sexta-feira, 12 de agosto de 2022

O Eterno Giro do Presente - VIII

  Que é a vida, afinal? Respostas a esta inquirição nunca faltaram através dos laços do tempo. E nesse fugidio presente em que vivemos a inquirição continua e continuará encoberta pela essência da essência do que seja a própria vida. Inúteis as palavras, pois a razão de nossa razão sobre todas as coisas está exatamente na intransferível e íntima leitura daquilo que achamos o que somos e daquilo que nos rodeia. É o máximo onde chegamos em nosso eterno giro do presente.

  Certa vez fui sugerido a um debate presencial que seria agressivo pelas defesas que fizera de alguém de reconhecido valor moral e honestidade, ali injustamente criticado. Precisaria viajar por milhares de quilômetros e me haver com todas as despesas sobre tudo o que incorreria naquele deslocamento. Evidentemente sequer cogitei da viagem. Porém, dias depois, numa madrugada enquanto dormia, vi-me conduzido a uma situação que me remetia a uma prova de coragem ou a um tipo de ordália.

  Num espaço escuro de uma floresta do astral, ainda assim visível, a poucos metros de onde eu andava, uma serpente pulara de uma árvore, cruzava o caminho diante de mim e desaparecia na folhagem marginal. Mesmo assim prossegui, chegando a um lugar em meio à mata onde era possível divisar uma habitação parcialmente coberta por sombras. Caminhando sem parar percebi lateralmente, um pouco afastadas, duas pessoas, parecendo-me jagunços, e os ouvi debochar de minha presença ali e das exigências que fizera para atender ao inusitado convite do referido debate.

  Andei mais uns poucos passos e parei para melhor orientar-me, percebendo enorme e negra aranha que rapidamente descia por um fio de teia e pousava em meu ombro esquerdo. Sem temores, toquei-a com o dorso da mão, afastando-a de mim, prosseguindo. E me vi diante de um negro cão que latia ferozmente, fremindo as mandíbulas, vindo ameaçadoramente em minha direção. Achei que imitando os seus latidos e olhando-o fixamente, o confundiria, fazendo-o desistir de me atacar.

  O cão pareceu não estranhar minha inicial atitude e automaticamente levantei a cabeça vendo diante de mim em plano mais elevado, um barranco, de onde três pessoas vestidas com roupas pretas, me observavam. Uma delas me fez sinal negativo para que não fizesse aquilo diante do cão e prosseguisse em frente, ignorando-o. E nada mais vi, acordando e memorizando a visão. Com toda a certeza esta foi uma situação atípica em tempos de vida normal, que precisei contorna-la com destemor.

  E para que fique bem clara a verossimilhança com episódios a que candidatos são submetidos nas suas buscas por avanços iniciatórios, relato agora uma das muitas provas que venho passando há anos – esta ainda perfeitamente retida na memória – entre erros e acertos nesta minha caminhada espiritual.

  Antes preciso ressaltar que os tempos são outros em tudo. E modelos  de provas iniciatórias elaborados no distante passado por mentores, são agora experienciados em cenários montados no plano astral ou vividos mais intensamente em nossos lares, nas ruas, em nossos ofícios profissionais, nas escolhas de nossos estudos esotéricos, nos apuramentos de bons e profícuos hábitos, na educação, conversas, cortesias, críticas, amor, serviços, sexualidade etc. O campo de trabalho é imenso.

  Entretanto não há mais tempo como antes. Urge velocidade no cumprimento de importantes requisitos para uma vida espiritualizada, tanto para as almas já experientes nessa esfera como para neófitos em tudo. Nas obrigatórias provas a se submeter não há lugar para estilosos de intensas vidas sociais, desejosos de ser notados e comentados, pois há nisso flagrante incompatibilidade que só satisfaz a egos fortalecidos nas ilusões, ao contrário daqueles humildes que objetivam exatamente o oposto. Tudo em nós está conectado com um modelo ou arquétipo principal e nele devemos exercitar bons e melhores valores, segundo nossas capacidades. O contrário das nossas boas intenções só nos vem causar seguidas derrotas, amarguras ou prejuízos; por isso a necessidade de seguidas autoanálises e catarses, a fim de sempre estarmos a nos passar a limpo. 

  Bem, numa dessas provas fui levado de novo ao astral, desta vez a um lugar que me fazia lembrar a plataforma de antiga estação de trem no interior do Brasil. Era noite, a luz ali era fraca e eu andava pela plataforma da estação. Vi então a um canto sob um véu de sombras noturnas, encostados à parede, montes de algo protegidos por sacos de panos que sequer me despertaram qualquer curiosidade.

  Ao passar diante daquilo, os montes mexeram-se e os sacos foram arremessados para trás, surgindo homens usando capuzes que lhes cobriam as cabeças e faces, que se levantando vieram ameaçadoramente em minha direção. Embora assustado, investi também contra eles disposto a lutar. Mediante minha reação eles pararam e retiraram os capuzes, e aquele que se adiantara sorriu amigavelmente. Lembro-me perfeitamente de sua fisionomia e ele parecia comandar toda aquela ação. A isso se seguiram gritos de comemoração por todos e uma salva conjunta de palmas tão forte que eu, ao acordar imediatamente, retendo por uns segundos na memória aquela última cena, ouvia ainda ao longe o eco das palmas. Fantástico.

  Nada significativamente chega de modo aleatório aos que buscam, sejam esses os eleitos provindos de muitas tradições gnósticas ou esotéricas, sejam recém-iniciados nos caminhos dos segredos ocultos. A cada um segundo as suas obras. Assim em Sorman uma recordação lhe fora paulatinamente ativada na alma e uma presença lhe vinha agora insistentemente lembrar-lhe do cumprimento de algo. Pois tanto a velha vendedora de essências, antes a provocar-lhe com o enigma quanto agora a própria imagem dele - Sorman - a implorar-lhe por sua própria e pessoal ação, reacendiam-lhe na alma a necessidade do cumprimento dos desígnios de sua vida. Impossível ter paz sob a injunção da dualidade a polarizar cada lado do ser diametralmente ao seu oposto. Eis como Sorman começa a manobrar com esse crucial momento:

  Naquele dia em que permanecera em casa, e no dia seguinte, a imagem o deixou. Mas ainda que em descanso, a tensão vinha operar em si algo estranho, provocando-lhe uma ansiedade que o impelia a pensar. A exemplo de uma sensação dirigida era puxado lentamente para cima, trazendo sua atenção e reflexão para diferente ângulo. Era como - comparava - iniciar a concentração nos tempos do ashram, onde os sentidos ficavam adormecidos, a consciência se tornava volátil e com redobrada lucidez, e as imagens mentais produzidas ou observadas separavam-se dos pensamentos e dos agregados emocionais.

  Partindo desta reflexão, pôde compreender que existia mensagem significativa de que precisava inteirar-se, no entanto, pelas turvações de seu íntimo não conseguiria percebê-la. A leitura continuaria impossível se a condução de sua vida seguisse os mesmos padrões de agora. Algo realmente necessitava ser feito!

  Pressentiu então que deveria ficar sozinho, distante de todos. Desta maneira, anunciou aos pais a decisão de viajar para a casa que possuíam ao pé da serra, onde por tempo indeterminado permaneceria. Olga quis ir junto, desejava assisti-lo, providenciar coisas, estar sempre por perto. Sorman negou-lhe tal assistência: precisava estar só, necessitava da solidão, e eles conhecendo-o e a sua determinação, acabaram por ceder. Pelo menos saberiam onde ele se encontrava, podendo ir visitá-lo.

  Ao aproximar-se da bela casa e abrir o portão um oculto instinto o fez, especialmente, contemplá-la. Viera acompanhado de estranha premonição que lhe deixava na percepção intuitiva um reflexo de luz. Aquilo, supunha, vinha indicar-lhe a trajetória de um possível caminho, talvez concreto, mas que neste exato instante se mostrava unicamente imaterial. Tinha quase imperceptível rastro, como da cauda de um velocíssimo cometa que já tivesse passado distantemente. Mostrava ainda a prova de sua presença através de pequenas e esmaecidas luzes, a exemplo de vaga-lumes em ordenados voos noturnos.  Sorman, no entanto, não queria estar só naquelas evidências quase irreais; assim, por uma razão qualquer, invocava duas principais testemunhas: ele mesmo e a própria casa!”.

Rayom Ra

http://arcadeouro.blogspot.com

Ver Parte IX: https://arcadeouro.blogspot.com/2022/08/o-eterno-giro-do-presente-ix.html

Ver Parte VII: https://arcadeouro.blogspot.com/2022/08/o-eterno-giro-do-presente-vii.html

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