Não há dúvidas de que os dez mandamentos
expressam um código veiculador de regras sócio religiosas. Tem sido, sobretudo,
na Bíblia, um guia moral subscrito não por uma autoridade temporal, mas pela
divindade absoluta revelada aos judeus e reconhecidamente severa,
disciplinadora e até iracunda.
Nas suas origens não seria elemento
alternativo, opcional, evocativo de uma liderança humana. Viria de todo do Deus
IHVH, por conduto de Moisés, seu maior representante na Terra, imposto para
obrigatória observação. Assim também afirma e reafirma a tradição rabínica. E é
desta maneira que o Livro do Êxodo nos passa a transmissão dos dez mandamentos
pelo Deus dos hebreus no Monte Sinai.
Sinai ou Horeb seria o lugar, o monte ao pé
do qual o povo hebreu acamparia enquanto o líder Moisés subiria para encontrar
Deus. As tantas e assustadoras lendas acerca desse monte mantinham os
viandantes afastados. Diziam haver nele fumaça, fogo e espíritos que
caminhavam.
Em 1904 o egiptólogo inglês Flenders Petrie
chegaria ao Sinai da Arábia Saudita, com o intuito de explorá-lo. Subiria. E o
que descobriria pouco tempo depois de iniciadas as escavações? Enigmática
edificação egípcia, estendendo-se por santuários anexos, túneis e câmaras
perfeitamente escavados. Encontraria fornos e inúmeros objetos de variados
portes e formatos, concluindo que no passado, nesses locais, se teriam
realizadas intensas atividades. O exame das esculturas e representações murais
remeteria às datas anteriores ao êxodo hebreu, havendo inclusive referências
coincidentes ao tempo em que Moisés teria vivido no Egito.
Não seria de estranhar a razão de os egípcios
terem assentado bases num monte no deserto da Arábia, pois em sucessivas
incursões em busca de ouro e especiarias quando subjugavam os semitas da
Mesopotâmia e Palestina e transformavam muitas de suas metrópoles ou
cidades-estados em estados-tributários, costumavam sair de suas principais
rotas e avançar por outras regiões. E o Monte Sinai da região saudita não
distava muito das terras egípcias.
Duas
principais questões avocadas na ocasião da descoberta seriam: Moisés teria
subido o monte com a única expectativa de tentar falar com IHVH? E o Deus IHVH, de fato, nesse lugar, lhe
teria passado as leis que na sua essência não seriam tão diferentes das regras
morais já existentes para sumérios, caldeus, egípcios, gregos e outros povos da
antiguidade?
Arriscamos-nos a dizer que é temerário
acreditar irrestritamente em linhas históricas delineadas pelos arqueólogos,
como também o é, da mesma forma, aceitar a tradição religiosa sem reflexões ou
discussões. Assim, para entrarmos na discussão histórico-religiosa dos dez
mandamentos necessitaremos novamente vir fazendo pequenos retrospectos sobre a
vida e personalidade de Moisés, hoje de existência e feitos tão contestados por
correntes de historiadores cada vez mais céticos.
Conforme vimos, Moisés supostamente
participaria de rituais secretos nos templos e pirâmides egípcias e seria o
escolhido para nova tentativa de estabelecer o monoteísmo, visto o pensamento
de Akhenaton ter também desaparecido com sua morte. Em assim sendo, e para o
cumprimento dessa grande missão, Moisés necessitaria do auxílio e sabedoria dos
sacerdotes adeptos do monoteísmo. Os mandamentos gravados em primeira vez em
madeira e em segunda vez em tábuas de pedra, poderiam perfeitamente ter sido
talhados por oficiais artesãos. Nada inverossímil nessa suposição, uma vez que,
mais adiante, a Bíblia diz que IHVH mandaria Moisés chamar os artesãos Bezalel
e Aoliabe bem como colocaria habilidades noutros homens para que construíssem a
arca em ouro e fabricassem todos os demais aparatos do templo no deserto.
Há polêmicas acerca da origem e
interpretações dos dez mandamentos. Para alguns, seu conteúdo seria Asseret
Hadibrot que significa as Dez Falas ou os Dez Ditos.
Não é novidade os povos terem cultuado deuses
e divindades com diversas e variadas conotações politeístas. Mas sumérios e
caldeus, por exemplo, já cultuavam também deuses trinos. Por vezes, a expressão
criadora de um deus se desdobrava a quatro, como nos ensinamentos dos próprios
sumérios e indus que mais tarde, no século II de nossa era, com idêntico
pensamento, seria reafirmado pelos ofitas do Egito. O nome Elohim não foi
originário do vocabulário hebreu e veiculava mais do que uma força divina, porém
um coletivo de deuses criadores. Eloha, no singular, era para sumérios e
caldeus unicamente um dos Elohim.
Em nosso idioma o vocábulo Deus denota plural
por sua própria formação morfológica. E se Deus era Elhim ou Elohim,
reconhecido pela antiga cabala hebraica rabínica como sete poderes criadores, a
origem do politeísmo já começaria no próprio Deus.
O Gênesis nos dá provas deste coletivismo
deífico quando descreve as etapas da criação, mencionando inicialmente o Deus
Criador como uma só expressão. Mais adiante, no versículo 26 do Capítulo I do
Gênesis, a mensagem é outra, como segue: “Também disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme nossa semelhança.” Indubitável a
revelação no texto pluralizando forças criadoras.
A ideia da tríade os sumérios representavam
com Bel, Ea, Anu; os egípcios com Osíris, Isis e Horus; os indus com Brahma,
Vishnu e Shiva ou Sat, Chit e Ananda; os parsi com Ahura-Mazda, Spento
(Angro-Main Yush) e Aramaiti e os babilônicos com Talmus, Marduk e Baal.
Entretanto, o monoteísmo introduzido por Moisés aos hebreus não falaria de
tríade e nem de trindade, pelo menos o Livro do Gênesis a nada disto se
refereria, apesar de deixar misteriosas pistas acerca de Eloha-Elohim. Nem
posteriormente, na decorrência do êxodo, haveria qualquer citação a esse
respeito por parte de Moisés, o que indubitavelmente nos conduz a uma mensagem
principal e proposital acerca de um Deus único, sem qualquer outra conotação de
pluralidade, semelhante ao solitário Aton, Deus-Sol egípcio, divinizado por
Amenophis IV.
Precisamos considerar que o primitivismo
cultuou certas ideias religiosas que com o tempo sofreriam algumas
transformações. Se os caldeus-sumérios desenvolveram uma civilização altamente
utilitária há mais ou menos 6.000 anos na Mesopotâmia, segundo a história
oficial, foram realmente exceção junto às tribos semitas ali viventes. Não foi
sem motivos que rapidamente suplantaram as tribos vizinhas imprimindo-lhes sua
adiantada cultura. E de onde teriam adquirido tal cultura e por qual razão a
trariam para a Mesopotâmia? A história
oficial sabe muito pouco dos sumérios, que seriam um ramo dravidiano da Ásia
Central que por motivos desconhecidos se fixariam na região dos rios Tigre e
Eufrates na Caldéia.
A
influência suméria modificaria o pensamento religioso das tribos mesopotâmias e
palestinas e introduziria, além do religioso, novos elementos básicos culturais
extensivos também aos gregos e egípcios e a outros povos da África. No entanto,
a ligação suméria com o oriente mais afastado, onde na Índia os dravidianos
possivelmente praticariam ensinamentos védicos, não está clara para a história.
Se os dravidianos tivessem trazido da Índia para a Mesopotâmia e Palestina todo
o pensamento védico lá ensinado, naturalmente o teriam implantado in totum e
seria também assimilado pelos povos semitas, o que não aconteceu. Embora a
cosmogonia entendida pelos sumérios não fugisse à idéia central da criação do
universo e sistema solar, e o gênesis de deuses e homens, conforme ressaltado nos
ensinamentos arianos, sua filosofia de vida era eminentemente prática, voltada
para a transformação utilitária da matéria e de seus elementos. Os indus, ao
contrário, destacaram sempre e basicamente um pensamento religioso místico – contemplativo
e meditativo – no intuito de sobrepor-se às clamantes necessidades físicas e
materiais. A religiosidade indu edificou-se sempre sobre atitudes de
purificação, desapego e negação à concentrada atividade para a posse material.
Os sumérios dravidianos, contudo,
contrariando alguns dos preceitos religiosos da Índia, desenvolveriam as
aptidões de transformar a matéria através de grandes conhecimentos da física,
astrologia, química, matemática, medicina, arquitetura, mineração e de outras
ciências afins, usufruindo do utilitarismo e conforto tecnológico que com o
tempo grassariam parcialmente para povos vizinhos. Esses fatos tão visíveis e
destacados no mundo antigo nos levam a concluir que a civilização suméria teria
começado na Mesopotâmia com a cultura dravidiana trazida do oriente distante,
mas sofreria um impulso fantástico pouco tempo depois deles ali se terem
estabelecido.
Portariam também fundamentos morais que os
adaptariam, conforme já analisados, e os aplicariam ao cotidiano, que tal como
suas atividades científicas, seriam identicamente absorvidos em proporções bem
menores pela vizinhança semita. Alguns destes fundamentos remontam há mais de
10.000 anos, desde a tradição védica oral, quando os arianos pregavam regras
disciplinadoras da vida social.
Os
ensinamentos védicos são extremamente amplos, que, como dissemos, os
dravidianos deles teriam também absorvido. Parte deles é aplicada
excelentemente à psicologia religiosa esotérica. São hinos, cantos, rituais,
devoções, sacrifícios e conhecimentos compilados em quatro textos principais,
chamados Rig-Veda, Sama-Veda, Yajur-Veda e Atharva-Veda. A palavra veda deriva
da raiz sânscrito vid que é conhecimento. As escriturações dos textos védicos
datam de mais ou menos 1500 anos a.C. As origens da tradição oral, entretanto,
perdem-se nas noites do tempo remontando talvez há mais de 20.000 anos.
Dos Vedas, podemos destacar os “Aforismos de
Patanjali”, do Livro II, atitudes, que nos parecem assemelhar-se aos
mandamentos bíblicos. Os cinco primeiros mandamentos estabelecidos são:
1. Inofensividade 4. Continência
2. Verdade 5. Não
avareza.
3. Não roubar
Esses
mandamentos são regras básicas aos candidatos desejosos de levar vida asceta e
àqueles portadores de intensa devoção religiosa, não recolhidos ao ascetismo.
Cabem também ao povo. No entanto, se flexibilizam diante da impossibilidade da
absoluta conciliação com os afazeres da vida material e familiar, atenuando
assim as observâncias em alguns aspectos.
Outros cinco mandamentos são essencialmente
devocionais de obliteração ou negação à vida material, mas principalmente de
práticas sacerdotais:
1. Purificação interna e externa 4. Estudos espirituais.
2. Gozo (satisfação, alegria) 5.
Devoção a Ishvara.
3. Aspiração ardente (o Deus Criador
Indu)
Inegável a presença do pensamento sumério nos
povos do Oriente Médio e Egito. Os egípcios, por oportuno, influenciariam
gregos que em contrapartida influenciariam egípcios nos períodos de certas
dinastias. Mas por trás das cenas estaria a originalidade suméria, mesmo nos
períodos de domínios caldeu-sumério, acádio-sumério, assírio-sumério e
babilônico.
Houve, desse modo, diversos amálgamas
religiosos, ajustes, influências idiossincráticas, novos conceitos e novas
práticas, mas nada tão absolutamente diferente que por milênios as religiões
deixassem de possuir em traços comuns. Nas destacadas civilizações o povo
praticava as religiões abertamente enquanto os sacerdotes as praticavam
ocultamente sob certos cuidados e segredos.
O Egito, embora se situasse na África, não
produziu um povo com raízes unicamente africanas. Sua situação geográfica
favoreceu a miscigenação com etnias nômades dos vários ramos raciais distintos
de fora do continente, e mais tarde com semitas do Oriente Médio e grupamentos
indo-europeus que chegavam em sucessivas ondas em busca de água e
alimentos. Apesar desse caldeamento, o
Egito conseguiu isolar a casta real, a nobreza, a classe sacerdotal, os
oficiais militares e os altos funcionários de administração, destacando-os dos
emergentes de camadas inferiores do povo representados por trabalhadores,
artesãos e escravos.
As sucessórias investiduras da emblemática
divina faraônica representavam para muitos reis os cargos de sumo ou altos
sacerdotes, e essas proeminências facilitavam a implantação e conservação das
ideias religiosas politeístas, muito embora existissem sempre disputas e cisões
sacerdotais, principalmente entre as capitais Tebas e Mênfis do alto e baixo
Egito.
O Egito, ao longo das dinastias, pôde
produzir sua própria nomenclatura simbológica, riquíssima mitologia e três
linguagens próprias de comunicação, a par de desenvolver adiantada ciência para
a época, que em alguns aspectos era cercada de mistérios, como, por exemplo, as
técnicas empregadas para as mumificações. E sob essa pulsante sabedoria, Moisés
se instruiria e viria se preparar para introduzir no mundo semita o pensamento
monoteísta. A isso se seguiria imediatamente um código moral disciplinador, sócio
religioso, chamado de os Dez Mandamentos. O motivo pareceria evidente, não
sendo outro senão a mudança das conceituações politeístas já extenuadas após
milênios de práticas.
A longa caminhada humana, ao reinado de
tantos deuses terrestres e extraterrestres, estaria assim aos pródromos de um
novo rumo para um Deus unificador. Os períodos histórico-religiosos dos
politeísmos seriam, a partir dessa aceitação, pouco a pouco soterrados pelo
novo e sintetizador ciclo que se apresentava. Permeava-se de uma só crença e
varreria em definitivo das mentes semitas as múltiplas interpretações do
passado motivadoras de absurdas idolatrias.
Os dez mandamentos, contudo, como todas as
grandes e importantes revelações bíblicas e marcantes eventos, trariam com o
tempo interpretações diversas e polêmicas. Mas para o povo a quem se
destinariam naquele momento, e por conter claras coibições, os mandamentos se
encaixariam básica e literalmente às necessidades de severa e necessária
disciplina. Foram, na maior parte, imposições imperativo-negativas embora, mais
adiante, nas revelações do Livro do Deuteronômio, Moisés introduzisse novas e
disciplinadoras regras e comentasse sobre os deveres e cuidados acerca das
ordens divinas.
Os dez mandamentos, em síntese, viriam
traduzir as seguintes primeiras regras disciplinadoras:
1. Não terás outros
deuses diante de mim.
2.
Não farás imagens de esculturas e não as adorarás.
3. Não tomarás o nome do
Senhor teu Deus em vão.
4. Guardarás o dia de
sábado para O santificar.
5.
Honrarás a teu pai e tua mãe.
6. Não matarás.
7. Não adulterarás.
8. Não furtarás.
9. Não dirás falso
testemunho contra o teu próximo.
10.
Não cobiçarás a mulher do teu próximo nem os seus pertences.
O texto bíblico discorre sobre seis
dessas regras e, sem dúvidas, é um breve discurso reconhecido como os dez ditos
ou dez falas.
[Capítulo VI do Livro "O Monoteísmo Bíblico e os Deuses da Criação" por Rayom Ra]
Texto revisto em 06-11-2016.
[Capítulo VI do Livro "O Monoteísmo Bíblico e os Deuses da Criação" por Rayom Ra]
Texto revisto em 06-11-2016.
Rayom Ra
http://arcadeouro.blogspot.com.br
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