terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Montagem da Bíblia (A)


A Torah
      Historiadores e boa gama de religiosos concordam que a Bíblia não foi escrita unicamente nas épocas em que seus autores teriam vivido. Este é um dos poucos pontos convergentes destas duas correntes que no mais divergem, às vezes, diametralmente. A tradição religiosa aponta um tempo de mais de 1500 anos para que a Bíblia fosse escrita na sua totalidade, ou seja, teria começado com Moisés no deserto ou Monte Sinai e terminado com João na Ilha de Patmos.

       O Velho Testamento nos seus pródromos fora constituído por manuscritos originais que teriam sido armazenados na Arca da Aliança e aceitos como ditados por IHVH ou por Ele inspirados. Assim assevera a tradição sacerdotal. Muito mais tarde, em 90 d.C., foi proposto ao Conselho Judaico de Jamnia que sete outros livros e quatro acréscimos pudessem fazer parte da Bíblia, o que foi negado. Somente em 8 de abril de 1546, o Concílio de Trento admitiria incorporar à Bíblia aqueles sete outros livros e os quatro acréscimos, chamados apócrifos, formando-se assim a atual Bíblia católica com os trinta e nove livros originais e os adicionais.

       Moisés teria escrito os cinco primeiros livros chamados o Pentateuco. Constituir-se-ia então de o Gênesis, que narraria os atos da criação; o Êxodo, que trataria dos acontecimentos da saída ou fuga dos judeus do cativeiro egípcio; o Levítico, que estabeleceria as leis para a regulamentação da vida judaica e todo um ritualismo sacerdotal; o Números, relativo ao acercamento ou censo do povo saído do Egito, e o Deuteronômio, um tipo de reedição do Levítico onde Deus traria novas leis para os judeus. Josué daria continuidade ao trabalho realizado por Moisés, entrando com o povo judeu definitivamente na terra de Canaã, depois de 40 anos de peregrinação pelo deserto. Os relatos dessa incrível viagem punitiva do Deus IHVH aos homens, e todas as suas vicissitudes, terminariam nos livros de Moisés. O Livro de Josué descreveria, principalmente, as dificuldades encontradas em Canaã, o cumprimento das novas ordens de Deus para o povo judeu, as guerras que precisariam empreender para lá definitivamente instalar-se e as manobras de repartições das regiões que as doze tribos iriam ocupar. Portanto, do Pentateuco até Malaquias, se constituiria o antigo formato do Velho Testamento.

      
       Os sete livros adicionais denominados deuterocanônicos são: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque, Macabeus I e Macabeus II e os quatro acréscimos, Ester (Ester), Cântico dos Três Santos Filhos (Daniel), História de Suzana (Daniel) e Bel e o Dragão (Daniel), aprovados pelo Concílio de Trento, passariam a formar com os trinta e nove livros anteriores a nova Bíblia. Esse ato oficial eclesiástico da Igreja Católica viria de encontro aos protestos dos reformistas protestantes, ecoando pelo mundo religioso como represália ou autêntica vingança clerical. Os livros do Velho Testamento católico passaram então a somar 46, contra os mesmos 39 do Velho Testamento protestante. Assim, somando-se os 27 livros do Novo Testamento, a Bíblia católica passou a ter 73 livros contra 66 da Bíblia protestante.

       Já o Novo Testamento, constitui-se das narrativas dos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), dos Atos dos Apóstolos, Epístolas de Paulo, Hebreus, Epístolas de Tiago, de Pedro, de João e de Judas e o Apocalipse de João. Assim, nesta apropriação por nós resumida se estrutura a Bíblia, mas excetuando os sete livros e escritos adicionais, se costuma definir o cânon bíblico somente com os trinta e nove livros originais, ou seja, os formadores da estrutura reta, da régua certa de medir.

     As escriturações, traduções e compilações teriam agregado em épocas diferentes, em torno de quarenta homens. O vocábulo Bíblia, deriva do grego biblos que significa pequenos livros, que uma vez organizados compactaram-se num único e quase definitivo tomo. Os manuscritos bíblicos foram inicialmente escritos em grego, aramaico e hebraico.

         A cronologia religiosa levanta sempre dúvidas que conduzem a discussões com os historiadores no que tange às datas dos manuscritos mais antigos. Na realidade, a criação e organização da Bíblia, além de comportar um período bastante longo, possuem episódios esparsos. O Pentateuco, segundo a tradição, ou um segmento dela, começaria a ser escrito pelo libertador hebreu cerca de 1490 a.C., data essa em absoluto consensual, pois existe quase uma dezena de datas acerca da saída de Moisés do Egito. Não se sabe ao certo qual idioma Moisés teria adotado originalmente. O Egito, na época em que supostamente Moisés lá teria vivido, absorvia grande influência cultural grega. Supõe-se que os gregos já existiam no século XV a.C. como grande nação, embora o período histórico de seu florescimento cultural e expansão de suas conquistas militares se registrasse entre 1000 a.C. e 30 a.C.

       Muitas palavras da linguagem egípcia à época provinham de etimologia grega. Faraó, designação do rei egípcio; a cidade de Heracleópolis; Philae ou File uma ilha do Alto Nilo; o próprio nome Moisés, originado de Mosh ou Mês (para uns derivado de Tutmoses) são algumas dessas reminiscências, dentre tantas outras, que influenciariam à semântica egípcia. Diz-se que Moisés falava Ático, idioma ou dialeto literário da antiga Grécia.

       Sob este prisma, podemos admitir que a influência hebraica possa também ter chegado a Moisés no Egito nessa mesma época, por força da presença nômade cananéia e de outros povos semitas ou dos africanos, visto o hebreu ser idioma antiqüíssimo originário da África. Além do mais, a tradução do vocábulo hebreu significa “aquele que vem de fora,” formando assim prova aparente de uma assimilação externa. O hebraico de Moisés, se nesse idioma ele se expressava, difereria provavelmente do atual em relação à formação vocálica escrita, pois as vogais só foram introduzidas de forma massorética há mais ou menos 1000 anos. É também provável Moisés ter falado e escrito em aramaico devido à grande semelhança existente entre esses dois idiomas praticados contemporaneamente.

       A formação da Bíblia, sem dúvida, incorporaria um tempo bastante longo para vir representar uma entidade histórico-religiosa. O termo Testamento provém do hebraico Barith, significando aliança, pacto ou contrato e se vincula às origens dos manuscritos revelados. O Velho Testamento, organizado num certo espaço-tempo sob os eventos principais dos semitas judeus, com narrativas especialmente direcionadas e exemplos propositalmente conduzidos, traduziria a vontade superior do Deus IHVH para uma linguagem artificialmente humana. Através da presença moral e devotada fé dos patriarcas Noé, Abraão, Jacob e Moisés, anexadas à obediência do continuador Josué, a aliança do divino com o humano aconteceria entre relativos limites geográficos do mundo afro-asiático - testemunha de tantas revelações e intermediações cíclicas de deuses e mensageiros celestiais - e outras latitudes mundiais. A aliança, não obstante, tantas vezes evocada para as tribos israelitas, não seguiria simplesmente o seu caminho em tempo integral, mas tomaria diversas e tumultuadas direções ou novas e inesperadas vertentes, segundo as necessidades dos momentos e os elementos físicos habilmente engendrados.

       Os eventos maiores, quase sempre físicos, representativos das diferentes etapas da aliança de Deus com os patriarcas semitas, ressaltariam em Noé com a construção da arca do dilúvio e o subseqüente repovoamento da espécie humana sobre a Terra. Em Abraão, com a promessa de uma descendência tão ampla que se rivalizaria em número com as estrelas no céu, suplementada pela instituição da circuncisão nos fiéis. Em Jacob, com a reunião de seus doze filhos formadores das cabeças das doze grandes tribos de Israel, consumando-se neles a promessa a Abraão, iniciada em Isaque, e respeitante à expansão do povo de Deus em Canaã. Finalmente em Moisés, com a consolidação das doze tribos durante o êxodo do Egito, o estabelecimento dos Dez Mandamentos, a construção da Arca da Aliança anelada às imolações e preceitos ritualísticos, e a conquista de Canaã. O Pentateuco, elemento memorizador dos quatro maiores eventos formulados por Deus para as tribos de Israel, com suas importantes e posteriores decorrências, se constituiria, com o passar dos séculos, no sagrado e fundamental cânon substanciador do credo religioso judaico rabínico.

       As importantes decorrências que seguiriam justapostas aos eventos maiores instituídos pela vontade de Deus sedimentariam ao longo dos 40 anos de peregrinação pelo deserto, novos e destacados elementos na estrutura emocional-mental dos israelitas, ou viriam se amalgamar a algumas de suas anteriores tradições. Os decretos divinos regulamentariam também, de várias maneiras, o monoteísmo judeu, modelando a alma de IHVH à alma israelita.

       A Bíblia, em constante elaboração desde o êxodo em1300 a.C, seria ainda por cerca de 2754 anos para o mundo ocidental, o último tradicional e sobrevivente elo material a testemunhar a aliança espiritual de Deus com um povo. Pelo menos assim pensariam por todo esse tempo os eruditos operários judeus, tradutores e recopiadores dos textos bíblicos, até 1000 d.C., responsáveis através daquelas escriturações pela conservação de suas longuíssimas tradições histórico-religiosas com as fontes originais. Isso estaria considerado pelo fato de a Arca da Aliança, as Tábuas dos Dez Mandamentos e os pergaminhos escritos por Moisés nunca terem sido encontrados. E foi somente em 1454 d.C. que Gutenberg imprimiu a Bíblia pela primeira vez dando fim ao percurso dos manuscritos e iniciando a era da tipografia.

Rayom Ra

[Os textos do Arca de Ouro, por Rayom Ra, podem ser reproduzidos parcial ou totalmente, desde que citadas as origens ]

Nenhum comentário:

Postar um comentário