quarta-feira, 17 de julho de 2013

Manes e Sua Escola



        Manes “o apóstolo da luz”, nasceu no século III d. C., no ano 216, de acordo com as crônicas persas. A sua existência é-nos confirmada por diferentes textos, sendo o mais importante constituído pelos Actos de Achelaus, bispo de Kashkar, na Mesopotâmia, que teve várias entrevistas filosóficas com Manes.

       Descendendo, por parte de sua mãe, Miriame, da dinastia Parta dos Arsácidas, babilônico de nascença, mas iraniano de raça e de linhagem, Manes,(1) encontra sua inspiração religiosa no mandeísmo, seita de puros a que pertence o seu país, Patek. Muito inteligente, Manes, ainda jovem, consagrou-se à meditação e às atividades do espírito.

       Com a idade de 24 anos, Manes teve a sua grande revelação. Considera-se o herdeiro dos enviados sucessivos: Buda, Zoroastro e Jesus. Após uma viagem de iniciação às Índias, onde aprendeu a ciência bramânica, Manes regressa ao Irã para pregar a sua doutrina.(2)

       (1)Também conhecido por Mani; daí o nome de sua doutrina: maniqueísmo.

    (2) Manes expõe a sua doutrina e ideias em vários livros, particularmente o Shanbubragan – dedicado a Shanpûr, ou Sapor, o seu protetor -, O Evangelho Vivo, O Tesouro da Vida, O Livro dos Mistérios, O Angelion, ou Livro do Anjo.
Estes manuscritos, de folhas de papiros, eram redigidos com uma escrita secreta inventada por Manes para evitar que caíssem em poder de profanos. As folhas eram ricamente decoradas de flores, frutos e pássaros, pois Manes era um grande pintor. O elogio “Tu pintas como Manes”, ainda hoje é usado na Pérsia (Irã).
Todos estes livros foram queimados ou dispersos. O culto e a hierarquia eram estruturados com imenso cuidado. Pouco sabemos além do que existia em sacerdócio cujas vestimentas litúrgicas seriam em negro, branco e vermelho, cores simbólicas, mais tarde recuperadas pelos herdeiros da gnose.

       A nova religião beneficia da proteção do rei Shapûr I (da dinastia Arsácida, ligada à família de Manes). Após a morte do soberano, porém, iniciaram-se as perseguições aos maniqueístas. O poder acabara, com efeito, de passar para as mãos da dinastia Sassânida, e o novo monarca, Bahram I, detestava Manes.

       Preso e metido na cadeia com pesadas correntes de ferro, o profeta morreu a 26 de fevereiro de 277, após vinte e seis dias de lenta agonia. A lenda conta-nos que ele teria sido esfolado vivo, após o que a sua pele, cheia de ar, teria sido exposta nas portas de Ctesifonte (capital do império arsácidas ou de parsi).

       É certo que o maniqueísmo continuou a ser a religião mais perseguida de toda a história; no entanto, a expansão da seita foi prodigiosa. No ocidente, o Egito é atingido (comunidades cristãs, assim como as escolas pagãs de filosofia); depois é a vez da Palestina e de Roma. No leste a doutrina maniqueísta propaga-se até à China, onde conhecerá um verdadeiro triunfo até a época de Genghis Kan.

    O século IV vê a heresia instalada na África do Norte (Santo Agostinho foi maniqueísta de 373 a 382), na Ásia Menor, na Grécia, na Ilíria e até na Gália e na Espanha. No século V, o maniqueísmo recua em consequência das perseguições do Estado e da Igreja, declinando no século seguinte. No entanto, ele originará o nascimento no século VIII, dos paulicianos da Armênia e dos bogomilos, antecessores dos albigenses e dos cátaros no seio da corrente gnóstica.

    Tendo obtido tanto sucesso, tal religião merece que nos debrucemos um pouco sobre o fundo de sua doutrina.

    Como religião o maniqueísmo separa-se radicalmente do cristianismo, embora certos textos sejam comuns aos dois sistemas. (3)

     (3) Toda a concepção do cristianismo de Manes fundamenta-se na de um Cristo Cósmico, e eis porque se criticou Manes por não considerar a aparição e a morte de Jesus Cristo como fatos históricos (Simone Hannedouche, Manichéisme et Catharisme p.33).

       O primeiro e fundamental dogma de Manes foi o dos dois princípios, o bem e o mal. Nisto encontrava-se de acordo com os budistas, os persas e os cristãos. Mas, no entanto, considerava esta luta como a origem das coisas e não admitia que o mundo tivesse sido feito a partir do nada. Segundo ele, a matéria, eterna, tinha sido animada pelo bom princípio e era constantemente disputada pelo mau princípio. O mundo era procriado por Cristo, quer dizer, pela essência divina infundida nas criaturas. Com o tempo a vitória do bem viria a ser completa, todas as coisas seriam purificadas. Esta última doutrina é precisamente a mesma de Zoroastro, respeitante à vitória final de Ormusd sobre Ahriman.

       Embora Manes não fosse cristão, admitia Cristo. Somente não aceitava que Cristo tivesse adquirido uma forma humana, que tivesse nascido e enfrentado o sofrimento (4)

       (4) Esta passagem é interessante, pois ressalta da natureza de Cristo tanto tempo discutida. As discussões atravessaram séculos e milênios, e permanecem ainda em rastilhos, tendo sido originariamente o principal motivo de dissenções entre cristãos e gnósticos. Mesmo no evangelho os gregos são citados.
       Hoje, ocultistas e religiosos esotéricos concordam bem mais, de que Cristo é uma energia não somente cósmica no sentido da criação dos mundos, como também planetária, e vivente no âmago de todas as pessoas, mas de tempos em tempos, quando importantes ciclos da vida terrena se aproximam, Cristo vem personificar-se em entidades humanas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Krishna ao encarnar-se no oriente, e com Jesus na Galileia.
       Jesus foi um, Cristo foi outro; isto é reconhecido no mundo ocultista. Jesus ao ser batizado no Jordão abriu vias espirituais para a incorporação de Cristo.
     A simbiose com o Cristo masculino estendia-se, do mesmo modo, à figura do Espírito Santo na sua acepção feminina revelando-se em Sophia. Assim, em determinados momentos, num mesmo corpo, ora ensinava Jesus, ora Cristo, ora Sophia a sabedoria eterna.
    Cristo, atualmente, é representado na Hierarquia Planetária por três entidades-mestres: Jesus, Maytréia e Kuthumi. (Rayom Ra)

       É por isto que Teodoro diz com razão, que os maniqueístas chamaram a Cristo o Sol grande deste mundo, que para eles Cristo não era o corpo do Sol, mas que estava no Sol como pai da luz inacessível. Da mesma maneira nos informa Santo Agostinho; nisto os maniqueístas eram puros zoroastrinos, e admitiam, num sentido místico, o culto, então muito difundido, de Mitra.

       Manes tinha pouca consideração pelas profecias judaicas, com bastante erros, na sua opinião. Contra os antigos patriarcas dirigia diversas acusações e encontrava até no Decálogo o culto não de um único deus, mas de vários e mesmo de um grande número. Estas afirmações maniqueístas dificilmente podem ser postas em dúvida; todavia, se só conhecêssemos a doutrina de Manes por intermédio de seus críticos, a falta é da Igreja Cristã que destruiu todos os manuscritos.

       Pode-se, no entanto, afirmar-se que o maniqueísmo era uma religião gnóstica, dado que além do fato de o próprio Manes ter reconhecido pontos em comum com dois grandes gnósticos do século II, Marcion e Bardesane, a doutrina do apóstolo da luz, com a sua hierarquia iniciática (5), a sua concepção dualista do mundo que é ao mesmo tempo uma teogonia e uma cosmogonia, desenvolve-se numa ciência universal das coisas divinas, celestes e infernais, onde todas as realidades transcendentes, assim como os fenômenos físicos e os acontecimentos históricos, encontram o seu lugar e a sua explicação.

      (5) As comunidades maniqueístas eram organizadas à imagem do cosmo: doze arcontes, sete magistrados, quatro episcopais, que ensinavam a doutrina aos ouvintes.

     Como nas primeiras gnoses cristãs, Manes reconhece um mundo intermediário entre a matéria e o espírito de Deus, “o Pai da Grandeza”, mundo composto de hierarquias superiores à imagem do cosmo, sendo as mais conhecidas os anjos e arcanjos e as emanações divinas, cujas existências, pelo menos no que se refere aos primeiros, são reconhecidas no cristianismo.

     O maniqueísta considera-se como “atirado” para um mundo mau, no qual ele é estrangeiro por essência, pertencente à raça (genos) dos eleitos, dos inabaláveis, dos seres superiores, bitercósmicos. Se sente expatriado e exilado neste mundo terreno, segundo a expressão de Serge Hutin (les gnostiques), é porque o maniqueísta gnóstico “sofre de uma cruciante nostalgia pela pátria original de onde caiu”. “Tu não vens daqui, a tua estirpe não é daqui, o teu lugar é o lugar da vida”.

     Manes morreu deixando atrás dele, “como na sua cosmogonia, uma alma humana ávida de pureza, de conhecimento e de liberdade”, ainda que a sua mensagem parece engolida pela vaga que “conduz a humanidade para o materialismo e as trevas”.

    Nem tudo desapareceu, no entanto, pois que o catarismo reatou a tradição maniqueísta e que a principal inspiração de Manes, a gnose cristã, lhe sobreviveu, reassumindo por vezes alguns temas caros ao apóstolo da luz.

                           [Hitler et la Tradition Cathare – Jean-Michel Angebert]
Rayom Ra

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