Manes
“o apóstolo da luz”, nasceu no século III d. C., no ano 216, de acordo com as
crônicas persas. A sua existência é-nos confirmada por diferentes textos, sendo
o mais importante constituído pelos Actos de Achelaus, bispo de Kashkar, na
Mesopotâmia, que teve várias entrevistas filosóficas com Manes.
Descendendo,
por parte de sua mãe, Miriame, da dinastia Parta dos Arsácidas, babilônico de
nascença, mas iraniano de raça e de linhagem, Manes,(1) encontra sua inspiração
religiosa no mandeísmo, seita de puros a que pertence o seu país, Patek. Muito
inteligente, Manes, ainda jovem, consagrou-se à meditação e às atividades do
espírito.
Com a
idade de 24 anos, Manes teve a sua grande revelação. Considera-se o herdeiro
dos enviados sucessivos: Buda, Zoroastro e Jesus. Após uma viagem de iniciação
às Índias, onde aprendeu a ciência bramânica, Manes regressa ao Irã para pregar
a sua doutrina.(2)
(1)Também conhecido por Mani; daí o nome de sua
doutrina: maniqueísmo.
(2) Manes expõe a sua doutrina e ideias em
vários livros, particularmente o Shanbubragan – dedicado a Shanpûr, ou Sapor, o
seu protetor -, O Evangelho Vivo, O Tesouro da Vida, O Livro dos Mistérios, O
Angelion, ou Livro do Anjo.
Estes manuscritos, de folhas de papiros,
eram redigidos com uma escrita secreta inventada por Manes para evitar que
caíssem em poder de profanos. As folhas eram ricamente decoradas de flores,
frutos e pássaros, pois Manes era um grande pintor. O elogio “Tu pintas como
Manes”, ainda hoje é usado na Pérsia (Irã).
Todos estes livros foram queimados ou
dispersos. O culto e a hierarquia eram estruturados com imenso cuidado. Pouco
sabemos além do que existia em sacerdócio cujas vestimentas litúrgicas seriam
em negro, branco e vermelho, cores simbólicas, mais tarde recuperadas pelos
herdeiros da gnose.
A nova
religião beneficia da proteção do rei Shapûr I (da dinastia Arsácida, ligada à
família de Manes). Após a morte do soberano, porém, iniciaram-se as
perseguições aos maniqueístas. O poder acabara, com efeito, de passar para as
mãos da dinastia Sassânida, e o novo monarca, Bahram I, detestava Manes.
Preso e
metido na cadeia com pesadas correntes de ferro, o profeta morreu a 26 de
fevereiro de 277, após vinte e seis dias de lenta agonia. A lenda conta-nos que
ele teria sido esfolado vivo, após o que a sua pele, cheia de ar, teria sido
exposta nas portas de Ctesifonte (capital do império arsácidas ou de parsi).
É certo
que o maniqueísmo continuou a ser a religião mais perseguida de toda a
história; no entanto, a expansão da seita foi prodigiosa. No ocidente, o Egito
é atingido (comunidades cristãs, assim como as escolas pagãs de filosofia);
depois é a vez da Palestina e de Roma. No leste a doutrina maniqueísta
propaga-se até à China, onde conhecerá um verdadeiro triunfo até a época de
Genghis Kan.
O
século IV vê a heresia instalada na África do Norte (Santo Agostinho foi
maniqueísta de 373 a 382), na Ásia Menor, na Grécia, na Ilíria e até na Gália e
na Espanha. No século V, o maniqueísmo recua em consequência das perseguições
do Estado e da Igreja, declinando no século seguinte. No entanto, ele originará
o nascimento no século VIII, dos paulicianos da Armênia e dos bogomilos,
antecessores dos albigenses e dos cátaros no seio da corrente gnóstica.
Tendo
obtido tanto sucesso, tal religião merece que nos debrucemos um pouco sobre o
fundo de sua doutrina.
Como
religião o maniqueísmo separa-se radicalmente do cristianismo, embora certos
textos sejam comuns aos dois sistemas. (3)
(3) Toda a concepção do cristianismo de Manes
fundamenta-se na de um Cristo Cósmico, e eis porque se criticou Manes por não
considerar a aparição e a morte de Jesus Cristo como fatos históricos (Simone
Hannedouche, Manichéisme et Catharisme
p.33).
O primeiro
e fundamental dogma de Manes foi o dos dois princípios, o bem e o mal. Nisto
encontrava-se de acordo com os budistas, os persas e os cristãos. Mas, no
entanto, considerava esta luta como a origem das coisas e não admitia que o
mundo tivesse sido feito a partir do nada. Segundo ele, a matéria, eterna,
tinha sido animada pelo bom princípio e era constantemente disputada pelo mau
princípio. O mundo era procriado por Cristo, quer dizer, pela essência divina
infundida nas criaturas. Com o tempo a vitória do bem viria a ser completa,
todas as coisas seriam purificadas. Esta última doutrina é precisamente a mesma
de Zoroastro, respeitante à vitória final de Ormusd sobre Ahriman.
Embora
Manes não fosse cristão, admitia Cristo. Somente não aceitava que Cristo
tivesse adquirido uma forma humana, que tivesse nascido e enfrentado o
sofrimento (4)
(4) Esta passagem é interessante, pois ressalta
da natureza de Cristo tanto tempo discutida. As discussões atravessaram séculos
e milênios, e permanecem ainda em rastilhos, tendo sido originariamente o
principal motivo de dissenções entre cristãos e gnósticos. Mesmo no evangelho
os gregos são citados.
Hoje, ocultistas e religiosos esotéricos
concordam bem mais, de que Cristo é uma energia não somente cósmica no sentido da
criação dos mundos, como também planetária, e vivente no âmago de todas as
pessoas, mas de tempos em tempos, quando importantes ciclos da vida terrena se
aproximam, Cristo vem personificar-se em entidades humanas. Foi o que aconteceu,
por exemplo, com Krishna ao encarnar-se no oriente, e com Jesus na Galileia.
Jesus foi um, Cristo foi outro; isto é
reconhecido no mundo ocultista. Jesus ao ser batizado no Jordão abriu vias
espirituais para a incorporação de Cristo.
A simbiose com o Cristo masculino
estendia-se, do mesmo modo, à figura do Espírito Santo na sua acepção feminina
revelando-se em Sophia. Assim, em determinados momentos, num mesmo corpo, ora ensinava
Jesus, ora Cristo, ora Sophia a sabedoria eterna.
Cristo, atualmente, é representado na Hierarquia
Planetária por três entidades-mestres: Jesus, Maytréia e Kuthumi. (Rayom Ra)
É por
isto que Teodoro diz com razão, que os
maniqueístas chamaram a Cristo o Sol grande deste mundo, que para eles Cristo
não era o corpo do Sol, mas que estava no Sol como pai da luz inacessível.
Da mesma maneira nos informa Santo Agostinho; nisto os maniqueístas eram puros
zoroastrinos, e admitiam, num sentido místico, o culto, então muito difundido,
de Mitra.
Manes
tinha pouca consideração pelas profecias judaicas, com bastante erros, na sua
opinião. Contra os antigos patriarcas dirigia diversas acusações e encontrava
até no Decálogo o culto não de um único deus, mas de vários e mesmo de um
grande número. Estas afirmações maniqueístas dificilmente podem ser postas em
dúvida; todavia, se só conhecêssemos a doutrina de Manes por intermédio de seus
críticos, a falta é da Igreja Cristã que destruiu todos os manuscritos.
Pode-se,
no entanto, afirmar-se que o maniqueísmo era uma religião gnóstica, dado que
além do fato de o próprio Manes ter reconhecido pontos em comum com dois
grandes gnósticos do século II, Marcion e Bardesane, a doutrina do apóstolo da
luz, com a sua hierarquia iniciática (5), a sua concepção dualista do mundo que
é ao mesmo tempo uma teogonia e uma cosmogonia, desenvolve-se numa ciência
universal das coisas divinas, celestes e infernais, onde todas as realidades
transcendentes, assim como os fenômenos físicos e os acontecimentos históricos,
encontram o seu lugar e a sua explicação.
(5) As comunidades maniqueístas eram
organizadas à imagem do cosmo: doze arcontes, sete magistrados, quatro
episcopais, que ensinavam a doutrina aos ouvintes.
Como
nas primeiras gnoses cristãs, Manes reconhece um mundo intermediário entre a
matéria e o espírito de Deus, “o Pai da Grandeza”, mundo composto de
hierarquias superiores à imagem do cosmo, sendo as mais conhecidas os anjos e
arcanjos e as emanações divinas, cujas existências, pelo menos no que se refere
aos primeiros, são reconhecidas no cristianismo.
O
maniqueísta considera-se como “atirado” para um mundo mau, no qual ele é
estrangeiro por essência, pertencente à raça (genos) dos eleitos, dos inabaláveis, dos seres superiores, bitercósmicos. Se
sente expatriado e exilado neste mundo terreno, segundo a expressão de Serge
Hutin (les gnostiques), é porque o
maniqueísta gnóstico “sofre de uma
cruciante nostalgia pela pátria original de onde caiu”. “Tu não vens daqui,
a tua estirpe não é daqui, o teu lugar é o lugar da vida”.
Manes
morreu deixando atrás dele, “como na sua cosmogonia, uma alma humana ávida de
pureza, de conhecimento e de liberdade”, ainda que a sua mensagem parece
engolida pela vaga que “conduz a humanidade para o materialismo e as trevas”.
Nem
tudo desapareceu, no entanto, pois que o catarismo reatou a tradição
maniqueísta e que a principal inspiração de Manes, a gnose cristã, lhe
sobreviveu, reassumindo por vezes alguns temas caros ao apóstolo da luz.
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Rayom Ra
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