Afinal, que destino
teriam os dobrões salvos do montante do ouro em A Maldição e a Virtude?
As reflexões deste outro Conto de Magia ficam com os leitores.
OS TRÊS DOBRÕES
Eram-lhe confiadas as
mais difíceis tarefas. Ele sempre sabia o que fazer, qual decisão tomar, qual o
momento de atacar ou de aguardar. A inteligência, o apurado faro para os
negócios, as perfeitas e objetivas análises: tudo isto, sem dúvida, o tornava o
homem mais importante daquela importante empresa. Só não lhe tinham oferecido o
cargo de presidente, isto o próprio presidente não desejaria. Hermes Roubard
acumulava cargos e títulos e manipulava o dinheiro com extrema facilidade!
Os amigos fiéis de quem
é bem sucedido o rodeavam; convidavam-no para todo o tipo de distrações; as
mulheres o cortejavam. Tudo lhe vinha às mãos!
Possuía uma bela casa
onde morava. Investia em ações, letras, em tudo o que pudesse, obtendo
rendimentos – isso era certo! Recebia visitas ilustres e de vez em quando, para
retribuir às atenções, promovia e organizava festas. Hermes Roubard era admirado,
desejado, invejado!
O tempo ia passando e
sua fama crescia. Mas um dia deu-se conta de algo a incomodar-lhe. Que seria?
Era alguma coisa a roer-lhe por dentro, a tirar-lhe a concentração não o
deixando em paz! Cansaço? Boas férias junto de amigos certamente lhe fariam
bem!
O presidente aplaudiu a
idéia, ressalvando, porém, que logo precisariam dele. Roubard preparou-se para
a viagem, telefonou aos amigos no exterior partindo em voo noturno!
Receberam-no com grande
alegria. Hospedava-se entre pessoas de reais posses e influência. Tudo fizeram,
todas as distrações e prazeres lhe proporcionaram; nada lhe permitiram faltar.
Mas ele não conseguia esquecer. Esquecer o quê, Roubard? Ele mesmo não sabia!
Resolveu interromper as
férias retornando a casa. Não lhe foi difícil arranjar uma boa desculpa. Chegou
sem se anunciar ficando dias trancado. Tentava ler, concentrar-se em alguma
coisa. No meio das madrugadas, sob a argêntea lua, caminhava pelo enorme pátio
nas floridas alamedas; sentava-se na grama, andava em redor da piscina: roía as
unhas e pensava. Pensava sobre si, sua carreira, sua vida. Mas por que pensava
tanto? Não sabia também responder!
Uma tristeza veio
acompanhar-lhe. Cismas e um gosto amargo navegavam em suas emoções.
- Voltarei ao trabalho e assim esquecerei!
O presidente recebeu-o
efusivamente; mostrou-lhe desde logo os assuntos que se haviam acumulado desde
sua partida. Roubard procurou interessar-se, penetrar nos problemas, buscar
motivações. Tudo se resolveu com incrível rapidez e viu-se novamente festejado
e aclamado!
Roubard agora não
dormia. Descartava-se dos convites cumprindo somente os compromissos de agenda
inadiáveis. Tudo lhe era pesaroso: o trabalho, as reuniões sociais, os dias!
Mas nada se alterara externamente; ele continuava a receber abraços e
felicitações!
O presidente notou-lhe
as olheiras. Roubard foi encaminhado ao melhor médico. Fez exames, trouxe
consigo uma receita de comprimidos comprou-os e os tomou. Tudo inútil, cada dia
piorava!
Os amigos procuravam
interessar-se. As mulheres o visitavam e o acariciavam, mas ele logo as
despedia alegando cansaço.
Roubard pediu licença do
trabalho. O presidente quase enfartou ao ouvir aquela horrível notícia. Tentou
demovê-lo. Afinal, o trabalho sempre fora sua principal distração. Ele estava
decidido e a licença lhe foi concedida. Acompanhou-a grande rebuliço e
preocupações por sua sorte, pela sorte da empresa!
Roubard mergulhou em misantropia. Somente
a governanta e os dois empregados tinham contato com ele, mesmo assim a horas
certas. As profundas olheiras, a barba e cabelos crescidos e o descaso aos
trajes causavam pena ou medo!
Roubard proibiu abrirem
os portões e ninguém mais veio visitá-lo. O tempo foi passando, os empregados
foram embora temerosos de suas esquisitices. A governanta foi a última a se
despedir.
- Coitado do senhor
Roubard, tão moço e já ficando louco!
O abandono era completo:
a casa desarrumada, as roupas amontoadas por lavar, a cozinha em total
desarranjo, as plantas descuidadas, o gramado por aparar, a piscina vazia e
empoeirada. Os bichos e plumosos pássaros que possuía em viveiros e os cães de
raça tinham sido roubados pelos empregados! A caixa do correio superlotava, ele
a nada recolhia!
Um dia o presidente veio
visitá-lo. Roubard não se importou com sua presença ficando ali mesmo sentado
sobre a alta grama. A empresa precisava dele, do seu talento e inteligência.
Muitos problemas haviam surgido; enfrentavam tremendas dificuldades porque ele
lá não estava. O presidente implorou, propôs-lhe dobrar sua retirada, a
participação nos lucros: ele não aceitou.
- Por que está jogando fora todas essas
coisas, Roubard?
- Porque não sou feliz!
– finalmente desabafou.
Roubard agora estava
realmente só e abandonado! Nova e interminável noite começava a cair e ele se
recolheu. Fazia dias que não entrava no próprio quarto. Sentou-se na cama
pensativo e pesaroso. As lágrimas afloraram quase de imediato, banharam-lhe a
barba e o peito. Foi um choro diferente, convulsivo e mais prolongado e ele
pôde ali traduzir toda a angústia, toda a sua alma – e desejou morrer!
A noite se prolongou. A
madrugada arrastou consigo o seu corpo cansado e emagrecido. Foi um sono
profundo como há tempos não acontecia, e sonhou. Sonhou que caminhava pela
borda de um horrível abismo, cheio de negrume e algo visguento a escorrer das
paredes. Que importava este repelente aspecto, a vida não tinha face mais atrativa.
Basta um pulo e tudo estará terminado! Lá embaixo só escuridão, nada mais. Aqui
em cima, um homem desagregado. Mergulharei no desconhecido, quem sabe não
estará lá a resposta? (Não, Roubard, ainda não!). De onde virá esta voz? (Não
pule, Roubard!). Por que não? Sou tão infeliz; a vida para mim é somente uma
sombra, mais negra do que as profundezas deste abismo! (Quer ser feliz?). Se
quero ser feliz – ironizou – sou jovem e a vida se transformou em amargor. Onde estará
esta quimérica felicidade, onde? (Vou dizer-lhe: lá adiante há dois caminhos,
vê-os?). Vejo-os muito mal, somente os percebo. (Assim já está bem. Você deverá
lá chegar e tomar um deles. O caminho da felicidade é o mais longo. Se
realmente a desejar irá encontrar esse caminho!).
Roubard acordou agitado.
Em sua lembrança ecoavam as palavras: o
caminho da felicidade!
- Mas qual a direção,
qual o rumo? - resolveu sair a procurá-lo - E se for distante? Pegarei meu
carro, o acharei! – tomou-se de súbita decisão.
O carro estava ainda na
garagem empoeirado como tudo. Os pneus tinham se esvaziado e não havia
combustível. Roubard tomava-se agora de indecisões. Outrora traria imediatas
soluções para estes pequenos problemas. Hoje, no entanto, vacilava, suava,
ficava nervoso. Procurou no depósito. Quase nada lá havia: tinham levado tantas
coisas, aqueles empregados indignos! Achou um galão. Por sorte tinha ainda
combustível; daria para chegar ao posto mais próximo; mas quanto aos pneus? O
posto não é distante, tentarei assim mesmo. Será que andará? Porém o motor não
acionou; não tinha bateria, haviam-na também roubado. Ele desesperou-se, que
fazer?
Hermes Roubard sem dúvida estava mudado. A
misantropia na qual ingressara tolhera-lhe os muitos de seus reflexos práticos.
Sentia-se inútil, inferiorizado, sem forças de combater! Sentou-se na grama, no
mesmo lugar de sempre. Começou a afundar em pensamentos, mas lembrou-se do
sonho, do caminho da felicidade. Vamos, Roubard, ânimo! Levantou-se e correu
para dentro; abriu a gaveta retirando de lá um maço de notas. Com este dinheiro
mandarei consertar meu carro. Dará? Só tenho este! E saiu.
Pouco depois retornava
num jipe com dois homens. Traziam todos os acessórios necessários. Terminado o
trabalho pagou-lhes e deu-lhes gorjetas. Eles saíram satisfeitos da vida,
desejando-lhe mil felicidades. Roubard partiu. Deixava tudo exatamente como
estava. Na mente uma só idéia: o caminho da felicidade! Por onde ia olhavam-no
curiosamente através da janela; ele não ligava a nada; acariciava aquela idéia
com paixão e desejo – aquele sonho!
Deixou a cidade, ganhou estradas, cortou por
atalhos, cruzou sobre uma ponte e rodou por outros lugares.
- Onde estará este caminho,
onde? Adiante o combustível terminou. Raios, e agora? Nada havia por perto,
ninguém para auxiliá-lo, e abandonou o carro.
A tarde logo terminaria,
mas continuava quente. Ele parou à margem daquela estrada de terra para
descansar. O desânimo ameaçava enlaçá-lo, ele lutava para não se entregar.
Tinha forças ainda, mas por quanto tempo? A sede e a fome o incomodavam, porém
o que isto representava diante de sua busca? Na primeira curva enorme susto. Adiante
da estrada, a alguns metros: dois caminhos! Ele correu..., quanta emoção! Tão
excitado ficara que somente foi reparar em alguém sentado ali, entre ambos os
caminhos, ao se aproximar. Era um monge com hábito! Um desapontamento o tomou!
- Boa tarde, meu filho. Sente-se,
descanse um pouco! - Roubard sério, um tanto arfante, e sisudo, sentou-se ao
lado do monge - Parece-me sedento e faminto. Tome, beba de meu cantil, coma de
meu pão!
Roubard quis recusar, mas a sede e a fome não
lhe permitiram. Tomou o cantil e o pão das mãos do monge, bebendo avidamente,
mastigando com instinto de lobo. O monge olhava tranquilamente para adiante. Ao
término, Roubard devolveu-lhe o cantil.
O monge, com gesto sacerdotal, recolheu-o.
- Chamo-me Antônio, irmão Antônio, você como
se chama?
- Hermes Roubard! –
respondeu contrariado.
- Sabe, Roubard, estou
aqui há quase uma hora. Eu sabia que você chegaria a qualquer momento. Roubard
deu um pulo, pondo-se de pé. Seu rosto tornou-se carmim.
- Sabia, como? – encarou
ao monge.
- Um monge conversa com
Deus todos os dias. Ele quando quer responde. Tive uma visão, você acredita em
visões?
- Não sei... Nunca tive
uma.
- Pois bem, a visão mostrou-me exatamente este
lugar e a companhia de um homem como você. Juntos trilharemos o caminho da
felicidade.
- O senhor também, um
monge?
- Chame-me de você,
Roubard. De agora em diante marcharemos lado a lado. Não se surpreenda comigo.
Monges buscam exatamente aquilo que você busca, que todos buscam consciente ou
inconscientemente. A felicidade é de todos, pertence-nos. A maioria,
entretanto, não sabe como procurá-la se distanciando dela. Mas nós vamos
encontrá-la. A felicidade representa para nós a coisa mais importante: mais do
que o pão que comemos e a água que bebemos. Ela é como o ar, o alento etéreo, a
verdadeira vida! Um monge que não a almeja e não a visualiza, jamais chegará a
entender o significado da própria vida, o sentido de viver, e nem um homem do
mundo como você. Somos, portanto, iguais, Roubard, você e eu, e juntos
estaremos até o fim!
As palavras saiam-lhe
impregnadas de uma forte energia que a princípio parecera não possuir. O rosto
redondo e sereno transformava-se. Estranho e arrebatador brilho nos olhos
tornava-o mais vívido. Roubard impressionava-se com aquele sacerdote. Agora,
apagava-se a inicial decepção de ter de compartilhar sua jornada!
Resolveram partir.
Roubard quis ajudar irmão Antônio a se levantar. Ele, com gesto de mão,
recusou, pondo-se de pé. Era alto, mais do que Roubard, e forte. Guardou o
cantil e jogou as tiras da sacola de couro ao ombro. Ficaram diante dos
caminhos ao final daquela estreita estrada. Qual deles tomar?
- O da direita! – disse, apontando-o. Roubard
simplesmente assentiu com a cabeça, e nele enveredaram.
O Sol ainda manifestava
a presença. O vento tocava-lhes os corpos bulindo com os seus cabelos. O
farfalhar de folhas, o chilreio de andorinhas, o trinar de canários, os agudos
guinchos de gaviões: essas vozes da natureza festejavam a vida parecendo
chamá-los a fazer parte daquela aquarela. Rajadas mais fortes do vento dobravam
seguidamente os macios e flácidos capinzais como em ordem ritualística. O céu
entremeava-se de efêmeras e rápidas nuvens, viajantes temporárias a novas
plagas. Irmão Antônio, em largos e cadenciados passos, parecia sentir mais
profundamente a mensagem da vida; assobiava um alegretto, depois um hino
religioso ou murmurava um trecho gregoriano. O capuz descansava-lhe às costas;
os cabelos, fartamente ruivos, combinavam bem com seu rosto corado e
ligeiramente sardento. Roubard não, somente caminhava, ia sério, por vezes
carrancudo. A alegria do monge o incomodava. Já não tinha tanta certeza, como
ele, que marchariam juntos até o fim!
Quando o Sol mergulhava
no horizonte, formando véu róseo e lilás, corando pedaços de nuvens nessa
transparência temporária, irmão Antônio parou e apontou para os lados de uma
plantação de milho.
- Lá adiante, Roubard,
vejo fumaça. Certamente é da chaminé de uma casa. Vamos chegar! Roubard
relutou, não queria isso, o monge puxou-o pelo braço, fazendo-o andar. - Vamos,
rapaz! Eu não desejo dormir ao relento, tentemos algo. Quem sabe nos darão de
comer e um teto por essa noite!
A casa era simples e velha. As paredes
amareladas mostravam manchas, o marrom das janelas descascava. Os viajantes
aproximaram-se do muro, o monge destravou o portão, abrindo-o. Nenhum movimento
do interior da casa foi percebido. Súbito, um cão enorme veio correndo e
latindo pelo grande pátio. Roubard rapidamente retornou para o lado de fora. O
monge permaneceu onde estava. Roubard, nervosamente, via o cão se aproximar e o
monge parado. Ele gritou, o monge fez-lhe sinal com a mão. Que idiota vai ser
mordido porque quer!
O cão parou a dois
passos do monge, rosnando e rangendo os dentes, tomando posição para um
terrível ataque. Suas mandíbulas fremiam, os olhos mostravam o brilho do
instinto aguçado. O monge simplesmente olhava-o nos olhos, e começou a falar
com maciez, sussurrando as palavras. O cão passou a ganir. Ele, cuidadosamente,
levantou um dos braços e com os dedos indicador e médio unidos fez o sinal da
cruz, pronunciando breve prece. O cão aquietou-se, se agachou apoiando o queixo
sobre as patas, ganindo timidamente. O monge andou até ele; arcou-se,
acariciou-lhe a cabeça, escovou-lhe os pelos do corpo com a mão esticada.
Sorriu e falou:
- Pode vir, Roubard, ele não nos fará mal
algum!
Roubard, boquiaberto,
não acreditava no que vira e relutava. O monge chamou-o novamente; ele ainda
temeroso entrou indo para o seu lado. Nesse instante apareceu uma mulher na
janela. O monge acenou-lhe. Ela correu para dentro sem nada dizer. O monge e
Roubard ali aguardaram. Logo a mulher reapareceu ao lado da casa; com ela veio
um homem. Ambos caminhavam depressa. O homem, tal como a mulher, mal acreditava
no que via; ao se aproximar ficou de cócoras a examinar o cão: abria-lhe a boca
e a cheirava.
O monge apresentou-se e
a Roubard, pedindo-lhes um pouco de comida, água fresca e se possível pousada.
Explicou-lhes nada ter acontecido ao cão, haviam somente se tornado bons
amigos. O homem, já de pé, um pouco refeito da surpresa, convidou-os a entrar,
fazendo-os aguardar na saleta em cadeiras de treliça.
O cheiro de comida
estimulou-lhes o apetite, Roubard já ansiava pelo alimento. Três crianças
apareceram curiosas, procurando ver quem chegara. O monge chamou-as e puxou
conversa, passando a mão sobre suas cabeças, beijando-lhes as testas. A maior
de todas respondia-lhe vivamente às perguntas e contou que o irmãozinho estava
doente. O monge levantou-se imediatamente, chamando pela mulher. Ela veio
correndo pelo corredor encerado, enxugando as mãos no avental. O monge
perguntou sobre o menino, a mulher confirmou que ele realmente estava doente.
Vinha fazendo de tudo para curá-lo com remédios caseiros. No momento banhava-o.
O monge pediu para vê-lo, ela os levou ao quarto.
Lá chegando viram o
homem auxiliando-a no banho à criança. O cheiro de álcool impregnava a todo o
ambiente. O monge e Roubard permaneceram a um canto até o final do banho.
Enquanto a mulher vestia
o filho, o homem contava das dores na região do ventre e rins, sofridas pelo menino. Não o tinham ainda levado ao médico, pois a viagem seria longa e exaustiva
e temiam pela resistência dele, posto que, para dita viagem, não dispunham de
um carro. Por outro lado, não fora em busca do médico pela incerteza de sua
disposição em vir atender ao chamado. No passado, fato ocorrido na vizinhança,
ele rejeitara a viagem, preferindo receitar à distância. Não podia mesmo se
aventurar a isso, porquanto não desejava deixar a mulher a sós na angustiante
situação. Ademais, a criança revelava, às vezes, alguma melhora, ficando tranquila
e sem queixas, isto os enchia de esperança. Os vizinhos? Não podiam agora
solicitar-lhes os préstimos por causa do trabalho nas lavouras. Talvez amanhã
alguém se apresentasse para uma ajuda. Eram boa gente, mas necessitavam também
lutar pela sobrevivência!
Terminada a tarefa, a
mulher se pôs de lado e o monge passou a examinar a criança, em seguida
impondo-lhe as mãos sobre as partes doentes e orando. Ao afastar-se do leito,
solicitou à mulher que conseguisse algumas plantas, cujos nomes ela mostrou
conhecer, indo-se imediatamente. O homem trouxe-os de volta para a saleta e o
monge aguardou silenciosamente. Logo a mulher retornou com o solicitado, tendo
o monge lhe pedido que o levasse à cozinha, porque ia preparar remédios.
Roubard, atento a tudo, acompanhava-o. Lá chegando, o monge ordenou à mulher
que pusesse água a ferver. Ela o fez e o monge, antes de tudo, lavou as plantas
numa bacia de alumínio. Tendo juntado as plantas, misturando-as criteriosamente
em dois lotes, preparou então dois chás, jogando num deles, além das folhas,
pedaços da raiz de uma das plantas. Ao término dessa fase, mediu as quantidades
e mandou que desse a criança duas doses de cada chá aquecido, intercalando-os a
intervalos de duas horas.
Jantaram todos. Roubard
repetiu o prato e ainda se deliciou com os biscoitos de milho postos à mesa com
café. Mais tarde, o homem desculpou-se por não lhes dar pousada dentro da casa
pela falta de acomodações. Foi com eles ao paiol, e sob a luz de um lampião
conduziu-os a um enorme monte de palhas de milho, envolvendo ali o melhor
possível dois lençóis, trazendo-lhes, em seguida, travesseiros e cobertores;
despedindo-se após, e os deixando às escuras.
O dia raiava, os galos
cantavam. O monge abriu os olhos e se levantou. Roubard, embora houvesse feito
um sono só, qual seu companheiro, não se animou, virou-se para o outro lado e
pretendeu dormir mais. O monge sacudiu-o fazendo-o despertar e ele, mal
humorado, pôs-se de pé. Saíram pelo quintal. O frescor da manhã veio tocar-lhes
os rostos e despertá-los em definitivo. O cão acercou-se deles fazendo-lhes
festa, abanando o rabo. No fundo do quintal, próximo à cerca, enxergaram um
poço para lá se dirigindo. Após se lavarem, o monge espreguiçou-se inspirando
profundamente, absorvendo em maior quantidade o ar matinal que ali se temperava
com o odor do orvalho, da terra umedecida e das plantas que exalavam. Um cheiro
de canela vinha somar-se a tudo o que emanava, e eles notaram para lá da cerca
alguns cepos de um tronco cortado dessa madeira. O monge puxava assuntos,
apontando para as coisas que julgava significativas. Roubard, circunspeto como
sempre, fazia meneios de cabeça ou respondia monossilabicamente. O lugar
exaltava as coisas naturais; isto agradava plenamente ao monge, homem atento e
perspicaz, mas pouco a Roubard, de alma distanciada da natureza.
Caminharam de volta. Ao
atingirem metade do percurso o estimulante odor de café fresco veio aguçá-los.
A mulher assomou à porta, ao alto de rústica escada de madeira de três degraus,
sorrindo-lhes alegremente e os convidou a entrar. Roubard, embora não movesse
um único músculo da face animou-se, pois seu apetite fora estimulado. Ao
adentrarem, a mulher ajoelhou-se e beijou a mão do monge. Essa atitude espantou
Roubard que se afastou um passo. Esse mesmo gesto da mulher repetiu-o o homem.
Contaram-lhe, então, que o menino acordara com outra disposição sem nenhuma
dor. O fato, sem dúvida, devia-se ao resultado da reza e dos chás. A pedido do
monge levaram-nos ao quarto e ele examinou novamente a criança, desta vez
olhando-a dentro dos olhos. Ao final, declarou que deveriam continuar com os
chás por mais dois dias, prescrevendo uma alimentação especial, à base de
vegetais e papas de cereais. Essa alimentação deveria conter o mínimo de sal
durante os três primeiros dias. Orou mais uma vez, impondo as mãos, e se
retiraram. De sua parte nada mais havia a fazer.
A conversa do café foi
mais alegre, menos para Roubard que somente pronunciou três ou quatro palavras.
Antes de partirem, a mulher embrulhou uma broa de milho num papel verde; fez
outro embrulho menor com bolinhos e encheu o cantil do monge com água fresca.
Ele guardou tudo, abençoou-os e desejou-lhes abundância, paz e saúde. O
generoso casal os levou ao portão e pouco depois, à primeira curva, os
viajantes desapareciam detrás das longas e dobradas folhas de um milharal.
- A vida de um monge
requer muitos sacrifícios – dizia irmão
Antônio, à sombra de uma árvore, à margem do caminho onde haviam parado para
descansar e tomar água – por anos a fio,
desde a juventude, quando ainda é aspirante, ele se submete aos mais cansativos
exercícios e rígidas disciplinas. No início há aquele entusiasmo natural, quase
juvenil, próprio das almas ardentes e devotas. Ele vê naquilo o sentido da
existência; a possibilidade de uma completa e inteira realização. Deixa o mundo
com alegria – onde realmente nada de atrativo conseguiu encontrar – e vem
entregar-se a esta nova vida, como um homem apaixonado se entrega aos braços da
mulher amada da qual espera todas as compensações. Não mais toma conhecimento
da vida exterior, senão superficialmente, e concentra-se o tempo inteiro neste
seu novo mundo. Caem-lhe às mãos livros e mais livros; ouve prédicas; venera
seus instrutores; vive intensamente a aspiração de um dia chegar a monge.
Porém, vem o tempo em
que o cansaço pouco a pouco o envolve e um desânimo começa a grassar em seu
universo íntimo. Em consequência, uma legião de pequenos seres viventes, até
então obstruída em suas ações, se levanta e se mistura aos reclamos de seu ego.
É a primeira grande prova do aspirante! Ele já não ora com tanta frequência;
entrega-se mais longamente às reflexões da vida, aos desgostos dos desejos
insatisfeitos, de tudo quanto poderia ter feito e não fez. Muitas vezes,
procura motivos para sair e visitar alguém. Na realidade, sai em busca de
distrações, e excita-se ao ver um corpo bem torneado de uma mulher, ou o
sorriso malicioso de uma jovem bonita. Arde-lhe o intenso desejo julgado
extinto ao abraçar a vida monástica, e quantas noites atravessa em claro,
procurando abafar aqueles lancinantes apelos.
Mas vem novo tempo! Se resistiu bravamente, as
tentações vão diminuindo, escoando como água que se misturou à terra, levando
com ela muitas impurezas. Ele é promovido a neófito. Novos estímulos, novos
ensinamentos, novas práticas. Ele agora traz consigo emoções mais controladas,
uma aspiração melhor modelada. O entusiasmo volta a compartilhar de seus atos,
e as obrigações as realiza com outro alento. Os anos vindouros virão ser
consumidos naquela mesma luta, na abstinência, em disciplinas e práticas. Mas a
cada tempo previsto, o demônio das tentações virá fazer-lhe periódicas visitas,
saber ainda quanto lhe é devido!
Um dia, ele descobre o
verdadeiro valor de tudo quanto vinha fazendo e ao que tão resolutamente se entregou.
O ser humano ganha novo conteúdo em suas reflexões. A vida em si começa a se
despir da primeira série de múltiplos véus que a encobrem. A primeira volta da
dança é completada. A natureza para ele não é mais uma sucessão de formas de
vidas biológicas orgânicas ou de vidas inorgânicas. Há algo mais: há um sentido
pulsante e sumamente inteligente que nela agrega todas as coisas num plano
definido não percebido antes pelo intelecto. Ele agora começa a ver com a alma,
a sentir influxos de paz no coração, a perceber com maior nitidez meandros de
uma infinitesimal fração do complexo vida.
Paralelo a isto, sente-se agigantar; viver realmente. Nada mais o
segura. Ele pretende amar a tudo, dar aos homens de seu sangue, de seu pão, de
sua vida!
Chegando a este elevado
grau, as práticas, disciplinas e rituais, tão cansativos, que para o restante
de seus irmãos de monastério continuam a ser a forma inteligível do espírito,
caem-lhe desfalecidas. Não necessita mais delas. Descansa-as como um homem
recuperado descansa suas muletas. Ele agora atua com a alma, com a força perene
da vida que se espraia através das formas, das palavras e dos pensamentos. Ele
experimenta realizar em si as sublimes verdades tão exaustivamente descritas e
definidas por filósofos e estudantes de ocultismo, a despeito de muitos destes
não terem chegado a conhecê-las.
Neste ponto uma sinuosa
dúvida há de estar se arremessando em seus pensamentos, Roubard. Você estará se
perguntando por que estou aqui ao seu lado, procurando trilhar este desconhecido
caminho chamado por nós de o caminho da felicidade, se tanto eu conheço, tantas
coisas superiores eu descrevo, se por isso não deveria eu já ser feliz? Eu lhe direi: sonhos de um monge que viveu
mais da metade de sua vida encerrado em prisão de portas abertas, tentando em
vão alcançá-los, que por isso angustiou-se derramando copiosas lágrimas. Não
estranhe, companheiro, eu lhe estar confidenciando estas coisas por que são a
verdade. A felicidade para mim ainda é uma questão abstrata e filosófica.
Mas Deus teve piedade
deste humilde servo fazendo-o ter mais uma visão em meio a tantas que já
tivera, desta feita anelada a um desafio de coragem e desapego: o de trilhar
esse caminho prático ao lado de um irmão de igual aspiração e coragem; alguém
como eu, que desejando e acalentando esta felicidade, disposto estivesse por
ela a sacrificar-se, deixando para trás tudo o que possuísse e que lhe fosse
amargo como o fel.
Roubard nada dizia.
Ouvira a tudo atentamente, observando o rosto corado do monge. A menos de meia
hora não o conhecia; julgava-o um homem misterioso e impenetrável. Entretanto,
neste momento, olhava-o através de uma janela aberta por ele próprio. O que
dizer-lhe se, apesar de tudo, não conseguia ainda distinguir com nitidez aquela
pequena parte de seu mundo interior? O monge levantou-se e Roubard o
acompanhou.
O Sol alto viera banhar
seus corpos com ardor. Eles se refugiaram novamente à beira do caminho sentando-se
sob uma árvore frondosa, e comiam. Por algum tempo o silêncio acompanhou o
repasto, como à mesa sacerdotal. Roubard novamente apreciara os bolinhos e a broa
de milho. Irmão Antônio, sem fome, comera somente meia fatia do pão e tomara
três goles de água. Ao término, não se levantaram. Algo os segurava por mais
tempo naquela tranquila paragem. Irmão Antônio, encostado no tronco, levantou
os olhos divisando ao longe cumes de montanhas vestidas de uma névoa azulada
que já se desfazia. Mais acima, nuvens escuras e enodoadas certamente
deslizariam e trariam chuva. Ele baixou os olhos e com mãos entrelaçadas mexeu
os grossos dedos. Seu semblante tomara-se de uma ansiedade qualquer, coisa que
a alma sinalizava a querer retratar, tornar palavras.
- Numa de minhas visões – começou olhando para
adiante – enquanto orava, vi algo que permaneceu para sempre em minha memória.
Eu saía à noite com lampião à mão levando uma escavadeira. Ao ultrapassar os
limites do muro do monastério, encontrava um caminho. O caminho não era usual,
e creio, raramente trilhado, vindo terminar num barranco. Eu descia pelo
barranco com grande dificuldade, escorregava e me equilibrava o quanto podia;
no sopé, caminhava para a direita até achar uma pedra. Da pedra para cima
contava sete palmos, depois mais sete para a esquerda e começava a cavar,
encontrando um pequeno cofre envolto por uma capa de couro apodrecida. Abria-o
e retirava uma pequena algibeira, perfeita, intacta. Folgava o laço e metia a
mão dentro dela, encontrando três moedas de ouro, três dobrões! Com mil
trovões, quantos anos teria isso? Amarrava a algibeira à cintura por debaixo da
veste e retornava. No caminho de volta encontrava um homem despido e dava-lhe a
algibeira com os três dobrões.
Essa visão permaneceu
por muito tempo se reproduzindo em minha memória. Meses depois, tendo
solicitado permissão ao conselho para ausentar-me periodicamente da vida
monástica a fim de buscar no mundo o que eu não possuía, permissão esta negada
de imediato, lembrei-me de procurar o tal cofre. Saí à noite, à lua cheia,
enveredando pelos matos. Perdi-me várias vezes, retornando sempre ao mesmo
ponto. Recomeçava atento, procurando lembrar-me do que a visão mostrara-me. A
certa altura encontrei o caminho. Uma
incontrolável emoção agitou-me fazendo tremer-me o corpo. Apesar de um tanto
diferente, um instinto de certeza me levava acreditar ser ele. Com essa certeza
em mente percorri-o chegando ao barranco. Desci agarrando-me nas touceiras, mas
acabei rolando para baixo. Todavia, a pedra ali estava! Seguindo a indicação,
contei os palmos e cavei, encontrando o cofre e a algibeira, ei-la!
O monge meteu a mão no
bolso e a retirou, mostrando-a. Estava envolta pelos cordéis. Roubard olhou-a
sem muito interesse. O monge baixou a mão, apoiando-a na coxa. Havia nele
desassossego; apertava-a fortemente como uma criança aperta um saquinho de
doces. Logo seu rosto e corpo ficaram inertes. Um único e quase imperceptível movimento
mostrava ali uma vida inconsciente. Esta vida, ainda guardada em seu íntimo,
mostrava-se existir por seu polegar que mexia e acariciava a algibeira num vai-e-vem
rígido e ritmado. Ele a segurava com mão de ferro; o que representaria aquilo?
Roubard inquiria-se, agora realmente curioso.
Roubard incomodava-se
com aquela quase inércia. A figura do monge assim parada causava-lhe certo
temor e ele perguntou-lhe a primeira coisa surgida à mente:
- E quanto à permissão, eles afinal a
deram? O monge teve ligeiro
estremecimento.
- Não, eles jamais o
fariam; é contra todas as regras e convenções da ordem. Um monge não pode tomar
resoluções como essa. Como era de se esperar, o conselho decidiu que eu deveria
permanecer cumprindo as minhas obrigações religiosas em estrito acordo com os
costumes. Dar-me-iam uma licença para meditar e refletir. Isso seria passageiro
– sabiam de antemão – logo eu voltaria a pensar como sempre, como todos, como
um só corpo. Fingi aceitar tal oferta, cujas restrições impunham-me a
permanência no monastério. Mas naquela mesma noite escrevi a carta de
desligamento, endereçada ao Irmão Maior, deixando-a à escrivaninha. Reafirmava
os meus motivos, dizendo principalmente de minha ansiedade, da necessidade de
buscar em meio às agruras do mundo. A decisão – informei-o ainda – já a tinha
tomado há algum tempo e ninguém conseguiria demover-me. Nada mencionei de
minhas visões, como jamais houvera feito antes. Visões suscitam dúvidas sobre a
sanidade de um visionário, por isso mantive o segredo. Saí, como disse,
sorrateiramente, em busca da algibeira que tinha deixado no mesmo lugar em que
a achara; tomei-a dali e vim encontrá-lo, Roubard. Ele agora sorria. Roubard
não suportando aquele sorriso baixou os olhos. O monge se levantou e recolocou
a algibeira no bolso.
O caminho que trilhavam
foi morrer sobre uma estrada também de terra. Tomaram-na e prosseguiram. As
pernas doíam-lhes obrigando-os a parar de trecho em trecho. Uma nuvem de
poeira chamou-lhes a atenção. Vinha pela estrada. Era de um caminhão com toldo
que parou próximo a eles. O motorista meteu a cabeça para o lado de fora
mostrando sorriso e dois dentes de ouro, perguntando-lhes para onde iam. O
monge apontou para adiante.
- Para a cidade? – o monge confirmou - É muito
longe, vou para lá também. Venham subam! Eles subiram e se alojaram ao seu
lado.
Uma chuva intensa obrigou o motorista
estacionar fora da estrada. Passaram para a carroceria e descansaram. Mais
tarde, o homem resolveu cozinhar. Num fogareiro, fritou linguiça e fez café.
Comeram com broa e com os bolinhos que restaram. A noite veio alcançá-los ali
mesmo e dormiram sobre uma lona, protegidos pelo encerado, sob a forte chuva
que aumentara.
Pela madrugada, o monge
e Roubard acordaram com os gritos do homem. Ele esperneava e arrancava a roupa
do corpo. O monge acendeu o lampião para ver melhor. O rosto do homem se
transfigurava. Ele babava, rugia, puxava os cabelos. Roubard, apavorado, pulou
para fora do caminhão, gritando para o monge. Seria perigoso ali permanecer com
um possesso. O monge não lhe deu atenção se aproximando do homem. Ele vendo-o,
lampião a mão, fez menção de atacá-lo. O monge levantou a mão direita e recitou
uma oração de exorcismo. O homem recuou, jogando-se ao chão, debatendo-se. O
monge ajoelhou-se, deixando de lado o lampião, e pôs-lhe a mão sobre a testa.
Esbravejou e agarrou-o pelos braços. O homem, esbugalhando os olhos, gritou
horrivelmente, depois desfaleceu. O monge pôs-lhe novamente a mão sobre a testa
e orou, desta vez tranquilamente. O homem veio retornando à consciência e
sentou-se. Ao ver o monge ao seu lado e dar-se conta de seu lastimável estado,
chorou profundamente. Roubard pulou de volta para a carroceria. Pouco depois os
três voltavam a deitar.
Roubard não conseguia
mais dormir, somente cochilava. Tentava ver o homem deitado, mas devido à
escuridão somente o percebia. Acordara inúmeras vezes imaginando um novo e
terrível acesso de loucura e o homem a se precipitar sobre eles a fim de
matá-los. Em certa hora, resolveu levantar-se não vendo o monge ao seu lado.
Preocupado, pulou para fora do caminhão. A chuva havia cessado desde a
madrugada; o Sol ressurgia brando e limpo. Irmão Antônio, ventarola à mão,
lutava para manter vivas uma dúzia de brasas no fogareiro. Ao lado havia três
montes de folhas. Roubard tossiu e ele virou-se pedindo-lhe que acordasse o
homem. Roubard voltou para o caminhão tocando-o no ombro com certo temor. O
homem acordou assustado e acompanhou Roubard.
O monge ordenou-lhe que
se aproximasse. As brasas agora eram maiores. Timidamente ele obedeceu ficando
a um passo. Irmão Antônio jogou as folhas no braseiro e invocou. A fumaça ora
espiralava ora dançava no ar como insinuantes dançarinas, engrossava como
fileiras de guerreiros, e subia. Mais folhas, mais invocação, mais fumaça.
Roubard olhava curioso e espantado. O homem fechava os olhos, talvez de
vergonha. Irmão Antônio ordenou que ele atravessasse a fumaça, pulasse o
braseiro e de novo assim fizesse. Sete vezes ele repetiu; sete vezes o monge
invocou. Roubard pouco entendia, o homem nem um pouco: o monge falava em latim.
O cheiro era forte, embora agradável, e Roubard gostou.
Finalmente o monge
rezou-o à frente e às costas, apagando o braseiro. Tirou um papel do bolso
dando-o ao homem. Disse-lhe para ler o que ali continha durante sete dias, antes
de dormir. Feito isso nada mais teria, a obsessão terminava. Em gesto já
conhecido por Roubard, o homem ajoelhou-se e beijou a mão do monge. Pouco
depois comiam o que havia sobrado do jantar e seguiam viagem. O homem deixou-os
à entrada da cidade a pedido de irmão Antônio, agradecendo mais uma vez ao
religioso, e seguiu viagem.
Belas residências,
homens e mulheres bem vestidos, carros novos e caros, comércio bom e variado,
era o que viam enquanto caminhavam. Roubard, sujo, barbudo e com cabelos em
desalinho envergonhava-se quando reparavam neles. Irmão Antônio parecia com
nada se importar. Conseguiram carona num jipe dirigido por um rapaz alegre e
extrovertido e se desviaram do centro, aproximando-se do outro extremo da
cidade. Para onde iriam? Roubard não sabia, nem o monge. O rapaz largou-os numa
rua qualquer e prosseguiram a pé.
A profunda miséria que
ali viam chocaria almas sensíveis. O rosto do monge contristava, a fisionomia
de Roubard alterava-se. Para este seria nojo, mau cheiro do pobre. Quanto mais
andavam mais miséria iam vendo. Crianças sujas, mulheres seminuas, homens
desalentados, gente doente e abandonada. O monge parou e segurou o braço de
Roubard. Gotas de suor sobressaíam de sua larga testa. Ele arfava ligeiramente;
os olhos mostravam um tipo de ânsia, de sofrimento íntimo. Miséria assim monge
algum daquele monastério poderia ter visto, nem Roubard homem refinado e de
sociedade. O monge puxou-o a um canto, para trás da parede de tijolos de um
casebre.
- Roubard, quero dizer-lhe algo que trago
guardado. Não lhe contei tudo acerca das visões que tive. Não era ainda o
momento ou talvez não tivesse a certeza, mas contarei agora. Ao retornar com a
algibeira à mão trazendo os dobrões, e ao dá-los ao homem despido, não lhe pude
ver as feições. Também não as vi do homem com quem trilharia esse caminho. Esta
certeza fui tê-la ao vê-lo chegar. Agora, novamente, a certeza está em mim, e
vejo tudo nitidamente. As duas pessoas eram uma só: você! Tome a algibeira com
os dobrões, são seus!
Roubard olhava-o com
expressão aparvalhada. O monge depositara a algibeira sobre sua mão. Os
compridos cordéis apontavam diretamente para baixo como a mostrar o mergulho de
um longínquo mistério. “Descubra os véus, desnude o segredo, possua-o!” Estas
palavras soaram-lhe aos ouvidos. Ele, nervoso e trêmulo, dirigiu-se ao monge:
- Que faço com isso, por
que eu?
- Suas mãos são
imantadas, Roubard. Não como as de um Midas, mas como de um mago que, por
estranha sorte, faz frutificar tudo aquilo que toca, atraindo o ouro e o
progresso. Plante-os, um a um, em lugares diferentes, ao longo de nossa
jornada. Ali ficarão como poderosos talismãs, ali atrairão o progresso! – o
monge falava com grande excitação.
Ainda trêmulo, ele abriu
a algibeira, retirando os dobrões. Eram grandes, rebrilhavam. Irmão Antônio os
havia polido, mostravam efígies, três diferentes, de épocas também diferentes a
julgar pelos tipos. Curiosamente, em nenhum deles podiam ler os anos que tinham
sido cunhados, nem suas origens.
- Guarde-os, Roubard;
amarre a algibeira à cintura, sob a camisa. Não deixe que a vejam; não a
perca! Roubard obedeceu.
Uma mulher veio
correndo. Era magra, mal vestida, e chorava. Segurou a mão do monge, chamando-o
de padre. Seu filho estava morrendo, seu único filho; apesar de toda a miséria
ela o amava e não queria perdê-lo! O monge a seguiu juntamente com Roubard.
Penetraram por vielas, espremeram-se entre paredes, pularam sobre esgotos
fétidos. Tudo era desolador; aquela gente vivendo jogada como se não
pertencesse a um mundo de homens! Vez por outra encontravam abrigos em melhores
condições. A grande maioria carecia de todas as coisas. Finalmente chegaram. Um
menino esquelético deitava-se sobre um colchão aos pedaços. De tão fraco nem
abria os olhos. O monge rezou-o impondo-lhe as mãos. Ele necessitava mais do
que rezas: de alimentação. O monge chamou Roubard, mandando que a mulher
aguardasse.
- Tem algum dinheiro,
Roubard?
- Nenhum.
- Então venha comigo,
precisamos fazer algo!
Saindo daquela parte
miserável chegaram a meio caminho entre o rico e o pobre. Havia pelas
imediações um grande empório, farto de alimentos. O monge e Roubard entraram;
um homem gordo, de bigode, veio atendê-los. O monge explicou ao que vinham,
pedindo algum alimento: produtos vegetais, ovos e vinho, se possível. O homem
não se sensibilizou; nada podia fazer. O monge propôs-lhe trocar alimentos por
um dia de trabalho de Roubard, talvez dois. Roubard olhou-o assustado. O homem
mirou-o não gostando de sua aparência. O monge explicou que Roubard era homem
de dar sorte, se aceitasse a permuta certamente seus lucros aumentariam. O
homem coçou as mãos rechonchudas, o queixo, enroscou os curtos dedos nos
cabelos e propôs uma quinzena de trabalho. Em troca, além dos produtos pedidos
pelo monge, daria também roupas limpas para Roubard, refeição e dormida no
fundo do estabelecimento.
- Para dois? - insistiu
o monge
- Está bem, para dois.
O monge abraçava o
alimento. O homem nervosamente escolhia-o. Ao final, irmão Antônio, satisfeito,
se foi. Roubard, mal humorado, permaneceu. Seu patrão mandou-o que tomasse
banho. Trouxe-lhe roupas limpas: calças, cuecas, camisa e sandálias de couro.
Estendeu-lhe ainda um aparelho de barbear com lâmina, um tubo de creme e um
pincel. Juntou a isso um pedaço de sabão de coco e uma toalha grande.
Resmungava a todo instante. Não sabia por que estava fazendo aquilo. Afinal,
não fizera bom negócio. Pouco depois, Roubard reapareceu; tinha novo aspecto,
ficara mais jovem, cheirava à limpeza. O homem riu de satisfação; Roubard era
simpático, isto era bom para os negócios!
Deu-lhe de comer e instruiu-o como fazer, solicitando-lhe sorrir sempre;
jamais contrariar a opinião do freguês.
O monge lutou bravamente
contra a morte. Preparou sucos, caldos, arranjou mastruço, bateu vinho com
ovos, saia pelos matos em busca de ervas e raízes, orou e implorou. Às noites
voltava para o fundo do estabelecimento onde Roubard trabalhava. Comia e dormia
sobre um colchão, pelo chão, tal como Roubard.
O monge tornara-se
conhecido. A população pobre vinha pedir-lhe rezas, conselhos, ajuda. Ele fazia
o que podia, mas não podia fazer muito sozinho.
Os quinze dias se
passaram. Roubard acordou disposto a largar o trabalho, mas o monge disse-lhe
para ficar; precisavam levar alimentos para aquela criança e para outras. A
morte não havia sido vencida naquele caso. O homem apareceu satisfeito declarando
que realmente a freguesia passara a frequentar mais o estabelecimento. Seus
lucros aumentavam um pouco, somente isso. Pediu para Roubard ficar. O monge
olhava-o severamente; o homem aguardava. Roubard, contrariado, aceitou. Ficaria
por mais uma semana.
A morte foi vencida.
Novos casos surgiram. Roubard foi ficando: mais uma semana, passou de um mês. O
povo admirava-os. Roubard não gostava muito disso, daquela gente mal cheirosa.
Irmão Antônio atendia-a, falava-lhe, orava e curava. O homem vivia a rir de
satisfação.
O tempo passou. O monge vinha encontrá-lo,
como sempre, às noites. Roubard andava carrancudo e mal humorado. Evitava
conversar com o monge. Certa manhã, decidido, iria procurar o dono do
estabelecimento a fim de deixar o trabalho. Irmão Antônio zangou-se, disse-lhe
para ficar, precisavam disto. Roubard enfureceu-se, desatou o nó da algibeira,
a jogou ao chão aos pés do monge.
- Tome, monge, eu os
devolvo! Não pense que me comprou com suas histórias. Estou farto de você, de
suas ordens. Vamos, Roubard, faça isso! Fique aqui, tome conta disso! Não tenho
sido outra coisa senão um instrumento de manejo. Você está me escravizando,
tirando-me a força e a capacidade de decidir e viver: atrela-me como a um dócil
animal. Se não pode se aguentar sozinho volte para o monastério, seja lá outra
coisa ou de novo um anacoreta! Vou retornar de onde vim e tomar o outro
caminho. Até este você decidiu por mim, adeus monge! Roubard bateu a porta com
violência. Irmão Antônio permaneceu. O portão rangeu e voltou, mas Roubard se
foi!
A chuva o pegara
desprevenido. Roubard, molhado, abrigava-se debaixo de uma árvore. A água
corria pela estrada, misturava-se a terra e empoçava. Os finos galhos
balançavam, pendiam sob o peso. A natureza toda regozijava pelo banho, pelo
rejuvenescimento, pela sede que matava! Roubard, encorujado, lamentava a sorte.
A barba crescia-lhe de novo, negra, quase farta. O semblante expressava
angústia, mostrava olheiras, abatimento: o estômago reclamava da fome! Duras
palavras ditas ao monge, afiadas e cortantes. A alma ferida arremessara-lhe as
armas. Estaria arrependido? Mesmo se estivesse não desejava submeter-se mais às
suas ordens, às ordens de ninguém, era independente. Trilharia o caminho
sozinho!
A chuva estiara.
Roubard, pés na estrada lamacenta, foi em frente. De repente, vê um vulto;
seria ele? Seu coração dispara: emoção, alegria? Procura controlar-se, ele vem
vindo do mesmo jeito, no mesmo largo passo. Vem sério, nunca o vira assim.
- Roubard, companheiro,
perdoe-me. Suas palavras naquela manhã calaram-me profundamente. Na ânsia de
fazer pelo próximo sacrificava-o. Não tinha esse direito. Sua revolta foi
espontânea e necessária. Desejo corrigir meu erro; sou pouco experiente no
trato com os homens do mundo. Quer ainda compartilhar comigo desta jornada?
- Sim, quero - respondeu
cabisbaixo logo prosseguindo, mas quero também pensar e decidir!
- Prometo não interferir!
Os dois retornaram.
Irmão Antônio ofereceu-lhe pão e Roubard aceitou. Voltaram conversando e
traçando planos.
O dono do
estabelecimento ao ver Roubard e o monge correu feliz a abraçá-los convidando
Roubard a voltar ao emprego. Roubard prometeu pensar a respeito. A sós com o
amigo, conversou. Precisariam de muitas coisas para ajudar aqueles infelizes. Roubard
agora se animava. Finalmente, chegaram a um ponto comum e Roubard foi procurar
o dono do estabelecimento: aceitaria o trabalho sob novas condições. Queria um
salário e ajuda material para os pobres. Que ajuda? Inicialmente madeira e
outros acessórios para que pudessem construir um galpão junto a eles. Lá o
monge lhes prestaria assistência; depois de pouco em pouco levariam suprimentos
e remédios. O homem coçou a mão, o queixo, levou os curtos dedos aos cabelos.
Roubard, vendo-lhe a indecisão, prometeu ousadamente que dentro em pouco
necessitaria aumentar o empório, tal a procura. Os olhos do homem brilharam, as
gordas bochechas coraram e aceitou.
O plano dava resultados.
O galpão construído fora transformado em quase tudo: hospital, farmácia, central
para distribuição de algum alimento e até em confessionário. Todo
dinheiro que Roubard ganhava dava-o ao monge. A profecia de Roubard também se
cumpria. Em um ano o empório fora ampliado. O estoque de mercadorias duplicara,
as vendas aumentavam sempre. Roubard modernizara o atendimento da clientela;
criara pequenos departamentos, selecionara melhor os produtos e ampliara as
opções. Instituíra entregas em domicilio; estabelecera vendas por telefone e
abrira créditos especiais para clientes importantes. Patrocinando um programa
na rádio local, juntara-se a outros anunciadores estimulando eventos esportivos
em clubes ou em áreas públicas, às vezes em parceria com a prefeitura. O dono
do estabelecimento levava as mãos à cabeça sempre que precisava abrir o caixa
em atendimento aos apelos de Roubard. Mas sorria largamente e acendia um
charuto quando Roubard, ao final dos meses, mostrava-lhe os resultados
positivos dos balancetes. Então, mais relaxado, lhe atendia aos novos pedidos,
muitas vezes pela metade.
O monge trabalhava sem
tempo para meditar. Roubard de novo pensava. Como antes, vinha sentindo uma
onda de tristeza e enfado. Começou a desviar a atenção do trabalho. Irmão
Antônio logo notou-lhe a mudança, porém aguardou. O processo tomava corpo.
Roubard já não conversava. Finalmente abriu-se contando ao monge que, como
outrora, aquele trabalho o cansava e desejava fazer outras coisas.
- Que coisas, Roubard?
- Algo assim como você
faz. Gostaria de saber orar, curar, conhecer fórmulas mágicas. Há um vazio em
mim, uma necessidade de vida, de um estímulo interno. Quero saber meditar,
abençoar, amar. Quem sabe seja isto que
realmente me falta!
Irmão Antônio olhou-o
com admiração. Seu largo rosto aclarou-se num brando sorriso. De mãos unidas à
frente sentava-se, como Roubard, sobre pequeno banco de madeira no fundo do
galpão. Ali pouca coisa mudara, eles não faziam questão de conforto, dormiam
sempre nesse mesmo lugar. Roubard fixava agora o chão e o monge falou:
- Por quanto tempo venho
esperando ouvir isto, companheiro. O excelente trabalho realizado por você foi,
sem dúvida, importante. Sem ele pouco ou nada poderíamos ter feito em benefício
dessa pobre e deserdada gente. Todavia, a alma é insaciável; é permanentemente
observadora; ela pede sempre mais, preside os dramas de nosso ser inteiro. E
somente nos alivia com as coisas vindas mais do alto. Tudo é bom e necessário:
o trabalho, o alimento, a cura. Ajudam-nos a bem viver com nossas consciências
e com os homens. Porém, em certas crises de nossas vidas, o ego lúcido reclama
mais autonomia, liberação de certos liames com o mundo; ele deseja novas
experiências. Este é o segundo vislumbre deste seu momento, Roubard. O primeiro deu-se ao optar pelo caminho. Vou
ajudá-lo!
Roubard decidiu não
trabalhar mais como vinha fazendo. O comerciante assustou-se:
- Vai deixar-me?
- Não, ainda. Quero agora trabalhar três dias
na semana com os mesmos ganhos. Os dias restantes vou vivê-los inteiramente com
Irmão Antônio. O homem protestou, propôs aumentá-lo, o queria trabalhando o
tempo todo, a semana inteira.
- Aceita o que lhe proponho
ou vou trabalhar para o vizinho? O homem aceitou.
Roubard passou a
conviver mais de perto com a miséria. Agora a tocava, ajudando ao monge em
quase tudo. Ouvia e aprendia.
Ampliava-se o campo de
trabalho. Os problemas avolumavam-se e a popularidade de ambos crescia. O tempo
passava. O monge costumava liberar Roubard para ir visitar doentes – àqueles
cujo tratamento ele, o monge, houvera iniciado. Na necessidade da fé ou do
conhecimento mais profundo do mal, Roubard somente acompanhava. Nesses casos,
ia fazendo chás, aconselhando, catalogando reações, sempre ao comando à
distância do monge, e impunha as mãos. De nada reclamava: tudo realizava como
iniciante discípulo em quem faltava ainda, verdadeiramente, a alma sacerdotal e
o talento.
Mas houve fracassos. Em
muitas ocasiões seus esforços eram anulados. Tinham de acontecer, pois os
recursos de que dispunham eram precários, alguns inexistentes. Em certas
situações, unicamente pelo saber de leis naturais, o monge chegava aos problemas,
porém nem sempre às raízes e às soluções. Não obstante, mais do que o auxílio
positivo e concreto contra os males do corpo, era a presença de ambos que
marcava e confortava aquela gente, principalmente a figura sacerdotal do monge
que se apresentava ao alcance de todos.
Roubard agora conseguia
vislumbrar contornos, rostos e imagens enquanto meditava. Vez por outra
sonhava, via-se conversando e ouvindo.
Certa manhã o monge
mandou-o visitar uma doente. Era moça bonita, inteligente, embora inculta. Ela
recuperava-se e Roubard lá voltou outras vezes. Uma paixão repentina brotou em
seus corações. Roubard passou a visitá-la às noites. Esta paixão ardia-lhe e o
dividia. Noites em que não a visitava, desejava lá estar. Ela era ardente e
cada vez mais apaixonada.
Roubard já não era o
mesmo. Sua atenção e aplicação ao trabalho sofriam sensíveis quedas. A custo
conseguia interessar-se por um problema ou acompanhar a evolução de uma tarefa.
Com efeito, não via mais o ideal da mesma maneira como há cinco anos!
Finalmente contou ao monge. Disse-lhe de suas emoções e sentimentos:
fragmentava-se; sentia exaustão. Não podia mais continuar daquela maneira:
casava-se dando novo rumo a sua vida ou partia.
- Roubard, novamente o
sofrimento pungente o impulsiona a decisões transcendentais. Como antes, o ego
debate-se, enlaça-se nos fios de suas próprias criações, querendo deles se
libertar. Gritos ecoam na consciência, gritos de socorro ou de clamor pela liberdade,
qualquer que seja essa liberdade. Eu também sinto inconstância. Há tempos
instalou-se em mim a necessidade de partir. O pouco aqui realizado pôde trazer
conforto e esperança para muitos. Mas o caminho não mais espera-me, chama-me
para que eu prossiga. Se optar por partir iremos ambos pela manhã. Caso
contrário, parto eu, sozinho!
Roubard não se decidia;
varava a noite acordado. Nesses momentos, como outrora, estremecia, hesitava.
Fora algo assim que o levara a abandonar toda a sua boa e folgada vida, a ficar
praticamente nu diante de um caminho. Irmão Antônio tinha razão: o sofrimento
costuma anteceder a uma grande decisão. Partir ou ficar, qual o verdadeiro
destino? Um gosto amargo descia-lhe pela garganta aferroando-se em seu coração.
Cansado, finalmente
adormeceu. Ao despertar, uma réstia de sol entrava pela janela. Ele sentou-se
na cama não vendo o monge. Sua bolsa e os demais pertences não lá estavam. A
cama feita tinha alguma coisa sobre ela. Roubard quase esquecera, passara-se
tanto tempo desde aquele dia! Uma dor aguda atravessou-lhe o coração e lágrimas
queimaram-lhe a face. Seu grande amigo partira, porém confiara-lhe seu valioso
tesouro: os três dobrões!
Havia uma enxada a um
canto usada em suas hortas. Roubard agarrou-a com decisão. Saiu do galpão e no
pequeno pedaço de terra ao fundo, afastou algumas madeiras apoiadas na parede
começando a cavar profundamente. Exaurido e ofegante, com mãos trêmulas, abriu
a algibeira e derramou sobre a palma direita uma moeda, apertando-a firmemente.
A moeda aqueceu-se; ele fundia-se nela. Não sabia o que pensar ou dizer, então
decidiu jogá-la no buraco, fosse o que fosse! Tapou tudo, bateu a terra, depois
entrou correndo!
Na saída da cidade veio
encontrá-lo. Irmão Antônio sentava-se à margem da estrada. Roubard chegou
arfante e descansou ao seu lado. O monge estendeu-lhe o cantil; Roubard bebeu e
o devolveu. O monge aguardava. Roubard permanecia calado. O monge resolveu
quebrar o silêncio:
- Continuamos nessa
mesma direção, Roubard, ou terá alguma outra idéia? – Roubard meneou
negativamente a cabeça e o monge retomou – Vamo-nos, então, nossa jornada
deverá ser longa!
Segue Parte 2
Segue Parte 2
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