As doutrinas formalizadas para instituições
de cunhos oficiais ou particulares são códigos normativos diversos. No âmbito
religioso, estruturam-se, principalmente, em primeira linha, em princípios
disciplinares-comportamentais, morais e conscencionais.
Credo e doutrina, doutrina e credo, são
primas-irmãs e andam de mãos dadas. No espiritismo, a oficialidade cardequiana
sugere a intenção do livre arbítrio em tudo; e assim é proposto e ensinado
através da doutrina aos seguidores e estudiosos. Entretanto, a sistemática
interpretação dos postulados transita obviamente para a construção e práticas
de um credo.
Mas o que
seria um credo? Os dicionaristas nos dão algumas definições, como, por exemplo:
“Conjunto dos princípios básicos de uma
doutrina religiosa”; “Conjunto de princípios, regras e ditames, pelos quais se
governa uma pessoa, uma seita ou um partido; programa, doutrina: um credo
político”.
Isto seria muito pouco para realmente definir um
credo enleado por uma doutrina religiosa, pois sabemos dos inúmeros outros
elementos históricos elencados através e em torno dos ditames religiosos. As
religiões orientais são diferentes das ocidentais. Detiveram entre elas muitas
práticas similares, mas destacaram-se, principalmente, pelos ensinamentos e
práticas filosofais e meditativas extremamente aprofundadas por homens
inspirados e meticulosos, que fizeram da mente o laboratório da alma.
As religiões africanas seguiram outros princípios e
rumos, alicerçadas sobre o psiquismo e animismos fetichistas de todas as nações
de seu grande continente.
Suas memórias iniciais
vieram de longínquas práticas politeístas, de culturas remotas e já
desaparecidas, e do antiquíssimo Egito. Depois, outros elementos adentraram nas
suas etnias, resultados de caldeamentos culturais vindos de fora ou com seus
próprios e distantes ramos. Esta miscigenação os ajudou mais tarde a encontrar
suas próprias identidades e símbolos com deuses e heróis negros e suas sagas. Por
milênios, as raças negras vêm se mantendo atávicas nesses elementos
idiossincráticos e pelo indissociado amálgama –
sociedade-religião.
Nos demais
continentes, as caracterizações de religiões e crenças, variavam também em
menor ou maior grau, com relação à forma e ritos. Foi o que aconteceu, como
exemplo específico e destacado, com alguns dos povos ameríndios, cujas crenças
mantiveram-se, em certos níveis, fundamentadas por extensas mitologias e
práticas de magias, e ao mesmo tempo, noutros níveis, estiveram mais refinadas
pela ciência, fossem ou não – aquelas culturas – trazidas de povos
antediluvianos bem mais adiantados na Terra ou provindos do cosmos.
A questão das origens dos povos das Américas
e suas tradições religiosas permanece inconclusiva para estudiosos da
oficialidade acadêmica, pelo fato de o continente americano, desde milênios,
estar formado por uma geografia isolada do resto do mundo.
Mesmo em
crenças naturais e rudimentares de religiões primitivas, onde não existisse
ainda a escrita, e a tradição fosse assimilada pela memória e retransmitida
oralmente pelas gerações, ou em todos os sistemas religiosos mais bem
elaborados em que o legado de códigos firmados por escrituras sagradas fosse
respeitado, houve sempre uma doutrina e um credo, como ainda há.
Já a Igreja
edificada desde Moisés no Oriente Médio, ensina que nos primeiros séculos pós
Cristo, o credo foram repetições diárias que funcionavam como orações para os
primitivos cristãos, servindo-lhes como veículo de memória a fim de que não se
esquecessem de suas obrigações religiosas. Hoje se reza o credo: “símbolo dos
apóstolos”.
Credo,
portanto, é também sinonímia de código. Por sinal, uma oração também é um
código que, por ela, mediante a intenção mental ou pela sistemática verbalização,
se pretende forçar algum benefício de natureza espiritual ou material. Este propósito sempre esteve conectado ao invisível através das idades em diversas modalidades,
segundo as culturas.
Ainda que
não houvesse uma métrica calculada, como mandam exaustivamente recitar para os
mantras indus e tibetanos, ou não existissem requintados símbolos herméticos a
serem conduzidos em suas representações externas, inúmeros grupamentos étnicos
dos antigos cantavam e dançavam as mesmas danças num mesmo e repetitivo ritmo,
lançando pelos ares gritos e sons aos deuses de todos os elementos, e chegavam
a estados de auto-hipnose, êxtases ou euforias para as finalidades pretendidas.
De outro modo, mais simples e sofisticado – individual ou coletivamente –
falavam aos deuses palavras de sagração ou de poderes mágicos que movessem as
forças sobrenaturais. E aguardavam os resultados.
E ainda se
fazem pedidos e elaborações semelhantes ou bem mais uniformizados e esotéricos,
em muitos locais do planeta, numa mistura de códigos e credos.
A idéia de um
movimento religioso, filosófico-religioso, ou de uma religião propriamente
dita, fundamenta-se, primeiramente, através da reunião dos elementos doutrina e credo, ambos com parentescos
conceituais e estreitas afinidades, sob cujas inter-relações e dependências
sobrevive todo um corporativismo educativo. A doutrina inteira tende a dividir-se
e subdividir-se em códigos, que geram dogmas pequenos e grandes, alguns
transitando imediatamente para o credo, ou todos eles rumando ao credo quando
tratar-se de uma doutrina rasa e curta.
A doutrina
poderá deter muitas abrangências através das premissas estabelecidas, porém
unicamente nos limites de suas próprias e virtuais fronteiras.
E que são
as fronteiras? São exatamente as capacidades dos mentores ou de hierarquizados,
em distender as mensagens doutrinárias ao seu ponto máximo, e neste movimento
buscar imprimir nas almas seguidoras as visões e o ânimo. Na religião,
especificamente, de que agora tratamos, e no aspecto unicamente orgânico, os
dois elementos citados precisam estar incorporados de fé e perseverança para a
realização prometida.
Nesta linha
natural de entendimento, nenhuma doutrina religiosa se isenta do credo, mas quando
se estabelece a ortodoxia, a doutrina dogmatiza o pensamento que lhe bata às
portas, ou que dali mesmo pretenda voar acima das regras fixas e inalteráveis.
Em outras palavras, a inalterabilidade das
regras doutrinárias, ou não transigência, por mais extraordinárias que as
doutrinas possam parecer, jamais conseguirá manter ad infinitum o corporativismo ali estabelecido sem prejuízos e
retrocessos. O posicionamento hermético das mentes excessivamente regradas,
além da ortodoxia, converte a um credo tão consistente que cresce com o tamanho
da doutrina, que acasala o pensamento na forma, e derroga toda a liberdade do
pensamento mais volátil.
É importante que percebamos e aceitemos que as doutrinas são necessárias a muitos,
mas a visão pode sim transcender aos postulados religiosos pétreos, mormente quando
nossa consciência não nos cabe mais como antes, e não conseguimos nos explicar
de modo uniforme e retilíneo, como na física. E até a física se supera e se
redescobre quando o dinamismo das leis indomáveis do universo pressionam os
ciclos predestinados do tempo e ultrapassam facilmente os mais elaborados
conceitos dos cérebros humanos, atraindo enigmas jamais antes suspeitados.
“Conhecereis
a verdade e a verdade vos libertará”, uma máxima tão citada, e tão pouco
compreendida, pois o autor, Jesus, sendo uma consciência cósmica, como tal
liga-se a um infinito. E o que é um infinito senão uma linha mui tênue e
imaginária que desenhamos em mente e cada vez mais escapa ao alcance das visões
mais privilegiadas e sábias que descem à Terra para aprender e ensinar?
E o que será mesmo a verdade, senão nenhuma
por si só, mas muitas que se competem e todas que ainda não conhecemos?
Rayom Ra
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