O Rito Secreto dos Templos Egípcios
A explicação que eu buscava no mistério do lendário assassinato de Osíris, encontrei-a, finalmente, quando, remontando o Nilo, dediquei-me a estudar um dos mais conservados templos egípcios, consagrado à deusa Hathor em Denderah. A suave areia morna com que estava coberto o preservara, e durante mais de mil anos o protegera sob seu lençol dourado. Subindo os degraus extremamente íngreme e desgastados, ao lado norte do templo, de vez em quando detinha-me para examinar à luz de minha tocha, cenas que ao longo do trajeto apareciam esculpidas nas paredes. Representavam a procissão ritual mais importante do templo, a do Ano Novo, com o próprio Faraó à testa. Um séqüito de sacerdotes, hierofantes dos Mistérios e porta-estandartes, subiam entalhados em baixo-relêvo, como deviam ter subido a escada quando vivos. Acompanhando-os na sua procissão, saí da penumbra ao sol radiante, chegando ao pequeno santuário isolado, situado no terraço, após ter atravessado um sótão de pedras gigantes. Sustentavam-no uma série de colunas com a cabeça de Hathor por capitel.
Notei que se tratava do santuário no qual se efetuavam os Mistérios de Osíris, até a época de Ptolomeu. As paredes estavam decoradas com altos-relêvos nos quais aparecia Osíris deitado num sofá e rodeado por vários serventes e braseiros com incenso. Havia hieróglifos e quadros que relatavam toda a história da morte e da ressurreição de Osíris, e as inscrições indicavam as preces estipuladas para às doze horas da noite. Sentei-me no solo que, na realidade, era um telhado do próprio templo, e entreguei-me à meditação sobre esta lenda antiga. Passou-se um momento; a sonda tocou o fundo de minha mente e nele brilhou a verdade, cujos fragmentos deformados haviam atravessado séculos sob a forma desse fantástico relato da fragmentação e da posterior reconstituição de Osíris.
Encontrei a chave da verdade ao receber subitamente a intuição, e recordei minha própria experiência na Câmara do Rei na Grande Pirâmide, quando das trevas surgira a visão dos dois sacerdotes, um dos quais pôs meu corpo em transe e libertou meu espírito, consciente, da sua prisão na carne. Meu corpo estava praticamente morto, a vida se mantinha apenas por um cordão umbilical, enquanto seu verdadeiro elemento vital consciente alienou-se, afastado do corpo. Era eu um cadáver, cuja alma estava longe e, no entanto, ao fim da experiência regressei à carne, vivo como dantes,. Não havia sido aquela experiência uma autêntica ressurreição, um retorno à existência terrena, após ter vislumbrado o outro estado? Não foi aquela uma vida consciente depois da morte?
Levantei-me e voltei a examinar os murais para confirmar a iluminação que tinha recebido. Osíris jazia aparentemente morto, envolto em tiras como se fosse a múmia e, não obstante, todos os pormenores indicavam que se tratava da cerimônia em benefício de um vivo e não de um defunto. Com efeito, ali estavam em volta do corpo do candidato em transe, os sacerdotes oficiantes e os incensários para lhe facilitar o trespasse. Havia preces noturnas, porque essas iniciações sempre se realizavam ao cair da noite; o candidato era posto em transe em períodos variáveis, sendo mais prolongados e mais profundos quanto mais avançado era o seu grau; os sacerdotes vigiavam-no durante as horas da noite para as quais estavam credenciados, e oravam. Era esta a cena representada nos rituais dos Mistérios desde tempos imemoriais. Mas qual a significação? O assassinato de Osíris não era outra coisa senão um assassinato aparente, ao qual todos os candidatos dispostos a participar nos Mistérios de Osíris eram submetidos, quer dizer, a tornarem-se unos com o espírito de Osíris, fundador destes Mistérios.
Nos templos mais antigos havia sempre um planejamento arquitetônico duplo e cada templo possuía suas divisões: uma para um culto comum e a outra para os Mistérios secretos. Esta última era estritamente reservada e colocada numa parte especial do templo.
Os sacerdotes, recorrendo ao hipnotismo, poderosas fumigações, passes mesméricos e a uma vara mágica, punham o candidato em estado de transe semelhante à morte, em que perdia toda a aparência de vida. Enquanto o corpo jazia inerte, a alma se desprendia, unida apenas por um fio magnético visível para um iniciador vidente, conservando as funções orgânicas do corpo a despeito da suspensão completa da atividade vital. O objetivo da iniciação era ensinar ao candidato que “não existe morte”. Dava-se-lhe esta lição da maneira mais clara e mais prática possível, fazendo-o passar pelo processo da morte e entrar misteriosamente em outro mundo da existência. Tão profundo era seu transe, que o colocavam num caixão de múmias, com as correspondentes pinturas e inscrições, e que tapavam e lacravam depois. Abstração feita das intensões, ele tinha sido de fato assassinado!
Quando vencia o tempo assinalado para o transe, abriam o caixão e despertavam o candidato pelos processos adequados. Eis o simbólico esquartejamento do corpo, cujos destroços voltavam a reunir-se, volvendo o candidato à vida. A mística ressurreição de Osíris era simplesmente a verdadeira ressurreição do candidato iniciado nos Mistérios! O santuário em que eu estava, havia sido o cenário de muitos desses “assassinatos” e “ressurreições”. No seu tempo deveria estar apropriadamente mobiliado com um sofá e com todos os requisitos necessários para o cerimonial. Quando o candidato, após haver passado pela prova do transe, estava em condições de ser despertado, levavam-no a um lugar onde os primeiros raios do sol nascente lhe banhavam a face adormecida.
É sabido que nos tempos primitivos alguns dos sacerdotes egípcios de grau superior e todos os Sumo-sacerdotes eram muito versados na prática do hipnotismo e podiam provocar em outras pessoas um estado cataléptico tão profundo que era como se houvesse a morte verdadeira. Os Sumo-sacerdotes possuíam poder muito maior do que os modernos hipnotizadores, porque PODIAM MANTER A MENTE DO CANDIDATO DESPERTA, ESTANDO O CORPO EM TRANSE, e proporcionar-lhe uma série de experiências supra-terrestres, das quais se recordava ao voltar ao estado normal de consciência.
Desse modo, o faziam compreender a natureza da alma e vislumbrar outro mundo de vida, chamado mundo dos espíritos, cujo simbolismo representavam por um pássaro-homem pintado no próprio caixão. Todas as tampas dos sarcófagos das múmias eram decoradas com esse curioso pássaro que, desprendendo-se da múmia, levantava voo ou permanecia pousado sobre ela. Figurava nas vinhetas de seus livros sagrados com a cabeça e braços humanos, e era muitas vezes representado como estendendo-se até as narinas da múmia, tendo de um lado a figura hieroglífica de um veleiro enfunado, símbolo da respiração, e do outro, uma cruz ansata, símbolo da vida imortal. O simbolismo, seja escrito nos papiros ou gravado na pedra de granito desse estranho hieróglifo, assinalava sempre a mesma doutrina: a existência do mundo espiritual. Quando o LIVRO DOS MORTOS fala dos defuntos, na realidade, refere-se aos mortos-vivos, homens mergulhados em transe tão profundo como a própria morte, de cujos corpos imóveis as almas desprendidas são levadas para o outro mundo. O LIVRO refere-se à Iniciação. Esse outro mundo se interpenetra de alguma forma misteriosa com o nosso, o dos mortais, e os espíritos podem estar muito perto de nós. Nada se perde na natureza, a própria ciência o confirma; quando um homem deixa este mundo, largando o corpo inerte e insensível, reaparece no éter, e embora seja invisível para nós, é perfeitamente visível para os seres etéreos.
Ainda que esse processo de iniciação apresentasse todas as características externas do hipnotismo, ia muito mais além dos métodos empregados pelos experimentadores modernos que, embora retirando o espírito subconsciente do homem, não podem fazer conhecer ao paciente hipnotizado outros planos mais profundos da existência. Na imaginação popular, era Osíris alguém que havia sofrido o martírio da morte e ressucitado da tumba. Assim, para o povo, seu nome se converteu em sinônimo da sobrevivência depois da morte, e sua consciência da imortalidade lhe deu a esperança de também ele poder conquistá-la.
A crença vulgar na imortalidade da alma e na vida além-túmulo era incontestável, e o povo acreditava na transição desta vida para a outra, onde os deuses iam julgar a alma segundo suas boas ou más ações, e onde os malvados receberiam o castigo e os bons iriam ao reino da bem aventurança e se reuniriam a Osíris. Essas noções foram bastante úteis às massas e proporcionaram aos laboriosos camponeses tudo o que sua mentalidade rudimentar era capaz de assimilar. Não tinham por objetivo estonteá-los com profundas filosofias e explicações psicológicas sutis. Todos esses mitos, lendas e fábulas populares deviam ser entendidos como sendo parcialmente simbólicos e parcialmente históricos, contendo tanto um significado racional oculto, quanto uma verdade única e real.
Para conservar viva essa doutrina, os sacerdotes não somente a empregavam em cerimônias rituais nos templos, como também realizavam em determinadas ocasiões representações públicas do drama simbólico em que reviviam ante a plebe a lenda histórica de Osíris. Muito pouco dessas cenas entravam na categoria dos Mistérios, isto é, só algumas versões populares fáceis de entender. Correspondiam às representações dos Mistérios da Grécia antiga ou às da Paixão representada na Idade Média e na Europa Moderna, como o drama do Cristo que atualmente se efetua na Bavária. Porém essas encenações não devem ser confundidas com os verdadeiros Mistérios que nunca se realizavam em público e eram muito mais do que uma função teatral. As representações populares eram simbólicas e sacras, porém não revelavam nenhum segredo oculto; por isso não devem ser tomados por verdadeiros Mistérios íntimos do culto, os antigos espetáculos da Morte e Ressurreição de Osíris.
As celebrações populares e cerimônias externas eram o que satisfazia a grande massa, comprazendo-a plenamente. Entretanto, havia outra doutrina mais filosófica, acompanhada de práticas secretas para os intelectuais. Esse pormenor conheciam os egípcios cultos, de educação espiritual, e os nobres e a alta sociedade, quando sentiam vocação, solicitavam sua admissão naquele restrito círculo.
Os templos possuíam dependências especiais, isoladas, para execução dos Mistérios, a qual estava a cargo de um número limitado e seleto de sacerdotes chamados hierofantes. Esses ritos secretos eram celebrados além e à margem das cerimônias diárias do culto aos deuses. Os próprios egípcios os denominavam “Mistérios”. O caráter sobrenatural dos Mistérios Maiores, com os quais nada tinham que ver os dramas rituais, era conhecido pelas alusões de alguns iniciados. Um deles declarou que “a morte não é um mal para os mortais, mas, sim, um bem, graças aos Mistérios”. Isso somente podia significar que o homem, ao tornar-se cadáver, recebia grandes benefícios dessa experiência. Os textos hieroglíficos falam que um homem é assim “nascido duas vezes”, e era-lhe permitido acrescentar ao seu nome as palavras: “aquele que renovou sua vida”. Nos sarcófagos mortuários, os arqueólogos descobriram essa frase descritiva do estado espiritual do defunto.
Quais eram os maiores segredos que aprendiam os candidatos que passavam satisfatoriamente pela prova dos Mistérios?
Isso dependia do grau por eles alcançado; todavia, em linhas gerais, todas as experiências se resumiam em duas, que formavam a essência das revelações recebidas. Nos primeiros graus, os candidatos conheciam a alma humana representada em sistema hieroglífico por um pequeno pássaro-homem, e resolviam o mistério da morte. Aprendiam que na realidade era a passagem de um estado de existência para um outro, e afetava apenas o corpo carnal, mas não destruía a mente e o ser. Sabiam, também, que a alma não somente sobrevive à destruição do invólucro mortal, mas evolui progressivamente até chegar às esferas mais elevadas.
Nos graus mais adiantados, conheciam a Alma Divina; eram levados à comunhão pessoal com o Criador, encontravam-se face a face com a Divindade. Inicialmente eram instruídos na verdadeira significação da Queda do homem ao seu estado espiritual primordial; era-lhes revelada a autêntica história da Atlântida, história tão intimamente ligada à Queda do homem. Depois, subindo, esfera após esfera, tornavam-se cientes da própria Consciência Espiritual da qual o homem gozou no início dos tempos. Assim sendo, ainda peregrinos temporários, recebiam a recompensa da eternidade.
[Paul Brunton]
Rayom Ra
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