domingo, 23 de abril de 2017

Exercício Respiratório para Controlar os Pensamentos - Paul Brunton

Subrahmanyam Iyer e Paul Brunton 
  O estudante que haja completado a terceira etapa da meditação delineada no capítulo anterior, revela com isso haver deitado a mão na charrua com paciência beneditina e esforço ardoroso. Encetou uma tarefa que apela para algumas das melhores qualidades do caráter humano e algumas das mais inusitadas capacidades mentais. Seu empenho é deveras digno de louvor, por que tem de leva-lo a cabo sozinho, na solidão de seu próprio cômodo, e sem contar com o estímulo gregário que o estudo coletivo oferece aos alunos de matéria outras que não o autoconhecimento. A linha de reflexões que estas páginas lhe traçam é precisamente a mais bem adequada à meditação solitária.

  Tivesse ele a rara felicidade de se achar em estreita associação com um Adepto que demonstrasse em si próprio o alto atingimento que ele busca, e então, com toda a probabilidade, o labor de tal meditação interrogativa se lhe tornaria bem menor. Um tal instrutor, com um simples e intencional contato pessoal acende o fogo da experiência pessoal naqueles que combinam suas aspirações pelo ideal com sua fé no Instrutor. Este, em poucos minutos, dará mais a um discípulo do que se poderia obter durante muitos meses de labor solitário.

  É sumamente difícil encontrar-se um Adepto no mundo moderno, conquanto não faltem seus fracos imitadores, e por isso estas páginas foram escritas para prestar uma pequena ajuda ao estudante que só conta com seu esforço pessoal. Se ler estas páginas com aguda atenção, acendrado interesse e genuíno desejo de descobrir a verdade à custa de banir os preconceitos pessoais; se absorver o seu conteúdo de sorte que a mera leitura do livro lhe ministre uma experiência interna, então ele irá longe e logrará um atraente prêmio espiritual por seu trabalho.

  Se estas páginas forem lidas de maneira correta, com profunda atenção e entranhado sentimento, poderão despertar as energias secretas latentes no ser humano, e então a própria leitura proverá o estudante de uma genuína experiência espiritual. Pois não só traça uma senda para o seu eu divino, como habilita o estudante sincero a percorrer toda essa senda.

  O final desta terceira etapa encerra o período preparatório da viagem interna do estudante. Até aqui ele tem trabalhado duramente em suas práticas, mas sem muita recompensa tangível; doravante ele ingressará num curso onde obterá novas experiências, que lhe prognosticam a esplêndida meta final que o aguarda e o compensará amplamente por todo mínimo esforço feito. Todas as dúvidas começarão a desaparecer gradativamente, todas as incertezas se desvanecerão progressivamente dele, pois encontrou a senda certa para o autoconhecimento.

  Até aqui temos sondado os recessos misteriosos do eu, temos trilhado parte do caminho com a ajuda da faculdade do pensamento, mas não se pode chegar à natureza quintessencial do eu apenas com essa ajuda. Podemos agora perceber quanto é o homem esmagado contra as barreiras do mistério tão logo começa a pensar de maneira realmente profunda. Onde o pensamento não pode ir, algo mais está para surgir e conduzir-nos para adiante. O pensamento racional nos proporciona um esplêndido instrumento para compreender a vida e o mundo até certo ponto, mas é um erro imaginar que por isso seja o único instrumento útil para nós.

  O novo elemento é a intuição, a compreensão direta. Quando falha o pensamento, podemos encontrar este estado de guia intuitivo, por meio de uma busca sutil e eterna. Está aqui, dentro de nós, e ao alcance de todos está a sua descoberta. É este o significado da frase de Jesus: “Buscai e achareis”. Poucos são os que se dão ao trabalho de inquirir-se internamente, por isso, poucos são os que acham.

  Como se há despertar a intuição?

  Quando o intelecto analítico e raciocinador afrouxa a sua atividade, então a intuição encontra um campo limpo onde manifestar-se. Quando as vagas do pensamento não mais se levantam nem caem na superfície da mente, esta se torna qual lago calmo e diáfano em que o sol da intuição pode refletir sem empecilhos nem distorções. É, pois, necessário, encontrar-se meios de reduzir a constante agitação do intelecto.

  Isso se consegue por um duplo processo. O primeiro consiste de um esforço para dirigir os pensamentos ao longo de um canal simples e de determinada espécie, isto é, da concentração numa elevada ideia abstrata. Se praticastes rigorosamente os exercícios de meditação já indicados, ou deliberadamente vos dedicastes a inspiradas obras artísticas, então parte deste processo terá inevitavelmente sido executada em grande extensão e começarão a ser percebidos relâmpagos de intuição.

  O segundo processo implica no domínio da respiração. A razão disto é que existe uma profunda conexão entre a respiração e o pensamento. Os movimentos respiratórios se sincronizam, de maneira muito notável com os movimentos do pensamento. O respirar parece um ato demasiado simples, e talvez pareça estranho que deva exercer qualquer efeito sobre a ação mental, porém as investigações e as experiências provam concludentemente este fato. A maioria das pessoas subestima o poder da respiração, porém os antigos jesuítas no Ocidente e os iogues na Índia, mais sábios, incluíram os exercícios respiratórios em seu sistema de treinamento. Os que não estudaram o assunto não podem compreender as surpreendentes transformações que se podem produzir no corpo e na mente pela simples mudança do ritmo respiratório.

  Uma criança sabe que um rápido sopro no leite fervendo o esfria, e que o mesmo sopro feito na mão gelada a aquece. Contudo, nós ainda não compreendemos que também se pode empregar a respiração para resistir às moléstias do corpo, suportar os efeitos do intenso calor ou frio, e modificar o teor de nossos pensamentos. Considerais por um momento, que quando vos achais excitado, vossa respiração se torna curta e rápida, mas quando vos achais mergulhados em profundos pensamentos, ela se torna lenta e silenciosa. Observai um homem que respire em solavancos tumultuosos e vereis que seus músculos estão igualmente agitados. Não demonstra isto quanto de entrosamento existe entre a respiração e a mente?

  A respiração é normalmente uma função inconsciente da vida. Qualquer tentativa para alterá-la se converterá prontamente numa função consciente. E assim, o estudante desejoso de afetar a sua mentalidade através da respiração, deverá reservar breves períodos em que deliberadamente altere o seu ritmo respiratório. Se estes períodos forem utilizados da maneira adiante descrita, obedecendo cuidadosamente às instruções simples que seguem, os efeitos resultantes sobre seus pensamentos serão no devido tempo os mais marcantes. É importante que não se afaste dessas instruções nem jamais as varie.

  Aqui é essencial uma palavra de advertência contra a prática indiscriminada de respirações, divulgadas por publicações sobre Ioga indiana. Com um instrutor para guiar e proteger, torna-se segura a senda do controle da respiração da Ioga, mas sem tal assistência é uma senda sumamente perigosa. Como me disse certa vez um grande Iogue indiano, enquanto estávamos sentados à sombra de um pequeno bosque: “Os antigos mestres que conheciam os diferentes efeitos das diversas respirações, nos dizem que através da respiração podemos tornar-nos tão poderosos como os deuses, como podemos também cair na insânia em incuráveis moléstias e em morte súbita. Compreendereis então que onde as recompensas são tão grandes, os perigos não são menos grandes. Em nosso sistema há exercícios para diferentes finalidades, e se alguns são inofensivos, outros, se erroneamente feitos, poderão ser de graves consequências”.

  Todavia, o exercício respiratório aqui indicado não oferece perigo e pode ser praticado sem receio. Este é o único tipo de exercício de Ioga, que se pode praticar seguramente, embora sem a supervisão de um instrutor, ao passo que, por outro lado, é tão simples que ninguém pode deixar de praticá-lo acertadamente. Mas as pessoas que sofrerem de moléstias cardíacas, não deverão praticar qualquer espécie de exercício respiratório.

  Este exercício consiste em reduzir o ritmo da respiração até um ponto abaixo da média normal. Não se pode descrever aqui o ponto preciso, pois varia com os diferentes tipos de pessoas, em parte de acordo com a capacidade variável dos pulmões e em parte de acordo com os diferentes graus de sensibilidade nervosa. A pessoa comum, de boa saúde, respira aproximadamente quinze vezes por minuto. Não obstante, a redução completa não deve ser feita num golpe; é sempre preferível introduzir essas alterações gradativamente, e não de maneira violenta.

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

  Começai exalando muito lentamente, depois inalai suavemente, em seguida retende a respiração momentaneamente, e afinal expirai de novo. Fazei isso com plena atenção e olhos fechados. É importante que o estudante verta toda a sua consciência nesta respiração, até lhe parecer viver nela durante todo aquele tempo.

  Este exercício é para ser praticado pelos principiantes durante cinco minutos – e não mais. Os estudantes adiantados podem estender o período sucessivamente até dez, quinze e vinte minutos, à medida que progridam. Ninguém deve ultrapassar o último limite.

  Requer-se um esforço a sós, lento, regular e tranquilo. Não deve haver nenhuma respiração profunda que seja tensa ou violenta, pois isso frustraria o objetivo do estudante, mas deve reinar um completo relaxamento muscular. Pode-se tomar como sinal de êxito quando o ritmo da respiração flui suave e espontaneamente, de tal sorte que não mova uma pluma colocada diante de suas narinas. Contudo, se a qualquer momento sentir o mais leve incômodo ou ânsia na respiração, deve parar imediatamente e inteirar-se de que seu exercício está sendo feito errado.

  Que respire por ambas as narinas: qualquer estudante americano ou europeu que pratique a respiração Iogue alternando as narinas está pondo em grande risco sua saúde e sanidade. Abandone-a, pois. Pulmões dilatados constituem o menor perigo. Tais exercícios artificiais e contrários à natureza são geralmente praticados tendo em vista a obtenção de poderes psíquicos: nada têm de comum com o domínio natural aqui proposto como meio de aquietar a excitação mental e tornar a respiração tão plácida quanto a de um bebê no ventre materno.

  Este exercício se baseia no simples fato de que a respiração é um vínculo entre a mente e o corpo, pois ela supre o cérebro de sangue arterial. Diminuir o ciclo é encurtar o suprimento de sangue ao cérebro, e, portanto, retardar o ciclo de pensamentos. “A respiração é o cavalo e a mente é o cavaleiro”, dizem os tibetanos. Assim, a tensão e o relaxamento do cérebro, o aparecimento e o desaparecimento dos pensamentos, se correspondem em harmonia peculiar com o ciclo respiratório e podem ser colocados sob domínio.

  O efeito sobre o estudante causado pelo afrouxamento do ritmo de sua respiração, será um bom humor, uma calma derivada da constante vibração do pensamento, um óleo santo derramado sobre o agitado mar da vida, e uma condição mental mais abstrata. E a aplicada concentração de sua atenção o fará esquecer outras coisas durante aquele ato, de sorte que ele sentirá haver-se tornado “um filho da respiração”, por assim dizer. Ele se engolfa totalmente no processo da respiração modificada, funde com ela sua mente, submerge todos os demais pensamentos em observá-lo, e assim se torna temporariamente transformado numa pessoa mais sutil e sensível. Uma etapa tal não se alcança imediatamente, senão após semanas de exercícios regulares.

  A influência destes exercícios tão simples sobre a mente dificilmente pode ser apreciada pelos que nunca os puseram em prática; restauram um ritmo harmonioso na máquina humana, e podem transformar um coração agoniado num coração pacífico com todo o mundo.

  Há anos um bem conhecido jornalista da Fleet Street (Rua da Esquadra) foi inesperadamente promovido a editor de um famoso jornal de Londres. Ele era escocês, e naturalmente ambicioso, de sorte que resolveu fazer o máximo por “melhorar” tudo em seu novo posto. Não se poupou nenhum esforço, mas conduziu-se como um feitor de escravos para tornar um êxito a sua função de editor. E trabalhou tão arduamente, sobrecarregou-se de tantas responsabilidades, que soou a hora em que a ultrajada Natureza lhe exigiu o seu inexorável preço. Sofreu um colapso e teve que ser afastado de seu cargo e de seu posto por exaustão nervosa.

 Passou vários meses num sanatório à beira mar, recuperando-se lentamente seus desgastados nervos e depauperado corpo. Mas foi só depois de lhe haver sido ministrado este exercício respiratório, que ele acelerou o seu restabelecimento e pôde retornar à Fleet Street, e não apenas como um homem curado, mas como um homem novo. Toda a sua visão de vida se transformara pela prática deste simples exercício. Daí em diante foi capaz de aprofundar a vida, de aprender a finalidade espiritual por trás de todas as coisas e de sentir a divina harmonia subjacente em todas as discordâncias da existência moderna.

  Além desse seu objetivo específico, este exercício também poderá ser aplicado em outras ocasiões, durante o dia. Se em qualquer ocasião, vosso autodomínio for sacudido por violentas paixões ou distúrbios emocionais, quaisquer que sejam, recorrei imediatamente à prática deste exercício respiratório, até que o perigo tenha passado. Sob tais condições, notar-se-á a sua grande eficácia.

  No entanto, para os propósitos deste exame de si mesmo, o estudante deve praticar o controle respiratório só imediatamente depois de terminado o exercício de meditação. Ele terá chegado a um aparente beco sem saída no final de sua meditação, em que parece haver um branco muro mental. Pois, tendo interrogado o corpo, os sentimentos e o intelecto, cada um por sua vez, não terá conseguido encontrar em cada um deles o “eu” ilusório que busca. Ele se defrontará com o nada, pois o que é que existe num homem depois de eliminado o corpo, os sentimentos e o intelecto? Com isso ele termina a sua meditação, finda com o suplício de seu cérebro com introspecções pouco comuns, e volve sua mente para o exercício acima, de controle respiratório.

  Ao lograr sucesso nesta prática, começará a obter um estado mental em que os pensamentos jazerão silenciosos como serpentes encantadas. Começará a obter a placidez mental, que é um dos principais objetivos da Ioga indiana, mas o conseguirá sem ter de suportar a tensão, luta e perigo envolvidos nos exercícios respiratórios “ióguicos” que indivíduos insensatos tornaram indiscriminadamente conhecidos ao Ocidente.

  Fonte: O Caminho Secreto, por Paul Brunton
  Editora Pensamento
Rayom Ra
     http://arcadeouro.blogspot.com.br

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