sábado, 16 de junho de 2018

Histórias Mágicas - (1)

     PEDRO PINOTE
  Esta é uma história infanto-juvenil para aqueles, como eu, que ainda gostam e se divertem com coisas assim. Foi escrita há não muito tempo, quando ainda não existiam computadores como agora ou internet, celulares, vídeos etc., tecnologias estas que mudaram em poucas décadas o sentido da educação em todo o mundo. Mas não importam o tempo e a época porque a história carrega nela – e nas suas duas continuações – a mensagem eterna da necessidade de imaginar para o desenvolvimento da consciência supra física como também para nos preparar para outros mundos dimensionais, conforme sugerem os argumentos aqui apresentados. Esperamos que os leitores se divirtam, embora as histórias destes tempos de enxurradas de super heróis e super vilões em desenhos animados e filmes na TV, tragam para o público infantil e jovem em geral toda a sorte de aventuras. Mas estes nossos heróis são brasileiros e isso nos dá um gostinho especial.

Acesse também os links:
1. Histórias Mágicas (2)
https://arcadeouro.blogspot.com/2018/06/pedro-pinote-e-o-reino-da-floresta-que.html
Capítulo I

ENCURRALADOS

        O bairro teria um novo morador. Bem, não se sabia ainda de quem se tratava, mas a garotada ficou excitada e decepcionada porque era evidente que suas brincadeiras e jogos iriam acabar no terreno da casa velha.
        Desce um piano, um guarda-roupas, o fogão, pequena geladeira, enorme baú, camas, etc, etc... E finalmente uma caixa comprida e preta. Terminada a tarefa, os carregadores fecharam as venezianas das janelas, bateram a porta da frente e se foram no caminhão. O tempo passou e nada mais aconteceu. A pequena turma de meninos que ali estava ficou impaciente até que Zecão, o mais alto e troncudo deles, falou:
       - Escute, turma, talvez o homem não venha hoje. Topa todo mundo entrar e jogar nossa bola?
       - Mas se ele chegar de repente? - perguntou Tião.
       - Bem, aí a gente finge que não sabia de nada e vai embora.
       - Ah, eu não vou, não, e se ele for da polícia? Aí ele prende a gente! - falou Jorge.
       - Prende nada, já está com medo é...? - Zecão fez cara de importante.
       - Medo não, mas imagine só se dona Cinira manda chamar ele pra vir prender a gente? Ela disse que ia fazer isto - insistiu Jorge.
       - Será que tem muitas metralhadoras naquela caixa preta? Vocês viram como eles carregavam com cuidado? – interrogou Tião, abrindo bem os olhos. mostrando exageradamente o branco, em contraste com sua pele negra. O resto da turma começou a se coçar e se entreolhar.  Eram oito ao todo.
       - Escute bem, turma, se não entrarmos pra treinar como é que vai ser domingo? Se perdermos feio, o meu pai é capaz de não dar pro time o uniforme que ele prometeu! - Zecão já começava a ficar nervoso.
       - Mas não temos nem onze pra fazer este time, como é que vamos jogar? - perguntou Jorge.
       - Até lá a gente dá um jeito. Temos sim é que treinar bem e jogar pra ganhar, nem que seja só com oito! - continuava a incentivar Zecão.
       - Da outra vez seu pai prometeu dar as camisas e não deu, foi pro bar do português tomar cerveja e nem viu o jogo - reclamou Tião.
        - Olhe aqui, Tião, eu já lhe proibi falar nisto de novo! - Zecão, quase furioso, apontava o dedo para Tião.
       - Está bem, desculpe. Afinal nós perdemos de goleada e não íamos mesmo ganhar os uniformes. Tião se encolhia e fingia medo.
       - É!! – Zecão relaxou e encolheu o dedo, mas logo insistiu – como é então, turma, será que não tem homem aqui? Vamos aproveitar hoje o nosso campo porque pode ser o último dia!
       - Amanhã estamos todos na cadeia - murmurou Tião, olhando para outro lado como se isto fosse a coisa mais natural do mundo.
       - Pare com isso, Tião! - gritou Zecão. Ninguém se mexeu e nem falou, Zecão decidido recomeçou:
       - Olhe aqui, turma, se ninguém quiser treinar eu não vou insistir mais. A gente não tem mesmo outro campo, só esta droga. Então eu vou largar tudo e jogar no time do outro bairro que me convidou. Vocês que se arranjem!
       Os meninos de novo se entreolharam. O dono da bola era Zecão, se ele fosse embora, adeus futebol. Dino foi o primeiro a se manifestar:
       - Bem, eu topo!   Os outros foram topando, restando somente Tião.
       - Como é, Tião, não vai, não? - Zecão insistiu.
       - Bem... Só se a gente combinar.
       - Combinar o quê? - perguntou Antônio Carlos, falando pela primeira vez.
       - Quem vai ficar de guarda pra vigiar quando ele chegar com os outros. Aí, dá um aviso e a gente foge.
       - Eu fico! - gritou Dino, que era loiro e claro.
       - Fica nada! – gritou Zecão – Ninguém vai ficar de guarda coisa nenhuma! E veja se para de fazer onda, Tião!
       - Então eu não jogo! - afirmou Tião.
       - Eu também não! - aderiu Edu, outro da turma.
       - Eu também não! - aderiu igualmente Magriça, que era realmente muito magro.
       - Está bem – Zecão levantou os braços – está bem, florezinhas. O Dino vai ficar de guarda pra vocês poderem jogar!

       Entraram todos, tímidos, observando bem em derredor, como se nunca tivessem estado naquele lugar. Dino ficou pelo portão, mas nem por um segundo foi ignorado. Todos se viravam para olhá-lo.  Zecão escalou os times. Um dos times ia ficar com menos, pois Dino não jogava. Quando iam iniciar o treino, ainda atenciosos ao portão, Tião perguntou:
       - E pra que lado nós vamos fugir? – todos olharam em derredor, inclusive Zecão, e Tião, ele mesmo, prosseguiu: - Espere aí que eu tenho uma ideia. Dino, não saia daí! - gritou por último. Dino assentiu com a cabeça.

       Zecão impacientou-se, mas Tião não lhe deu atenção, saindo para um dos lados do muro que se desmanchava. Os demais o seguiram e o rodearam; Zecão veio por último. Uma vez lá, Tião arcou-se e começou a retirar uns tijolos meio soltos, abrindo um pequeno buraco no muro.  Eles, curiosos, somente olhavam-no.
       - Alguém aí, vá tirando estes outros tijolos. Depois a gente faz outro buraco do lado de lá! - mostrou-lhes, fazendo-se de entendido em tática de retirada, sem olhar a cara de Zecão.
       - Pra que dois? - perguntou Magriça, realmente curioso.
       - Não seja burro, Magriça, se eles vierem de repente e a gente não puder sair pelo portão, tem mais duas saídas.
       - Ah!! - fez o menino, entendendo.

       Terminado o trabalho, voltaram todos suados e meio sujos para o meio do campo. Ninguém prestava atenção à bola; olhavam a todo instante para Dino.
       - Nada ainda!! - gritava o guardião, fazendo concha com a mão, junto à boca.
       - Vamos logo começar com isso! - ordenou finalmente Zecão com zanga.
       - Será que aquela caixa preta está mesmo cheia de granada? - perguntou Jorge, olhando para a casa com ar curioso e ao mesmo tempo temeroso.
       - Pelo cuidado que eles tinham, eu acho que sim. Já pensou se cai no chão? Disse Antônio Carlos sem tirar os olhos da casa.
       - Bumm... A cidade toda explodia! - exagerou Jorge.
       - Meu pai disse que granada só explode se a gente tirar o pino dela - falou Edu.
       - Chega!! Vocês querem jogar, ou não? - gritou novamente Zecão, mais do que desesperado.
       - Aposto que ninguém tem coragem de entrar lá dentro - desafiou Tião.
       - Não é entrar lá dentro, a professora está cansada de dizer... - começou a corrigir Antônio Carlos.
       - Eu sei, mas eu gosto de falar assim mesmo - interrompeu Tião, dando de ombros.
       - Será que o Zecão tinha coragem? - perguntou Edu desta vez.
       - Coragem de quê? - disfarçou Zecão.
       - De entrar lá dentro - intrometeu-se Tião, olhando bem para ele.
       - Pra quê?
       - Pra ver o que tem; as metralhadoras, as granadas, sei lá!
       - Que besteira, Tião, pra que eu ia querer ver isso?
       - Pra conhecer, ora. Aposto que você nunca viu uma metralhadora de perto, e nem uma granada -  prosseguiu Tião.
       - Não vi e nem me interessa ver! Silêncio. Ninguém sabia o que dizer. Tião recomeçou:
       - Já que o Zecão não tem coragem de entrar, será que alguém aqui tem?
       - Eu tenho coragem, sim, não sou mocinha! - reagiu mais do que indignado.
       - Então por que você não entra?  
       - Eu não entro e não me interessa entrar, já disse! - respondeu vermelho de raiva, quase aos berros.
       - E se a gente fizesse uma aposta? - Tião propôs.
       - Que aposta? - ele franziu a testa.
       - Pra você entrar na casa.
       - Eu não vou entrar na casa sozinho! - berrou de novo.
       - Psiu...! Não grite, Zecão, a polícia pode ouvir! - Dino, lá de longe, chamava a atenção.
       - Nem com aposta, Zecão? - desta vez foi Jorge.
       - Nem com aposta! - reafirmou.
       - Olhe bem, turma – recomeçou Tião – vocês todos estão de prova, o capitão do nosso time não tem coragem de entrar na casa, então nesse time que tem um capitão medroso eu não jogo!
       - Quem é medroso? - exasperou-se Zecão, correndo para cima de Tião. Este mais do que ligeiro, deu-lhe uma lesa e foi em direção a Dino. Zecão desistiu de perseguí-lo.   
       - Vamos treinar sem o Tião mesmo, ordenou ainda zangado. - Seis é muito pouco, Zecão - reclamou Edu.
       - Ei, turma, vem gente aí! - gritou Dino, agachando-se detrás do muro e espiando.
       - Quem é? - perguntou Jorge, correndo para lá, seguido dos outros. Todos se agacharam atrás do guardião.
       - Não sei, só escutei vozes - respondeu baixinho.
       - Deve ser a polícia - falou Magriça, trêmulo.
       - Estou com medo! - falou pela primeira vez Japonês, que era mesmo descendente de japoneses.
       - Psiu...! Calem a boca - ordenou Tião.

       A esta altura estavam amontoados pelo portão, esticando os pescoços, procurando espiar sem serem vistos.
       - Se for a polícia, a gente corre pra Rua Sete e se esconde nos matos - sugeriu surpreendentemente Zecão.
       - É muito longe, eles vão alcançar a gente logo, logo - informou Antônio Carlos.
       - Não tem outro jeito, a menos que a gente se esconda aqui mesmo na casa - continuou a sugerir Zecão, sem ao menos refletir na ideia.
       - Na casa?? - quase gritou Tião, esbugalhando os olhos. Todos se assustaram e se viraram para trás, olhando para a aterradora casa velha, inclusive Zecão, o dono da ideia.
       - Eu prefiro ir pra Rua Sete - escolheu Japonês, agora mais falante.
       - É... A gente corre mais do que eles - garantiu Magriça.
       - Não dá não, turma, eles correm bastante. Meu pai disse que eles também jogam futebol - decretou Edu.
       - Além do mais, eles têm metralhadoras e podem atirar na gente - lembrou oportunamente Dino.
       - Não atiram, não! A polícia só atira em bandidos - rebateu Zecão.

       De repente, pelo lado direito deste terreno de esquina, surgem dois homens.     
        - São eles, estão disfarçados! - alertou Dino, no seu papel de guardião. Súbito, do lado oposto, ouvem o forte ruído de um motor.
       - É o camburão, estamos cercados! - gritou Tião adivinhando, sem ao menos esperar para ver.

       Mediante esta emergência, todos correram terreno adentro em desabalada carreira, entrando na casa, apavorados, fechando a porta. Uma vez ali começaram a se encostar uns nos outros, tateando na escuridão, ouvindo unicamente o arfar de suas respirações aceleradas.
       - Ninguém fale, senão eles descobrem a gente - quase implorou Zecão, com voz cansada.
       - Será que eles sabem que estamos aqui? - perguntou Magriça poucos segundos depois, cochichando.
       - Não sei - respondeu Zecão, também cochichando.

       Silêncio, o grupo todo se encostava e se amontoava bem no meio do ambiente. E era um tal de tremer que não se sabia quem tremia mais. Chegaram até a ouvir o ruído de dentes batendo. O tempo passou e nada aconteceu. A luz entrava por frestas da porta e janelas. Com olhos já acostumados à penumbra as coisas se tornavam mais visíveis.
       - Será que eles estão esperando a gente sair pra pegar a gente? - perguntou Jorge em voz quase natural.
       - Mas se eles não souberem que estamos aqui? - perguntou também Magriça, no mesmo tom.
       - Aí, a gente espera eles irem embora e sai - sugeriu Zecão.
       - Chii...! - exclamou Edu, levando a mão à boca.
       - O que foi? - perguntou Jorge assustado.
       - A bola está lá fora, eles vão ver!
       - Olhe lá!! - gritou Japonês, apavorado, apontando para o outro cômodo, fazendo todos se esquecerem da bola.
       - A caixa preta com as metralhadoras!!! - exclamaram juntos três deles.
       - E com as granadas!!! - completou Tião, igualmente assustado.

       Uma onda de pavor espalhou-se e eles se uniram mais. Dali de onde estavam conseguiam ver perfeitamente metade da caixa comprida e preta que a todos impressionara.
       - Mãe do céu, eu vou fugir daqui! - Magriça entrou em desespero.
       - Pra onde, Magriça? - perguntou Zecão.
       - Pra qualquer lugar, acho que vou me entregar pra polícia, não agüento mais!
       - Deixe de ser burro, Magriça, aquilo é só uma caixa com metralhadoras, sozinhas elas não atiram - Zecão procurava mostrar coragem.
       - Mas as granadas podem explodir! - alertou Japonês, levando as pontas dos dedos de uma das mãos à boca.
       - Sozinhas também não explodem - Zecão continuava a ensinar.
       - Meu pai disse que elas só explodem se....
       - Está bem, Edu, só o Japonês é que não sabe - cortou Jorge amuado.
       - Mesmo assim é perigoso, eu vou me entregar - insistia Magriça.
       - Se você der um passo pra porta, seu magricela, eu lhe dou um murro - ameaçou Zecão, levantando o punho à frente.
       - Mas eu quero sair! - reclamou fazendo cara enfarruscada.
       - Se você sair, eles vão descobrir que estamos aqui - Jorge abria as mãos em comovente apelo.
       - Eu não conto nada, nem que me torturem! - tentou Magriça em desespero ou em declaração heróica.
       - Deixe de besteira. Então eles não vão vir pra cá logo que lhe pegarem! - colocou Tião de maneira prática.
       - Será que eles vão botar agema na gente? - Dino trouxe uma nova indagação.
       - Não é agema, é algema! - corrigiu-o Antônio Carlos, enfatizando a primeira sílaba, conforme a professora.
       - É isso aí.
       - Acho que não, pra mim eles vão jogar a gente no porão daquele camburão e levar pra cela - Tião procurava adivinhar.
       - Dizem que lá na cadeia eles fazem a gente dormir nuzinho no cimento frio e ainda obrigam a gente tomar banho gelado - lembrou apreensivo Jorge.
       - Eu não posso tomar banho gelado, eu tenho asma - disse Antônio Carlos, como se apelasse para que interferissem a seu favor.
       - Será que eles batem na gente? - perguntou Magriça, para lá de preocupado.
       - Batem sim, até a gente não agüentar mais. Depois jogam água salgada nas feridas. Esta informação Tião passou-lhes, acompanhada de gesto de quem joga água salgada num corpo deitado.
       - Estou com medo, não quero ir preso - choramingou Japonês, realmente impressionado com aquela conversa. De novo silenciaram, aquietando-se por quase dois minutos.
       - Será que uma metralhadora é muito pesada? - Tião quebrou o silêncio.
       - Tem umas pequenininhas assim - mostrou Edu, medindo com as mãos abertas e paralelas.
       - Uma só mata mais de cem. Meu avô viu na guerra, lá na Itália - informou Dino.
       - Cem? Não acredito - duvidou Tião.
       - No tempo da guerra matava. Aquelas metralhadoras tinham um cordão enorme assim, cheinho de balas. Era só ir atirando - Dino explicava e mostrava com movimentos rápidos. Eles todos voltaram a olhar a caixa preta.
       - Será que eles ainda estão lá fora? - voltou a questionar Jorge.
       - Pelo tempo já deviam ter entrado, ou pelo menos furado a bola - concluiu Edu.
       - Pra mim eles só estão esperando a gente dar uma espiada pra começar a atirar - opinou Dino.
       - Será? - perguntou o trêmulo Magriça.
       - Quê atirar nada, eles também não atiram assim à toa! - retrucou com veemência, Zecão.
       - Então experimente dar uma olhada - sugeriu Jorge.
       - Eu, por que eu? O vigia era o Dino!
       - Ei, pera aí. Eu era vigia lá fora, aqui não sou mais! - a negativa foi imediata.
       - Psiu...! Falem baixo senão eles descobrem a nossa posição e começam a atirar - reclamou Magriça.
       - Já sei! Vamos tirar a sorte pra ver quem vai lá fora espiar. Quem dá a ideia não disputa - Tião sorria como se tivesse inventado o avião.
       - Nada disso, disputa sim senhor! - decretou Zecão.
       - Quem topa? - perguntou Jorge. Ninguém respondeu.
       - Tem que ser é no par ou impar - opinou Antônio Carlos.
       - É isso mesmo! - concordou Jorge, satisfeito.
       - Vamos dividir - assumiu rapidamente Zecão, como se todos já tivessem há muito concordado – é quatro contra quatro, depois os quatro que perderem vão disputar entre si, então sobram dois. Aí quem perder, vai sair e espiar.
       - Gente - atalhou Tião unindo os dedos das mãos adiante com estilo  -  se um de nós sair pra espiar morre na hora. Se for eu quem perder eu não vou lá fora não!
       - Nem eu! - concordou Dino meio aliviado.
       - Eu também não! - seguiu-se a negativa de Edu.
       - Pera aí, turma. Também não precisa ir lá fora. É só abrir um pouco a porta e meter a cabeça - encenou Jorge como se abrisse uma porta, esticando o pescoço e segurando a maçaneta no ar. - Aí, pam...!  - fez Edu, apontando com o dedo indicador.
       - Escute, gente - recomeçou Zecão, ignorando Edu - precisamos fazer alguma coisa. Parados não resolvemos nada. Aquele que perder no par ou impar vai ter mesmo de meter a cara pra fora, senão a gente nunca vai saber.
       - É, vamos morrer de fome aqui - ajudou Jorge.
       - Eu não quero morrer de fome - reclamou Japonês com voz chorosa
       - Se não for de fome vai ser de tiro - o pessimismo de Tião era evidente.
       - Nem de tiro - voltou a reclamar Japonês.
       - Meu pai disse que quem morre de fome e sede, morre de inadição - lembrou Edu inconvenientemente.
       - É inanição, i-na-ni-ção - corrigiu-o Antonio Carlos, soletrando novamente com autoridade didática.
       - Chega, gente, vamos logo pro par-ou-ímpar. Aquele que perder e se negar vai se danar comigo - ordenou Zecão de uma vez por todas.

       Dividiram-se e começaram a disputar. Na primeira rodada saíram vencedores: Antônio Carlos, Dino, Edu e Japonês.
       - Ganhei! - cada um comemorou.
       - Psiu...! Não gritem - repreendeu-os Tião, contrariado. Na segunda rodada apostaram Jorge x Tião e Magriça x Zecão.
       - Ganhei! - gritou Tião.
       - Ganhei! - gritou Magriça.
       - Calem a boca! - repreendeu-os desta vez Jorge. Os finalistas acabaram sendo Jorge e Zecão.
       - Ganhei! - gritou e pulou Jorge, deixando Zecão vermelho e desenxabido.
       - Agora eu quero ver! - ironizou Tião.
       - Quer ver o quê? Está pensando que eu não tenho coragem?
       - Afaste todo mundo da porta! - ordenou Jorge abrindo os braços e empurrando os demais.
       - É, se eles atirarem, que acertem só no Zecão - continuou Tião a provocar.
       - Eu lhe arrebento, Tião. Está querendo me botar medo é? - Zecão a esta altura gritava e quase espumava.
       - Psiu...!  - fez Edu.
       - Psiu, o quê! - enervou-se ainda mais. O restante da turma foi se encostar lá na janela, deixando Zecão sozinho. 
       - Já pensou se eles pulam pela janela? - falou Tião, olhando para trás.
       - Hã?? - assustou-se de novo Magriça.
       - E podem mesmo – apoiou-o Edu - o meu pai disse que eles treinam pra pular até de telhados. Todos olharam ao mesmo tempo para o teto e silenciaram.
       - Será que eles vão mesmo pular por essa janela? - Dino voltava ao assunto.
       - Então fale baixo, senão eles vão saber que nós sabemos - alertou Edu.
       - É, todo mundo calado - sugeriu Tião.
       - Como é Zecão, vai ou não vai? - perguntou Jorge sem ligar para a sugestão de Tião. Todos se voltaram para Zecão.
       - Calma, eu não estou com pressa - respondeu contrariado.
       - Eu acho que ele está com medo - voltou a provocar-lhe Tião.
       - Medo o quê, eu estou pensando.
       - Pensando em quê, Zecão? - inquiriu Jorge.
       - Nada, só uma coisa. Zecão coçava o queixo e olhava para a porta. Passou-se um minuto e nada.
       - Ande, Zecão, olhe logo! - solicitou Dino ansioso.
       - Já vou, calma!  - falou maciamente com surpreendente educação. Ele fez menção de abrir a porta, mas voltou-se para os outros - Jorge venha cá, por favor! - pediu com incomum delicadeza.
       - O que é?
       - Venha cá só um instante! - insistiu com a mesma e incomum polidez. Jorge foi até ele – Eu preciso que você fique aqui - pediu sem querer mostrar que pedia.
       - Está maluco, Zecão, os tiros podem me acertar!  Jorge quase deu um pulo para trás.
       - Você é meu amigo ou não é, Jorge?
       - Sou, mas...
       - Pois é, nestas horas que a gente precisa do amigo.
       - Mas você perdeu Zecão! - lembrou-lhe com energia.
       - Eu sei, mas já pensou se fosse você que estivesse aqui, sabendo que podia morrer, como é que ia se sentir?
       - Chii, Zecão está roxinho de medo, estamos roubados - Tião falou com certo prazer.
       - Não estou com medo coisa nenhuma, eu só quero uma ajuda! - reagiu procurando se controlar.
       - Que ajuda? - perguntou Jorge desconfiado.
       - É o seguinte: eu vou abrir a porta bem devagarinho e olhar pra fora. Se eles atirarem e você ver que eu fui atingido, me puxe pra dentro. De repente o tiro pega só de raspão.
       - Mas aí eles me enxergam e me acertam também!
       - Não, se você ficar aqui neste canto.
       - Não sei, não, é muito perigoso. - Jorge hesitava com a mão no queixo.
       - Pôxa, Jorge, agora estou vendo que você nunca foi meu amigo. Eu que sempre agi direito com você!
       - Está bem, está bem, mas veja se não escancara a porta! – rendeu-se finalmente.
       - Pode deixar! - Zecão ficou mais animado.

       Zecão botou a mão no trinco da porta, mas não a abriu. Jorge encostou-se à parede e ficou todo encolhido. Zecão olhou para a turma como se estivesse se despedindo e eles lhe devolveram o mesmo olhar. O terror se estampava naqueles rostos. Zecão tirou a mão do trinco e fechou-a fortemente. A mão estava gelada, mas o pescoço e as orelhas ardiam feito brasa. Ninguém falava e Zecão não abria a porta.
       - Abre, Zecão, acabe logo com isso! - Tião impacientou-se.
       - Também não é assim! - ele gritou nervosamente, a polidez já acabara.

       Ele relutou outra vez, mas finalmente se resolveu. Baixou a alavanca do trinco e puxou a porta. Uma fresta apareceu e ele parou. Silêncio e imobilidade; ninguém falava ou se mexia. Então, com cuidado, ele meteu um olho naquela fresta, puxou a porta mais um pouco e começou a enxergar um pedaço do lado de fora. Abriu mais... Foi abrindo... E parou. Já dava para enfiar a cabeça, mas ele esperou.
       - Nenhum tiro até agora - cochichou.

       Todos lhe pregavam os olhos como se ele fosse um poderoso imã. Súbito, invadido de uma coragem surpreendente, ele enfiou a cabeça pela abertura e olhou para fora. Mas tão rápido como fora, ei-lo de volta para o lado de dentro, batendo a porta.
       - Eles estão lá! - falou ofegante.
       - Minha nossa! - desesperou-se Magriça.
       - Nós vamos morrer! - sentenciou Edu.
       - Quantos são, Zecão? - perguntou Jorge, nervoso, já próximo a ele.
       - Não sei, só consegui ver aqueles dois que estão disfarçados.
       - Eles estão de metralhadoras? - perguntou Dino.
       - Não sei, não deu pra ver direito. Eu me escondi logo pra eles não me enxergarem. Eles estão bem no portão, conversando.  Cansado, Zecão foi em direção da parede e sentou-se apoiando o corpo. Os outros o acompanharam.
       - E agora, o que nós vamos fazer? - perguntou de imediato Magriça. Sem resposta ficaram ali, preocupados, até que Edu de repente falou:
       - Tudo por culpa da dona Cinira.
       - Aquela velha implicante. Bem que ela disse que ia chamar a polícia. - lembrou Dino.
       - Só porque o Edu quebrou o vidro da janela dela - relembrou Jorge.
       - Epa, o vidro, não! Eu quebrei o vaso de planta, quem quebrou o vidro foi o Tião. - defendeu-se Edu.
       - É, mas por culpa do Magriça, que não segurou a bola - apontou-lhe Tião.
       - Minha culpa, nada. A bola veio muito alta, como é que eu ia alcançar? A do Edu sim foi baixinha, o Japonês é que não pegou!
       - Que culpa eu tenho se o Edu tem o pé torto? Além do mais, eu era o goleiro e ele era do outro time! - Japonês piscava os olhinhos sem parar.
       - Aquela velha coroca. Por causa de um vasinho à toa minha mãe me deixou de castigo. - comentou Edu, fazendo careta após as últimas palavras.
       - E ainda foi chamar a polícia pra pegar a gente - afirmou de novo Dino.
       - Se eu sair vivo desta, aí é que eu vou quebrar um vidro dela de propósito - ameaçou Tião.
       - Mas nós vamos morrer! - lamentou Japonês.
       - Cale a boca, não fique aí agourando! - reclamou alto Zecão.
       - Psiu...! - Jorge levou o dedo aos lábios e todos se calaram.
       - E se a gente enfrentasse eles com as granadas? - sugeriu corajosamente Antônio Carlos, o mais calado de todos, segundos depois.
       - Granadas?? - Jorge quase deu um pulo. Eles se entreolharam e viraram os rostos para a caixa preta.
       - Ia ser uma guerra danada! - falou Tião entre temeroso e excitado.
       - Meu avô falou que uma granada sozinha derruba uma casa inteira - informou Dino.
       - Exagero, uma só é pouco. - replicou Jorge.
       - Mas se for velha como esta, derruba - reafirmou Dino com toda a certeza.
       - A gente não vai explodir granada aqui dentro, vai? - Magriça estava super apreensivo.
       - Claro que não seu burro, senão a gente morre junto - explicou inteligentemente Jorge.
       - Se não tiver cuidado a granada explode na mão - alertou Tião.
       - Não, se pegar ela, tirar o pino e jogar logo - ensinou Edu, mostrando com gestos.
       - É, mas tem de ser alguém que tenha muita força no braço pra ela não cair perto e atingir a gente - o alerta agora era de Dino. Todos olharam ao mesmo tempo para Zecão.
       - Ei, espera lá, eu não vou jogar coisa nenhuma, tá legal? - protestou prontamente, fazendo movimento negativo com o dedo.
       - Mas você é o mais forte, Zecão - falou Tião, como se implorasse.
       - E daí, vocês também não são tão fraquinhos, assim!  Além do mais – prosseguiu após breve pausa – não tem graça nenhuma eu ficar aí jogando granadas, arriscando morrer, e vocês escondidos lá no canto. Já basta eu ter espiado pela porta.
       - Eu acho que uma só chega - afirmou Antônio Carlos.
       - Uma só, pra vencer aquela gente toda? - questionou Edu.
       - Não. Pra chamar a atenção de nossas mães - explicou Antônio Carlos - então elas vinham e levavam a gente pra casa! Todos se surpreenderam por não terem pensado nisto antes, afinal mãe é mãe. Silêncio e meditação.
       - Pra mim não adianta, eu não tenho mãe - Zecão lembrou-os com certo desânimo segundos depois.
       - Adianta sim, Zecão, as outras mães não iam deixar ninguém ficar aqui - animou-o Jorge.
       - Não adianta, não – falou Japonês quase chorando – minha mãe trabalha longe e não ia escutar.
       - Deixe de ser boboca, Japonês, eu já disse que as outras mães não iam deixar ninguém ficar aqui – a autoridade de Jorge sobre o assunto era notável, e ele continuou – quem têm mãe em casa agora, levante o dedo? Todos levantaram menos Zecão e Japonês.
       - Taí, então dá certo - concluiu satisfeito.
       - Mas quem vai atirar a granada? - Zecão queria logo saber.
       - Temos que ir pro par ou impar outra vez - Jorge continuava a comandar.
       - Eu não topo - negou-se Magriça.
       - Nem eu - aderiu Japonês.
       - Espera lá, turma, assim não dá. Temos que ser unidos - Jorge novamente liderava.
       - Mas eu tenho medo de granada - justificou Magriça, e Japonês concordou com aceno de cabeça.
       - Olhe aqui – a palavra era ainda de Jorge – ou a gente toma coragem e faz logo o que precisa ser feito ou vamos morrer todos. Quem quer morrer?
       - Eu não!
       - Nem eu!
       - Eu também não!
       - Então vamos todos pro par-ou-ímpar, quem ficar ficou, vai ter de se virar - decretou Jorge. Dividiram-se e partiram para a nova disputa. Como da vez anterior, aqueles que iam vencendo comemoravam. Ao final, sobraram Edu e Tião.
       - Agora, falador, tenho fé que vai ficar você! - torceu Zecão.
       - Ganhei!! - gritou Tião.
       - É, Edu, é você mesmo, vai ter de jogar a granada - disse Jorge, como se lamentasse.
       - Bem feito, ficava todo prosa com o pai sabe tudo. Agora eu quero ver se vai saber mexer na granada - Dino aproveitava para zombar.
       - Pelo menos meu pai sabe mais que seu avô, que nunca viu nada, e fica aí contando história - a resposta foi imediata.
       - Viu sim senhor, ele esteve na guerra! - zangou-se.
       - Chega, turma, vamos planejar - atalhou Jorge.
       - Mas eu não tenho força no braço, eu acho que não vai dar certo - tentou Edu.
       - Agora não adianta, Edu, tem de ser você mesmo - confirmou Zecão.
       - Mas se explodir perto da casa eu não tenho culpa.
       - Você tem de jogar assim, olhe - ensinou Tião.
       - Jogar eu sei, eu estou falando de força - explicou com certo orgulho.
       - Deixe de onda, Edu, se você consegue atirar pedra longe, pode muito bem atirar granada - repreendeu-o Jorge.
       - Pedra é pedra, granada é granada - insistiu meio desanimado.
       - Ande, Edu, vá logo! - ordenou Zecão.
       - Não fique me dando ordens, senão eu não vou - reagiu. Todos se calaram e Edu se aprontou. Olhou para a dependência da casa onde se via metade da caixa preta e refugou  - Ih, está escuro!
       - Mas dá pra enxergar muito bem - afirmou Zecão.
       - A gente está olhando daqui - animou-o Jorge.
       - Pegue ela com cuidado, Edu, senão a gente explode junto e aí, babau - alertou Tião, fazendo gesto junto ao queixo.
       - Pare com isso, Tião, senão dá azar e explode mesmo - repreendeu-o Magriça.
       - Querem calar a boca, estou ficando nervoso. - virou-se Edu para reclamar.
       - É, cale a boca todo mundo, pra ajudar o Edu - pediu Jorge. Houve expectativa e Edu saiu vacilante. Antes de chegar junto à caixa preta, ele parou e voltou-se para todos que o espiavam atentamente.
       - Aquele baú verde está aqui! - informou.
       - Não interessa o baú, abra logo a caixa - ordenou Dino com visível ansiedade.
       - Eu só estou falando, pôxa - ele então se arcou e tocou a caixa preta muito levemente. A caixa era comprida e estreita - uui, está fria, é de ferro!
       - Não sacuda ela, não! - gritou Magriça, com olhos quase esbugalhados.
       - Psiu...! - fez Jorge.
        - Ei, não dá pra abrir, está com cadeado! - comemorou quase pulando.
       - Essa não!! - aborreceu-se Jorge.
       - Está sim, venham só ver aqui.

       Movidos por esta segurança, eles se animaram e foram onde Edu se encontrava.
       - É mesmo... droga! - reclamou Dino.
       - Como é que vai ser agora? - perguntou desorientado Zecão.
       - Agora não tem jeito. Se a gente bater no cadeado pode explodir alguma - disse Edu bastante aliviado.
       - Mas você não falou que granada só explode se tirar o pino dela? - Dino ainda tinha um fio de esperança.
       - É.... - ele ficou meio pensativo. Então falou como profundo conhecedor da matéria e de suas exceções, olhando para a caixa - sabe o que é, pode ter alguma com o pino frouxo; aí bumm!
       - É... - admitiu Dino desanimado.
       - Não mexa não, Edu, senão esta droga toda explode - Japonês deu-lhe força na decisão.
       - Não vou mexer, não, é perigoso - confirmou com ênfase.
       - E agora, o que a gente vai fazer? - Zecão continuava inconformado.
       - Será que tem granada noutro lugar? - desta vez foi Dino.
       - Quem sabe ali no baú - apontou Tião.
       - É mesmo, é de fechadura de pressão - observou Zecão animado.
       - Abra lá, Edu, veja se tem granada - sugeriu Tião.
       - Eu não! – bradou – eu perdi no par-ou-ímpar foi pra mexer nesta caixa, o baú é outra coisa.
       - É a mesma coisa, não tem diferença nenhuma - Dino discordava.
       - Tem sim, baú é baú, caixa é caixa, quem quiser que mexa.
       - Mas se tiver granada quem vai atirar é você - decidiu Zecão
       - É isto mesmo, não interessa se a granada está no baú - confirmou Jorge.
       - Mas abrir eu não vou - continuou teimando.
       - Então abra todo mundo junto - sugeriu Antônio Carlos.
       - Boa! - exclamou Jorge.
       - Eu não abro, eu tenho medo de granada - Magriça não quis aceitar a ideia. Japonês já ia também tirar o corpo fora, mas Zecão interferiu:
       - Vai abrir todo mundo, sim. Quem se negar eu jogo dentro do baú e fecho!  Mediante esta real ameaça, ninguém mais ousou reclamar.
       - Vamos então turma, eu vou abrir o trinco - adiantou-se Jorge.
       - Bote todo mundo as mãos na tampa e quando eu der o sinal a gente levanta bem devagar - comandou Zecão. Todos se aproximaram e encostaram as mãos no baú. Zecão verificou que não faltava ninguém - Abra logo, Jorge, está todo mundo pronto. Jorge puxou o trinco para cima e eles todos lançaram ansiosos olhares para Zecão. Ele fez sinal com a cabeça e todos começaram a levantar a tampa - Devagar...! - orientava-lhes.

       Magriça estava de olhos fechados enquanto Japonês os tinha exageradamente abertos, isto é, tanto quanto seus olhinhos permitiam. Numa das pontas do baú, num dos ângulos, estava Tião. A tampa foi sendo levantada e ficou  aberta permanecendo ainda apoiada pelas mãos dos meninos. Eles então retiraram as mãos enquanto olhavam para o interior do baú, com exceção de Magriça que permanecia de olhos fechados.
- Está tudo coberto com um pano preto! - admirou-se Tião, apoiando-se com uma das pernas na beirada do baú, ficando meio de lado.
       - Que será que tem aí embaixo? - Dino perguntou.
       - Vai ver não é granada, é outra coisa - arriscou Jorge.
       - O quê? - perguntou desta vez Zecão, realmente curioso.
       - Sei lá, quem sabe metralhadora. - adivinhava Jorge.
       - É mesmo, olhem só no lado do Zecão, parece que são os cabos delas - mostrou Tião.
       - É verdade... - confirmou Dino.
       - Eu não quero nem ver, vou sair! - gritou Magriça, agora abrindo os olhos, mas sem olhar para o interior do baú.
       - Fique aí, seu medroso, ninguém vai sair - ordenou Zecão.
       - Quem vai puxar o pano? - perguntou Tião.
       - Eu não! - respondeu imediatamente Edu.
       - Tem de ser você, Edu - Dino insistiu.
       - Quer parar de me perseguir, Dino. Eu disse que no baú eu não mexia.
       - Pôxa, Edu, a obrigação é sua. A gente já está fazendo muito de lhe ajudar - encareceu Jorge.
       - É sim, Edu. Não vá querer sair dessa. Quando eu perdi eu fiz tudo sozinho - falou Zecão.
       - Mas aqui é diferente.
       - Tem nada de diferente. Você tem de jogar a granada e acabou, não interessa o resto. Senão a gente vai achar que você não tem palavra - apelou Jorge para os bons costumes.
       - Mas se for metralhadora?
       - Bem... aí é outra coisa. Mas tem que remexer lá embaixo e procurar direito - completou Jorge.
       - Ta legal, mas se for metralhadora não adianta querer que eu pegue porque eu não pego.
       - Tá certo - aceitou Jorge.
       - Eu vou dar um puxão no pano. Segura a tampa aí Zecão, que ela está balançando, senão ela volta e cai na minha cabeça.
       - Pode deixar - garantiu. Edu então se arcou para dentro do baú, segurou uma das pontas do pano preto e zás... Puxou-o de uma só vez.
       - Cruzes!! - gritou Dino.
       - Mãe do céu!! - gritou  Magriça, que não se sabe por que resolvera olhar.
      - É uma caveira!!! - gritou Tião.

       Era um esqueleto inteiro de cara para eles. Foi um Deus-nos-acuda! Cada qual queria sair primeiro e um trombava no outro. Porém, no momento em que viram a caveira, Zecão puxou a tampa, ela quase pegou Edu, mas pegou Tião justamente quando ele ia se levantar, prendendo-o na perna das calças. Com o peso e a batida em baixo o trinco arriou e novamente fechou-se. Os demais conseguiram voltar para a sala de onde haviam vindo, e ali se espalharam.
       - Socorro, socorro, ela me pegou! - gritava Tião, preso pela tampa. Edu, ao ouvir os seus gritos, chegou junto à porta vendo-o naquela situação.
       - A caveira segurou Tião - gritou para os outros, apavorado.
       - Minha nossa, ela vai comer ele! - falou Magriça, quase alucinado.
       - Socorro, salvem! - gritava Japonês, dando socos na porta.

       Com isso, a lingueta da fechadura destravou, talvez porque Zecão não a tivesse mesmo fechado direito, e a porta abriu-se. Naquele instante de terror, Japonês puxou mais e meteu o rosto para fora a fim de gritar, mas não gritou. Ao invés disto, voltou-se para dentro. Ninguém prestava atenção a nada. Uns se encolhiam, ao passo que outros corriam para lá e para cá, enquanto Tião ainda gritava. Apesar do terror e anarquia ali instalada nenhum deles pensava em sair da casa, até que Japonês berrou:
       - Não tem mais ninguém lá fora!

       Eles não pararam para pensar nem por um segundo, se arremessando ao mesmo tempo em direção da porta, em avalanche. Naquela confusão, Japonês acabou ficando por último e quando conseguia sair, e já corria, ouviu passos à suas costas, imaginando o pior, quase morrendo de medo outra vez. Mas para seu alívio era Tião que havia se libertado da tampa do baú, embora com um rasgo nos fundilhos das calças. Nos instantes seguintes, Japonês cruzava o portão e via os seus companheiros adiante, correndo como nunca, sem olharem para trás. Tião já corria alguns metros à frente.

Capítulo II

DE VOLTA À CASA VELHA

       A turma que corria na frente só foi parar diante da casa de Dino. Ninguém conseguia falar de tão cansados. Uns sentaram-se, outros ficaram em pé, encostados pelo muro. Suavam demais. Japonês veio em seguida, quase desmaiando, e sentou-se. Antonieta, mãe de Dino, por coincidência, chegou ao muro.
       - Que é isso, Dino?  - Eles a olharam e Dino não respondeu - Que aconteceu, por que estão todos assim tão cansados?
       - A caveira... ela quis... pegar a gente - falou Tião ainda sem fôlego.
       - Psiu...! - fez Dino.
       - Hem, caveira? - espantou-se Antonieta. 
       - É, lá na casa velha... ela queria... comer o Tião - disse Magriça com dificuldade.
       - Que caveira é essa, meninos, quem inventou essa bobagem?
       - Não é bobagem, não... dona Antonieta... olhe só o que ela... fez na minha calça. - mostrou Tião se virando, embora estivesse sentado.
       - Não é nada, não, mãe!
       - É sim, ela estava lá, deitada no baú... por cima das metralhadoras - falou Jorge.
       - Metralhadoras?! Meu São Genaro, o que vocês estão me dizendo? - Ela, nervosa, correu ao portão e o abriu - Dino conte tudo como foi.
       - Bem, mãe... ah, deixe a gente descansar primeiro!

       Eles descansaram e retomaram o fôlego em definitivo. Antonieta aguardava impacientemente. Finalmente, eles resolveram falar, e foi Edu quem começou:
       - Foi assim, dona Antonieta: a polícia que dona Cinira chamou, cercou a gente quando a gente ia jogar bola.
       - A policia??
       - É, aí a gente entrou na casa onde tem um homem morando lá - intrometeu-se Tião.
       - Que casa?
       - A casa velha!!! - responderam juntos: Edu, Magriça e Tião.
       - Ué, tem gente morando lá agora?
       - Tem, ele é da polícia, e está cheio de granada e metralhadora lá dentro! - explicou Jorge.
       - Madona, que perigo! - exclamou a mulher, levando a mão à boca.
       - Aí, a gente ficou escondido lá dentro - prosseguiu Jorge.
       - Perto das metralhadoras? - perguntou ansiosa a mãe de Dino.
       - É, e das granadas! - reafirmou Magriça.
       - Aí, eles cercaram a casa e a gente tinha de fazer alguma coisa. Então o Edu foi buscar uma granada pra explodir e chamar nossas mães - ajudou Tião.
       - Ai, meu Deus, vocês iam atirar granada na polícia?
       - Não, mãe, era só pra avisar.
       - Que perigo, e se ela explode na mão de vocês, que tragédia!
       - O meu pai disse que granada só explode se a gente tirar o pino dela - explicou pacientemente Edu.
       - É, mãe, e o Edu ia tirar o pino e jogar ela longe.
       - Ai, ai, ai, vocês não têm mesmo juízo, papá! - ela gritou em direção da casa. Os meninos se olharam sem graça e logo Vincenzo, um velho italiano, chegou. Com ele veio Elisa, irmã mais velha de Dino – os bambino aqui papá, quase morreram estraçalhados por uma granada.
       - Uma granada, ma quê? - O velho e a menina desceram e foram se juntar aos demais - granada, onde?
       - Na casa velha, seu Vincenzo, está cheinho lá. Tem também metralhadora assim, ó - contou Tião mexendo com os dedos, mostrando quantidade.
       - Metralhadora e granada, ma como?
                                                 
       Eles de novo recomeçaram a contar a história para Vincenzo, desta vez um pouco mais calmos, enriquecendo-a com novos e importantes detalhes.
       - E a caveira era grande? - perguntou Elisa, olhando para Zecão.
       - Era maior do que o seu Vincenzo e tinha uns dentes deste tamanho! - mostrou Magriça.
       - E as mãos? Eram assim, davam pra segurar o braço da gente e quebrar - exagerou Tião. Vincenzo coçava a cabeça e olhava para os meninos.
       - Quer dizer que a caveira segurou o Tião pelas calças? - perguntou novamente.
       - Acho que não. Pra mim ela deu foi uma dentada na bunda dele - admitiu Edu.
       - Deu nada, ela me agarrou com a mão - garantiu Tião.
       - Eu acho bom chamar a polícia, papá.
       - Polícia, outra vez? - assustou-se Jorge.
       - Mas ele é da polícia, dona Antonieta!! - lembrou Edu.
       - Vocês viram o homem? - perguntou Vincenzo bastante interessado. Eles não responderam de imediato, porém Jorge logo esclareceu:
       - Mas vimos os dois que estavam disfarçados.
       - É! - confirmou simplesmente Magriça.
       - O Zecão viu eles cercando a gente, não foi Zecão? - perguntou-lhe Edu.
       - Foi! - ele confirmou meio vermelho, por causa da Elisa.
       - Como é que vocês sabem que eles eram da polícia? - perguntou Vincenzo.
       - Bem, vô... era o jeito deles. A gente tem certeza que eles eram - reafirmou Dino.
       - E o camburão, vocês viram?
       - Bem... ver a gente não viu, mas que era, era - disse Tião.
       - Eu acho que vocês estão enganados - começou a explicar o velho - eles não são da polícia.
       - Então quem são seu Vincenzo? - quis saber Jorge.
       - Terroristas.
       - Terroristas!!! - exclamaram alguns meninos.
       - Papá, que coisa horrível, você está assustando os bambino.
       - Sim, terroristas. A polícia não ia guardar tanta metralhadora nem tanta granada numa casa velha. Eles guardam armas e munições no batalhão.
       - Por que os terroristas iam querer tanta arma? A curiosidade era agora de Japonês.
       - Pra fazer guerra contra os governos - explicou Vincenzo.
       - Mas por que, vô?
       - Porque eles nunca estão satisfeitos com nada.
       - Mas eles são maus? - perguntou Magriça.
       - São, não se importam com as pessoas. Vocês não veem na televisão como eles vivem explodindo tudo e matando gente inocente?
       - Papá, pare com isso! Você está assustando ainda mais os bambino – implorou Antonieta fazendo gesto italiano típico de mãos e dedos.
       - Pensando bem, aqueles dois tinham mesmo jeito de terroristas - falou Dino com ar pensativo.
       - Você por acaso já viu algum? - perguntou Edu.
       - Meu avô já viu, não é vô?
       - Bem, lá na Itália...
       - Chega papá. Agora não é hora de contar história, precisamos resolver este caso. Elisa vá até a casa do Edu, depois do Jorge e de todos os que estão aqui. Diga pra mães deles que eu estou chamando, é coisa urgente com nossos filhos.
       - Chii...! - encolheu-se Tião.
       - Mas é muito trabalho pra mim, mãe.
       - O Dino vai junto. Os outros vão ficar por aqui, sem sair.
       - Eu, por que eu? - reclamou o menino.
       - Porque sim, ande logo filho mio, não discuta.

       Passados minutos, algumas mães vieram chegando aflitas. Nem todas puderam vir naquela hora. Assim, vieram as mães de Magriça, Antônio Carlos e Edu. Dino e Elisa chegaram a seguir.
       - Bem, o problema é que não podemos deixar os terroristas fazerem um quartel no nosso bairro - explicava Vincenzo. Outras pessoas que por ali passavam paravam para ouvir e uma pequena multidão foi se formando.
       - Não me diga! - exclamava um.
       - É sim, dizem que eles são muitos e perigosos! - informava outro.
       - Então temos de chamar o exército, eles é que são treinados pra guerrear contra terroristas.
       - Atenção, gente! – gritou Vincenzo levantando os braços – não vamos nos precipitar. Quem sabe eles somente virão à noite pra fazer planos. Não é nosso papel sair por aí chamando o exército ou aeronáutica. Vamos procurar o guarda do bairro e informá-lo. 
       - Mas um guarda só, vô, não vai poder com todos eles - observou Dino.
       - Eles podem capturar ele, seu Vincenzo - Tião alertou.
       - Não vai acontecer isso, ele vai tomar as providências. Agora, se ele for capturado....  – Vincenzo abriu as mãos e encolheu os ombros – bem..., então aí a gente chama o exército.
       - É isso mesmo! - alguém apoiou.
       - É..., a polícia é que tem de resolver!  - outra voz se levantou.
       - Então vamos todos! - incentivou o velho italiano.

       E foram saindo. Assim que começaram a andar as mães de Jorge e Tião chegaram e acompanharam a pequena multidão. O guarda de serviço quando viu aquela gente toda chegando à praça gritando o seu nome, sentiu vontade de correr sem olhar para trás. Mas sendo agente da lei teve de ficar.
       - Seu Jacinto, o senhor precisa ir na casa velha – começou Vincenzo – falando da janela da casinhola.
       - O que houve?
       - Está cheio de terroristas - foi logo informando Edu.
       - Terroristas?? - o guarda assustou-se.
       - Bem, ainda não - recomeçou o italiano - ele só vão chegar à noite. Mas o senhor precisa ir lá pra ver as granadas e as metralhadoras que eles guardam.
       - Granadas, metra...lhadoras?? - engasgou-se o defensor da lei e da ordem do bairro.
       - É sim, seu Jacinto, eles vão fazer esconderijo na casa velha - explicou Dino.
       - E depois explodir com o governo! - concluiu Edu.
       - Os meninos estão aqui de prova – continuou Vincenzo apontando para eles que, orgulhosamente, confirmavam com a cabeça – e por um fio não começam uma guerra com dois deles.
       - Uma guerra? - o policial ia de surpresa a surpresa.
       - É, mas por sorte deles, eles não viram a gente e foram embora - afirmou Tião.
       - O senhor tem medo de caveira? - perguntou Elisa, segurando o braço da mãe.
       - Caveira? - o guarda fez mais uma careta.
       - É, tem uma lá do seu tamanho. Ela mordeu o Tião - contou Edu.
       - Mordeu nada! – protestou o menino – ela me agarrou bem aqui - ele virou-se ligeiramente, apontando com uma das mãos para o rasgo e protegendo-o com a outra.
       - Oh!!! - exclamaram aquelas pessoas que não haviam ainda ouvido aquela parte do relato.
       - Pra mim é caveira de alguém que eles mataram - concluiu Jorge em meio ao burburinho dos comentários.
       - E agora ela quer se vingar do primeiro que aparecer. Vocês precisavam ver como ela atacou o Tião. Tem dentes deste tamanho - informou Edu, abrindo bem o polegar e o indicador da mão direita. Mais gente ia chegando e o burburinho aumentando.
       - Atenção todo mundo! - gritou  Vincenzo, mas poucos obedeceram.
       - Atenção todos! - ajudou-o Antonieta. Vincenzo recomeçou:
       - Nosso valoroso e valente guarda, seu Jacinto, aqui presente, irá até a casa velha pra investigar tudo o que tem por lá dos terroristas.
       - Eu, investigar? - Jacinto ainda não entendera a gravidade da situação.
       - E pra prender a caveira! - falou Magriça. Jacinto olhou-o com olhos quase arregalados.
       - Vamos dar vivas pro Jacinto! - gritou o italiano
       - Viva Jacinto!!!
       - Viva Jacinto!!!

       Ante aquela aclamação Jacinto encheu-se de coragem e saiu andando. A multidão o seguia. Havia ali, além dos figurantes que iniciaram toda esta confusão, outras mães do bairro, pais, o açougueiro, o quitandeiro, outros homens que bebiam no bar do português, o padeiro de bicicleta, mais crianças que vinham chegando, e até um cachorro. Seriam todas umas cinqüenta pessoas.
       - Vá lá, Jacinto, investigue só - Vincenzo apontou para a casa velha.
       - Pegue as metralhadoras deles! - gritou um dos freqüentadores do bar. Jacinto sentia o estômago arder e as pernas bambearem, mas como o dever o chamava, ele foi cautelosamente.
       - Se houver qualquer movimento suspeito na casa, todo mundo sai correndo. A gente não pode se arriscar a levar um tiro - instruiu-os Vincenzo.

       Jacinto ultrapassou o portão e começou a andar um tanto agachado; às vezes se deitava no chão e ficava imóvel, tal qual um soldado em campo de batalha.

       - Seu Jacinto, eu me esqueci de dizer, as granadas estão na caixa preta. Não balance que uma explode! - gritou Magriça, fazendo concha com a mão junto à boca.
       - Psiu...! Cale a boca menino - repreenderam-no.
       - Chii...! Será que explode mesmo? - perguntou uma mulher.
       - Explode sim, se o pino soltar, buuumm...! - confirmou Edu.
       - Ai, meu São Benedito, então a gente pode morrer todo mundo! - assustou-se Sebastiana, mãe de Tião.
       - Que perigo, coitado do Jacinto! - lamentou outro homem. Um vozerio começou a se espalhar, cada um dizia uma coisa. Jacinto voltou correndo.
       - Que houve Jacinto, viu algum deles? - perguntou o italiano.
       - Não vi ninguém, mas com o barulho que vocês estão fazendo eles me pegam se estiverem por lá. Olhe, gente, eu acho bom todo mundo ir embora e deixar somente o seu Vincenzo por aqui. Ele já esteve na guerra e me dará cobertura.
       - Só nós dois?? - Vincenzo arregalou os olhos azuis.
       - E a gente não vai ver nada? - Antonieta ficou indignada.
       - Vocês estão fazendo muito barulho; é perigoso pra mim.
       - Espere aí seu Jacinto, assim não dá - reclamou o italiano.
       - Não dá por quê?
       - Bem... - Vincenzo coçava o queixo e pensava.
       - Se eles prenderem vocês dois, como é que a gente vai saber? - perguntou Antônio Carlos, detrás de sua mãe.
       - É... quem ia saber? - animou-se o velho italiano.
      - Parece que não há ninguém lá seu Vincenzo, só precisamos ser cuidadosos por uma questão de casualidade. O velho voltou a ficar embaraçado.
       - Mas tem a caveira - lembrou Elisa.
       - É, e se ela agarrar o seu Jacinto, o seu Vincenzo sozinho não vai poder com ela - confirmou Tião, fazendo gesto de quem abraça.
       - Ela pode comer o seu Jacinto antes mesmo do seu Vincenzo chegar - acreditou Magriça.
       - Desconjuro menino, vire esta boca pra lá! - disse o guarda assustado.
       - É sim, seu guarda, ela é feroz - reafirmou Japonês.
       - Cruz credo, pra que mexer com gente morta - reclamou Sebastiana.
       - Morta nada, ela está vivinha, ela até mordeu a bunda do Tião - mostrou Edu. Tião ia de novo protestar, mas o policial gritou:
       - Chega!!  - Todos calaram-se e ele não soube o que dizer mais. Virou-se então para a casa e ficou olhando-a; depois meio pálido, voltou-se novamente para a multidão - mesmo assim eu preciso que seu Vincenzo vá comigo. A gente tem de correr o risco juntos.
       - Ma per quê io? - perguntou o velho italiano, trazendo as mãos adiante e unindo as pontas dos dedos.
       - Pra me ajudar a enfrentar a caveira. Com nós dois eu tenho certeza que ela não vai poder. Ela não vai comer a gente não, a gente dá um jeito! - Jacinto falava agora com grande convicção.
       - Enfrentar a.... caveira? - murmurou o italiano.
       - E os terroristas?  - alguém na multidão voltou a lembrar.
       - Bem, como eu disse, parece que não tem ninguém na casa, mas a caveira deve estar.
       - Mas se tiver mesmo terroristas e eles lhe prenderem e mais o seu Vincenzo, como é que a gente vai saber? - novamente alguém perguntou.
       - É..., alguém vai ter de avisar, então precisa de mais um - sugeriu Antônio Carlos.
       - É..., mais um - concordou satisfeito Jacinto, com ar de quem realmente pensa.
       - Mas três pode ser pouco, vô. Já pensou se os terroristas atacarem você e o seu Jacinto e a caveira abraçar o outro, quem é que vai avisar? - Dino lembrou oportunamente.
       - É mesmo, então precisamos ser quatro - concordou mais uma vez o guarda. Eles todos silenciaram e Jacinto recomeçou: - já tem eu e o seu Vincenzo, quem mais é voluntário? O velho italiano olhava nervosamente para todos os lados, apertando as mãos e mordendo os lábios.
       - Um momento!  Ninguém tem obrigação de ir. Somos moradores pacíficos, a lei aqui é você - contestou o açougueiro.
       - É isso mesmo! – apoiou-o o italiano.
       - Mas é perigoso pra um homem só! – Jacinto quase choramingou.
       - Então chame o exército! - outra voz gritou.
       - Com o exército duvido que a caveira possa - desafiou Dino. Um vozerio de novo se formou e Jacinto perdeu a paciência:
       - Chega!  Todo mundo calado! Se ninguém quer ir eu vou sozinho! – disse com súbita coragem.
       - Viva Jacinto! - aplaudiu Vincenzo.
       - Viva!!! - aclamaram.
       - Calem a boca!! - gritou o guarda irritado.
       - Seu Jacinto, eu tenho uma boa estratégia pro senhor - começou Vincenzo.
       - Que é estratégia, vô? - perguntou Dino.
       - É a maneira de surpreender o inimigo, como a gente fazia na guerra.
       - E como é? - continuava curioso o menino.
       - Bem..., é o seguinte - ele olhou para o guarda - o senhor vai se arrastando com duas pedras numa das mãos e na outra a arma engatilhada. Ai, o senhor atire uma pedra por cima da casa pro lado de lá e aguarde. Se escutar barulho dentro da casa é porque eles estão lá dentro. Então o senhor atire a outra pedra no mesmo lado e espere pra ver se eles saem.
       - E se eles não saírem? - perguntou atento o guarda.
       - Então o senhor empurre a porta e surpreenda eles por trás - completou o velho.
       - Mas eles têm metralhadoras e eu só tenho um revolver! - reclamou.
       - É mesmo... - coçou a cabeça o italiano.
       - Então não entre. Volte como chegou e chame o exército - sugeriu Antônio Carlos.
       - Mas se não tiver ninguém em casa? - Antonieta perguntou. Vincenzo se apressou em concluir:
       - Aí ele olha as armas e as munições, sai e telefona pro batalhão. Então eles vêm, fazem uma estratégia e mais tarde prendem os terroristas.
       - E o seu Jacinto vai virar herói! - falou Elisa com entusiasmo.
       - E vai pra televisão - previu Dino. Jacinto já sorria e esquecia-se de todos os perigos.
       - Então vá logo, seu Jacinto, e abra aquela caixa com metralhadora e granada enquanto não tem ninguém por lá - apressou-o Jorge.
       - Calma, já vou.  Dizendo isso ele virou-se e começou a andar em direção da casa.
       - E se a caveira avançar dê uma coça nela! - pediu-lhe Magriça.
       - É, mas não deixe ela segurar o seu braço! - alertou Tião.
       - Mas se ela segurar, dê um golpe de judô nela que ela desmancha todinha no chão - ajudou Jorge.
       - Será que desmancha mesmo? - perguntou Jacinto voltando-se para eles.
       - Meu pai disse que osso de caveira solta fácil, fácil - explicou Edu.
       - Ainda mais se for de caveira velha - completou Jorge com a perfeita noção de um experimentado arqueólogo.

       Jacinto finalmente foi. Como desta vez estivesse convencido de que não havia terroristas na casa nesta hora, andava normalmente, sem se agachar. Chegando à porta, parou e ficou a observar.
       - Ele deve estar escutando os passos da caveira - falou Edu.
       - Pra mim ela deve estar dormindo - adivinhou Tião.
       - E como é que ela pode dormir sem fechar os olhos? - perguntou Dino
       - Sei lá, deve dormir assim mesmo, com aqueles dois buracos - respondeu Tião.
       - Psiu...! Quieto bambinos - observou Antonieta.
       - Ih...! Ele entrou mãe! - admirou-se Elisa.

       Passaram-se cinco minutos; todos ansiosos aguardavam. Então Jacinto apareceu pela porta, carregando algo nas mãos, com imensa dificuldade.
       - Seu Jacinto trouxe a caixa preta pra fora! - falou assustado Jorge.
       - É a caixa das metralhadoras e  granadas! - completou Dino
       - Esse Jacinto é louco! - disse nervosamente Vincenzo.
       - Se balançar muito ela pode explodir! - alertou Edu.
       - Seu Jacinto!! - gritou-lhe o italiano e o guarda olhou-o imediatamente  -  leve isso pra dentro, é perigoso!  O guarda fez sinal de silêncio, apontando para dentro da casa.
       - Quieto papá, senão acorda a caveira - repreendeu-o Antonieta.

       Jacinto começou a mexer no cadeado, enfiando-lhe uma chave que retirara de seu bolso. Todos o olhavam atentos. Nisto se aproxima da multidão outra pessoa. Era um homem de cabelos cor de prata e rosto corado.
       - Que está havendo? - perguntou.
       - Silêncio! - respondeu Vincenzo, sem ao menos olhá-lo.
       - O que aquele guarda faz com aquela caixa? - insistiu.
       - Ele está querendo abrir, moço - respondeu Dino.
       - Abrir, por quê?
       - Pra tirar fora as granadas e as metralhadoras - falou Edu.
       - Granadas e metralhadoras?? - repetiu assustado.
       - Silêncio, meu senhor, senão atrapalha o nosso trabalho aqui - pediu Vincenzo.
       - Seu Jacinto tem de abrir logo aquela caixa senão a caveira vai acordar - falou Magriça totalmente concentrado no que fazia o guarda.
       - Caveira? - interrogou de novo o homem.
       - É, tem uma lá dentro. Os terroristas deixaram ela dentro de um baú - falou Dino com impaciência.
       - Terroristas!! - outra exclamação interrogativa, desta vez mais alta.
       - Psiu...! Por favor, silêncio! - agora foi Antonieta.
       - Eu vou até lá! - falou o homem.
       - Não!
       - Não faça isso!
       - Deixe tudo que o Jacinto resolve!

       Muitas vozes contestaram e um pequeno tumulto se fez.
       - De qualquer forma eu vou até lá. Ele pode precisar de ajuda.
       - Mas a caveira pode lhe atacar, o senhor está armado?
       - Não, mas eu sei lidar com caveiras.
       - Sabe?!! - admirou-se o velho italiano.
       - Sei, deixem comigo.  Dizendo isso ele saiu andando. A multidão, temerosa, acompanhou-o com os olhos.
       - Que homem valente, né papá?
       - Não tem medo nem de caveira! - admirou-se Tião
       - Vocês ouviram? Ele disse que sabe lidar com caveiras, ma como? - indignava-se o italiano.
       - Cruz credo, será que não tem medo mesmo? - duvidou Sebastiana.
       - Já sei, vai ver que ele é coveiro de cemitério - adivinhou Dino.
       - Será? - a dúvida veio de Edu.
       - Nada disso. Eu acho que nós cometemos um grande engano. Não devíamos ter deixado ele ir lá - falou Vincenzo.
       - Por que papá, ele quis.
       - Por isso mesmo. Pra mim ele é um terrorista.
       - Oh!!! - fizeram muitas vozes.
       - Que fazemos agora, vô? - perguntou Dino.
       - Nada - respondeu meio embaraçado - vamos primeiro observar. Olhem, ele está chegando!

       O homem chegou e falou com Jacinto. O guarda imediatamente se levantou e apontou para a casa, fazendo gestos. Em seguida abaixou-se e pegou a caixa, entrando ambos, fechando a porta.
       - E agora, vô? - perguntou Dino bastante preocupado. Vincenzo respondeu imediatamente:
       - Pra mim ele obrigou o Jacinto a entrar e deve estar amarrando e amordaçando ele.
       - Ma como papá, ele não mostrou nenhuma arma!
       - Cilada - disse simplesmente o italiano.
       - Cilada?
       - É...,vocês não viram como ele apontava pra casa? Aquilo foi pra mostrar que os outros estavam apontando armas. O coitado do Jacinto foi obrigado a levar a caixa de volta pra dentro.
       - Mas, vô, por que então eles não pegaram o seu Jacinto quando ele entrou sozinho na casa?
       - Bem... - ficou pensando o velho.
       - Eu acho que a gente devia mesmo era chamar o exército. Eles acabavam com tudo num instante - a ideia foi do açougueiro.
       - Ia ter um bocado de tiro - observou Tião.
       - Eles iam explodir granadas - falou Edu.
       - E acabar com nosso bairro! - exagerou Antônio Carlos.
       - Nossas casas iam ser destruídas igual na guerra - previu Vincenzo.
       - Mas o governo ia ter de dar novas casas pra gente - outra voz admitiu.
       - Mas isso demora, até lá a gente ia ficando na rua - o próprio açougueiro constatou.
       - Fica não - confirmou Dino - o exército leva a gente pro quartel.
       - É..., a gente por enquanto ficava morando lá - acreditou Tião.
       - Meu pai disse que quartel quase não tem lugar até pra soldado - Edu deu-lhes esta triste notícia.
       - Tem sim, não tem vô? - Dino quis saber a verdade.
       - Na Itália tem - informou o velho.
       - Mas eu não quero ficar em quartel, coisa nenhuma. - reclamou Antonieta.
       - Nem eu - aderiu Elisa
       - Também não - avisou Sebastiana. As outras mulheres todas se negaram. Silêncio.
       - Ih, olhe lá os dois! - apontou agitadamente Magriça, quebrando o silêncio.
       - Seu Jacinto está chamando - confirmou Antonieta.
       - Ninguém se mexa, pode ser outra cilada - alertou Vincenzo. Como ninguém realmente se mexesse, o guarda e seu acompanhante começaram a caminhar na direção deles.
       - Eles estão vindo, vô, que fazemos? - perguntou nervoso Dino.
       - Acho bom a gente sair correndo - alguém sugeriu.
       - Papá, veja bem, seu Jacinto está sorrindo - mostrou Antonieta.
       - O moço também - confirmou Elisa. Vincenzo levantou o braço.
       - Jacinto, pare aí - gritou - não vamos cair na cilada dos terroristas. Diga pra eles que vamos chamar o exército!
       - Que cilada? - perguntou o guarda - Não tem ninguém lá, seu Vincenzo. A casa foi vendida pro seu Leal, este senhor que está aqui.
       - Oh!!! - exclamaram muitos entre aliviados e envergonhados.
       - Ele está convidando todos pra ver o que tem lá dentro - prosseguiu o guarda.
       - Pra ver as armas? - perguntou Antonieta.
       - Não é nada disso, venham, venham todos! - insistiu o guarda. Como o povo apesar de tudo ainda relutasse, ele se aproximou e mostrou - olhem, minha arma está aqui com todas as balas. Vocês acham que eles iam me deixar sair armado, isto é, se tivesse mesmo terrorista?
       - É, vô, ele tem razão - concordou Dino.
       - Terrorista não é trouxa - concluiu prontamente Jorge.
       - E a caveira? - lembrou Magriça.
       - A caveira? Ele vai esclarecer sobre isso também - respondeu Jacinto.

         Vincenzo, sem graça, coçava a cabeça e olhava o chão. Como a multidão começasse a andar, ele resolveu se mexer e foi junto. Entraram todos no terreno parando junto à porta, onde Leal já os aguardava.
       - Bem, amigos, meu nome é Pedro Leal, mas podem me chamar somente Leal. Sou agora proprietário desta casa. Não sou terrorista, como imaginaram, mas ex-artista de teatro e circo, agora aposentado, e lamento a confusão que meus pertences causaram – como todos ficassem quietos, ele convidou – venham, entremos todos!

       Ordeiramente eles entraram, mas formou-se um aglomerado que tomou a sala toda. A caixa preta estava bem à vista e Leal continuou:
       - Esta caixa preta causou-lhes grande pavor, não foi? Então me deixem abri-la - ele puxou um chaveiro do bolso, escolheu uma chave e abriu o cadeado. Vincenzo e os meninos estavam muito próximos - pronto, podem ver!  - disse finalmente, abrindo-a.
       - São ferramentas! - admirou-se Vincenzo.
       - Exatamente, ferramentas que me são muito úteis.
       - Quem foi que falou que era arma? - o italiano fez cara de zangado. Os meninos se entreolharam, mas ninguém falou.
       - Agora vamos ver a temível caveira - disse Leal enquanto se encaminhava para o outro cômodo da casa.
       - Esta sim, é de verdade - confirmou Magriça.
       - Ela até me segurou - voltava a contar Tião.

       Vincenzo logo saiu à frente acompanhando o dono da casa e prestativamente até ajudou-o a abrir as janelas. Eles se amontoavam e Leal teve de pedir para que se afastassem um pouco a fim de poder mexer no baú.
       - Realmente tem uma caveira aqui, porém não temam - alertou. Dizendo isso ele abriu a tampa com certa dificuldade pelo aperto das pessoas e mergulhou as mãos no interior do verde baú.

       - Vejam! - puxou o esqueleto para fora, levantando-o.
       - É caveira mesmo! - admiraram-se
       - Cuidado! - falou Japonês e os meninos se alarmaram.
       - Calma gente, isto é um esqueleto de matéria plástica.
       - Matéria plástica? - interrogou Antonieta.
       - Exatamente, vejam como é leve. É uma imitação perfeita. Foi-me presenteada por um amigo para auxiliar-me nas peças de teatro que produzi e dirigi. Segure-a só, meu senhor - estendeu-a para Vincenzo.
       - É leve! - admirou-se o italiano ao segurá-la.
       - Parece mesmo de verdade, né papá - disse Antonieta bastante aliviada.
       - Cruzes, é tão feia como de gente - reclamou Sebastiana.
       - Ela morde? - perguntou Magriça.
       - Não, claro que não, é inofensiva - disse rindo Leal. Eles então lhe passavam as mãos, embora ainda um tanto receosos - o nome dela é Isaltina.
       - Isaltina? - repetiu surpreso Dino.
       - Sim, todos os meus atores e atrizes têm nomes. Aqui têm outros, vejam - ele de novo arcou-se para dentro do baú e foi retirando bonecos e marionetes  -  este é o Bulão, esta aqui é a Rosinha, esta é a Princesa, este é o Guloso, etc, etc.
       - Quantos bonecos! - falou maravilhado Japonês.
       - E são todos grandes artistas - garantiu - e foi tomando Isaltina das mãos de Vincenzo, acomodando-a de volta ao baú, com os outros que mostrara.

       Envergonhada, Antonieta dirigiu-se ao filho:
       - Está vendo só, Dino, o que você inventou. Onde já se viu dizer estas coisas de seu Leal. Vai ficar de castigo. Sebastiana segurou Tião pela orelha e ele soltou um aí.
       - Você também, seu moleque, vai apanhar uma surra.  Os outros meninos da turma já começavam a se afastar de suas mães, quando Leal falou:
       - Nada disso, gente, deixem estar, não castiguem as crianças. Elas mostraram do que é capaz uma forte imaginação. Aliás, vocês adultos também se deixaram levar, não foi? – eles todos se envergonharam e Leal prosseguiu – Imaginar com intensidade é viver profundamente. Somos felizes quando nos imaginamos assim; infelizes, porém, quando pensamos o contrário. Fico surpreso de ter encontrado neste bairro crianças e adultos com tamanha energia de pensamento. E já que têm o poder de imaginar e assim criar, vou premiá-los.
       - Premiar? - agitou-se Vincenzo.
       - Exatamente, amigos. Estão todos convidados para daqui a alguns dias, talvez domingo próximo, assistirem histórias mágicas que encenarei com meus artistas. Depois haverá uma surpresa.
       - Uma surpresa? - repetiu de novo o velho italiano.
       - Isso mesmo, uma surpresa.
       - O que será? - perguntou desta vez Antonieta.
       - Hum, hum - fez Leal negativamente com o dedo - se eu contar não será mais surpresa. No dia saberão. Agora, por favor, deixem-me arrumar todas as minhas coisas porque tenho muito a fazer. E não se esqueçam do que lhes prometi.
        
Capítulo III
A CASA VELHA VIRA TEATRO

       Logo na manhã seguinte um caminhão estacionou defronte a casa velha. Leal veio atendê-los e mostrou aos homens onde empilhar as muitas tábuas e as estacas que traziam. Mais tarde, dois homens começaram a aplanar o terreno, e este serviço tomou-lhes o dia inteiro. Noutro dia bem cedo outros três homens começaram a escavar o chão, enfiar as estacas, serrar e pregar as madeiras. E os martelos iam tinindo, os pregos rasgando e os serrotes cantando. Antes de escurecer deram por terminada a tarefa, indo embora, ficando ali um palco, rústico, porém imponente.
       - Você viu só, Zecão, que picadeiro legal tem lá no quintal? - perguntou Tião.
       - Aquilo não é picadeiro, Tião, é um palco - explicou-lhe.
       - Palco? Mas em circo chama picadeiro, não é?
       - Picadeiro é picadeiro, palco é palco. Meu pai disse que no circo os palhaços trabalham no picadeiro e no teatro os atores ficam no palco - transmitiu-lhes Edu.
       - Mas circo também tem palco igual aquele, eu já vi - afirmou Dino.
       - Que tem, tem, mas palhaço trabalha mesmo é no picadeiro - completou Edu.
       - Será que seu Leal já foi palhaço de circo? - voltou a perguntar Tião.
       - É..., ele falou que já trabalhou em circo - lembrou Dino.
       - Eu ouvi ele dizer que fazia peças de teatro, que fosse palhaço vocês já estão inventando - discordou Zecão.
       - Ué, grande coisa, se ele estava no circo não tinha nada de mais ele ser palhaço - continuava Tião.
       - Chega, turma, não vão começar de novo a inventar coisas. Ele não foi palhaço e pronto! - decretou Zecão.

       No terceiro dia, começaram a construir bancos compridos bem como a reformar o muro que cercava a propriedade. Depois lixaram e pintaram os bancos. Quando se pensou que as surpresas haviam terminado, chega no dia seguinte, na carroceria do mesmo caminhão, outro palco bem menor, já prontinho: com cobertura, cortinas e tudo, que foi instalado bem no meio do palco maior. Estas novidades buliam e agitavam com a vida do bairro e Leal mandou convidar todos os moradores para a inauguração do seu teatro, domingo, três horas da tarde, e não precisariam pagar ingresso. Aquilo foi motivo obrigatório de conversas em todos os lugares.

       Domingo, à hora marcada, o local se achava apinhado. As crianças ocupavam os bancos da frente, os adultos acomodavam-se mais atrás. Como faltasse lugar para sentar, o povo se juntava em pé, após as duas alas dos bancos, atrás de tudo. Dentre todos se viam o guarda Jacinto, à paisana, o pipoqueiro, e os vendedores de amendoim, balas e algodão doce. Até espectadores do bairro vizinho tinham vindo. Magriça, Edu, Japonês e Antônio Carlos sentavam-se no primeiro banco juntamente com outros meninos. Tião, Dino e Jorge, encontravam-se no segundo banco às suas costas. Zecão, de roupa nova, como, aliás, quase todos os meninos, se misturava àqueles que estavam em pé, e observava Elisa. Ela, sentada, olhando de rabo de olho, fingia não vê-lo.
       - Será que a caveira vem hoje? - perguntou Japonês.
       - Acho que não. Hoje deve ser só marionetes. A caveira é muito grande - arriscou Jorge.
       - Se quiser vir que venha eu não tenho mais medo de caveira - falou Magriça.
       - Nem eu - afirmou Tião.
       - Eu também não - acompanhou Dino.
       - Agora que a gente sabe que ela é de matéria plástica não sei pra que dar tanta pelota pra ela - comparou Edu.
       - Eu acho até que vou construir uma - adiantou Jorge.
       - Você tem coragem, Jorge? - Magriça se surpreendia.
       - Vai ser de plástico, ora, não vai ser de osso - deu de ombros.
       - E se ela virar de verdade? - perguntou Japonês com pequeno riso.
       - Aí eu mando ela pra sua casa! A gargalhada foi geral, só Japonês perdeu o riso e se encolheu.

       Leal apareceu no palco. O murmúrio cessou. Veio junto uma mocinha loira e ele imediatamente começou a falar:
       - Vamos iniciar o espetáculo de hoje. Quero antes apresentar-lhes minha secretária, senhorita Esmeralda - ela teria dezesseis anos, agradeceu aos aplausos e Leal continuou - vamos mostra-lhes agora duas pequenas histórias, com nossas marionetes. Tenho certeza que todos gostarão.

       Saíram ambos, cada qual para um lado, e desapareceram detrás do palco. Acima do palco maior havia as palavras: “Teatro Jornada do Amanhã”, escritas numa folha de cartolina branca e as cortinas do pequeno palco foram abertas. A encenação foi interessante e muito engraçada. Vincenzo se sacudia de tanto rir. A segunda encenação foi tão interessante quanto à primeira. Quando as cortinas se fecharam, Leal adiantou-se perante aquele público e começou:
       - Agora, amigos, a surpresa que lhes prometi. Não imaginam qual seja, quem adivinha?
       - Um palhaço! - gritou Tião.
       - Um tigre! - tentou Edu.
       - Uma bailarina! - arriscou Vincenzo.
       - Não, não - dizia Leal, e como ninguém acertasse, ele recomeçou - pude sentir como a imaginação faz morada em suas mentes. Ela pode levar adultos e crianças para muito distante, como um condor em voo altíssimo. Sim, a imaginação se transforma numa dádiva quando bem conduzida, por isso todos participarão com suas mentes de uma história que vou contar-lhes e que não terá encenação. Entenderão como é fácil voar acima de tudo, dominar e sentirem-se renovados em suas energias. Prestem, pois, bastante atenção amigos, e criem comigo!

Capítulo IV

PEDRO PINOTE

       Era uma vez um menino que se chamava Pedro. Sua pele era rosada, os seus olhos de um azul profundo e os cabelos da cor do ouro. Pedro não era como os outros meninos; ele possuía valores extraordinários!  Era carinhoso com os pais, amigo de todos e amava a natureza como ninguém. As pedras, a terra, as águas, as plantas, os animais – tudo o que existia – tinha para ele especial significado.

       Amiúde ele se ausentava da roda dos colegas, sem que percebessem. Parecia que escorregava. Quando davam por sua falta, iam encontrá-lo quase sempre em estranha situação. Ora encontravam-no numa árvore chamando a um pássaro, ora sobre um telhado em busca de um gato perdido, ou tendo às mãos um solitário pombo. Às vezes, viam-no conversar com uma flor, ou com uma pedra. Pedro era realmente incrível. Até à sua professora ele assustava! Por causa disto, os colegas apelidaram-no de Pedro Pinote - e ele até gostava!

       Pedro era sempre motivo de conversas e preocupações. Sua mãe o levou ao médico. Fizeram-lhe exames, deram-lhe remédios, mas nada. Pedro continuava o mesmo Pedro: inteligente, de fácil assimilar e fazendo as mesmas peraltices. Seus pais e professora foram aconselhados a ignorar aquelas atitudes, fingir desatenção, e que não se preocupavam. Porém, nada disto deu certo e ele continuava o mesmo Pedro.

       Pedro era lépido, atuante, inovador! Ninguém jamais o vira chorar, somente rir. Ele se entristecia com o mal, mas logo voltava a ficar alegre. E todos admiravam o seu rosto e os seus cabelos doirados. As mocinhas alisavam aqueles fios de ouro - e aqueles olhos azuis quanta admiração causavam – que menino lindo, saiam falando!

       Pedro era dócil e sem vaidades. Não conversava sobre coisas de que nada sabia, mas a seus pais e mestra vivia a interrogar. E quede as respostas que ele queria? Pouco sabiam responder e muitas perguntas fingiam não tê-las ouvido.

       Um dia Pedro entendeu que ninguém sabia dizer o que ele realmente desejava. Por isso decidiu buscar nas pedras. Depois abraçou às árvores e ficou a escutar. Aos pássaros chamou, aos animais no zoológico inqueriu. No mar chegou a mergulhar com roupas e até sapatos.  Mas tudo era mudo tudo era surdo!

       Pedro começou a ficar triste. Não queria comer, nem estudar e nada conversava. De novo vieram o médico, os exames e os remédios. Mas nada disto deu resultado: Pedro caiu de cama e lá ficou. Sua mãe, coitada, chorou; o pai ficou muito preocupado e a professora veio visitá-lo. Os colegas também vieram e até trouxeram-lhe flores, aves e bichos. Mas tudo inútil, Pedro nada queria, nem ao menos um sorriso ele dava. E sua casa ficou triste e a escola sentiu a sua falta. Pedro, o amigo das pessoas, das pedras, da terra, das águas, das plantas, e dos animais, não queria mais sorrir, não tinha mais alegria!
       - Por que, Pedro, só por causa de coisas que não sabemos? Estas coisas pertencem a Deus, Ele é quem deve saber. O mundo é Dele, não respondemos por Ele. Vamos, Pedro, está sol lá fora, viva a sua vida! - falou-lhe a professora. Mas Pedro não a escutou e mais ainda se consumia.

       Um dia Pedro sonhou. Ao acordar pela manhã mais do que depressa foi se vestir. Mas para onde ele iria?
       - Não faz mal, eu tenho é que andar – afirmou decidido.

       E assim ele fez: cruzou ruas, enveredou por caminhos, atravessou matos, pulou um riacho e finalmente parou.
       - Uma casa velha, que engraçada, é igualzinha a que eu vi no sonho, agora me lembro! Terá também luz de vela? Mas parado aqui não saberei, vou logo nela entrar.
       - Um momento, menino! - uma voz falou. Pedro se assustou e olhou para todos os lados, nada vendo - aqui, menino, bem em cima de sua cabeça, currupáco!
       - Oh.... É somente um papagaio!
       - Somente um papagaio, não senhor, eu tenho um nome, ouviu?
       - Desculpe não saber o seu nome, amigo verde, mas não adianta negar que é um papagaio.
       - Sou um papagaio sim, mas me chamo Teovaldo.
       - Teovaldo? Que nome engraçado para um papagaio.
       - Você que é engraçado, com esta cara cor de rosa e estes cabelos amarelos! Pedro riu e sentiu um alívio. Também fazia tanto tempo que não ria ou conversava!
       - Au, au, au!  Um pequeno cão latiu, correndo para ele. Pedro alegrou-se e se agachou, começando a acariciá-lo.
       - Ele não gosta muito de gente, mas ficou contente ao vê-lo.
       - Que bom que agora tem um amigo, mas qual é o seu nome?
       - Petisco, e é esperto feito gente.
       - Petisco, pule aqui, eu quero lhe dar um abraço. Petisco pulou e Pedro o abraçou. O cão abanou então o rabinho e ficou todo satisfeito.
       - E você, menino, como se chama?
       - Meu nome é Pedro, porém me puseram um apelido, assim sou chamado de Pedro Pinote.
       - Pedro Pinote, quá, quá, quá, é um nome bem engraçado, e você também é.
       - Então estamos iguais; sou rosado, me chamo Pedro Pinote e tenho os cabelos cor de ouro. E você é verde e se chama Teovaldo.
       - Pedro Pinote, quá, quá, quá! Deixe eu rir pra não chorar. E ele riu tanto que quase caiu do galho.
       - Escute, amigo verde, deixe o riso pra depois e me diga o que eu quero saber. Quem mora nesta casa?
       - Nesta casa que é toda amarela com janelas desbotadas?
       - É, nesta mesma, eu quero conhecer ao seu dono.
       - Aqui vive uma pessoa de terrível poder e que tem uma coisa que pode cegar.
       - Pode cegar? O que você quer dizer com isso?
       - É uma história esquisita e muito, muito complicada. Mas não me pergunte mais.
       - Mas eu preciso saber.
       - Sinto muito, seu Pinote, não posso lhe dizer mais nada.
       - Oh...! - fez Pedro, levando a mão à testa, quase caindo.
       - Que foi, menino, que está sentindo, currupáco!  - perguntou Teovaldo realmente preocupado, pulando para outro galho.
       - Estou tonto, tudo está rodando.
       - Está doente, já vi tudo!
       - Não, eu já estive doente, o que sinto é só tonteira.
       - Então não comeu e está tendo fraqueza.
       - Sim, é isto. Não como direito já faz dias, acho que vou desmaiar.
       - Espere aí, menino, não vá desmaiar agora não senhor! Vou buscar algo que possa comer. Petisco fique aqui e não se afaste do Pedro.

       E lá se foi Teovaldo, entre folhas e folhagens, sumindo de vez. Pedro sentou-se e se encostou ao tronco de uma árvore, jogando a mão sobre Petisco. Pouco depois Teovaldo voltou, trazendo no bico uma pequena maçã, colocando-a na mão de Pedro. Estava madura e cheirosa e ele a comeu toda, logo se recuperando.
       - Cuidado, Pedro, não vá cair, se machucar e me dar mais trabalho. - alertou-o Teovaldo ao vê-lo ficar novamente em pé.
       - Já estou forte, não sinto mais nada. Muito obrigado por sua ajuda e ao Petisco pela companhia. Agora vou entrar naquela casa e falar com a pessoa que lá vive.
       - Não vá,  não, menino desmiolado! - gritou Teovaldo, pulando para junto dele.
       - Au, au! - Petisco arranhava o chão com as unhas, como se alertasse.
       - Mas por que não posso entrar, será que toparei com um monstro?
       - Ela vai lhe mostrar algo que o deixará cego, já disse!
       - Mas quem é ela e que coisa é esta?
       - Só posso lhe dizer que ela vive aqui há muito tempo e aguarda por aquele que virá um dia buscar o tal objeto. E nós também estamos por ele a esperar.

       De repente um vulto passou no interior da casa. Pedro se assustou e Teovaldo arrepiou-se. Então, pelo vão da porta, surgiu uma mão branca, cujo braço estava envolto por uma veste negra, e acenou três vezes chamando.
       - Não vá, Pedro, não vá! É assim que ela faz com todos. Muitos não mais retornaram. Volte pra casa, menino, cuide do corpo, estude as lições, pra que saber mais, currupáco!

       A pequena ave gritava e pulava, mas Pedro não lhe deu mais atenção, avançando em direção da casa. E de nada valeu o cão agarrá-lo pela perna, porque, decidido, ele se desvencilhava. Ao chegar à porta não parou, logo entrando.
       - Bom dia, Pedro Pinote, finalmente vejo-o assim.

       Pedro se assustou ao ver quem falava, dando um passo para trás.  Era uma velha toda de negro, com a cabeça encoberta por um capuz. Apesar da fraca luz de uma vela ele conseguia ver a sua fisionomia.
       - Ah, ah, ah! Está com medo, Pinote, sou tão feia assim?

       Pedro sentiu as pernas tremerem, mesmo assim continuava a encará-la. Os olhos daquela criatura brilhavam estranhamente.
       - Quem é a senhora?
       - Pra que saber quem eu sou? Você aqui veio não foi por minha causa, foi? - ela riu novamente e Pedro se arrepiou.
       - Não..., talvez sim. - ele não sabia o que dizer.
       - Ouça, menino curioso, sei muito bem porque veio aqui e o que quer, mas agora não poderá mais sair - ela falou sério e apontou-lhe o dedo.
       - Não poderei?
       - Não sem antes olhar o que tantos desejaram, e que cega. Por que não ouviu os conselhos de Teovaldo?
       - Mas... Eu não estou aqui pra buscar o que a senhora tem... Quero dizer, não é bem isso.
       - Não é bem isso? Explique-se melhor, menino complicado!
       - Eu vim aqui porque sonhei.
       - Sonhou?
       - Sim, senhora, e porque eu quero aprender muitas outras coisas.
       - Ah, ah, ah! Aprender muitas coisas. É demais para um menino. Meninos brincam!
       - Mas eu sempre quis aprender mais.
       - Por causa disto poderá ficar prisioneiro para sempre. Mas chega de conversa, agora terá de olhar para aquilo que a tantos deixou cego! Aguarde aqui menino, e não ouse sair. Vou lá dentro buscar o motivo do seu sonho.

       A velha saiu se arrastando e gemendo. Pedro obedeceu, ficando ali sem se mexer. Logo ela retornou com um cofre de ouro nas mãos. Colocou-o na mesa e estendeu o braço mostrando-o, afastando-se três passos.
       - Ei-lo, Pedro Pinote, abra o cofre, pois não tem mesmo outra escolha. Que o seu coração agora fale por você, porque é a única coisa que poderá salvá-lo!

       Pedro tremeu, mas não quis ceder. Porém, decidido, deu um, dois, três, quatro passos, chegando à mesa. O cofre era muito bonito e Pedro logo estendeu as mãos tocando a tampa do belo objeto, começando a abri-lo.
       - É um disco de ouro!  - admirou-se - E com pedras de cor que mudam o brilho!
       - Exatamente, Pedro, e agora é seu - falou a mulher sem o capuz, mostrando a fisionomia modificada e jovem, causando enorme surpresa ao menino.
       - É meu? E para que serve?
       - Para fazê-lo viajar, meu filho. E agora lhe chamo Cabelos de Ouro!
       - Cabelos de Ouro, outro apelido?
       - Agora é um nome e saiba também que você cumpriu a condição.
       - Qual condição?
       - De amar e ser amigo. Você se tornou amigo das pedras, da terra, das águas, das plantas e dos animais; é também amigo das pessoas e de tudo o que existe. É bondoso, paciente, e não agride. Você sabe respeitar a vida meu filho, a natureza, e quer estudar para tudo saber.
       - Puxa, agora estou confuso, será que cumpri mesmo esta tal condição?
       - Sim, Cabelos de Ouro, e teve coragem. Os que aqui vieram sem ter méritos ficaram cegos diante do brilho do disco, não conseguindo vê-lo. Assim voltaram cegos como cegos aqui chegaram. Mas você o viu e o brilho não o cegou, portanto, ele é seu. Agora,  nas suas viagens, poderá conhecer.
       - Irei conhecer?
       - Se assim desejar.

       Pedro pulou de alegria. Neste momento vem entrando todo arisco o cãozinho. Por sobre ele, voando ligeiro, vem Teovaldo. Ambos chegaram e homenagearam-no alegremente.
       - Cabelos de Ouro, venha, eu vou ensiná-lo a usar o disco.  Ele então o estendeu à mulher.
       - São doze pedrinhas que você vê brilhando. Segure bem o disco assim, voltado para adiante e encoste-o aqui, sobre o umbigo. Em seguida irá voltar-se para a direção onde o sol nasce e recitar as seguintes palavras: “Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar...” e seu pensamento e a menção do lugar, farão com que o seu corpo desapareça daqui e reapareça no lado de lá.
       - No lado de lá?
       - Sim, Cabelos de Ouro, saiba que este disco o levará a dimensões fantásticas que os olhos humanos não conseguem ver. Nestes lugares, você aprenderá o que desejar. Mas cuidado com os perigos. Para auxiliá-lo dou-lhe Petisco e Teovaldo. Tem outra coisa: não perca jamais este disco de ouro, ou não poderá ir e nem voltar. Para guardá-lo vou dar-lhe um cinto especial.

       A mulher saiu novamente logo retornando, entregando-lhe um cinto todo branco com um estojo redondo feito de um material que se dobrava facilmente. Pedro levantou a camisa e colocou o cinto em torno da cintura, ficando-lhe perfeito. Ao abrir o estojo desabotoando-o, viu que ele não tinha fundo, aparecendo ali o seu umbigo.
       - Tome, coloque o disco no seu lugar. Pedro encaixou-o conforme instruído e ele ficou perfeitamente colado ao corpo, preso às beiradas internas do estojo. Em seguida, abotoou novamente o estojo, protegendo o belo objeto e o cobrindo com a camisa.
       - E a senhora, quem é?  Ela sorriu e respondeu:
       - Como lhe disse, não importa o meu nome, mas pode chamar-me de madrinha, se assim lhe agradar.

       Pedro não pôde mais resistir. Levantou novamente a camisa deixando o disco à mostra, chamou Petisco e Teovaldo, e virou-se para o nascente. O disco começou a brilhar admiravelmente e uma corrente de luz passou a girar no seu interior. Depois outra e mais outra. Cada giro da luz era de uma cor e Pedro viu circular em correntes o vermelho, o azul, o dourado, o verde, o violeta, o alaranjado e o rosa. Eram giros muito rápidos e após o último giro elas se repetiam uma a uma na mesma ordem. O disco também passou a rebrilhar, e com tal intensidade, que parecia um pequeno sol.

       Teovaldo já estava no seu ombro, ele agachou-se, tomou Petisco nos braços, fechou os olhos e recitou: Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar! Os segundos se passaram e nada aconteceu; ele abriu os olhos e, decepção! Via a mesma mesa, a vela acesa e a madrinha próximo a ele, sorrindo.
       - Você não mencionou o nome do lugar e nem pensou em nada, currupáco! - alertou-o Teovaldo.
       - É mesmo. Vamos tentar de novo. Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar, me leve pra....
       - O Reino das Pedras! - intrometeu-se Teovaldo.
       - O Reino das Pedras! - repetiu Pedro. Mal acabou de falar, Pedro sentiu algo muito forte que nunca antes houvera sentido, tendo a impressão de que sua mente viajava com a velocidade de um raio e o seu corpo vinha atrás. Logo desceu, pisando num chão duro, em lugar bastante escuro.

       - Cabelos de Ouro, este lugar é muito escuro, dá até medo de andar.
       - Realmente, Petisco, não dá pra enxergar nada. Eu...Petisco, você falou?
        - Aqui eu posso falar, Cabelos de Ouro, puxa vida!
       - Que alegria, Petisco, eu consigo ouvir a sua voz, como é que eu poderia imaginar?
       - Eu também não sabia, só fui descobrir agora.

       Cabelos de Ouro então riu e abotoou o estojo, escondendo o disco sob a camisa. Em seguida, resolvido a investigar o lugar, saiu andando bem lentamente com Petisco ainda sob o braço e Teovaldo no ombro.

       - Eu pensei que a gente viria pra um lugar bem claro, droga - reclamou Teovaldo.
       - Eu não fazia nenhuma ideia, mas estou também decepcionado.
       - Cuidado, Cabelos de Ouro, estou farejando qualquer coisa adiante - falou Petisco fungando de um lado para outro.
       - O que é, ui...! - Não deu nem tempo para nada, pois Cabelos de Ouro bateu em algo duro e concreto. - É uma parede, creio estarmos dentro de um túnel! - falou surpreso após tatear com a mão. Resolveu então prosseguir em frente, apalpando a parede. Não demorou e viram um ponto luminoso, lá adiante, parecendo uma lamparina vermelha que piscava.
       - Que será, hem? - inquietou-se Teovaldo.
       - Ainda não consegui farejar. O menino andou mais um pouco e de repente parou ao escutar: tum-tum, tum-tum, tum-tum! Era um som de algo compassado e lento.
       - Estão ouvindo? - perguntou Cabelos de Ouro.
       - É barulho que se mexe - acusou Teovaldo.
       - Estou farejando algo, hum..., sniff, sniff! Que cheiro esquisito, não sei do que se trata - falou o cão. Assim mesmo prosseguiram, vendo que a luz já iluminava o caminho e ele pôs Petisco no chão.
       - Que pedras horríveis! - reclamou Teovaldo.
       - São negras como a noite, chego a sentir arrepio e calafrios - comentou Petisco.
       - Vocês têm razão amigos, tenho até a impressão de que elas não estão gostando de nós - confirmou o menino.
      - Azar delas, elas também são horríveis! - acentuou Teovaldo.

       O barulho continuava mais forte e já percebiam uma fumaça escura. Poucos passos adiante o túnel terminou e eles pararam.
       - Que coisa estranha, e que som desagradável - falou Cabelos de Ouro.
       - Que calor insuportável, currupáco.
       - Que cheiro sufocante - reclamou Petisco, esfregando as patas no focinho.

       Os três não haviam visto antes nada parecido. Diante deles viam uma cratera muito larga cujas paredes eram das mesmas pedras negras que já vinham observando. Do fundo da cratera subiam línguas de fogo, e ao lado delas corria uma matéria fervente, verdadeiro rio de lavas vermelhas que borbulhavam. Uma nuvem negra se remexia, entrando e saindo das paredes, fazendo um zunido desagradável. Porém, o que os impressionou mais foram os gigantes de pedra. Eram negros e pesados, e seus olhos eram duas brasas vivas que expeliam faíscas. O barulho que tinham ouvido era de seus passos. Eles andavam de um lado a outro trabalhando; cortavam blocos de pedras com as próprias mãos e os atiravam na lava. Uma fumaça negra subia das lavas enquanto a nuvem negra das paredes continuava a zunir.
       - Vamos embora, Cabelos de Ouro, isto aqui é pior que o inferno - pediu Teovaldo.
       - Não agüento mais este cheiro - reclamou Petisco.
       - Vamos sim, amigos, eu não conseguiria mesmo ficar aqui por mais tempo.

       Porém, ao se virarem, levaram um grande susto.
       - Olhe, Cabelos de Ouro, um daqueles gigantes de pedra! - mostrou Teovaldo. Ali, diante deles, surgira ameaçadoramente um gigante, impedindo-os de sair. Faíscas saíam dos seus olhos que eram como brasas vivas e suas mãos, que eram duas tenazes, se abriam e se fechavam.
       - E agora, Cabelos de Ouro? - perguntou nervoso Teovaldo.
       - Agora não sei, talvez a gente devesse falar com ele.
       - Então fale logo - pediu Teovaldo
       - Seu gigante, olhe, nós viemos aqui por engano. O senhor nos desculpe, nós já íamos mesmo sair, o senhor quer nos dar licença?
       - Acho que ele não escutou - observou Petisco.
       - Que cara feia, cruzes – reclamou Teovaldo – é tão feio como aquelas pedras. Um orangotango na frente dele é mais do que bonito.
       - Silêncio, amigos, senão ele pode se zangar.
       - Eu acho que ele não escuta nada, também não tem orelhas, vejam só - mostrou Teovaldo.

       De repente o gigante negro deu um passo.
       - Cuidado, Cabelos de Ouro, ele está vindo! - gritou Teovaldo.
       - Pare aí seu gigante, deixe a gente sair! - gritou, por sua vez, o menino, levando a mão à frente.

       Mas ele não parou e veio andando. Petisco, então, lançou-se valentemente em sua direção para atrapalhar os seus passos e Teovaldo voou sobre sua cabeça. O cão latia e pulava, enquanto a ave tentava beliscar-lhe. Num instante o pé do gigante encontrou o corpo de Petisco, lançando-o longe. Teovaldo pulava e não conseguia pousar na sua cabeça porque o calor que subia lhe esquentava as patas. Cabelos de Ouro quis recuar, mas mudou de ideia por causa da cratera, não tendo assim como fugir. O gigante esticou então os braços para agarrar o menino. Ele sentia o calor enorme que saía do gigante; seus olhos estavam assustados e a testa coberta de suor.
       - Cuidado, Cabelos de Ouro, cuidado, ele vai lhe queimar, currupáco!

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       - E aqui, amigos, terminamos por hoje; domingo próximo continuaremos - falou Leal. Um ah...! de decepção espalhou-se pelo ar.
       - Logo agora que estava tão interessante! - reclamou Vincenzo.
       - Que pena, né papá, mas domingo que vem tem mais - consolou-o Antonieta.
       - Bem que ele podia continuar - o velho italiano ainda não se conformava.

       Como não houvesse mesmo outro jeito, eles começaram a sair dando opiniões, enquanto Leal observava-lhes serenamente.

Capítulo V

DOMINGO TEM MAIS

       Aquela semana mal começava e os meninos daquela rua já a sentiam comprida. Uma vez que não podiam mais jogar bola no terreno da casa velha, eles reuniam-se para conversar. Sentavam-se pelos meios-fios ou sob a sombra de árvores. Mas gostavam mesmo de se encostar pelos muros.
      - Será que seu Leal já sabe o que vai acontecer com Cabelos de Ouro? - perguntou Magriça.
       - Claro, ele inventou a história - Dino respondeu prontamente; segurava um graveto com ambas as mãos e tinha os braços sobre os joelhos.
       - Pra mim ele não sabe, ele vai descobrir é na hora - arriscou Edu.
       - Burrice! Como é que ele pode inventar na hora, e se ele se atrapalhar e esquecer o que já contou? – Dino sentenciava continuando a explicar.
       - Sei lá, ele não foi de circo? Meu pai disse que gente de circo faz coisas do arco da velha - perguntou e respondeu Edu.
       - Seu pai! - reclamou Dino fazendo um muxoxo.
       - Era mesmo interessante como ele falava e fazia gestos, quanta beleza! - Tião tentava imitar. Todos riram.
       - Tião também quer contar histórias - debochou Zecão, se sacudindo de tanto rir.
       - Vocês estão rindo, mas não adivinham o que vai acontecer. Aposto que nem entenderam a história.
       - Eu entendi.
       - Eu também.
       - Eu também.
       - Já que entenderam, quero ver adivinharem o que vai acontecer com os três - propôs Tião.
       - Assim não dá, Tião, adivinhar é difícil - rebateu Magriça.
       - E se ele inventar na hora, como é que a gente pode adivinhar? - Edu voltava ao quesito anterior.
       - Adivinhar é adivinhar, ora, não interessa - insistiu Tião.
       - Então diga você, Tião! – desafiou Antônio Carlos.
       - É, Tião, conte pra gente - o reforço foi de Zecão, com ar de riso.
       - Só se vocês também adivinharem - respondeu com imponência.
       - Ta legal, turma, então vamos fazer o seguinte: cada um vai contar o que acha que vai acontecer com o Pedro Pinote - propôs Jorge.
       - Cabelos de Ouro! - corrigiu Magriça.
       - Ta! Cabelos de Ouro.
       - Tião vai ser o primeiro - ordenou Zecão.
       - Eu não quero ser o primeiro, não senhor! - protestou com energia.
       - Mas você não estava contando vantagem, então tem de ser o primeiro - lembrou Edu.
       - Mas não vou ser; só se for no-par-ou-impar.
       - Então vamos pro par-ou-ímpar - comandou Jorge.

       Tirado o par-ou-ímpar, a ideia sobrou para Japonês. Ele muito encolhido começou:
       - Bem...,eu...., Cabelos de Ouro, o papagaio e o cachorro. Eu acho que eles...Bem...,ah, eu sei lá! - gritou desesperado.
       - Eu acho que ninguém sabe nada mesmo - falou Tião com ar de vitória.
       - Adivinhar assim também não é fácil, pôxa - defendeu-se Edu.
       - E se a gente fosse pensando na história e noutro dia contasse? - sugeriu Antônio Carlos.
       - Isso! Então vamos pensar turma - aprovou imediatamente Jorge.
        - Mas não vale perguntar nem pro pai nem pra mãe - observou Dino, olhando para Edu.
       - Nem pro avô e nem pra irmã - respondeu-lhe Edu.
       - É, cada um tem de pensar com a própria cabeça - falou Jorge com autoridade.
       - E quando é que vai ser? - perguntou Magriça.
       - Vai ser o quê? - disfarçou Jorge.
       - O dia da adivinhação!
       - Bem... Amanhã de tarde, está bem? - marcou Jorge e todos concordaram.

       Não eram somente os meninos que falavam a respeito do teatro. Naquele mesmo instante, por exemplo, defronte ao portão da casa, Antonieta reunia-se com as mães de Tião e Magriça.

       - Este Cabelos de Ouro é um menino lindo, não? - dizia.
       - Imagine só, ter os cabelos de fios de ouro - admirava-se Florinda, mãe de Magriça.
       - E é corajoso. Cruz credo, acho que eu morria de medo só de andar naqueles lugares escuros, quanto mais enfrentar gigantes de pedra - comentava Sebastiana.
       - Imagine só, um cachorrinho que fala! - admirava-se ainda Florinda.
       - E um papagaio inteligente que fala como gente! - disse Sebastiana.
       - Será que eles vão escapar, hem? - perguntou, Antonieta, preocupada.
       - Eu acho que sim, senão não tem graça - arriscou Florinda.

       Neste momento Vincenzo apareceu pelo portão, ouvindo a conversa.
       - Pra mim o menino vai dar uma leisa no gigante e fugir - intrometeu-se.
       - Que é leisa, papá?
       - É assim, ó! É balançar o corpo pra lá e correr pra cá. - explicou.
        - Mas será que a madrinha não vem socorrer o pobrezinho? - reclamou Sebastiana.
       - Ma como? Ela ficou na casa amarela? - lembrou Vincenzo.

       Pouco distante dali, próximo à praça, Leal passava defronte ao açougue, quando o açougueiro, saiu de lá às carreiras.
       - Seu Leal! - chamou-o.
       - Sim senhor.
       - Eu gostaria...,bem eu queria dizer que...sua história é muito bonita - falou embaraçado.
       - Muito obrigado, senhor...
       - Otacílio.
       - Fico contente em saber disto, seu Otacílio.
       - Me desculpe, mas eu queria saber como foi que o senhor aprendeu a contar histórias assim.
       - Bem, seu Otacílio - Leal sorriu amavelmente - isto também é outra história. Mas como lhes disse naquele dia da confusão, eu vivi muitos anos no teatro e no circo. Além de tudo, aprendi a imaginar.
       - Eu..., eu queria pedir uma coisa pro senhor - falou ainda embaraçado, segurando o avental manchado de sangue.
       - Pode pedir... Se estiver ao meu alcance...
       - Bem... É que eu gostaria também de saber contar histórias. Será que o senhor me ensina. Pago bem.
       - É uma alegria saber que existe uma aspiração assim no seu coração. Mas estas coisas ninguém ensina propriamente, precisamos aprender sozinhos – o açougueiro ficou triste, mas Leal animou-o – porém posso dizer-lhe como o senhor pode se dar a oportunidade de aprender. O que deve fazer é prestar atenção nas coisas que existem, imaginar e deixar que o pensamento vá criando asas. Depois é só ir praticando.
       - Só isso?
       - Só!
       - Mas isto demora, não? O senhor, por exemplo, teve de praticar muitos anos no teatro e no circo, e eu, onde vou praticar?
       - O teatro e o circo foram lugares de minhas atividades, é verdade. Mas em qualquer outro lugar do mundo podemos construir um palco e atrair um público, mesmo num estabelecimento como o seu. Tudo na imaginação.
       - E como eu ia começar?
       - Bem, para começar preste bem atenção a todas as coisas e passe a imaginar. Entretanto, a imaginação precisa ser controlada e dirigida sempre para cima, isto é, para as coisas realmente belas e positivas, mesmo que nem sempre a beleza possa estar presente.
       - Não entendi.
       - Entenderá. Observe, imagine e pratique. Com perseverança o senhor um dia atrairá o verdadeiro sentido da imaginação, da mesma maneira que o perfume das flores atrai insetos, pássaros e homens.

       Dia seguinte, os meninos se reuniam. Ninguém tocou no assunto da adivinhação. Faltava Tião e não perguntavam por ele. Pouco durou aquilo porque logo sua enervante figura surgiu.
       - Então gente, estão prontos pra contar a história? – como ninguém se pronunciasse ele continuou – ih, não falei! Eu sabia que ninguém tinha entendido.
       - Não é isso não, Tião, deixe de ser metido. Pra mim não deu tempo, eu tive de sair - falou Jorge mal humorado.
       - É, foi muito pouco tempo. E pare de chatear, Tião - reclamou Zecão, igualmente de mau humor.
       - Vocês estão é com desculpas.
       - Desculpas, nada, é só questão de tempo. Aposto que seu Leal também levou um monte de tempo pra fazer esta história - acreditou Dino.
       - É isto mesmo, está pensando que é fácil? - concordou Magriça.
       - Exagero - disse Tião com superioridade.
       - Faz o seguinte: vamos pensar mais um pouco - sugeriu Jorge.
       - É..., amanhã a gente resolve - decidiu Edu.
       - Depois de amanhã - sugeriu ainda Antônio Carlos e todos concordaram imediatamente.

       Os dois dias se passaram. Quinta-feira se reuniam novamente e tiveram de voltar ao assunto por causa de Tião que os vivia lembrando.
       - É hoje! E ninguém venha me dizer que não deu tempo – os meninos se entreolharam e nada responderam – agora eu quero ver quem é que sabe mesmo  - insistiu.
       - O Tião fala como só ele soubesse das coisas - reclamou Edu.
       - Eu não sei de tudo não, mas tenho a certeza que a história vai ser como eu vou contar – disse com renovada superioridade – vamos logo pro-par-ou-impar - comandou.

       Sem nenhuma vontade eles começaram o par ou impar. A alegria voltou a reinar quando Magriça gritou:
       - Ganhei, é você mesmo Tião!

       Tião ficou contrariado, mas procurou fingir desinteresse por sua sorte. Os demais se acomodaram melhor e ficaram na escuta.
       - Bem, já que eu tenho de ser o primeiro, eu vou contar o que vai acontecer com Cabelos de Ouro.
       - É, conte logo! - impacientou-se Zecão.
       - Calma, eu não tenho pressa. O seu Leal também faz as coisas devagar.
       - O seu Leal é seu Leal, ele é o dono da história e faz como quer - disse Dino.
       - E daí? Eu estou adivinhando, minha história vai ser igualzinha a dele.
       - Conte logo, Tião, deixe de lorota - voltou a reclamar Zecão.
       - Bem... O que vai acontecer é o seguinte: o gigante de pedra está vindo pra pegar o Cabelos de Ouro. O cachorro está lá no chão e o papagaio não pode fazer nada. Então quando ele for pegar o Cabelos de Ouro, que está cercado e não pode fugir e nem ser ajudado pelo cachorro e pelo papagaio, porque o cachorro está lá no chão e o papagaio...
       - Você já disse isso, Tião - interrompeu Edu.
       - Não me atrapalhe, Edu.
       - Então seja breve! - pediu Jorge.
       - Seja o quê?
       - Breve, quer dizer, rápido.
       - Rápido nada, eu tenho de contar como tem de ser. O seu Leal fala igualzinho.
       - Coitado do seu Leal. Se ele escuta isso... - debochou Zecão.
       - Coitado nada, vocês estão é com inveja. Quero só ver quando chegar a vez de vocês.

       Ao ouvirem isso eles silenciaram. Tião então recomeçou:
       - Como eu estava dizendo antes de ser atrapalhado, Cabelos de Ouro não pode contar nem com o cachorro e nem com o papagaio. Aí, então, o gigante vem chegando...vem chegando...e de repente pára, ficando durinho.
       - Durinho, Tião? - perguntou Magriça.
       - É! - confirmou secamente.
       - Ué, por quê? Com tanto calor lá dentro! - observou Dino.
       - Mas não é de frio, não.
       - Então de que é? - quis saber Jorge.
       - É que o gigante é um robô e dá um defeito nele, então Cabelos de Ouro aproveita e foge com o cachorro e o papagaio.
       - Ah, droga! - reclamou Jorge fazendo careta.
       - Essa não! - reclamou também Dino.
       - Que história mal contada, Tião - comentou Zecão.
       - Mal contada nada, vocês dizem isso porque sou eu que estou contando. Se fosse o seu Leal vocês iam achar muito boa.
       - Sem essa, Tião, sua história é muito ruim - julgou Edu.
       - Então quero ver vocês. Tirem agora o par ou impar pra ver quem vai ser o próximo.  Eles disfarçaram e não quiseram tomar a iniciativa.
       - Um momento – tomou a palavra Antônio Carlos –Tião não disse que a história dele é verdadeira? Eles todos concordaram e Antônio Carlos continuou: - então ninguém precisa contar mais nada. Ele já contou o que vai acontecer, pra que mais?
       - É mesmo, Tonho! - Jorge saudou a ideia com entusiasmo.
       - Boa Tonho! - gritou, Zecão, batendo no ombro do outro. Todos os demais concordaram menos Tião, naturalmente.
       - Isso não vale, é traição! - ele fazia sinal negativo com o dedo. Mas ninguém lhe deu mais atenção e começaram a rir. E riram tanto que ele, furioso, foi embora.

Capítulo VI

A HISTÓRIA CONTINUA

       O terreno da casa velha tinha hoje mais gente do que no domingo anterior. O palco menor fora retirado e acima do tablado haviam pintado em vermelho as palavras: “Teatro Jornada do Amanhã”.
       - Até que enfim você resolveu aparecer, Tião. Desde aquele dia não se junta com a gente – provocou-o Jorge.
       - E você ainda está admirado depois do que fizeram comigo?
       - Lá vem ele se fazendo de vítima - observou Dino.
       - Vítima nada. Vocês não entendem de histórias e agora eu é que sou a vítima.
       - Hoje sim nós vamos saber realmente como é essa história - falou Edu, olhando Tião pelo canto dos olhos.
       - Tomara que seja igual a minha. Aí eu só quero ver a cara de vocês - Tião resmungou sério.

       Leal subiu ao palco e pediu silêncio, o público obedeceu e ele começou: 
       - Amigos, fico novamente feliz por vê-los tão interessados. Notem que a imaginação é o principal elemento que nos vem unir. Isto é prova de que a ela devemos estes momentos de leveza e bem estar. Eis porque a imaginação positivamente bem trabalhada pode levar-nos em suas asas para o alto, ajudando-nos a criar. Mas chega de conversa e reiniciemos logo a nossa história.

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       Cabelos de Ouro está prestes a ter o seu corpo tocado pelas quentes tenazes do gigante negro. Quando isto vai acontecer, uma espécie de som que se repete por três vezes, faz o gigante estancar.

       - Ele parou! - admirou-se Teovaldo.
       - Lá embaixo, Cabelos de Ouro, veja o Gigante Branco - alertou Petisco - ele tem mãos e bateu três vezes, e este horrível gigante parou.

       De novo o gigante branco bateu palmas e o gigante negro deu meia volta desaparecendo por uma abertura na parede.
       - Ele está apontando para o túnel, acho que está nos mandando embora.
       - Vamos logo, já não aguento mais - pediu Petisco.

       Cabelos de Ouro arcou-se e enlaçou Petisco, trazendo-o para junto de si. Teovaldo que pousara numa saliência da pedreira voou para o ombro do menino e eles ingressaram de volta ao túnel que ali terminara. Com a mão livre Cabelos de Ouro ia apalpando a parede porque a escuridão aumentava na medida em que andavam.
       - Epa! - exclamou o menino a certa altura.
       - Que foi, Cabelos de Ouro? - perguntou Petisco.
       - Outra entrada, esta eu não havia percebido antes.
       - Não vejo nada, está muito escuro - alertou Teovaldo.
       - Não tem outro jeito, temos de ir - afirmou confiantemente. E continuaram a andar até que Petisco falou admirado:
       - Veja, Cabelos de Ouro, tem mais luz lá adiante.
       - Será que é outro inferno? Já estou muito esquentado! - reclamou Teovaldo.
       - Temos de ver amigos, vamos prosseguir. Prosseguiram. Ao chegarem ao local pararam extasiados.
       - Que maravilha!- exclamou o menino.
       - Quanto brilho, quanta luz! - admirou-se Teovaldo.
       - Que som bonito! - comentou Petisco.

       Desta vez o lugar era realmente maravilhoso. Tratava-se de um salão circular com as pedras transparentes. No chão havia uma grande cratera de cujas paredes, também transparentes, a luz cintilava. Eram muitas cores, ora em faíscas ora em fachos. Uma nuvem destas mesmas cores movia-se no interior da parede, e mais acima onde os três se encontravam, ela entrava e saia dos blocos de pedras. O movimento da nuvem produzia um som, bem prolongado e musicado.
      - Cabelos de Ouro, elas gostam da gente - disse satisfeito Teovaldo.
      - A nuvem canta pra nós - admirou-se Petisco.
      - Isto mesmo, amigos, vamos entrar.

       Entraram e se espalharam. Cabelos de Ouro alisava as pedras, ao passo que o cão e o papagaio observavam tudo. Enquanto faziam isto, aquele som se modificava, produzindo melhor harmonia. Petisco, que fuçava tudo, encontrou algo.
       - Cabelos de Ouro, aqui há uma passagem pra outro salão.
       - É mesmo, Petisco, vamos dar uma olhada.

       Entraram no novo salão. Este tinha uma cratera muito maior e também as dimensões mais avantajadas.
       - Tem outra passagem ali, que dá pra outro salão - mostrou desta vez Teovaldo. O terceiro salão era idêntico aos anteriores, mas bem maior.
       - Que coisa gigantesca, acho que não acaba nunca, pois há outra passagem e outro salão adiante - falou abismado o menino.
       - Pra cima tudo também é gigantesco - comentou Teovaldo.
       - Veja, Cabelos de Ouro, aqui há outra passagem que parece não dar pra nenhum outro salão - mostrou Petisco.
       - Vamos entrar!

       A passagem era um novo túnel e eles caminharam por um longo trecho em que as paredes mostravam luz e cores de vivíssimas cintilações. Mais adiante Petisco pediu:
       - Segure-me, Cabelos de Ouro, aqui está começando a ficar escuro outra vez.
       - É, parece que as pedras com luz terminaram - lamentou Teovaldo.

       Cabelos de Ouro segurou Petisco, enquanto Teovaldo se mantinha no seu ombro. Prosseguiram, entrando cada vez mais no trecho escuro. Porém, uma surpresa os aguardava.
       - Vejam, podemos enxergar dentro da escuridão, as pedras iluminadas emprestaram-nos de seu brilho! - observou alegre o menino.
       - Dos nossos corpos sai luz! - gritou admirado Petisco.
       - Nunca pensei que isto pudesse acontecer. Primeiro quase viro papagaio frito, agora viro lanterna, que coisa! - reclamou Teovaldo.
       - Ponha-me no chão, Cabelos de Ouro, posso andar sozinho - pediu Petisco.

       Assim os três heróis foram indo por aquele caminho escuro, mas iluminado pela luz de seus corpos. Pouco depois chegavam ao final.
       - Olhe lá, Cabelos de Ouro, outro lugar só daquelas pedras escuras - mostrou assustado Petisco.
       - Será possível? - indignou-se Teovaldo.
       - Sim, Petisco, vejo ali embaixo pedreiras negras e aquelas repelentes nuvens, mas vejo também caminhos.
       - Acho que a gente devia ir embora - opinou Teovaldo.
       - Ir embora?? - reagiu o menino.
       - É, estou pressentindo que vamos ter mais problemas.
       - Mas precisamos conhecer, saber por que estas pedras são negras e as nuvens balançam dentro delas. E também porque as pedras que acabamos de visitar são tão diferentes e maravilhosas e com nuvens que cantam!
       - Mas é perigoso - reclamou por sua vez Petisco.
       - Não me digam que vocês estão com medo. A madrinha disse-me que estaria me dando dois companheiros que também desejavam viajar. Quem viaja aprende, senão de quê valeu ter viajado!
       - Mas é bom aprender vivo - insistiu o papagaio.
       - Não exagere, Teovaldo, nada haverá de nos acontecer.
       - Não vejo e nem farejo nenhum monstro, Cabelos de Ouro. - falou e fungou Petisco.
       - Eu também não vejo nada - comentou Teovaldo.
       - Eu também não, então podemos descer.
       - Se quer descer, vamos descer, mas depois não venha dizer que eu não avisei, currupaco, que eu não avisei....
       - Quieto, Teovaldo, pare de resmungar.
       - Ele é assim mesmo quando fica com medo - contou Petisco.
       - Medo não, eu não sou medroso. Eu estou é nervoso, isto mesmo, nervoso, currupaco.
       - Então se acalme Teovaldo, ainda não aconteceu nada.

       E com cuidado foram descendo, pulando aqui e acolá, de vez em quando escorregando. Teovaldo, não; este se mantinha preso à camisa xadrez do menino, sobre seu ombro.
       - Chegamos! - disse Cabelos de Ouro ao pisar o chão firme.
       - Aqui não é tão escuro como naquelas cavernas - notou Petisco.
       - Mas estamos ao ar livre, embora eu não consiga ver o céu - disse o menino olhando para o alto.
       - Cruz credo, o céu daqui é todo coberto de nuvens pretas e cinzas - reclamou Teovaldo.
       - Ei, Cabelos de Ouro, nossos corpos ainda brilham - chamou atenção Petisco.
       - É verdade, mas o brilho agora está mais fraco – eles se examinaram com mais atenção – bem, vamos andar e ver o que tem adiante. Reiniciaram os passos e entraram no primeiro caminho que encontraram, entre rochas.
       - Veja, Cabelos de Ouro, as nuvens negras estão reclamando de nossa presença - alertou o cão.
       - Elas estão querendo nos atacar - falou temeroso Teovaldo.
       - Elas estão gritando e formando braços de um lado para outro do caminho - mostrou o menino.
       - Nossa mãe, neste lugar elas são mais ferozes ainda - criticou Teovaldo se encolhendo.
       - Que fazemos, Cabelos de Ouro. As nuvens além do mais não têm bom cheiro - farejou Petisco.
       - Vamos tentar prosseguir para ver o que existe mais adiante.
       - Vejam, elas recuam enquanto andamos - mostrou satisfeito Petisco.
       - Estão com medo da gente - encheu-se de maior coragem Teovaldo.
       - Deve ser por causa da luz dos nossos corpos - afirmou Cabelos de Ouro.
       - Mas como gritam, estão mesmo nos odiando! - disse Teovaldo.
       - Algum motivo existe, tomara que a gente descubra logo, vamos adiante!

       E prosseguiram cautelosamente. As horríveis nuvens negras continuavam a formar braços e garras, mas tão logo o trio de amigos se aproximava, elas se desprendiam, gritavam e se arremessavam violentamente para os lados. Por sorte, não demorou e chegaram a um local aberto onde pararam para respirar.
       - Que fazemos agora, Cabelos de Ouro, têm muitos caminhos adiante, no qual entramos? - perguntou Petisco.
       - Eu tenho uma ideia. Teovaldo dê um voo bem alto e veja qual o melhor caminho a seguir e onde ele vai terminar.
       - Voar alto, perto daquelas nuvens cinzas horríveis?
       - Se estiver com medo não precisa ir.
       - Medo?? Você não me conhece! - dizendo isto, Teovaldo alçou voo e desapareceu de vistas por detrás de uma enorme rocha. Pouco depois ele retornava, pousando no ombro de Cabelos de Ouro.
       - Todos os caminhos levam para um lugar aqui perto parecido com este, depois disto existem outros caminhos.
       - E este caminho onde estamos, é todo ele um desfiladeiro igual?
       - Não, um pouco adiante as pedras altas terminam e começam paredes bem baixas.
       - Bom trabalho, Teovaldo, então vamos em frente.

       E continuaram. Logo encontraram blocos de pedras formando paredes menores, que chegavam à altura da cintura do menino.
       - Nossas luzes estão cada vez mais fracas. Fiquemos atentos porque poderemos ter problemas se apagarem completamente. - observou Cabelos de Ouro.
       - Espere, Cabelos de Ouro! - alertou Petisco - farejo algo mais adiante, detrás destas pedras.
       - De que se trata?
       - Não sei ainda, mas não estou gostando.  Os passos seguintes foram dados cautelosamente.
       - É aqui, Cabelos de Ouro - mostrou Petisco.
       - Vou verificar, aguardem!
       - Não senhor, eu também vou - exigiu o cão.
       - Eu também! - aderiu o papagaio.
       - Está bem, vamos todos então.  Os três pularam para a pedra indicada por Petisco e de sobre ela puderam ver do que se tratava.
       - Que seres horríveis! - falou Cabelos de Ouro com desagrado.
       - Parecem morcegos! - comparou Petisco.
       - Parecem vampiros! - reclamou Teovaldo.
       - Eles mergulham nas nuvens! - mostrou Cabelos de Ouro.
       - Quem serão eles? - perguntou Teovaldo.
       - Não sei, mas observem: uns têm asas enormes e negras, outros têm asas tão pequenas que parecem não poder voar.
       - Eles nos viram e estão vindo pra cá! - alertou assustado Petisco.

       Aquelas criaturas, em bando de uns quinze, ao verem-nos começaram a vir ameaçadoramente em sua direção. Suas bocas possuiam lábios inferiores muito grossos; os narizes eram grandes e exageradamente abertos; as grandes orelhas pontudas mostravam-se também muito feias. Chegando próximo aos três, estancaram de repente e levaram os braços aos olhos.
       - Eles pararam, estão com medo de nossa luz! - gritou satisfeito Teovaldo.
       - Então vamos embora de uma vez antes que nossa luz acabe! - pediu Petisco.
       - Vamos, vamos! - apressou-se Cabelos de Ouro.
       - Cuidado, Cabelos de Ouro!! - gritou Teovaldo pulando de seu ombro, tentando se manter no ar.

       Neste exato instante surgiu uma gigantesca ave negra, montada por um daqueles pequenos seres de asas curtas, e agarrou o menino por trás, levantando-o.
       - Eles estão levando Cabelos de Ouro! - falou nervosamente Petisco.
       - Que irão fazer com ele? - perguntou Teovaldo, pousando numa pedra.
       - Não sei, e agora?

       Enquanto os dois se consumiam em nervosismo e apreensão, os seres que por ali se encontravam, ao verem a captura do menino, começaram a guinchar e a dar cambalhotas de alegria.
       - Precisamos fazer alguma coisa - disse Teovaldo.
       - Mas o quê - perguntava-se Petisco.
       - Já sei - disse Teovaldo - eu vou seguir o voo daquela coisa monstra pra saber onde ela vai.
       - É isso mesmo. Então eu vou por terra seguindo os meus instintos caninos.
       - Está certo. Adeus e boa sorte!
       - Adeus e boa sorte!

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       Leal deu proposital parada e olhou com mais atenção para a platéia.
       - E aqui terminamos por hoje - falou sorrindo.
       - Ma só isso? - reclamou Vincenzo.
       - Vai deixar o menino preso nas garras da ave seu Leal, que maldade - reclamou Sebastiana.
       - Isso não se faz - reclamou também Antonieta.
       - Conte mais seu Leal - pediu Magriça.
       - É, salve ele - sugeriu Japonês.
       - Hoje foi muito pouco - outra voz reclamou.
       - Está bem, está bem, vamos então prosseguir. Vejo que estão todos muito atentos, então continuem a prestar atenção....

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       Cabelos de Ouro desaparecera das vistas porque a ave gigante voava muito depressa. A última vez que Teovaldo a vira ela tinha atravessado uma cortina negra e vermelha, de alguma coisa que parecia fumaça.

       Petisco, por outro lado, corria desesperado pelos desfiladeiros ora de altas paredes ora de paredes menores. Os seres de asas curtas vinham atrás dele, pulando de pedra em pedra, com incrível agilidade. As nuvens negras que habitavam dentro das rochas procuravam atrapalhar os seus passos, mas por causa de sua luminosidade, ainda que fraca, não podiam fazer grande coisa: no máximo zuniam, deixando-o atordoado, ou escureciam ainda mais os seus caminhos. De vez em quando um daqueles seres atirava-lhe uma pedra e ela passava rente ao seu corpo. Às vezes ele se escondia numa reentrância das pedreiras para enganá-los ou para descansar, mas as nuvens localizavam-no para os seus perseguidores. O cãozinho já estava cansado, mas valentemente continuava.

       Teovaldo continuava a lutar bravamente. O seu voo era constantemente atrapalhado por outras nuvens escuras, mas ele prosseguia sempre em frente. De repente, um susto! Uma rede o pegou e ele se debateu inutilmente. Dois seres de asas longas riram a valer. Um deles segurava o cabo do apanhador, enquanto o outro  o envolvia na rede deixando-o todo emaranhado.
       - Que azar, logo agora! - reclamou.

       Os seres prosseguiram carregando-o na rede e pouco tempo depois começaram a descer. Teovaldo olhou para baixo e viu que sobrevoavam uma estranha cidade. Ao descerem mais, ele reconheceu um enorme castelo negro com várias torres. A cidade tinha casas iguais e enegrecidas. Pelas ruas, muitos daqueles seres andavam por todas as direções, ou entravam e saiam de suas casas.

       Estando bem próximo do telhado do castelo, aconteceu de um relâmpago percorrer o espaço e um trovão explodir, seguido de outros. Os seres que o levavam ficaram então desesperados: uivavam e colocavam as mãos nos olhos e ouvidos. Com isso largaram-no no ar. Teovaldo então caiu sobre o telhado do castelo, mas por sorte o cabo do apanhador por ser mais pesado, foi na frente, amortecendo a queda.
       - Ai, quase me matam esses caras de vampiros - reclamou enquanto procurava se soltar da rede.

       Uma chuva forte imediatamente começou a cair, acompanhada de mais relâmpagos e trovões e os horríveis seres que estavam pelas ruas, permaneciam uivando sem sair do lugar, jogados por todos os cantos, com mãos nos olhos ou ouvidos. Tendo se desembaraçado da rede, Teovaldo sobrevoou o castelo e entrou por uma de suas janelas. Lá dentro, havia lanternas vermelhas pelas paredes deixando passar muito pouca luz, mas assim mesmo ele pode ver muitos daqueles seres espalhados pelo chão em todas as dependências. Quando começavam a se levantar, outro relâmpago fazia-os novamente se jogar e Teovaldo voou rapidamente para o salão principal, lá se escondendo.

       O tempo passou e a tempestade terminou. Teovaldo escondido observava tudo. Seus olhos já se acostumavam com aquela escuridão e conseguia enxergar melhor através da fraca luz vermelha das lanternas.
       - Saiam todos daqui!

       Uma mulher começou a gritar. Vestia-se de negro e tinha uma coroa de igual cor. De seu pescoço pendiam colares de pedras e usava muitas pulseiras. Todos estes enfeites eram também negros. Era feia, tinha a fisionomia de morcego, e neste momento arrastava o seu vestido longo. Subitamente dois daqueles seres de asas compridas entraram e se atiraram ao chão diante dela. Ela grunhiu, mandando-os levantar. Um deles começou a gesticular e soltar guinchos, explicando qualquer coisa. Ela ficou furiosa com a explicação.
       - E vocês os deixaram escapar, seus molengas?

       Eles continuaram a soltar guinchos e ela subiu dois degraus, pegando no seu trono um chicote de três fios com pedras amarradas nas extremidades, enrolando a presilha no seu pulso, e segurando-o pelo cabo foi em direção deles, começando a bater-lhes impiedosamente.
       - Tomem, tomem e tomem! Isto é para aprenderem, agora vão procurá-lo e me tragam este papagaio de qualquer maneira, mesmo que seja depenado!
       - Hem, papagaio depenado?  Isto é o que ela pensa - murmurou Teovaldo de seu esconderijo dentro de uma sanca em feitio de vala, no alto de uma parede. Nisto entrou um homem também de negro, parando diante do trono e ajoelhou-se.
       - Rainha, os guardas da região dos desfiladeiros capturaram mais um invasor, um cachorro.
       - Um cachorro?
       - Sim rainha, e o estão trazendo amarrado e amordaçado. Deseja vê-lo, grande rainha?
       - Sim, sim - disse satisfeita - traga-o sem demora general.

       Pouco depois, dois daqueles seres de asas curtas entraram e jogaram Petisco diante da rainha, todo enrolado por cordas e amordaçado.
       - Ótimo, ótimo, os três haverão de nos dar sua energia e calor de que necessitamos – disse a rainha mais satisfeita ainda.

        Dar nossa energia e calor? Esta vampira está muito enganada se acha que vai roubar isso da gente. Mas como escapar? - pensava Petisco.

       - Mas rainha, o menino continua no pátio, dentro do curral. Ninguém pode chegar perto dele, somente a ave que o trouxe pôde pegá-lo por trás.
       - Inferno, que poder ele terá?
       - Não sei, rainha, ninguém vê. Só sabemos que não conseguimos chegar perto dele.

       Nisto, um barulho despertou-lhes a atenção e olharam para cima. Teovaldo, batendo as asas, lutava desesperadamente contra outra ave esquisita, parecida com urubu, mas que tinha o mesmo tipo daqueles seres de asas curtas.
       - Lá está o papagaio, peguem-no! - gritou a rainha. O general começou a soltar guinchos para todos os lados e num instante dezenas daqueles seres cercaram Teovaldo, arrastando-o para o chão.
       - Larguem-me seus vampirinhos!  Ele esperneava e se debatia. Petisco ao vê-lo começou a se remexer e ganir, mas a rainha pôs-lhe o pé em cima e ele teve de ficar quieto. Como Teovaldo estivesse agora junto aos seus pés, ela arcou-se e o pegou.
       - Quieto, papagaio atrevido, senão será pior.
       - Largue-me cara de vampira.
       - Cara de vampira? - ela com raiva deu-lhe um tapa na cabeça e ele ficou meio tonto – estou tendo uma grande idéia – disse com cara pensativa. Ela virou o rosto para o fundo do salão e soltou três guinchos. Imediatamente dois outros seres de asas longas surgiram voando e pousaram à sua frente.
       - Levem este papagaio, amarrem-no, amordacem-no e o tragam de volta – eles obedeceram e levaram Teovaldo – enquanto meus lacaios providenciam isto, eu quero que você, general, mande a ave trazer o menino para cá.
       - Trazer o menino, rainha? - sua preocupação era visível.
       - Exatamente, general. Tendo os três aqui, quero obrigá-los a revelar qual é o poder que este menino tem.

       O general saiu preocupado. Quando a monstruosa ave entrou pela janela trazendo Cabelos de Ouro, agarrado por trás em baixo dos braços fez um barulho imenso, e um vento se produziu no ambiente. Ela soltou-o diante da rainha e se encorujou ao lado. Os lacaios deram três passos para trás, arrastando junto Teovaldo que já fora trazido de volta, e Petisco que ali permanecera, enquanto a rainha punha o braço ante os olhos. Neste justo instante chegou o general, colocando-se próximo aos lacaios, temeroso como eles.
       - Escute aqui, menino, vocês invadiram o meu reino e agora são meus prisioneiros. Veja seus amigos; esse cachorro vira-latas e esse papagaio sem graça. Meus lacaios têm ordens de enfiar aquelas lanças em seus corpos se você não me obedecer.
       - Mas não fizemos nada, senhora, somente andávamos por aí quando vocês nos pegaram.
       - Eu sou a rainha e afirmo que vocês o invadiram o meu Reino das Pedras Negras. De onde são vocês?
       - Somos do Brasil
       - Brasil, onde fica este lugar?
       - Ora, fica... na América do Sul!
       - América do Sul, que drogas de lugares são estes?
       - Eu acho que a senhora não estudou geografia, não sabe onde fica a América do Sul?
       - Não sei não senhor, seu insolente. Pra mim você está vindo do Reino da Aliança...argh! Sinto-me até mal em pronunciar este nome.
       - Reino da Aliança, onde fica?
       - Lá pra cima, ora, além do Reino do Desespero, do Reino das Provas e do Reino da Preparação. Você não sabe nada, menino?
       - Não senhora, eu não sou deste lado. Eu e meus amigos somos do lado de lá, do Brasil, como já lhe disse, nada conhecemos daqui. Aliás, somente estivemos naquele lugar cheio de calor e...
       - O Laboratório? - cortou a rainha, fazendo careta.
       - É...quero dizer, não sei. Lá se derretia pedras, uns gigantes as carregavam e as jogavam num rio de lavas.
       - Os Executores. É lá mesmo, o Laboratório.
       - E também aquele lugar cheio de luz, onde as pedras...
       - Pare, cale a boca! - gritou-lhe possessa - não fale mais sobre estes lugares horríveis.
       - Horríveis?
       - Horríveis, sim. Quem dera pudéssemos destruí-los. Mas chega de conversa. O que eu quero é que se entregue sem resistência, senão ordenarei que seus amigos sejam atravessados pelas lanças.
       - Mas eu não estou resistindo!
       - Está sim. Há algo em você que não nos deixa chegar perto e precisamos chegar.
       - Algo não deixa?  Cabelos de Ouro então ficou pensativo. A luz já havia se apagado, por que seria então? Neste exato instante Teovaldo, que já vinha se remexendo sem ser percebido, conseguiu soltar a mordaça e gritou:
       - É o disco de ouro!
       - Disco de ouro, então é isto. Não disse que você estava vindo do Reino da Aliança? Eles é que têm estas invenções, Ande, jogue-o fora senão já sabe o que acontecerá com os seus amigos.

       Cabelos de Ouro então levantou a camisa e eles recuaram assustados. A rainha chegou a correr se escondendo detrás do trono.
       - Vamos, menino, jogue isto longe! - gritou espiando.

        Cabelos de Ouro abriu o estojo e deixou o disco visível. Mas ao invés de jogá-lo fora, girou o corpo e mostrou o disco a todos. Foi uma gritaria espantosa; eles caiam ao chão e se debatiam. A ave gigante fez menção de atacá-lo, mas caiu também. O menino foi em direção de seus amigos e os libertou, não se descuidando de virar o disco de vez em quando para todos.
       - Guarde isto menino malvado, guarde - gritava a rainha se debatendo no chão.

       Cabelos de Ouro pôs Teovaldo sobre o ombro, segurou Petisco com uma das mãos e recitou:
       - Senhor do Espaço, eu quero viajar, me leve no tempo pra outro lugar. Porém nada aconteceu.
       - Você esqueceu novamente de dizer o nome do lugar! - alertou-o nervoso Teovaldo.
       - É mesmo, mas pra onde vamos?
       - Pra casa.
       - Pra casa, não senhor, quero aprender sobre as pedras, até agora nada sei.
       - Decidam logo, eles já estão se levantando - apressou-os Petisco.
       - Já sei, quando essa ave gigante me agarrou e voou comigo eu consegui ver lá adiante montanhas com claridade, é para lá que iremos.

       Cabelos de Ouro recitou as palavras uma vez mais, porém não saíram do lugar.
       - Nós precisamos estar voltados para o nascente. - alertou Teovaldo.
       - Então vou virar mais pra cá. E voltado para outra direção recomeçou a recitação. Estava de costas para a ave gigante. Ela, por sua vez, já de pé, abriu as asas, tomou impulso e pulou sobre ele, porém os três sumiram, deixando todos dali com caras de bobos. Passados segundos, os três heróis foram surgir num lugar semelhante a um pátio aberto, cercado de imensos blocos de pedras, de onde podiam ver o céu.
       - Viva, é um lugar cheio de luz e cor! - exclamou o menino.
       - Com um céu bonito! - saudou Teovaldo.
       - E cheio de sons e nuvens coloridas! - completou Petisco.

       O lugar era realmente muito belo. O céu se mostrava com muitas faixas de cor rosa bem forte. Os blocos de pedras eram brancos como montanhas de neve; tinham transparência e irradiavam. As nuvens, que se moviam pelo interior dos blocos de pedras, variavam de tonalidades quando raios ou outras formas de energia os tocavam. Tudo era acompanhado de sons. Ao olharem o chão, viram que pisavam sobre faixas sinuosas, porém transparentes. Tudo no lugar tinha beleza e vida irradiante.

       - Cabelos de Ouro veja ali, alguém surgiu de repente, de onde terá vindo? - mostrou Teovaldo.
       - Do nada, ele simplesmente apareceu - comentou Petisco.
       - Ele é engraçado; é comprido e magro e tem a cabeça pontuda - descreveu-o Teovaldo.
       - Mas vejam, da cabeça dele está saindo uma luz vermelha - falou Petisco.
       - Agora está chegando mais daquelas coisas, e estão rodeando aquele bloco de pedra, colocando as mãos nele - falou Teovaldo.
       - O bloco está mudando de cor! - espantou-se Petisco.
       - E a nuvem está agora fazendo um som mais forte, ouçam! - admirou-se Cabelos de Ouro.
       - Olhem só, lá em cima tem uma espécie de sol enviando raios de luz pra todos os blocos. Mas atingem muito mais o bloco que aqueles estão rodeando!  - alertou Teovaldo.
       - Que maravilha!
       - Que beleza!
       - Que coisa linda!

       Os três estavam de tal forma encantados que nem perceberam a presença de outro ser que se colocou ao seu lado. Ele permaneceu silencioso e sem mover-se até que Teovaldo o viu.
       - Uai, um anão, currupáco!
       - Como estão, amigos? - cumprimentou-os o pequeno ser.
       - Bem..., obrigado, nós estávamos....
       - Admirando a obra da natureza - completou sorrindo.
       - É, admirando, isso mesmo - intrometeu-se Teovaldo.
       - Eu notei como estavam impressionados, mas de onde são vocês?
       - Nós somos do Brasil.
       - Brasil?
       - É do lado de lá sabe, nós estamos conhecendo e aprendendo, quer dizer, tentando aprender.
       - Eu conheço o Brasil.
       - Conhece?

       O ser confirmou com a cabeça e Cabelos de Ouro passou agora a reparar melhor nele. Não era um anão como dissera Teovaldo. Tudo nele era proporcional embora fosse de fato pequeno. Sua altura atingia os ombros de Cabelos de Ouro e se vestia com apuro. Trazia uma vestimenta muito clara, no modelo romano, com linhas frisadas em ouro. Na cintura portava uma corda com graciosos entrelaces e que, após a volta completa, caia de um laço perfeito no lado esquerdo, terminando com um nó na extremidade. Usava sandálias douradas de largos cadarços que lhes subiam pelas pernas até próximo aos joelhos. Seus cabelos um tanto crespos, com franja até a metade de sua morena testa, eram ruivos e de médio tamanho, pousando-lhe sobre os ombros. Mostrava-se simpático e sorridente.
       - Ora se conheço, ele respondeu, realizo muitos trabalhos no reino mineral de suas regiões, mas sempre do lado de cá.
       - E o que você faz? - perguntou Teovaldo.
       - Ora, sou o chefe em mando deste grupo de trabalhadores. Realizamos trabalhos com a energia das pedras.
       - E como é feito este trabalho senhor?...
       - Na verdade chamo-me ASH-NA-DZATAN RCKYOX NARZUT-38, mas podem me chamar de Servo 38. E quanto a vocês, como se chamam?
       - Eu sou Teovaldo.
       - Eu sou Cabelos de Ouro.
       - Eu sou Petisco.
       - Muito prazer amigos. Agora quanto ao meu trabalho, ele é um tanto complicado para explicá-lo em rápidas palavras, e já vem durando muitos milhares de anos.
       - Milhares de anos?
       - É, eu e meu grupo somos responsáveis unicamente por uma diminuta parcela. Estamos neste momento neste setor, porém logo seremos requisitados para outro. Nova equipe virá então depois de nós e realizará outra tarefa.
       - Explique então o que fazem aqui - quis saber Teovaldo.
       - Ora, aqui nós auxiliamos a Gema deste mineral a distribuir corretamente suas correntes de energia para as energias-formas que vivem nos blocos, caso contrário suas evoluções demorariam muito.
       - Mas como? - indagou Cabelos de Ouro.
       - Na realidade, há várias gemas no interior dos vários blocos de pedras. Mas todas são gemas menores provenientes da Mãe Gema que lhes mantém sempre numa espécie de corrente. Estas gemas menores nas energias-formas têm de ser cuidadas.
       - E que sol era aquele?
       - Não era um sol, propriamente, mas uma espécie de olho ou núcleo central da Mãe Gema que lançava correntes de energia para os minerais. Enquanto aquele núcleo fazia isto para este tipo de mineral, meus trabalhadores auxiliavam na distribuição das correntes, utilizando suas mentes e mãos. Eles também se recarregam daquela energia para melhor poder entrar em contato com os minerais. Neste exato instante em que conversamos, eles já percorrem e circundam outro bloco mineral para realizarem o mesmo trabalho, depois irão até outro e mais outro. E assim estarão trabalhando por muito e muito tempo.
       - Mas as cores?
       - Bem..., embora o mineral seja branco, a cor ou vibração que mais atua é a vermelha que se suaviza em rosa.
       - Que coisa, que diferença daquelas pedras negras - comentou Teovaldo.
       - Pedras negras, então vocês estiveram em seu reino?
       - Sim, logo que chegamos fomos conhecer um lugar de lavas ferventes que a rainha disse chamar-se Laboratório.
       - Rainha, vocês também a conheceram?
       - Ela prendeu a gente - contou Teovaldo.
       - E quase nos matou - informou Petisco.
       - Mas Cabelos de Ouro não deixou!  - completou ainda Teovaldo.
       - Quem são eles, Servo 38?
       - São seres dos submundos que habitam as sombras. Detestam a luz porque lhes causa mal. Estão rodeados de energia negativa e gostam de atacar seres de outras regiões, porque necessitam de seu calor.
       - Por falar em calor, por que aqueles gigantes do Laboratório jogavam blocos de pedras naquelas lavas ferventes?
       - Ora, ali se faz um trabalho especial com as pedras cansadas.
       - Pedras cansadas, como é isto?  -  ficou mais ainda curioso.
       - Bem, vocês viram aqui o trabalho da minha equipe. Este trabalho é para manter vivas e atuantes as energias minerais vindas das gemas menores a fim de que evoluam continuamente, melhorando sempre. Quando alguns minerais se tornam preguiçosos, ou seja, suas energias não respondem às suas gemas com ativa vibração, elas vão perdendo vida e cor, tornando-se negras e cansadas. Então suas formas são jogadas no calor para poderem purificar suas energias e muitas vezes serão quebradas e lançadas fora pelos vulcões para obterem outras experiências.
       - E as outras? - perguntou Teovaldo.
       - As outras? Ora, permanecerão, como dissemos, para receber novas cargas de energia através da Mãe Gema em contato com as gemas menores, ajudadas por nossas equipes de trabalhadores. E novas equipes as virão sempre auxiliar.
       - E os gigantes? - quis ainda saber o papagaio.
       - Ah, os seres de pedras. São seres animados no próprio reino mineral e comandados por um soberano que fica invisível, dando-lhes as ordens.
       - Puxa, Servo 38, quantas coisas você sabe! Será que um dia saberei tanto como você? Servo 38 sorriu e deu dois passos para o lado, olhando para uma direção qualquer, depois falou:
       - Venham, quero que presenciem e sintam algo.

       Eles o seguiram e pararam próximo a uma espécie de nuvem irradiante que se transformava em rosa e amarelo. Servo 38 entrou naquela nuvem, desaparecendo.
       - Ei, ele sumiu! - falou Teovaldo espantado.
       - Vamos, entrem todos! - gritou Servo 38.  Eles obedeceram e entraram naquela formação.
       - Que coisa engraçada – admirou-se Petisco.
       - Estamos dentro da nuvem - surpreendeu-se Teovaldo
       - Chego a sentir uma corrente dentro de mim - acusou Cabelos de Ouro.
       - Estamos envoltos por parte das energias saídas das formas de minerais que se adiantaram e estão prestes a ter experiências no reino vegetal. Observem como ela irradia  um tipo de força, embora de maneira suave.
       - Ela até canta! - observou Teovaldo.
       - Exatamente, é a nota especial deste reino. Porém precisamos sair já daqui porque vocês não podem permanecer nesta condição por muito tempo.
       - Que aconteceria?
       - Graves prejuízos ao sangue e a outros órgãos dos seus corpos físicos.

       Saíram. Uma vez lá fora, Cabelos de Ouro voltou a dirigir-se a Servo 38.

       - Quantos locais existem como este?
       - Inúmeros. O reino mineral representa a solidez física de nosso planeta, como sendo o seu esqueleto. Existem ainda muitos locais variados.
       - Puxa, quanto mistério!- observou o menino.
       - Quanto perigo!- reclamou Teovaldo.
       - Bem amigos, queiram agora dar-me licença porque necessito ir-me. Se desejarem ver algo mais estejam à vontade. Necessitando de ajuda nesta região podem gritar o meu nome. Adeus!
       - Adeus! - responderam os três.
       - Que fazemos agora, Cabelos de Ouro? - perguntou Petisco.
       - Bem, por hoje eu creio que já basta. Outro dia voltamos, vamos embora.
       - Viva! - aplaudiu Teovaldo.

       E assim fizeram, saindo dali e voltando ao mesmo local de onde haviam partido do lado de cá.
       - Ué, onde está a casa amarela? Falou o menino. Teovaldo olhou para Petisco e este somente ganiu - Eu tenho certeza que o local era este, mas só vejo uma clareira.
       - Cabelos de Ouro, eu preciso dizer-lhe uma coisa. Tanto a casa como a madrinha nunca mais estarão por aqui, elas se foram – disse Teovaldo
       - Se foram, por quê?
       - A madrinha veio somente para entregar o disco a quem merecesse. Agora nada mais existe.
       - E vocês?
       - Nós somos daqui mesmo, não temos dono. Mas se nos quiser, ficaremos com você.
       - Claro que quero. Você está também de acordo, Petisco?
       - Au, au!
       - Ah, esqueci, você somente fala do lado de lá. 

        Pedro Pinote riu de alegria. Teovaldo fez currupáco e Petisco abanou o rabinho satisfeito da vida.

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       A platéia se remexeu e começou a se levantar. O burburinho ia ficando cada vez mais forte.
       - Viu só, Tião, a história é igualzinha a que você bolou, não é? - perguntou Jorge. Tião fez cara feia e não respondeu.
       - Seu Leal, não teremos mais histórias? - perguntou Vincenzo. Leal, no meio do palco sorriu e todos se voltaram para escutar sua resposta.
       - Vocês então gostaram desta história?
       - Muito - disse o velho italiano.
       - Eu também - respondeu outro. E muitos concordaram.
       - Bem, neste caso noutro dia poderemos nos reunir novamente e contar histórias de outros personagens; talvez do Homem Mau, ou do Pirata da Perna de Pau, ou ainda da Princesinha Triste.
       - Não, eu quero outra de Cabelos de Ouro - protestou Elisa.
       - É, deste menino - reafirmou o italiano.
       - Está bem amigos, prometo que pensarei neste assunto - finalizou sorrindo.

       Todos saíram. Leal ficou por ali, parado no meio do palco com expressão pensativa. E estava tão distraído com seus pensamentos que somente despertou quando seu braço foi tocado com carinho.
       - Vamos entrar tio, Cabelos de Ouro não é mais o menino e precisa comer e descansar um pouco. Meu pai está esperando lá dentro.

       Leal sorriu para Esmeralda, acreditando que o objetivo principal de tudo o que promovera fora alcançado, e deixaram o palco do Teatro Jornada do Amanhã.

                                      Obra revista em 16-06-2018.  
                                         
                                           SÉRIE HISTÓRIAS MÁGICAS

                                          *  PEDRO PINOTE

                                            *  O REINO DA FLORESTA QUE SECOU

                                              *  O VELOCINO
                                                            
[  DIREITOS AUTORAIS 75.013 ]

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Por Rayom Ra
                                                                Rayom Ra                                                                                                     http://arcadeouro.blogspot.com.br
 

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