Já definimos a
gnose no seu aspecto tradicional, dizendo que ela era a aspiração a uma
experiência mais profunda. Após termos estudado os precedentes gnósticos no
seio da Grande Tradição, citando o bramanismo, debruçando-nos sobre a doutrina
de Zoroastro, que originou a síntese maniqueísta, eis-nos, pois, chegados à
gnose propriamente dita, que é filha do pensamento grego e singularmente
pitagórica. Veremos como a gnose conseguiu penetrar no seio do cristianismo,
com o velho fundo neopagão, para finalmente perecer asfixiada pelo dogmatismo
da igreja nascente.
A filosofia grega,
tende-se a esquecê-lo hoje, cumpriu a missão de vulgarizar as teorias
esotéricas. Os filósofos da Antiguidade, que também eram sábios, sentiram, com
efeito, a necessidade de duas doutrinas: uma pública, outra secreta. Se a
Grécia antiga forneceu físicos como Tales, legisladores como Sólon e Drácon,
teve um iniciado de primeira importância: Pitágoras. Este não escreveu jamais
sua doutrina secreta, senão com sinais esotéricos e sob a forma de um
simbolismo perfeitamente elaborado.
Nada de extraordinário,
portanto, que ele tenha sido citado como modelo pelos neoplatônicos de
Alexandria, os verdadeiros gnósticos e a patrologia cristã, como um precursor.
De fato, a sua doutrina
é a primeira síntese à volta de uma teoria central; aí reencontramos a doutrina
oculta do Egito, esclarecida e simplificada pelo gênio grego. Particularmente,
a filiação com Hermes Trimegisto é evidente: a lei do mistério, que uma vez
mais oculta a grande verdade e o conhecimento absoluto, não pode ser revelada
senão aos iniciados.
No presente estádio do
raciocínio não deixaremos de relacionar o princípio de Pitágoras com o Sol dos
antigos egípcios, quando o profeta da religião solar, o grande sacerdote de
Amon-Ra, do alto do templo de Tebas, desvendava o conhecimento ao novo
iniciado; este, recordando-se de passagem do Livro dos Mortos, acedia ao conhecimento apoiado pela visão das
três pirâmides e dos astros, que lhe descreviam como deviam ser as suas futuras
residências. Se uma prega do véu de Isis se erguia para rapidamente cair, o
iniciado podia, no entanto, sentir a satisfação de ter entrevisto os mistérios
supremos. Além disso, terminada a iniciação, ele tornava-se sacerdote de
Osiris, ou seja, guarda do sublime conhecimento.
A vida tempestuosa de
Pitágoras assemelha-se, em certos pontos, à visão da Barca de Osíris, lançada
no meio das águas furibundas, tal como podia imaginar o iniciado egípcio
navegando no Rio dos Mortos; todavia, Pitágoras prosseguiu sempre o seu caminho,
sem ter deixado sair da rota a sua embarcação, em nenhum momento da existência.
Ele viu Cambises, à frente dos exércitos persas, invadir o Egito – lembra o
sonho de Zoroastro – saquear os templos sagrados de Mênfis e de Tebas e
destruir o templo de Amon. Porém, as desventuras de Pitágoras não terminaram
aqui: foi internado por Cambises na Babilônia, então centro de irradiação dos
profetas hebreus e da mestiçagem dos povos sobre que a Ásia despótica
triunfava.
Todas essas provações
ensinaram a Pitágoras que as várias religiões eram apenas raios de uma mesma
verdade: ele possuía a chave, a síntese de todas as doutrinas na ciência
esotérica. A experiência adquirida evidencia-lhe que a humanidade se encontrava
ameaçada pela Ásia, devido à ignorância dos seus sacerdotes, ao cientismo
obtuso dos sábios e ao caos de suas democracias. Pôde voltar, enfim, à sua
pátria.
Regressando à Grécia,
Pitágoras teve longas entrevistas com os sacerdotes helênicos, informando-os
sobre a sua iniciação egípcia, os mistérios de Osíris e o ocultismo babilônico.
Só depois de ter formado pitonisas e de transformar Delfos num centro de vida e
ação espiritual é que ele parte para a Grande Grécia e Crotona, onde viria
encontrar a morte com mais trinta discípulos. Mas o fim que se propunha estava
atingido; a escola pitagórica dura ainda dois séculos e os seus ensinamentos
chegaram até nós por intermédio de seus inúmeros discípulos.
A cadeia dos grandes
iniciados não se quebra com a desaparição de Pitágoras: o ateniense Platão
deveria, muito naturalmente, recuperar o facho do conhecimento. Foi por
intermédio do grego Argitas que Platão obteve um manuscrito de Pitágoras (1). A obra Timeu é, neste
sentido, uma verdadeira condensação da cosmogonia pitagórica.
(1) Os manuscritos de Pitágoras não conseguiram sobreviver até à
nossa época. A biblioteca de Alexandria possuía um, anotado por Plotino e
fechado num rolo de ouro, mas os cristãos incendiaram todas essas riquezas
(Destruição do Serapeum no século IV, ordenada pelo imperador Teodósio).
A época em que viveu o filósofo ateniense era tanto ou mais
agitada do que aquela em que viveu o seu mestre: derrota naval dos
Aigospotamos, tomada de Atenas pelos Espartanos, coroada com a chegada de
trinta tiranos, e a agonia da independência ateniense.
Timeu, de Platão,
criando um verdadeiro santuário filosófico, abriu uma “antecâmara” à iniciação.
Eis porque a Academia de Atenas, fundada pelo divino Platão, se prolonga na
grande escola de Alexandria, cujo principal representante foi Plotino
(205-263).
Este, neoplatônico por
excelência, continua a tradição do paganismo nas Enéades. O seu filho espiritual, Jâmblico, sucessor de Plotino, que
viveu no século IV, tenta reatar (nos Mistérios
do Egito) a tradição esotérica dos sacerdotes de Amon, mas os seus esforços
foram abafados pelo cristianismo triunfante.
Isto explica-nos que, para
combater a influência da Igreja, os gnósticos tiveram de procurar refúgio no
seu seio, chegando assim à gnose cristã, ou gnose propriamente dita.
Compreendem-se desde
logo os esforços doutrinais desenvolvidos pela Igreja a partir do século II,
para se desembaraçar dessa “invasão” que atraía os espíritos mais elevados da
comunidade cristã.
A gnose dos primeiros
séculos é muito mal conhecida porque a Igreja se apressou em misturar as
pistas, o que não nos surpreende. Os especialistas da gnose cristã distinguem
dois ramos principais: a gnose síria e a gnose alexandrina. Na primeira, os
principais representantes foram Simão, o Mágico, Saturnino e os ofitas. Na
segunda, encontramos Basilides, Valentino e seus discípulos, Carpócrates, os
Docetas, etc.
Está fora de qualquer
dúvida que este movimento constituiu de fato um grande perigo para a Igreja,
porque arriscava dividi-la em múltiplas seitas e capelas, escapando ao controle dos sacerdotes. No entanto, os
gnósticos eram espíritos superiores; estes homens possuíam o que a experiência
trouxe (parcialmente) mais tarde à Igreja e que na altura lhe faltava
totalmente: uma cosmogonia, uma filosofia do cristianismo, assim como a fixação
das suas relações com o paganismo e o judaísmo; numa palavra: a gnose trazia à
Igreja uma inteligência mais profunda da sua fé.
Mas a sofisticação do
movimento eclesiástico provoca a sua perda. A Igreja, com efeito, pretextando
esta filosofia que se substituía à revelação, condena a tentativa do paganismo
de viver à sombra da Igreja.
Em relação ao
cristianismo, a gnose procura situar-se numa posição de superioridade. Tanto
mais que os gnósticos não visam negar o valor exemplar de Cristo; por vezes
consideram-no uma criatura divina, desprovida de existência carnal, que se pode
dizer perfeita, e em outras ocasiões, já o consideram muito simplesmente um
homem dotado de uma grande força de alma e da intuição da sabedoria.(2)
(2) Assim, os carpocráticos
pertencentes à gnose alexandrina viam em Jesus um homem de carne e osso, cuja
excepcional força da alma tinha sabido triunfar de todas as formas do mal.
Carpócrates vai mais longe: libertando-se de toda a moral, despreza a noção
cristã do bem e do mal. Esta atitude prefigura, a mil e quinhentos anos de
distância, a filosofia nietzschiana da libertação do homem.
O gnosticismo do segundo
século, que conhecemos por intermédio de Simão, o Mágico, desenvolve-se na
Síria e parece bastante marcado por influências hebraicas e orientais, enquanto
a gnose alexandrina tem as suas raízes na filosofia grega, filha da luz, e na
ciência sagrada do antigo Egito. Certas atitudes testemunham, porém, uma fonte
comum às duas correntes de pensamento; antes de mais, a recusa do Velho
Testamento, da Lei de Moisés e do seu escrupuloso Decálogo. A moral não
saberia, numa tal ética, acompanhar a sabedoria resultante do conhecimento.
Como deixamos entender,
existe uma certa continuidade entre os místicos pagãos e os gnósticos cristãos,
como o testemunha a utilização comum de certos símbolos absolutamente característicos:
os principais são a taça e o livro (volumen),
que transmitem a revelação; todavia, já o sublinhamos; a gnose cristã, e
especialmente a síria, continua penetrada de orientalismos (3) próprios da tradição hebraica, ou melhor, dos cultos semitas,
nas suas manifestações em que se faz apelo ao culto da Grande Mãe ou princípio
feminino. O Evangelho de Eva e a Pistis Sophia, especialmente (único
gnóstico que chegou na íntegra aos nossos dias), são marcados pela influência
hebraica e multiplicam as entidades segundas, antepassados dos múltiplos
demônios da Cabala.
(3) Isso não impediu Rosenberg, em Le Mythe du XX siécle, de
reivindicar a gnose e os autores gnósticos como os precursores da ética
nacional-socialista. É verdade que como inimigo encarniçado da Igreja,
Rosenberg encontrava nesta filosofia um apoio às suas teorias pagãs.
A atitude relativamente
à sexualidade é todavia radicalmente oposta à ética judaica e cristã e
determina a concepção gnóstica.
Quase todos, seguindo o
exemplo de Marcion, condenam as relações sexuais, que conduzem à procriação; em
suma, ao aprisionamento de novas almas à matéria. De fato, tal atitude impõe um
juízo moderado. Se os gnósticos rejeitam estritamente o ato carnal no que diz
respeito ao iniciado, admitem no entanto o casamento dos simples leigos, que
podem ceder nos princípios sem se deixarem todavia dominar pela matéria.
Esta posição não é
compreensível senão integrando-se numa determinada visão do mundo. Se
considerarmos que, para os gnósticos, a humanidade perdeu a chave do saber,
entrando assim no caos, o objetivo da continência será, evidentemente impedir
que o reino das trevas se perpetue enquanto o homem não tiver encontrado a
essência do seu ser e a pureza original que fazia a glória dos seus luminosos
antepassados (4).
(4) O horror gnóstico da
carne corrompida encontra-se nos trovadores do século XII, todos penetrados da
espiritualidade cátara, ou neognóstica. O fim será o serviço do amor ou amor
cortês, sentimento puramente espiritual que consagra o ser amado à castidade.
Do mesmo modo, na gnose
luciferiana, particularmente nos ofitas e nos peratas, encontramos uma
reminiscência do conhecimento primordial: a serpente: a
serpente da Bíblia não é mais considerada como o símbolo do mal, mas como uma
mensageira do Deus da Luz, ou mesmo ele próprio; a saber, o Logos. Ao passo que
o demiurgo tinha fechado Adão e Eva num mundo miserável; Lucifer concedeu-lhes
a ciência do bem e do mal, ou seja, a gnose salvadora ou divinizadora.
A ideia gnóstica,
imitando a forma da serpente, não é retilínea, mas circular, ela vai de Deus a
Deus, através do mundo proveniente dele; do espírito ao espírito, passando pela
matéria; da vida à vida, passando pela morte. O único produz o todo e o todo
torna-se único. É o sentido do símbolo antigo da serpente mordendo a cauda. É a
“torrente que se escoa de si próprio” do místico alemão Eckhart.
O gnóstico está
persuadido de que o homem pode descobrir o segredo íntimo da unidade do mundo,
na condição de penetrar aos bastidores do teatro cósmico e mobilizar toda a
eficácia das suas potências espirituais para rasgar o véu de Maia.
Para a gnose, a fé não é
suficiente e não lhe é mesmo reconhecido valor próprio.
Através da complexidade
dos mitos voluntariamente confundidos, distingue-se assim uma linha de
pensamento contínua que se precisa com uma força bastante grande na
manifestação mais bem elaborada da gnose; referimo-nos à filosofia basilidiana.
Eis porque, após este
rápido esboço sobre o conjunto da corrente gnóstica, o nosso exame se dedicará
particularmente ao estudo da gnose
alexandrina e Basilides.
Com efeito, iremos apercebermo-nos
de que a ótica basilidiana foi recuperada pela filosofia alemã moderna e
especialmente pelo grupo Thulé, que contava entre os seus membros Rosenberg e
Dietrich Eckhart, principal iniciador de Adolf Hitler. É evidente o interesse
desta escola.
Para Basilides, o caos é
obra do demiurgo (criatura que pretende imitar Deus); mas Deus, pela sua ação,
anima a matéria, donde a identificação íntima entre os dois princípios, a luz e
as trevas, no seio do mundo material. O homem, pelo espírito que ilumina a sua
alma, é possuidor da luz e pode chegar a obter o conhecimento com a condição de
não ceder ao mundo das trevas, que também existe nele e à volta dele, no reino
da degenerescência material e do regresso ao caos, na corrupção do sangue e no
triunfo da quantidade sobre o princípio aristocrático.
Na escala da criação, o
homem é o mais afastado do caos e do inorganizado; igualmente, entre os homens,
certas raças formadas por eleitos
estão mais próximas do que outras do espírito divino. E entre estas, no cimo,
encontra-se colocada a raça branca que é o acabamento da ideia criadora;
ser-lhe-á dado o poder de dominar a matéria e todo o cosmo, continuando sempre
fiel ao princípio de pureza existente nela.
Para os gnósticos, e em
particular Basilides, “toda a evolução viva consiste numa diferenciação e numa
separação, numa distinção de matéria ordinariamente misturadas”.
Concepção muito moderna,
para os gnósticos o mundo espiritual é num arquétipo que fundamenta a sua
origem no mundo material, para seguidamente se afastar sempre mais para o
infinito e para o imaterial (segundo a expressão, de outro modo
incompreensível, “o que está no alto é como o que está em baixo). Assim,
Basilides considera o mundo como um todo organizado e hierarquizado onde a
matéria não se separa radicalmente do espírito. No alto reina o Espírito, que é
o Logos: o pensamento, que toma
consciência dele próprio; em baixo estende-se o pneuma, que é um pensamento
inconsciente dele próprio, mas de essência puramente espiritual; depois o éter,
parte diferindo unicamente em grau da alma do mundo material; o pneuma é
representado como a alma do mundo rodeando o universo terrestre; o cristianismo
nomeia-o Espírito Santo.
Segundo a filosofia
grega e a terminologia de Empédocles, “nascença não existe para nenhum ser
mortal, como também não existe um fim, que seria a morte. Tudo é simplesmente
mistura e troca de elementos. Nascimento é o nome inventado pelos homens.
Quando os elementos se misturam e aparecem tanto nos homens e nos animais
selvagens como nas plantas e nos pássaros, os homens chamam nascimento; os
elementos separam-se e então chamam-lhe morte infortunada”.
Assim, as substâncias
começam a organizar-se. Seguindo as leis puramente mecânicas da sua gravidade
respectiva. O espírito que, para Basilides, é material e composto de átomos
muito finos, eleva-se e rapidamente regressa ao seu princípio. O pneuma, que é
já uma matéria mais opaca, estende-se como um invólucro exterior à volta do
mundo. O éter eleva-se e espalha-se sob o pneuma. Vem seguidamente o ar, que
preenche a região imediata. Até aqui verifica-se apenas um processus essencialmente físico. Mas, porque cada um destes
elementos contém um espírito elementar, a cosmologia científica iria
transformar-se em cosmologia mítico-religiosa. Desse modo, a gnose reconcilia,
numa visão de grandeza, o que a ciência moderna pretendeu separar
(contrariamente ao que os seus inimigos pretendiam, apresentando-a como uma
doutrina de morte e destruição).
Mas a evolução do mundo
não está fechada. A última parte do espírito cósmico deve erguer-se na direção
do espírito universal; somente então a harmonia será restabelecida e o mundo
terá encontrado o seu acabamento, graças à instauração de um escalonamento
normal: espírito, alma, corpo. Trata-se de uma compenetração recíproca, do
mesmo modo que o corpo, a alma e o espírito do homem concorrem para uma unidade
orgânica. A obra de salvação é a instrução das criaturas sobre a verdadeira
natureza, de toda a criação, tal como foi desejada por Deus, mas que não pôde
terminar.
Uma vez mais é o conhecimento,
a gnôsis, que deve salvar o homem,
não uma fé cega.
Todo o pecado do homem é
o seu desejo que o conduz a pretender transgredir a própria natureza. A
aspiração contra a natureza, assim como a ascese pura e o desejo de franquear
os limites estabelecidos ao homem pela natureza e pela vontade concordante de
Deus, toda a aspiração deste gênero lançam o homem num sofrimento sempre
renovado.
Qualquer desejo irrealizável
deve ser portando reprimido pela razão, e, especialmente, os desejos sexuais:
ao menos pela elite, dado que o
instinto genético representa a função central do homem. Basilides, seguido por
Isidoro, considera o amor um desejo não moral, natural mas não necessário, que
retira o homem de seu destino mais nobre; para eles a natureza e a moralidade
consistem portanto em satisfazer o instinto genético, excluindo a atitude
amorosa. Basilides encontra em Platão apoio para esta tese. A propósito da
transfiguração, o Timeu nomeia, entre os impulsos irracionais que o homem deve
vencer para escapar do ciclo de nascença, o amor confundido de prazer e
sofrimento.
A ótica basilidiana
concorda nisto com o poeta e filósofo alemão Richard Dehmel, assim como com o
místico mestre Eckhart (em Le Mythe du XX siècle, Rosenberg não poupa elogios
ao místico renano e compreende-se porquê...).
Para Basilides houve uma
queda descendente do germe seguida de uma evolução ascendente.
Esta filosofia
assemelha-se em muitos pontos ao paganismo de que os gnósticos não recusam o
fundo da sabedoria. O nome desse deus é igual ao Mitra dos pagãos; de fato, o
nome de Abraxas, que significa deus, adicionado aos valores numéricos a cada
letra da palavra, dá o número de dias do ano, ou seja, o número de rotações da
Terra à volta do Sol. Ora, a palavra “Mitra”, totaliza o mesmo valor numérico.
O Sol é Hélios, e Mitras Abraxas é o arconte que abraça nele, como única
unidade, o conjunto do círculo solar. Mitras e Hélios estão em relação como pai
e filho. Mitras é o grande deus; Hélios é o seu logos, graças ao qual ele se desenvolve, cria um mundo e aí
desempenha o papel de medianeiro entre o homem e Deus, tal como o testemunha a
liturgia de Mitra e o discurso do imperador Juliano sobre Hélios rei.
Finalmente, a metafísica
de Basilides é um panteísmo muito elaborado, herdeiro da filosofia grega,
resultante de um sistema inteiramente original.
Estes princípios foram
mais tarde retomados e Goethe que era um iniciado, serviu-se da imagem gnóstica
desenvolvida por Basilides, dos mundos intermediários separando o homem de seu
princípio que é Deus. É a “multidão bem conhecida que se alastra como a
tempestade à volta da vasta atmosfera, e que de todos os lados prepara o homem
para uma infinidade de perigos. O bando dos espíritos vindos do Norte excita
contra vós línguas em forma de tridente. O que vem do Este alimenta-se sugando
os vossos pulmões. São os desertos do Sul que os enviam; eles juntam chama
sobre chama próximo da vossa cabeça; e o Oeste vomita uma turba que primeiro
vos refresca e acaba por devorar vossos campos e searas. Sempre prontos a
causar prejuízos voluntariamente escutam o vosso apelo e obedecem-vos mesmo,
para melhor vos enganarem; anunciam-se como enviados do céu, e quando mentem é
com uma voz angélica” (Fausto, de Goethe).
Como Hildegard, Goethe
bebe na mesma fonte comum: a Weltanschauung
gnóstica, na qual toda a entidade que se erga entre Deus e o homem – anjos
maus, espíritos dos astros, ventos, etc. – possui uma grande importância. Deus
só de fora pode intervir no cosmo, enviando o pensamento de Deus, o Logos, que trará o conhecimento aos
homens. O homem não poderá encontrar a via, pelo simples fato de ele possuir em
si próprio o mundo inteiro: é um microcosmos no seio de um macrocosmo; é
composto de matéria. Mas contém igualmente o Logos, o espírito divino que reina sobre as regiões superiores do
cosmo. Da Terra, o homem eleva-se pelos seus esforços até à Lua atravessando o
reino hostil dos demônios – a camada ionosférica que reenvia as ondas verdes na
direção da Terra. Assim, a epopeia moderna dos cosmonautas reata com a ciência
a visão gnóstica da evolução. Armstrong, o chefe da expedição lunar, é um
crente, e seus pensamentos, no decurso da viagem astral, foram para Deus.
Em face do perigo que
representa esta insurgência, particularmente sensível em Basilides, do
neopaganismo, a Igreja reage com brutalidade, e no Concílio de Niceia, em 325,
a gnose nas suas diversas escolas foi condenada em bloco. Como Leisegang
sublinha, a gnose pertence à atmosfera espiritual grega: é a Antiguidade e o seu
pensamento livre que os bispos quiseram destruir. Oriundos da filosofia
helênica, os gnósticos negavam a origem revestindo a sua doutrina de vestes
orientais segundo um uso praticado desde sempre. A ciência moderna inverteu o
problema procurando as motivações principais do gnosticismo nas religiões
orientais. O padre Barbier, especialista em estudos das sociedades secretas e
da sua influência no seio da Igreja, demonstra ter compreendido bem o fenômeno
gnóstico, quando escreve: “O papel da Igreja Gnóstica é o de pregar uma doutrina
que é a da raça humana superior. Que não foi corrompida pelas ideias das raças
semitas, e que concorda fielmente com o ensinamento do Cristo salvador”. (E. Barbier, Les Influences maçoniques dans l’Eglise,
p.99).
Esta opinião sobre o
neognosticismo enquadra-se perfeitamente nas linhas temáticas do nosso assunto:
aparecida no século II da nossa era, a gnose cristã foi proibida, como as
escolas neoplatônicas, mas reencontra nos séculos XII e XIII a sua mais bela
expressão no catarismo. De novo destruído, o neognosticismo devia “emergir” no
fim do século XIX sob o rótulo de ciência mas em oposição com “o progresso
científico”. O laço entre esta ressurreição e o nazismo é absolutamente certo.
Mas não é esse o nosso
propósito no presente capítulo. Se a gnose conseguiu desenvolver-se e perpetuar-se
como um rio subterrâneo, era porque existiam e existem ainda (que se não duvide)
“centrais”, templos onde o saber é conservado e donde as ordens são lançadas. É
a essa pesquisa histórica que pretendemos conduzir o leitor.
Fonte: Hitler e as Religiões da Suástica – Jean-Michel Angebert
Bertrand Editora
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