouro e a
estrela de Alexandre, destinada pela lenda a uma apoteose mística, brilhou
ainda longo tempo iluminando toda a Antiguidade.
Quanto à tumba, propriamente, segundo o que
nos fazem crer os autores antigos, era de um esplendor jamais igualado:
encimada por uma cúpula de mármore ricamente incrustada de ônix e de jaspe, a
sala funerária de forma octogonal era sustentada por uma floresta de colunas
esguias e sua superfície completamente revestida de mármore negro, ligeiramente
veiado de branco, de esplêndido efeito. Um féretro de ouro maciço forrado de
púrpura, recebia a múmia real. O sarcófago estava colocado sobre um pedestal de
jade branco, enviado da Índia pelo rei Sandracotus, símbolo das qualidades
ideais e das perfeições inacessíveis do defunto. Os despojos do conquistador
foram cercados de um mobiliário funerário de riqueza inaudita, cofres de
madeira preciosa, tronos incrustados de marfim e de pedras preciosas, vasos de
perfumes, estátuas de Apolo, de Zeus e de Amon em ouro e marfim ou alabastro,
objetos de culto e joias de ouro. A riqueza da sepultura era tal que um dos
Ptolomeus (Ptolomeu X, rei de 107 a 90 antes de JC.) soberano ávido de
riquezas, saqueou a tumba num acesso de cupidez. Substituiu o sarcófago de ouro
maciço por um sarcófago de vidro, no qual se poderia desde então admirar
Alexandre, perfeitamente conservado e fixado num sono eterno.
Aqui intervém uma tradição muito antiga
dizendo que Alexandre, no momento de morrer, fez colocar em torno ao pescoço um
tubo de ouro contendo um papiro muito precioso que lhe fora dado pelos padres
de Amon no oásis de Siauah: esse manuscrito, de essência mágica conteria o
segredo do Universo, que teria feito Alexandre o Grande semelhante a um deus?
Que existe em realidade? Não se trataria mais
de uma espécie de talismã tendo o efeito de tornar invencível seu portador? O
texto gravado no papiro seria nesse caso um arcano hermético compreensível
somente pelos iniciados. O que quer que seja só conheceremos a verdade no dia
em que arqueólogos encontrarem o lugar do mausoléu de Alexandre, que ignoramos
atualmente onde se encontra.
Nem sempre foi assim, embora as visitas à
sepultura real cessassem completamente a partir do III século depois de J.C. A
contar dessa época parece que foi esquecido o lugar da tumba. Como pôde suceder
tal coisa? Na Antiguidade a visita à tumba de Alexandre, célebre em todo o
mundo greco-romano, era uma peregrinação extremamente conhecida e o privilégio
de aproximar-se dos despojos do conquistador, considerado uma honra imensa, só
era concedido aos maiores personagens.
De seu lado os imperadores romanos, como
restauradores do império universal consideravam-se os herdeiros espirituais de
Alexandre o Grande. Assim Augusto, fundador da primeira dinastia romana dos
Césares, quis visitar o Sema 3. O imperador pôde ver e tocar o corpo do
conquistador ao qual se sentia ligado por profundos laços. Não era ele também
um adorador do deus-Sol: Apolo-Hélios? Em sinal de veneração, Augusto depositou
uma coroa de ouro e de flores ao pé do sarcófago, recusando com desprezo
visitar, ao mesmo tempo, a tumba dos Ptlomeus: “Eu vim, disse ele, ver um rei e
não os mortos”. Depois dele Calígula e Sétimo Severo vieram inclinar-se, uma
vez coroados imperadores, diante dos despojos reais. Sétimo Severo não foi o
último a visitar o mausoléu, pois seu filho Caracala deveria ser de fato o
último imperador a poder contemplar os despojos mortais. Diz-se que sendo ainda
criança acompanhou seu pai na visita ao Sema.
Pôde assim ver Sétimo Severo, soluçando de emoção colocar seu manto de púrpura
sobre o féretro de vidro. Nessa ocasião o imperador sírio que também era um
fervoroso adorador do Sol através do Júpiter Heliopolitano de Baal’Beck e de
Antióquia, depositou no túmulo grande número de manuscritos preciosos contendo
segredos da sabedoria antiga, pois pensava ele, ninguém dentro em pouco tempo
será mais capaz de compreender o seu sentido oculto. O próprio Caracala
sentiu-se perturbado com essa entrevista a sós com a múmia e perdeu um pouco o
sentido a ponto de julgar-se a reencarnação de Alexandre. Ordenou que depois
dele a tumba fosse selada, queria ser o último mortal a encontrar-se diante do
deus. E esse desejo foi realizado menos de cinquenta anos mais tarde, quando um
terremoto sacudiu Alexandria transtornando o bairro do Sema. Desde então perderam-se os traços da tumba, o que justifica a
indignação de João Crisóstomo. Pode-se então supor que os cristãos, acabando de
triunfar do paganismo em toda a bacia do Oriente-próximo, não fizeram grandes
esforços para encontrar a sepultura daquele que os sectários do antigo culto
adoravam como um deus. Os nostálgicos chegaram a acusar os “galileus” de
construírem uma basílica sobre o local do mausoléu, com a finalidade de apagar
qualquer traço dele. O arquiteto encarregado da construção do edifício
religioso, Johanes de Corinto, era entretanto um admirador secreto da antiga
religião, chegaram mesmo a dizer que cavando os alicerces da igreja encontrou
sob a terra as muralhas da tumba, de tal forma espessas, que resistiram ao
antigo sismo.
3.Nome
grego da tumba de Alexandre
Johanes desviou ligeiramente o embasamento da
igreja modificando sua orientação e fez cavar, partindo das criptas da
basílica, uma galeria em declive que levava à tumba de Alexandre e às dos
Ptlomeus que desapareceram ao mesmo tempo. Estes últimos passavam por estar
cheios de riquezas acumuladas no curso dos séculos e sabe-se pelos antigos da
reputação da tumba de Stratonice, feita de ágata e de cristal.
O quer que seja, não estamos capacitados para
verificar se tais trabalhos foram realmente realizados, pois ignoramos o local
exato em que foi construída a igreja de São Marcos. 4.
4. Igreja
de São Marcos, julgamos nós.
Os árabes que se tornaram os senhores do
Egito no século VII conheciam o legendário personagem Alexandre, que veneravam
com o nome de Ishkander, mas não parece que tenham encontrado o famoso Sema, a menos que os califas do Egito,
invejosos da glória do conquistador tenham feito buscas frutíferas guardando
depois o segredo. Isso parece ter confirmação no seguinte fato: no “bairro de
Alexandre” foi construída a mesquita Nabi Daniel que encerra a tumba de Said
Pacha, do príncipe Hassan e de diferentes membros da família real. Ora
acreditando-se nos astrônomos árabes a lenda do profeta Daniel, que deu nome à
mesquita, apresenta curiosas coincidências com o destino de Alexandre:
Um
jovem judeu Daniel, expulso da Síria pelos idólatras que desejava converter, viu
em sonhos um velho que lhe ordenou iniciar a guerra contra os descrentes
prometendo-lhes a vitória em toda a Ásia. Daniel teve numerosos partidários no
Egito onde se refugiara, construiu Alexandria e após uma feliz expedição,
retornou a Alexandria onde morreu muito velho. Seu corpo foi posto num féretro
de ouro e de pedras preciosas, mas os judeus roubaram-no para cunhar moedas e
substituíram-no por um sarcófago de pedra.
Através dessa história, muito deformada,
encontra-se a lembrança do féretro de ouro e da violação da sepultura por
Ptolomeu X prova de que a tradição do Sema
não estava perdida. Essa mesquita construída no século XVIII foi restaurada em
1823 pelo sultão Mehemet-Ali, sem que nada transpirasse do segredo.
De nossa parte acreditamos que o mausoléu foi
efetivamente descoberto pelos sultões que continuaram a fazê-lo visitar por
seus hóspedes de qualidade. Se não como explicar os propósitos do geógrafo
árabe Leão o Africano, que escrevia em 1517:
Os
maometanos afirmavam que numa certa casa pequena tendo a forma de uma igreja,
situada entre as ruínas, conserva-se o corpo de Alexandre, grande profeta e
rei, como se lê no Al-Coran. E muitos estrangeiros vindos até de bem longe para
ver e venerar a dita sepultura deixavam neste lugar considerável esmolas.
A questão foi reaberta em 1850 apaixonando a
elite dos sábios do mundo inteiro, quando um certo Ambroise Schilizzi;
funcionário do consulado da Rússia em Alexandria, confiou ao historiador Max de
Zogheb a seguinte aventura:
Esse
homem depois de ter descido e percorrido um corredor encontrou-se diante de uma
porta aferrolhada através de cujas fendas pôde vislumbrar numa espécie de caixa
de vidro um corpo humano cuja cabeça estava encimada por um diadema e que
parecia meio curvada sobre uma espécie de elevação ou trono. Uma quantidade de
livros e de papiros estava espalhada em redor. Faltou-lhe o tempo para dar-se
melhor conta do que tão fortemente excitava sua curiosidade pois logo foi
puxado para trás, seu guia um religioso da mesquita recusou-se a deixá-lo fruir
mais tempo do espetáculo. Todavia pôde, disse ele consignar o resultado dessa
visita num informe detalhado cuja cópia entregou tanto ao cônsul da Rússia
junto ao qual exercia um cargo honorífico como ao patriarca grego ortodoxo seu
chefe espiritual; malgrado porém as suas tentativas posteriores, nunca mais lhe
foi permitido abordar o porão misterioso e fez-se o silêncio sobre esse
acontecimento.
Esta curiosa história foi corroborada pelo
arquiteto Mahmoud el Talaki, que visitou as salas subterrâneas da mesquita Nabi
Daniel, por ocasião das sondagens realizadas para o estabelecimento da carta de
Alexandria, em 1861. Deixou-nos a seguinte narrativa:
Quando
de minha visita às criptas desse edifício, entrei numa grande sala abobadada,
construída sobre o solo da cidade antiga. Desta sala lajeada partiam em quatro
direções diferentes, os corredores em abóbada, que não pude percorrer
completamente devido ao comprimento deles e do mau estado em que se achavam. A
riqueza das pedras empregadas na construção e muitos outros indícios
confirmaram-me a idéia que esses subterrâneos deveriam desembocar na tumba de
Alexandre o Grande; também eu me reservei para levar mais longe as minhas
investigações, quando infelizmente foi dada a ordem para murar todas as saídas.
Aqui também o muro do silêncio foi mais
forte; pois foi preciso que existisse um interesse muito grande para manter em
segredo o local do hipogeu, indo mesmo a precaução a ponto de murarem todas as
saídas do mausoléu, para interditar definitivamente o acesso a ele. E esse
mistério suplementar vem acrescentar àqueles que reinam em torno do personagem
Alexandre o Grande.
Foram depois feitas sondagens em 1931, mas
quer tenham sido feitas rapidamente, quer desejassem provas de que não havia
nada, o resultado foi completamente negativo.
No momento atual e no estado de
acontecimentos arqueológicos, é possível
localizar a tumba de Alexandre. Também será preciso que uma equipe
competente e séria possa empreender escavações metódicas no antigo bairro do Sema, sem ser estorvada por ordens
superiores.
Quanto à história da tumba de Alexandre que
talvez não esteja terminada, prova o apego místico, ainda hoje sensível dos
homens àquele que foi em vida um herói e um deus depois de sua morte. Através
dos episódios mais significativos da vida de Alexandre, pode-se indagar que
outra estrela além do Sol presidiria a um tal destino?
O
Destino de Alexandre
No século IV antes de nossa era, a Macedônia
não era muito diferente do que é hoje, isto é, um país grandioso e selvagem
feito de montanhas cobertas de florestas e de vales profundos, semeados de
planícies e de pastagens no fundo das quais corriam impetuosos cursos de água
baixando dos cumes. Essa região que hoje faz parte da Iugoslávia estende-se
entre a Albânia ao oeste e a Bulgária a leste; a Grécia delimita sua fronteira
meridional [Nota de Rayom Ra: hoje o país
é ex-república da Iugoslávia, tornando-se membro da ONU, desde 1993, como
República da Macedônia].
Na época do reino macedônio, essa região
formava um Estado poderoso que já fazia estremecer as cidades gregas, inquietas
com esse vizinho nórdico.
A lenda que relata o nascimento da Macedônia
vale a pena ser contada. Indica com efeito uma relação de uns soberanos com o
Sol, parentela que o jovem Alexandre deveria proclamar a céu aberto.
No fundo da bárbara Ilíria, cerca do fim do
século VIII antes de J.C., três irmãos da raça negra chamados Gaianos, Aeropus
e Perdicas, vindos de Argos, cidade do Peloponeso, instalaram-se na Alta
Macedônia onde se tornaram pastores. Descendentes longínquos do poderoso
Héracles – Hércules – ele próprio filho de Zeus, nossos três heróis não
poderiam ter um destino comum.
Certo dia um dos irmãos, Perdicas que era de
grande beleza seduziu a esposa de um chefe de rebanho em cuja casa os três
jovens estavam empregados. O marido suspeitou, foi tomado de um acesso de
cólera terrível e expulsou nossos três heróis; como estes reclamassem o ajuste
de seus salários, o chefe designando o Sol que dardejava seus raios pela
abertura do alojamento respondeu-lhes ironicamente; “Eis aí todo o salário que
mereceis, tomai este Sol, eu vô-lo dou”. Perdicas que tinha resposta pronta
retorquiu aceitar o pagamento e traçando um círculo no espaço delimitado pela
luz do astro, proclamou que se considerava daí em diante o senhor e o rei dessa
terra, acrescentando o gesto à palavra, avançou ao Sol e ofereceu-lhe por três
vezes seu peito nu em sinal de gratidão.
Depois Perdicas, ajudado por seus irmãos,
tornou-se o primeiro rei da Macedônia sustentando assim sua palavra. A esse primeiro
monarca sucedeu Amintas I seguido por toda uma linhagem real interrompida até
Felipe, futuro pai de Alexandre o Grande.
Grandes admiradores da civilização helênica,
os soberanos adotaram a língua e a cultura gregas que impuseram aos seus
súditos. Eles mesmos fizeram vir arquitetos e artistas de Atenas e de outras
cidades, para edificarem uma capital baseada no modelo grego. Esta cidade tomou
o nome de Egeu. Sua localização em pleno coração do reino, sobre um promontório
rochoso dominava as planícies circundantes, tornava-a um ponto estratégico e
uma praça militar de primeira importância.
Do alto de suas muralhas podia-se contemplar
a perder de vista a aglomeração das florestas que diziam ser povoadas de ninfas
e sátiros. Ao longe desenhava-se, para o sul, a silhueta majestosa do monte
Olimpo, elevando a três mil metros de altura sua coroa nevada, morada de Zeus e
dos doze grandes deuses. 5
5. Observamos
aqui ainda o parentesco com os doze signos do zodíaco.
Na região circunvizinha chamada Pireu, sobre
os declives setentrionais do Olimpo estendia-se o império das divindades
mitológicas, a morada tradicional das musas abrigando a tumba de Orfeu, o deus
músico, em meio à florescência de roseirais silvestres de onde se escapava o
canto harmonioso dos passarinhos. Embora macedônia queira dizer quase bárbara,
essa terra era venerada pelos gregos que a consideravam inviolável. Não
distante estendia-se a cidade de Heracléia (de Héracles). A seus pés corria um
rio cujas águas passavam por ser tão capitosas como o vinho.
A realidade seria tão sedutora como a lenda?
O clima da Macedônia, de toda a maneira não corresponde a essa descrição
edênica: muito rude no inverno com chuvas abundantes na primavera, comporta
verões ardentes entrecortados de tempestades terríveis.
O país embora selvagem era bastante fértil,
apesar das grandes extensões incultas e no fundo dos vales ou nos aclives das
colinas cultivava-se o trigo, ou a aveia nos campos semeados aqui e ali de figueiras
e oliveiras.
Os macedônios, povo rude e guerreiro,
pertenciam aos povos dórios, essa raça indo-europeia, intrépida, chegada anos
antes para conquistar a Grécia. Fisicamente eram homens grandes, vigorosos,
olhos quase sempre azuis e cabelos louros descendo sobre o pescoço em espessas
cabeleiras, Alexandre herdaria esse físico nórdico e sua bela figura contribuiu
bastante para o seu sucesso, pois os gregos admiravam muito os homens louros, e
deles fizeram o tipo ideal de beleza.
Alexandre o primeiro com esse nome 6, fez reconhecer sua ascendência helênica e transferiu a capital
para Péla mais ao sul que viu prontamente afluir uma plêiade de escritores e
artistas célebres, tanto assim que o rei Aquelaus, filho de Perdigas II, deu
asilo ao grande dramaturgo Eurípedes que ali pode escrever seus Baquíacos. Também estiveram em Péla:
Timóteu, músico e poeta que foi por um tempo o ídolo de Atenas e o brilhante
Agaton, companheiro de O Banquete de
Platão. 7.
6. É
preciso não confundir com Alexandre Grande e nem com Alexandre III da
Macedônia.
7. Sobre a importância de o banquete ver-se
relativamente a Akhenaton.
Quando Filipe, que seria o pai de Alexandre o
Grande, subiu ao trono com a idade de trinta e três anos, pôde tranquilamente
admirar as instituições políticas e militares da Grécia, pois passara três anos
de sua juventude em Tebas, cidade célebre pela organização militar e disciplina
marcial que a caracterizavam. O novo rei não era menos apaixonado pela cultura
ateniense que seus predecessores e o fato de que fosse de origem montanhesa
acentuava ainda mais sua veneração pelo Estado-cidade.
Filipe era um homem ambicioso, tinha
qualidades de inteligência e coragem e uma certa tendência à impulsividade e
aos repentes. Esportista completo não hesitava em participar dos concursos de
jogos e de lutas e suas bebedeiras, seguidas de terríveis acessos de cólera,
inspiravam temor aos mais próximos. Grande amador de mulheres, tinha também uma
outra paixão, o exército, que reorganizou sob o modelo tebano de austeridade e
disciplina, instruindo um corpo de cavalaria: os “Companheiros” ou Htaroi, recrutados entre os jovens da
aristocracia; a infantaria foi por sua vez desenvolvida e treinada para
combater em formação cerrada sob os modelos das “falanges” gregas.
Essa falange macedoniana se tornaria um
instrumento temível de combate e asseguraria o sucesso das futuras campanhas de
Alexandre. O exército em sua totalidade contava mais ou menos dez mil homens
muito bem treinados, cheios de ardor patriótico, formado por soldados
profissionais, era completamente devotado ao rei e não pedia mais que servir.
No ano de 357 quando Filipe entrava nos seus
vinte e cinco anos teve um desses súbitos acessos de religiosidade, habituais
nos espíritos apaixonados. Possuído de uma exaltação bem digna de um grego,
partiu para a ilha de Samotrácia no mar Egeu da qual lhe havia elogiado os
prodígios, para assistir os mistérios religiosos celebrados uma vez por ano e
conhecidos em toda a Grécia. Esta ilha era com efeito a sede do culto de
Cabiros, 8 seres misteriosos que segundo Estrabão,
eram os netos de Vulcano – o deus subterrâneo que forjava suas armas no fogo
dos vulcões – permaneciam aos olhos de todos os habitantes semi-divinos dos
mundos subterrâneos, obscuros gênios da Terra, expulsos 9 da superfície luminosa.
8. A
origem dos Cabiros liga-se aos Pelasgos, povos pré-helênicos cuja história se
perde na noite dos tempos. A presença deles na ilha de Samotrácia é ressaltada
pela lenda segundo a qual é nessa ilha do Mar Egeu que foram iniciados Jasão,
os Argonautas e Orfeu. Os Cabiros são considerados os “Teurgos do Fogo” e os
precursores do trabalho dos metais (ou metalúrgicos) e os pais da Alquimia.
9. As fogueiras de Vulcano simbolizam o Sol
interior da Terra, réplica do Sol celeste.
Esses gnomos são bem conhecidos das lendas
alemãs relatadas no Edda islandês e
não é menos extraordinário constatar essa parentela entre a mitologia nórdica e
a da Grécia antiga. Entretanto esta semelhança que poderíamos levar até muito
longe, não é de tal forma surpreendente se pensarmos que nos encontramos diante
de um fundo comum à família indo-europeia que invadiu a Europa e o
Oriente-Próximo num passado distante. Esses deuses “anões” foram por sua vez
considerados os patronos da Fertilidade e semelhantes aos gênios tutelares da
Navegação que se manifestam aos marinheiros em desgraça, sob a forma de clarões
espectrais coroando os mastros dos navios nas noites de tempestades, mais
conhecidos sob o nome de “Fogos de Santelmo”. Se demos crédito ao historiador
Weigall:
Os ritos
secretos e as orgias dos Cabiros estavam entre os mais famosos “mistérios” da
Antiguidade: e embora houvesse vários lugares em que se realizavam –
principalmente na ilha vulcânica de Lemnos a um dia de navegação para o sul –
Samotrácia era o centro real do culto, os mistérios realizavam-se num templo
próximo à cidade principal, cujas casas se agarravam como moluscos aos rochedos
da costa norte. A pequena ilha parecia destinada pela natureza a ser o domínio
dessas cerimônias esotéricas, pois suas margens inóspitas e sem enseadas
surgiam das ondas do Egeu com poética magnificência; os declives abruptos e os
precipícios sobrepunham-se até o cume central atingindo mais de mil e
quinhentos metros acima do mar. A ilha inteira parecia uma única montanha
mágica que tivesse espontaneamente saído do oceano para um encantamento
misterioso e se preparasse para desaparecer de repente. 10. A. Weigall, Alexandre o Grande, pgs. 46-47
Filipe da Macedônia pôs o pé em terra no
único porto da ilha, em Paleópolis. Os mistérios começaram desde o dia
seguinte, atraindo uma enorme multidão de peregrinos vindos da Europa e da
Ásia. Como rei, Filipe foi recebido pelo grande padre do culto, revestido de
seus hábitos sacerdotais. O rei pôde assim assistir as cerimônias mais
secretas, que se sabe apenas consistiam numa orgia sexual visando encontrar
pela exaltação sensual, a comunicação com o deus. São muito próximas de tais
práticas o Tantrismo Asiático, tal como é ainda praticado na Índia. Foi numa
dessas orgias sagradas que Filipe viu pela primeira vez a bela Olímpias,
sacerdotisa do culto cabírico dedicado às orgias sagradas. Filipe foi
literalmente sugado por essa beleza selvagem que ao som fremente das liras e
dos tambores dançava com monstruosas serpentes pítons. Devota assim de
Zeus-Amon, a jovem mulher com a idade de apenas dezesseis anos participou de
todos os mistérios durante os dez dias e as dez noites que durou esta festa
religiosa. Foram invocados os espíritos dos mortos no curso de cerimônias em
que se extinguiram e acenderam-se sucessivamente os fogos sagrados trazidos de
Delfos, ilha consagrada ao deus solar Apolo. Iniciado nos pequenos mistérios ou
mistérios menores, Filipe sentiu-se indissoluvelmente ligado a essa sacerdotisa
de longos cabelos dourados que o olhava fixamente com seu estranho olhar azul.
Após os últimos sacrifícios que o purificavam de todas as faltas, levou consigo
a jovem mulher com a promessa de torna-la rainha de seus Estados.
Olímpias não esperava menos do monarca, ela
que era de raça principesca, filha do defunto rei Neptolomeu I do Epiro,
remontava sua origem ao filho de Aquiles, herói imortal da Ilíada. Essa
filiação semidivina impressionou o jovem Alexandre que tomou por modelo e por
guia, o grande herói da guerra de Tróia.
O Epiro, pátria de origem da futura rainha,
era então uma região mais selvagem que a rude Macedônia; era a terra de eleição
desses seres semilegendários, as Bacantes,
essas mulheres em estado de loucura que celebravam no decorrer das cerimônias
frenéticas, os ritos associados às libertinagens sexuais de toda natureza. Se
acreditarmos no romano Plutarco, Olímpias era “uma devota ardente desses exercícios desenfreados e orgíacos”, o
que diz bastante sobre seu caráter desequilibrado. Participando do culto à
Natureza, oferecendo seu corpo ao Sol, fonte de toda a vida, era uma mística
sincera em que a expansão dos sentidos associava-se estreitamente aos
transportes religiosos, magia sexualis
cujas imensas possibilidades não se esgotaram no seio de certos cenáculos
esotéricos muito fechados.
As núpcias reais foram logo apregoadas ao som
de trombetas, em todas as cidades do país. A cerimônia for cercada de todos os
esplendores que um tal acontecimento merecia, em meio aos festins e aos jogos
oferecidos com largueza.
Entretanto, Olímpias, aos faustos um tanto
frios da corte e ao luxo estático do palácio, já começava a preferir as
florestas de carvalhos de seu Epiro natal e deplorava os tempos em que adorada
por todo um povo, celebrava os mistérios cabíricos de Samotrácia.
Tendo para sempre no horizonte as
fortificações de Péla, nossa jovem rainha refugiava-se no culto místico de seus
deuses de eleição: Amon-Ra, dedicando-lhe a criança que mais que tudo desejava
trazer ao mundo. Como estava longe o país frio e ventoso, amigo da tempestade e
os ancestrais Pelasgos, tribo ariana detida ao pé do monte Tomaros pela voz do
grande deus em pessoa, entre os carvalhos agitados pela borrasca. Depois dessa
época distante, o oráculo de Dodona adquirira fama. Depressa ultrapassou as fronteiras
Epiro vindo gente de todos os cantos da Grécia para consulta-lo. Olímpias em
sua infância tinha o costume de visitar o recinto sagrado, ela que era a filha
do rei, o protetor do oráculo.
Em Dodona,
escreveu um mitógrafo, havia um carvalho consagrado a Zeus e nesse carvalho um
oráculo do qual mulheres (as Plêiades) eram as profetisas. Os consultantes
aproximavam-se do carvalho e a árvore se agitava por um momento, a seguir as
mulheres tomavam a palavra dizendo: “Zeus anuncia, ouvi-o”. Com exceção de
Delfos, Dodona no Epiro e Siauah no Egiro eram os dois oráculos mais
frequentados pelos gregos que os consideravam gêmeos, supondo-se terem as duas
instituições idênticas origens e sendo análogo em ambos o procedimento
oracular. Da mesma maneira que o santuário de Dodona estava situado nos
bosques, o santuário de Siauah – que seria visitado por Alexandre o Grande –
encontrava-se num oásis sombreado, conhecido dos egípcios pelo nome de
Seket-Iemy, “o lugar das árvores”. Amon era o deus do santuário de Siauah e
Zeus, a divindade que presidia em Dodona era identificada com ele em toda a
Grécia, com o nome de Zeus-Amon ou na terminologia latina que nos é mais
familiar, de Júpiter-Amon. A. Weigall,
op.cit.pag.51.
Zeus representava o elemento cósmico divino
presente no raio e no trovão, enquanto que Amon simbolizava o lado luminoso da
divindade figurada pelo Sol iluminando o Universo. As duas divindades
associadas completavam o logos ou princípio superior.
Não há portanto nada de surpreendente que o
Egito fosse visto pelos gregos como a terra sagrada por excelência, dotada de
imensa sabedoria, pois todos os grandes espíritos da Helade, tanto Platão como
Pitágoras foram iniciados nos seus templos e essa lembrança do Egito, filho da
Atlântida e mãe das civilizações, aparece nitidamente na mitologia grega, no
episódio que se viu desenvolver o enfrentamento entre Zeus e o gigante Tífon.
Fugindo desse monstro, demônio saído do Tártaro, os deuses do Olimpo à vista do
gigante atacando o céu, ganharam a terra do Egito onde se metamorfosearam
tomando a forma de animais.
A prece de Olímpias não ficou sem eco; o deus
grego-egípcio de Dodona e de Siauah, esse “deus místico da Fecundidade”, cujo
poder se manifestava através das estrelas cadentes e pelos raios e cuja voz
estendida sob a forma do vento nas árvores, aconselhara seus antepassados de
tempos imemoriais 12 avisou-lhe durante o sonho, que ficaria
grávida. Nesse sonho, Zeus apareceu-lhe sob a forma do raio caindo do céu e o
fogo celeste que descia sobre ela abrasou-a inteira como uma tocha. A criança
que nascesse sob tais auspícios só poderia ter um destino excepcional.
A noite que se seguiu foi a celebração do
casamento, Filipe teve de seu lado outro sonho tão perturbador como o de sua
esposa: no decorrer do sinhô ele fechava o sexo de sua jovem mulher com um selo
tendo a marca do Leão. 13 Ora, sabe-se que esse emblema solar é
reservado aos deuses e à sua descendência. Aristandro de Telmessos, mágico da
corte, interpretou esse sonho como o anúncio de um acontecimento feliz. “Não se
sela um odre vazio”, declarou ele e essa frase colorida significava que
Olímpias estava grávida e traria ao mundo um menino de coração de leão.
12. A. Weigall, op.cit, pag.52.
13. Comparação com o nascimento de Jesus-Cristo e a virgindade
de Maria.
E logo Olímpias pariu um filho que não
hesitou em considerar um “ser predestinado”, filho de Amon-Ra, deus tutelar do
Egito oculto. No instante do nascimento, manifestaram-se sinais prodigiosos na
terra e no céu: sismos estremeceram o solo e tempestades abateram-se sobre as
ondas fazendo retumbar a voz de Zeus em meio a fulgurantes relâmpagos. Durante
o parto, duas águias diz-se, permaneceram juntas, encarapitadas no telhado dos
apartamentos da rainha, presságio anunciador de que a criança reinaria um dia
sobre dois impérios. O recém-nascido recebeu o nome de Alexandre, em lembrança
aos reis da Macedônia, que levaram esse nome.
Filipe, ausente na capital, soube do
nascimento enquanto guerreava em seus territórios. Quase ao mesmo tempo foi-lhe
anunciado que Parmenion, um de seus comandantes, acabara de obter esmagadora
vitória sobre os ilírios, que a colônia grega de Potidea entregara-se às suas
tropas e que um cavalo de suas coudelarias acabava de ganhar uma corrida em
Olímpia. Essas três notícias triunfais foram interpretadas pelos adivinhos como
o aviso de um esplendoroso destino para a criança recém-nascida. Na mesma
noite, o grande templo de Artemisa em Éfeso, santuário por todos venerado, foi
devastado por um grande incêndio que destruiu o edifício até os alicerces. E os
magos ao saberem da notícia exclamaram: “Esta noite em alguma parte do mundo
acendeu-se uma tocha que fará arder todo o Oriente”. Alexandre levaria a chama
dessa tocha ao coração da Ásia que reanimada pelo fogo sagrado de Zoroastro
iluminaria o mundo com sua luz solar.
Antes de abordarmos a vida de Alexandre é
preciso explicar a significação legendária de sua parentela divina. Se
Deus-Amon foi o pai espiritual do herói, essa proteção estendeu-se sobre toda a
sua vida. E desde esse instante deve-se analisar o comportamento de Alexandre
através da mitologia sagrada da Grécia e do Egito.
Na religião grega Zeus é o rei dos deuses,
assentado sobre o Olimpo. Sua história parece o modelo do destino de Alexandre;
criado por sua mãe Rhea, Zeus lutou para destronar seu pai, o deus Cronos e
nesse combate teve de enfrentar os Titãs aliados contra ele. Para vencer, Zeus
liberou os Ciclopes e os gigantes até então encerrados sob a terra numa espécie
de inferno, o Tártaro. Com a ajuda desses seres monstruosos conseguiu assim
suplantar seu pai. Cronos e os Titãs foram por sua vez encadeados e jogados no
Tártaro. Dessa maneira terminou essa Titãnomaquia ou guerra dos Titãs, que
expulsou do poder a geração primordial e instalou os primeiros olímpicos. 14 Pierre Grimal, La Mythologie grecque, P.U.F., Paris. 1353, pag. 25.
Mas Zeus não era ainda o senhor incontestável.
Os gigantes que o ajudaram na sua conquista voltaram-se contra ele e começaram
a lapidar o céu. Zeus armando-se então com o raio forjado pelos ciclopes
aniquilou essa primeira geração mortal em revolta contra os deuses. Contudo
antes de assentar definitivamente seu poderio, Zeus devia passar ainda por uma
prova, a luta contra Tífon. Maior que os gigantes, esse monstro tocava as
estrelas com sua cabeça. “Em lugar de dedos, possuía nas mãos cem cabeças de
dragões. A partir da cintura, até os pés, seu corpo estava recoberto de
víboras. Era um ser alado e seus olhos lançavam chamas”. Após muitos episódios,
Zeus terminou por triunfar de Tífon que foi esmagado por ele sob o Etna, na
Sicília.
Tífon foi o último adversário de Zeus. A
idade dos monstros terminara. Foram então criados os homens modelados na
argila. Prometeu, que se tornou o protetor da raça humana, quis subtrair a Zeus
as “sementes do fogo” tiradas da “roda do Sol” para dá-las aos homens. Dessa
vez a vingança do deus foi terrível. Prometeu foi encadeado sobre o Cáucaso e
uma águia, ave vingativa do Sol, devorava-lhe o fígado, sempre refeito. Depois
Zeus pediu a Hefaístos para criar a mulher, o que foi feito. A maior parte dos
deuses do Olimpo, em número de doze, são filhos ou filhas de Zeus, o que lhe
valeu o nome de “pai dos deuses”.
As divindades originadas de Zeus são:
Afrodite, Apolo, Artemisa, Hefaístos, Atena, Hermes e Dionísio.
Zeus apresenta-se assim como um deus
guerreiro, superior a todos os outros, senhor do céu, detentor da arma celeste,
o raio nascido do Sol. Era bom para Alexandre uma parentela real de ordem
divina. Veremos que seu correspondente egípcio, Amon-Ra não era inferior.
Amon é o deus tutelar do Antigo império
egípcio, Através da monarquia faraônica simbolizava a supremacia do princípio
divino superior inexpresso e inexprimível. Seu nome é tirado da raiz imm que significa o ser oculto. Derivado
do antigo deus Atum adorado em Heliópolis, Ra veio completar o princípio único
figurado por Amon, simbolizando o lado aparente do poder divino agindo sobre a
matéria em face da significação oculta de seu gêmeo. A glória de Ra está
contida inteiramente na epifania do Sol, significando o triunfo definido da luz
sobre as trevas.
Como filho de Amon, o faraó identificava-se
com a “divindade do céu” descendo a terra para realizar a apoteose de Ra. Como
filho de Ra, o faraó identificava-se com o Sol soberano de todos os astros e
como ele proclamava-se mortal, triunfador da noite e da morte, filho de
Amon-Ra, o rei reunia em sua pessoa a concepção escatológica heroica,
iniciatória, das divindades “solares”. Essas qualidades primordiais aos olhos
dos antigos reuniu-as Alexandre sobre sua cabeça quando foi coroado faraó, em
virtude de uma tradição que se perde na noite dos tempos.
Segue Parte II
Fonte: Os Filhos Místicos do Sol, Jean-Michel
Angebert - Difel
Rayom
Ra