quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Quimérico - [R]

  Sigo em sombras que me enlaçam,
  Não há luzes, ruídos, memórias, nada,
  Elas me atraem, carregam-me, estou solitário,
  Mergulho outra vez: impotente, dominado,
  Brumas, densos véus, espaços vazios, escuridão,
  Quero parar, estancar, dar meia volta, retornar a mim,
  Elas vão comigo, e voo, e não consigo, e não posso,
  Faltam-me forças, volição, comando; estou à deriva.

  Eu sei, eu sei tudo; e sei-o em todos os detalhes,
  Somos conhecidos, mil vezes andamos,
  Velho patife, sempre a me reclamar, comigo estar,
  São inúmeras as suas faces: são dezenas, centenas,
  Sempre elas: mecânicas, vagantes, vigilantes,
  Conheço-as todas, querem-me por perto,
  Gênero hipnótico a me perseguir, a me induzir,
  Macabro gênio; impiedoso colecionador de histórias.
 
  Penso odiá-lo profundamente, ele me repugna,
  Quero mata-lo, sair-me vencedor numa batalha heroica,
  Um Ulisses voraz, um César triunfante, um Teseu matador,
  Ei-lo, e vejo-me aplaudido por meu público imaginário,
  Aqui está sua cabeça horrenda; jogo-a estupidamente ao chão,
  Audacioso, piso-a: hidra magnífica, adversário feroz,
  Sou fantástico, um guerreiro, um semideus dourado,
  Orgulho-me, quero a comenda, o cetro, a coroa de louros!

  Desnudo-me. O manto aos pedaços lanço-o aos cães infiéis,
  Permito-me um olhar superior aos traidores, os pervertidos,
  Malignos infiltrados, conspiradores, desprezíveis vendilhões!
  Suado, elevo a cerviz, a tez lavada prova-lhes a tremenda luta,
  Retiro da cabeça altiva a coroa de espinhos, não mais ela,
  Caminho nu entre os meus, nos abraçamos em lágrimas,
  Está terminada: venci a legião, ao inimigo tenaz – a ele!
  Sou agora um Cristo real, um homem-Deus, um libertador!

  Devaneios, devaneios, por que me torturais assim?
  Pétrea esfinge de mim: ao poço de Jacó jamais sentei,
  Nunca vi à samaritana, não subi a montanha e nem sei do Graal,   
  Nas alturas me inspiro, mas na cruz do suplício não me deitei,
  Caminho errático; angústia; grito abafado; solidão que apavora.
  Não Ele – ainda! Mas tu em mim sempre em quimera de sonhos,
  A hora Dele não é chegada; porém tu me satirizas, pérfido,
  Tiras-me de meus enlevos, afundas-me no louco entono!

  Alcanço o mais profundo de mim; abandona-me Luci,
  Um frio mortal vara-me o ser, brumas mais negras sufocam-me,
  Estou no chão, morada dos andrajosos, vale solitário.
  O mesmo cenário lúgubre, toscas habitações, silêncio sepulcral,
  Quero voltar; minha casa, meu quarto, meu corpo cataléptico,
  Impedem-me os passos e quedado retorno a este extremo,
  Sim, sim, repito, fiz isso tantas vezes onde vou,
  Sei com quem me entrevistarei, sei o que ele quer, sei, sei!
 
                       Por Rayom Ra
                                                    
                                           http://arcadeouro.blogspot.com

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