Resolvi colocar no Arca de Ouro, tema após
tema, embora numa ordem não exatamente sequenciada, assuntos relacionados que
digam sobre a conjuntura ego-alma, e alguns de seus aspectos ocultos que os
estudiosos que avançam no
autoconhecimento conhecem ou necessitam conhecer.
Nesse critério, Enigma Eu insere um
personagem peculiar cujas encarnações foram ricas em posições e contraposições,
e ele agora volta a defrontar-se com seu carma de iniciado numa organização que,
para alguns leitores, será somente fictícia. Quem leu o livro com certeza
percebeu que a saga do personagem não terminaria simplesmente no capítulo
final. Haveria muito mais a contar devido às situações por ele vividas estarem
a sugerir uma continuação.
"A Face Negra da Terra" é essa continuação, e o personagem consegue penetrar
mais profundamente no âmbito dessa imensa organização - a que novamente ele passa a
pertencer aqui na Terra - e que o conduzirá a um cenário ainda mais amplo e intrincado,
tanto no conhecimento das suas atuais estruturas quanto no seu
processo histórico-iniciático.
Certa vez li num artigo científico que os
astrônomos descobriram uma nuvem escura, de uma energia extraordinariamente forte
e desconhecida, que viajava em direção ao nosso sistema solar. E caso sua rota
fosse confirmada poderia alcançar a Terra, provocando inúmeras desordens na
vida planetária como provocaria desordens naquilo que encontrasse em sua
trajetória, o que incluiria outros planetas. Portanto, os acontecimentos
relatados nesse livro, embora possam também parecer excessivamente
imaginativos, obtém das observações científicas algum respaldo numa possível
ação destrutiva.
Claro que a ciência não trabalha com a visão
esotérica e nem com o conhecimento de mundos paralelos habitados. Muito menos
acredita em forças invisíveis do bem e do mal. A ciência é basicamente
instrumental, excessivamente objetiva, e não fora a moderna física vir projetar
através do quantismo uma nova janela para uma visão mais subjetiva dos enigmas
que permeiam a existência, sequer se falaria em dimensões como possibilidades
mais do que prováveis.
Enfim, ao místico, ao esotérico, ao estudioso
das ciências ocultas, nada é de estranhar em termos de passado, presente e
futuro, muito menos nos ciclos evolucionários que se cruzam em pontos
estratégicos, dentro e fora do espaço-tempo.
ÍNDICES
PARTE I
CAPÍTULO I REVELAÇÕES
CAPÍTULO II A CERIMÔNIA
CAPÍTULO III O IRMÃO SUPERIOR
CAPÍTULO IV A ASSEMBLEIA
CAPÍTULO V O ATAQUE
CAPÍTULO VI ENTREVISTA COM O QUINTO MESTRE TERRA
CAPÍTULO VII VIAGEM E MISSÃO FANTÁSTICAS
CAPÍTULO VIII OS FLUXOS
CAPÍTULO IX RITUAL NO TEMPLO DO SOL NASCENTE
CAPÍTULO X ANITA
CAPÍTULO XI RUDOLFO, O ASTRÓLOGO
PARTE II
CAPÍTULO XII O PERIGO CÓSMICO
CAPÍTULO XIII A GÊNESIS DA GRANDE FACE NEGRA
CAPÍTULO XIV JAVAN
CAPÍTULO XV A VIAGEM DE SORMAN
CAPÍTULO XVI PRIMEIROS CONFRONTOS
CAPÍTULO XVII A GRANDE LUTA
PARTE III
CAPÍTULO XVIII A VIDA CONTINUA
CAPÍTULO XIX NOVAS DECISÕES
CAPÍTULO XX DUELOS
CAPÍTULO XXI AURA DE DOR
CAPÍTULO XXII A MISSÃO SE INICIA
CAPÍTULO I
REVELAÇÕES
Longe detrás de montanhas a claridade se
anunciava. A face de todas as coisas coloria-se de esplendoroso rosa. A cada
segundo a luz invadia; somente laivos em faixas arroxeadas insistiam em permanecer. Mas já
ganhavam transparência e desapareciam. A alma do mundo não despertara ainda
nesse lado do planeta. Forte energismo apagava das entranhas da atmosfera o
aroma suave e quase imperceptível da madrugada. A mãe negra não deixara
substância alguma; a hipnótica noite e o misterioso nada haviam partido como
sempre. Rastro algum denotava agora a sempiterna presença de quem ou quê
nascera antes mesmo da própria luz. Ela se consumira em si mesma, desaparecera,
mas voltaria depois como sempre.
O que existira naquelas vencidas horas:
quantos fantasmas haviam saído de seus refúgios e livres tinham perambulado
sobre a Terra; rituais malignos e sacrifícios sangrentos tivessem acontecido;
gritos fossem ouvidos; intermináveis pesadelos torturassem – ninguém saberia
dizer exatamente. Também de que maneira os semeadores das trevas - arquétipos
invertidos, geniais inteligências com investiduras autoritárias, modeladores do
pensamento noturno, das formas luciféricas, dos arremedos; prosélitos da
involução, opositores da unidade, potestades dos mundos abissais - houvessem passado de um meridiano a outro,
continuando soturna e perenemente a opor-se e sustentar: homem algum
conheceria!
O sol já se debruçava. Neste momento o azul
celeste era o único matiz que o céu mostrava. O vigor da tonificante essência
das energias temperadas nos rarefeitos gases e substâncias etéricas, descia e
penetrava a alma do mundo, retirando-a definitivamente da quase inércia. Ela se
sacudia, se espreguiçava e de novo, à luz do dia, tomava seres e reinos: partes
de si que lhe cabia mandar.
Ao alto, na janela completamente aberta, a
luz matinal vinha encontrar o corpo semi despido de Sorman. O ar fresco
saturava; a madrugada fora mal dormida, e à medida que inspirava com ritmo,
absorvendo a benfazeja energia, expulsando os espectrais demônios da noite, uma
presença mais dinâmica outra vez entrava em seu corpo e alma. Com mãos apoiadas
no peitoril, braços levemente dobrados, sustentando parte de seu peso, ele
punha a cabeça para fora olhando o jardim, onde os holofotes espalhados pelos
cantos do gramado e na parte frontal da casa, em meio às folhagens, permaneciam
nessa hora acesos.
Muito antes de o sol nascer o jovem já se
sentara na beira da cama, tentando entender as imagens de seus sonhos. Havia
muita coisa fechada em sua mente como concha sob águas. E não podendo abri-la,
procurava convencer-se de que seria melhor assim; a concha podia ser uma caixa
de pandora; então, aberta, o exporia aos maus agouros. Tratava-se de um
subterfúgio, sabia perfeitamente disto, não conseguindo enganar-se!
Ainda no curso do exercício respiratório,
pousou o olhar inicialmente sobre as heras que escalavam o alto muro da
propriedade, depois além, vendo alguns eucaliptos, mangueiras na casa vizinha e
nada mais. Como se estivesse ao reconhecimento de um lugar jamais visto virou o
rosto para a direita, vindo encontrar o alongamento do jardim, rente ao muro,
em direção ao pátio do fundo. Pequenas arbústeas árvores, roseiras, buganvília,
outras plantas e pés de flores se encarreiravam. Após a casa e o jardim, um
amplo gramado envolvia a piscina, o poço artesiano, um cajueiro, um pé de
mangueira, um alpendre e algumas palmeiras de média altura. Pelo meio da área,
se destacava uma trilha de amplas lajotas de pedra sobre a qual pneus rolavam.
Ao final de tudo ficava a outra casa e a garagem.
Da janela ele não conseguia divisar o fundo,
mas assim mesmo deitava os olhos como se nada conhecesse ou não soubesse o que
existiria por lá. Na realidade, esses movimentos de olhos e cabeça eram parte
de seu exercício matinal: a concentração estava atrelada ao ritmo respiratório;
o olhar se distendia relaxadamente, vendo sem verdadeiramente ver. Dava à
treinada mente a paz que ela necessitava possuir naquele instante.
Voltando-se totalmente para a esquerda, ainda
em estado mental adernado ao mundo, alçou olhar por dentre as folhagens de um
pé de alfazema, e por sobre as telhas abauladas do alto muro frontal,
alcançando o outro lado da rua. Nessa direção, somente partes dos telhados de
casas nos arredores podiam ser vistas. A real intenção de alargamento visual e
o rápido pranayama, que amiúde costumava fazer, ele os encerrou, segundos após,
com sonoro bocejo. Então, com prolongado espreguiçar, levantou as mãos de sobre
o parapeito, trazendo os braços para trás completamente abertos, a ponto de encostá-los
nas aduelas da janela, voltando-se para o interior do quarto e vindo de novo
sentar-se na cama. Mas logo se levantou e foi arcar-se sobre a mesa de
cabeceira, tomando dali o cordão e o medalhão colocando-os no pescoço, indo até
o armário de onde lançou mão de toalha azul, felpuda, dobrada sobre pequena
pilha, abrindo-a, jogando-a num dos ombros e descendo.
À agradável maciez da grama sob os pés
descalços e o sol a banhar seu alto corpo, somava-se uma aragem com aroma de
caju em meio ao rocio que desmaiava. Seriam pouco mais de seis horas nessa
manhã de sexta feira, o dia raiava e ele já começava cedo a se movimentar.
Largando a toalha sobre a borda azulejada da
piscina, correu alguns passos, parou de súbito, contorceu o corpo e mergulhou
ao melhor estilo de um malabarista, fechando n’água com estardalhaço. Após
rápidas braçadas, chegava submerso junto aos degraus da escada, emergindo.
Colocou então os pés num degrau, segurando-se nos corrimões, e elevou o tórax
arremessando-se para trás, virando-se e nadando de um extremo ao outro da
piscina. Voltando aos degraus, subiu-os e enquanto se dirigia à espreguiçadeira
próximo dali, enxugava os negros cabelos, o rosto e o tórax, mas um fio da
toalha emaranhara-se no elo que atava a joia ao cordão e ele retirou o cordão
por sobre a cabeça, sentando-se e ocupando-se em desembaraçar. Tendo
terminado, largou a toalha em dobras sobre as coxas, recostando-se no espaldar
da cadeira, pondo-se a examinar a belíssima peça de ouro. O medalhão mostrava
intrincados e enigmáticos símbolos em ambas as faces. Quando nele se
concentrava, estranhas energias se desencadeavam. Haveria manancial enorme de
poderes sob a aura deste objeto - tinha esta premonição - mas não ousaria testá-lo por mera
curiosidade, muito menos por dúvida.
Ao relembrar a cena passada na casa de
Germano, numa dimensão distante deste ruidoso e proscênio mundo, seus olhos
foram tomados por especial brilho. Agraciara-o com este presente, por certo
imerecido, pois nada de mais fizera. Procurara unicamente vencer os obstáculos
e liberar-se das provas – ou desafios – como ele gostava de dizer. Sem qualquer
dúvida, mestre Germano fora bondoso e generoso!
O calor daquela hora estava agradável; ele
recolocou o cordão no pescoço, apoiou a cabeça, fechou os olhos e relaxou.
Imagens ascenderam. Um belo e moreno rosto sorriu-lhe magnificamente, mostrando
alvíssimos dentes. Era Lucéa.
- Tão
cedo e já de pé, que houve? Sorman estremeceu. Vestindo camisola, Olga
rapidamente se aproximava. Ao parar junto a ele, abaixou-se apoiando os joelhos
na grama. Em ato contínuo, elevou a mão
sobre a cabeça molhada do filho e acariciou-a em suave gesto. - Teve
insônia? - a voz denotava carinho.
- Dormi razoavelmente - respondeu amuado,
virando ligeiramente o rosto para ela.
- A
água está fria? - ela disfarçou.
- Mais ou menos - ele de novo fechou os
olhos, voltando o rosto para a posição anterior. Olga admirou-o, retirando a
mão de sua cabeça. - Estive pensando – ele recomeçou após segundos
– vou descansar neste final de semana em nossa casa ao pé da serra.
- Há algo de errado? - ela mostrava agora
certa preocupação.
- Nada que eu conscientemente saiba. Sinto vontade de sair da cidade, isolar-me um pouco.
Isolar-se era o que ele mais gostava, pensou Olga, olhando o medalhão,
lhe sobrevindo certa aversão. Por que usa esta coisa que lhe deram? O
medalhão rebrilhava. Ela
começou a sentir uma sensação de torpor: abria e fechava os olhos. Súbito tudo cessou. Sorman inconscientemente cobrira-o com a mão. Olga
pôde então reagir.
- Sorman, este medalhão, o que ele tem?
- O medalhão? – ele viu-lhe a palidez do
rosto.
- Causou-me algo estranho ao observá-lo!
Sorman retirou o cordão do pescoço, escondendo-o dentro da mão, sentando-se e
sorrindo, como Olga gostava de vê-lo.
- Esqueça o medalhão. O café já está
pronto?
- Ainda não, vou começar a prepará-lo. É
cedo, a empregada nem ao menos acordou! – respondeu entre confusa e meio atordoada.
- Não tem importância, perguntei somente por
perguntar. Meu pai já acordou?
- Deixei-o dormindo, não creio que se tenha
levantado. Olga não estava à vontade, pressentia que alguma coisa novamente
aconteceria com Sorman. Sobre as loucuras do passado não mais cogitava; não
acreditava que ele buscasse novas aventuras como aquela em que vivera por três
anos num ashram.
- Tem certeza de que deseja ir só? -
perguntou após essas reflexões, voltando ao assunto da viagem.
- Ao pé da serra? Oh, sim, naturalmente, eu
preciso! – ele sentiu-lhe a inquietação – não se preocupe, não é nada de grave,
a atmosfera do lugar me é benfazeja, lá me inspiro, compreende?
Não, evidentemente. Olga não o compreendia;
nesses momentos ele era-lhe completamente estranho. Sorman levantou-se, jogando
a toalha às costas. Ela o acompanhou
levantando-se também. Com gesto carinhoso ele pousou o braço sobre seus ombros,
levando-a em direção da casa, conversando assuntos triviais.
Naquele dia não fora o rosto de Lucéa que em
si permanecera. Deixara-a na piscina. O que lhe vinha insistentemente era a figura
de Anita. Entre uma e outra ocupação ela surgia-lhe. Em duas ocasiões, Anita
esteve ligada a outras imagens e viu-se junto a ela, em lugar distante,
falando-lhe. Era tudo estranho, fugidio, sem consistência, e nada podia definir
ou discernir objetivamente.
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A velha casa em nada mudara. O bairro inteiro
continuava o mesmo. O tempo ali quase estancara. Sorman desceu do carro
atravessando a rua. Na medida em que andava sentia um aperto no coração e
recordações voltavam. A beleza de Anita: a alta estatura, a pele clara, o olhar
inteligente de percepção intuitiva, o ashram! Estas coisas envolviam-no,
pretendiam arrastá-lo de volta ao passado, despertar emoções adormecidas. Ele
não permitiu: senhor de si, ordenou-lhes cessar, e como um mar que sossega e as
ondas perdem a força, venceu-as. Sobrara-lhe, no entanto, o sentimento, a
memória! Anita amara-o verdadeiramente. Não pudera seguir com ela, sabia muito
bem disto. A insólita vida, a identidade que buscava, o sofrimento incomum
incompreendido pelo mundo - tudo isto o impedira de amá-la livremente, como ela
merecia. Fora escravo de si próprio, e Anita entendeu. A dor é duas vezes
cruel: apunhala o imo e torna a alma enredada em si mesma. O mundo inteiro é
infeliz; a alma dilacerada não enxerga a vida subjetiva; a beleza não a seduz, ela
está anestesiada. Aos homens o que é humano: o egoísmo da dor!
Chegando ao portão, hesitou. Olhou novamente
para a casa. O que lhe diria? Voltara para pedir-lhe perdão, reatar o que se
tornara impossível? Na verdade, nem mesmo sabia por que estava aqui. Por seis
anos suas vidas haviam tomado diferentes rumos. Decidido, enfim, apertou a campainha.
A porta se abriu, a figura de uma mulher clara apareceu. Sorman a reconheceu.
Ela saiu à varanda mirando-o surpresa.
- Boa tarde, senhora, como está?
- O que deseja? - ela perguntou secamente,
parando na soleira de mármore diante do degrau.
- Sou Sorman, lembra-se de mim?
- Lembro perfeitamente.
- Eu...
- ele hesitou ante a indiferença da mulher – gostaria de falar com Anita.
- Ela não voltou do trabalho, deve chegar
tarde.
Sorman olhou-a com mais atenção, notando-lhe
a mesma antipatia que lhe endereçara noutros tempos. Ela nunca o aceitara, não
aprovara seu relacionamento com Anita, muito menos a fuga da filha com ele para
o ashram. Na verdade, sempre o detestara.
- Vovó, quem está ai?
Surge à porta um menino loiro, de olhos
verdes, que teria quatro anos de idade. Ao ver Sorman corre para detrás da avó.
Ela segura-o pelo braço, o conduz de volta para a porta, mandando-o aguardar
dentro da casa. Fecha a porta e retorna ao mesmo lugar.
- É o filho de Anita - diz com sabor
cáustico, mostrando malicioso brilho nos olhos.
A porta se entreabre, o menino de novo
aparece a princípio se espremendo, tímido, depois se enfiando por inteiro, e
corre para a avó. Ela não se incomoda desta vez; segura-lhe a mão estendida,
voltando a mirar Sorman. O rosto estampa mistura de ironia, sadismo e ar de
vitória: um sorriso imperceptível se desenha nos seus lábios.
Sorman trouxe a mão suavemente em direção ao
queixo, alisando-o, mirando o chão. Na verdade surpreendia-se por não
experimentar qualquer reação pela notícia. Foi rápida a reflexão, logo
retomando:
- Bem,
uma vez que Anita não está devo ir-me. Talvez a veja oportunamente. Boa tarde!
O silêncio seguiu-se às palavras; ele girou
nos calcanhares e atravessou a rua. Ao abrir a porta do carro lançou rápido
olhar para a casa, mas não os viu mais.
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O carro deslizava no asfalto. O panorama
rapidamente mudava. De vez em quando uma fazendola: animais pastavam; um
pontilhão unia margens; morros entrecortavam o horizonte. Adiante, o céu mais
amplo. A atmosfera refrescava; o cheiro do mato começava impregnar. Sorman
recomeçava a sentir a natureza que o crescimento das cidades destruíra, mas só
parcialmente. Seu ego se dividia: parte da mente comandava os mecânicos e
instintivos movimentos e principais reflexos; outra parte trazia-lhe
considerações e análises. Sobrava pouco para a alma alargar sua ação inclusiva –
natural e orgânica – e sintonizar-se
livremente com os elementos de vida universal!
A
luz declinava. A mescla de cores dos efeitos físicos da refração dos raios no
pôr do sol mostrava-se ao longe, acima do horizonte. Uma perceptível preguiça
se arrastava impregnando todas as coisas que já empalideciam. O fino ar era
também veículo de pré-mensagem, a dizer que dentro em pouco a sonolência
abraçaria. No céu, pássaros se lançavam em derradeiros voos, rumando para os
ninhos ou refúgios. A terra abria o seio para receber o pouso do orvalho,
exalando ao odor do mato e dos percevejos.
Uma ponta de tristeza veio tocar-lhe a alma e um
desânimo roçou-lhe as emoções, oprimindo-o diante do agonizante quadro do
entardecer. Era algo como um gosto de morte: um choro calado, uma sensação
indefinível que retornava matando um pouco todas as tardes – um punhal que
enterravam vagarosamente, mas sempre! Ele suspirou. Imediatamente a explosão de
forte buzina assustou-o. Pelo retrovisor, viu um carro negro anunciando a
ultrapassagem. Aprumando seu carro deixou o outro prosseguir. O susto fizera-o
reagir, tornando-o a partir dali mais presente, afastando aquela nuvem
melancólica e desanimadora.
“Quando parcialmente abre-se o leque, a visão
unilateral entrevê um arco. Isto vem demonstrar aos olhos, que por detrás de
uma forma estática escondem-se outros vislumbres antes não percebidos.
Sucessivas impressões vêm trazer à mente nuances que virão se afirmar à medida
que nelas se fixe a atenção. Um arco pode ter dez, doze, noventa raios; isto
dependerá das circunstâncias da própria vida. Não queira o iniciado
percorrê-los com os olhos sem deles compreender. É sensato e sábio conhecer a sua real
expressão. Um raio somente e a cada vez é suficiente ao iniciado para dele
poder aprender e realizar. Depois passará ao outro, mais tarde ao outro, até
completar o conhecimento daquele arco. Então o leque novamente se fecha, volta
a visão unilateral da forma estática; unicamente a solitária sombra se dobrará
ante a luz do astro rei, como se deita a sombra de um mastro inerte. Neste momento,
não há nada a fazer senão aguardar: a primeira parte do caminho foi
trilhada. Esteja atento, andarilho,
quando o leque se mostrar, vendo nele o caminho real!”
Estas palavras soavam-lhe na mente ao abrir
os olhos. O dia mal clareava, ele se levantou sonolento. Após lavar o rosto,
andou até a sala, sentando-se no sofá; uma sensação de irrealidade o
acompanhava e decidiu sair. Ao abrir a porta, passando à varanda em direção ao
fundo, o ar fresco tocou-o, causando-lhe arrepios, mas nada mudara em si:
olhava o céu e pisava a umedecida grama, sem saber exatamente por que fazia
isto.
Neste momento, a
coloração dos raios solares tingia o espaço ao qual mirava; as formas de luzes
conformavam uma espécie de leque. Com o olhar um tanto perdido no vazio,
tentava fixar-se naquela aparência: mal conseguia, estava ébrio, e palavras
novamente vieram-lhe:
“Veja como o arco deste leque aparenta ser efêmero. Mas ele vive
momentos reais, embora breves e derradeiros. Nasce para
logo morrer e se você não o observar neste instante não
mais o verá. Eis como se definem os momentos de glória de um iniciado. O sol é
perene, o leque é passageiro; conheça-o antes dele morrer, e quando ele morrer
viva-o mil vezes dentro de você. Somente assim ele terá vida eterna. O sol
amanhã esplendecerá novamente, como sempre, porém o leque de seus efeitos será
outro e para outros!"
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-Sorman, que bom revê-lo!
Lucéa sabia do indescritível fascínio de seu
sorriso. Vestia longo e leve tecido estampado de minúsculas flores; tinha os
cabelos soltos tocando os ombros; sua figura realçava-se justamente por esta
simplicidade. Estava encantadora.
- Irmão Sorman, que prazer!
Sorman, à porta, voltou o rosto para o lado
da varanda em cujo ângulo surgia Bruno, trazendo às mãos jornal entreaberto,
olhando-o por cima dos pequenos óculos sem aros. Sorrindo, largou o jornal,
estreitando-o num forte abraço. Diante dessa recepção, o jovem, tímido, não
sabia o que dizer; tateava as palavras, olhando ora para a moça ora para seu
pai.
- Tudo bem com vocês? Como vão todos?
- Bem – respondeu Lucéa com meio sorriso – já
estávamos achando que nos esquecera.
-
Imagine - disse ainda tímido.
- Vamos entrar! - falou de súbito Bruno com
voz grave, mas bem modulada, enquanto retirava os óculos de sobre o nariz,
enfiava-os no bolso da camisa, e jogava um braço suavemente aos ombros de
Sorman, pisando a soleira da porta, após Lucéa ter-se afastado. Nem bem haviam
se sentado nas poltronas de centro, surge na sala Lucen, dirigindo ao visitante
palavras semelhantes de há pouco, ditas por sua irmã. Levantando-se ele a
cumprimentou, beijando-a nas faces. Bruno não se tomou de delongas, logo
começando enfaticamente, como lhe era peculiar:
- Sorman, caro irmão, está chegando a hora de
aprofundar-se em nossa organização. Diria melhor: assumir o seu posto!
- Como assim? - indagou surpreso.
- Suas
faculdades psíquicas já lhe mostraram que acima da vida terrena de nossa
organização existe um mundo interligado com aquilo que aqui realizamos, ou
pretendemos ainda mais realizar, não é assim? – Sorman, curioso, acenou afirmativamente.
Bruno prosseguiu – muitas coisas que você experimentou nas dimensões superiores
permanecem apagadas em sua memória terrena. Porém, dependendo de sua trajetória
na irmandade, esses registros aos poucos poderão ser acordados. Então, imagens
inteiras, em sequências, se mostrarão na tela de sua mente física, ativando-lhe
o mecanismo da memória consciente.
A finalidade principal delas chegarem à essa
percepção, será de que melhor aproveite os ensinamentos em função do que
estiver realizando nos inevitáveis confrontos com o mundo, quando os mais
diversos choques de forças redundarão sempre em novas lutas. Mas não serão,
evidentemente, as mesmas situações já acontecidas até aqui. Principalmente por que,
ao nível evolutivo em que nos encontramos nesse momento cíclico planetário e do
próprio sistema solar, a vida aqui embaixo para nossos egos é mais rica em oposições. A todo o
momento nossas estruturas ego-alma se veem provadas. A vontade e a determinação
de cada um já devem estar muito bem alicerçadas, do contrário o edifício ruirá:
não há como escapar disto. Paralelamente, as obras realizadas na Terra
precisarão crescer a fim de proporcionar ao semeador a boa e abundante
colheita, justificando em si as verdades contidas em sua própria mente. É
necessário pôr em movimento as forças descendentes, condensá-las, apropriá-las
e distribuí-las.
Nesse caminho, no curso dessas orientações, o
obreiro terá os seus experimentos, dando o seu toque pessoal, fazendo-se às
vezes artesão para retirar a canga e lapidar a forma densa. Conquanto no labor,
atestará que as forças não sublimáveis – das asas do sentido inverso, que antes
mesmo dos primórdios da criação de nossa humanidade já se organizavam em
permanente redemoinho, tragando o que nelas se precipitava, lançando tudo nas
profundidades de sua larga e negra dimensão – são forças muitas vezes chamadas
satânicas.
Em
realidade, nada mais são senão um ponto referencial do cosmos na sua polaridade
negativa, onde o Criador teve de ancorar-se para Sua explosão criativa e não
mais além. Essa imensa faixa negra envolvendo o círculo da grande e permeável
capa de todas as coisas criadas, como o exemplo de nosso sistema solar, resiste
à pressão para fora criando campos de forças e esferas chamadas planetas, ali
sedimentando base operativa, fazendo surgir condições ambíguas.
Em outras
palavras: as mesmas leis permeantes da grande expansão do universo, que
provocam o aparecimento de abismos monumentais e campos de forças de altíssimas
e inimagináveis voltagens, podendo dizimar qualquer matéria condensada ou mesmo
vir a destruir tudo o que anteriormente fora construído, se materializam parcialmente
em torno de um campo magnético de energia condensada na forma de planeta e ali
permanecem atuando. Essas forças satânicas das religiões, por atração simples e
pura, abrangem unidades afins, as personalizam segundo o próprio alento ou Fiat
Criador – mas inversamente à Sua Imagem – expandem-se e se propagam. Dessa
maneira, por meio da afinidade direta embora inversa, surgem os espíritos
naturais revestidos de inteligências na polaridade negativa.
- Pelo que você me diz, concluo que terei de me defrontar, sempre, com o
Grande Negativo? - inferiu Sorman, aproveitando-se da pausa feita por
Bruno.
- O Grande Negativo! –
repetiu seu anfitrião, exalando ar como a suspirar – na verdade, todas as
coisas deste mundo estão voltadas para ele, tendo em si metade de sua essência.
O enigma está em como detê-lo na sua integral ação, mantendo-o à distância, e
ainda assim conservar o equilíbrio das polaridades. A esse equilíbrio, o
reverendíssimo Buda se referia como ao trilhar mentalmente o “caminho do meio”.
Entretanto, a cada um o seu destino, a sua missão. Se pouco ou nada exigirmos
de nossos opositores, teremos certa tranquilidade na caminhada e essa será
relativamente improdutiva e mais longa. Não obstante, se os aborrecermos com
incursões aos seus domínios, e ainda ajudarmos a libertar de seu jugo
escravizadas mentes, então despertaremos sua perene ira e eles decretarão
contra nós incansável guerra, sem tréguas, que somente terminará quando nos
jogar por terra, se assim conseguirem. Mas convenhamos, na maioria das vezes
eles vencem. Por isso, o procedente alerta do iluminado pregador: “cingi vossos
rins com a verdade!”, por que perenemente ali, nesses sensíveis centros, em
torno dos quais se enfeixam plexos condutores de energias de ambas as
polaridades, eles nos golpearão.
As palavras daquele inteligente homem eram
verdadeiras, Sorman olhava o negro rosto com atenção; ele continuou:
- Muitos tentam tomadas de posição investindo
contra os poderes luciféricos. Mas não tendo arregimentado suficiente força de
imprescindível qualidade, invariavelmente veem-se arrastados por “suas”
artimanhas nas lutas contra os apegos e ilusões do mundo. É necessário saber-se como lutar contra esses
ferrenhos adversários, quais armas brandir, como escudar-se. Muitas seitas imaginam
vencer batalhas, entretanto, o que se comprova, em realidade, é justamente
estar sedimentando cada vez mais elementos negativos, assim fortalecendo-os. A
mente é díspar, dual; é vida e morte. Alguém pode decretar-lhe a morte
espiritual, mas, em contrapartida, nela viver realizando obras para o mundo,
ainda que infrutíferas e áridas para o espírito. E o negativo estará se
deleitando com estes enganos: ele mesmo induz mentes para isto realizar! É
preciso, pois, saber discernir a mente terrena como instrumento de vida
condicionante ou como forma de vida redentora. É espírito x matéria, positivo x
negativo. Mesmo grandes filósofos, segundo o mundo, ou homens dotados de
conhecimentos mágicos, poderão estar inflexivelmente dominados pela ilusão,
pensando realizar obras de libertação
O
deleite do conhecimento por loquazes retóricos, ou o encantamento de espíritos
elementais por magistas e magos, exemplificando, os estarão induzindo para mais
próximo de serem manietados e aprisionados do que libertos. E por quê? Volto,
pois, a Buda, e da necessidade de se libertar dos apegos, quaisquer que sejam.
Acaso todo o teórico intelectualmente preparado, terá humildade diante daquilo
que ensina? Viverá os ensinamentos em si com a mesma determinação que utiliza
para esquadrinhar os parágrafos das obras pesquisadas, a fim de estar se
equipando com argumentos com que esgrimirá elegantemente em seus filosóficos
debates? E desprezará intimamente as homenagens feitas à sua personalidade por
admiradores ou seguidores? Diga alguém a um homem desses que aquilo por ele
ensinado não tem valor algum, e por sua imediata reação, ou mesmo através do
seu silêncio, saber-se-á de sua ira ou benevolência, de sua compreensão ou autoestima,
a menos que esconda as reações por algum código ético.
Por outro lado, o praticante de artes
mágicas, profundo conhecedor de rituais ou causador de fenômenos de
encantamentos naturais – a par de saber também manipular com as diversas
tendências da magia – será, este, senhor
e dono de seus atos? Saberá, exatamente, a consequência do que realiza? Terá
aprendido a desapegar-se, a viver perfeitamente alheio aos resultados de seu
trabalho, sem orgulho? Muitos trazem suas contexturas espirituais amplamente
mergulhadas em átomos saturados da energia elemental. Estruturalmente respondem
a todo instante aos estímulos das paixões astrais. Envolvidos estão por
correntes diversas de teor mágico, vivendo e respirando minuto a minuto do que
construíram ou atraíram para suas personalidades.
Porém, quem consegue difíceis vitórias sobre
si próprio é o grande vencedor – de novo cito outra máxima do venerável Buda –
por que o vencedor a quem Ele se referiu, este, na realidade, foi quem viveu,
deslindou e venceu aos enigmas da verdadeira vida. Mas essas vitórias arrancam
lágrimas, às vezes sangue de seu postulante. Há ocasiões em que um sábio das
ciências ocultas precisa vir ao mundo despojado de sua sabedoria, adaptando-se
a humildes situações a fim de trabalhar uma única qualidade o tempo todo, até
detê-la e dominá-la perfeitamente. É desalentador, alguns acharão, por que após
tantos séculos adquirindo maestria naquelas ciências, não poderá uma alma, numa
determinada vida, ou noutras vidas mais, dispor delas. Porém, este fato não é
visto assim negativamente pelo espírito, ao contrário, sendo sempre para si
alentador. É a senda da libertação, a partir desse ponto, nesse hipotético
caso, começando ou continuando a ser trilhada. E o homem não deve ter
perturbada sua atenção ao objetivo. Pois uma vida decorrente na Terra por algumas
dezenas de anos, sob os olhos do espírito, representa somente uma página a mais
do seu Livro do Destino.
Eis porque, caro irmão, não podemos aceitar
em nossa organização qualquer pessoa. Mesmo aos irmãos já iniciados no passado
é necessário submetê-los a muitos testes. Os mais determinados galgam
rapidamente postos: assumem novas posições. O mundo tem inúmeras seduções e
pode um irmão graduado não se ter ainda moldado completamente ao sofrimento ou
não haver desprezado nesta vida, tanto quanto necessário, aos apelos da ilusão.
Assim não poderá ocupar ainda cargo de maior responsabilidade.
-
Quantos contam atualmente aqui na organização? - atalhou Sorman.
- Duzentos e noventa e nove, exatamente.
- É todo o corpo!? - exclamou interrogativamente com visível
decepção.
- Evidentemente, não. Contamos muitos
milhares, ou seja, um milhão, trezentos e sessenta irmãos viventes nos dois
planos de vida planetária. Fisicamente, sobre a Terra, somos quinhentos e
cinquenta e oito mil!
- Oh, são muitos! - exclamou desta vez com
real surpresa. Bruno sorriu, continuando:
- Destes, duzentos e noventa e nove mil
novecentos e noventa e nove – cifra esta curiosa pelo último levantamento –
trabalham conscientes de pertencer à Fraternidade Irmãos Atlantes, estando
espalhados em vários continentes do planeta. Alguns são adeptos de religiões ou
seitas; a par disto, reúnem-se periodicamente em pequenos núcleos ou templos,
nos seus respectivos países, em locais a salvo de especulações fanáticas. Ali
prestam contas dos serviços recebendo novas ordens ou tarefas, ou participam de
rituais. Os duzentos e cinquenta e oito mil e um restantes estão pelo mundo,
vivendo inconscientes de pertencer a esta grande irmandade. São, porém,
vigiados de perto, segundo a importância de seus cargos entre os homens. Alguns
desempenham papéis políticos nos seus países, tendo destaque no cenário
internacional. Os irmãos cujas consciências acham-se nos planos superiores,
desligadas, portanto, das injunções do mundo físico, contam, pois, oitocentos e
dois mil, e por lá trabalham intensamente.
- Pelo visto poderei ser de número trezentos
neste núcleo? - observou Sorman sorrindo.
- Mais do que isto. Esse fato traduz uma
dupla acepção no fator matemático da organização; é na verdade cifra premonitória.
De acordo com nossas revelações, um grande iniciado assumiria posição
estratégica na irmandade, cujo número viria repercutir pelos quatro cantos do
mundo: esse número é exatamente trezentos! - informou Bruno com a mesma
característica ênfase, olhando-o nos olhos.
- Trezentos aqui, trezentos mil no planeta -
confirmou Sorman, desta vez olhando Lucéa sentada à sua direita, calada e
atenta, tanto quanto a irmã ao seu lado.
- É verdade, Sorman - retomou Bruno. Sorman levantou ligeiramente o
olhar para a esquerda, pousando-o novamente no rosto negro.
- Eis por que estou aqui a exortá-lo a conhecer melhor nossa
organização e assumir desde logo importante posto, deixando de ser um a
mais dos irmãos inconscientes de suas ligações com a irmandade.
- Estarei realmente preparado? - havia
evidente hesitação nestas palavras.
- Você já provou ao que veio. Suas
extraordinárias passagens pelos planos foram por demais concludentes a todos
nós. Já nos deixou confiantes da capacidade e lealdade ao espírito. Resta tão
somente começar a agir, apropriar-se do conhecimento estratégico da irmandade,
dominá-lo e realizar. Sem medo de errar posso afirmar que sua presença aqui,
traz o início de nova fase na vida terrena e espiritual da irmandade.
Sorman olhou para o assoalho visivelmente
embaraçado; eram muitos os elogios que sinceramente os julgava imerecidos.
Pretendeu avaliar a responsabilidade. Pensava em como dividir o tempo e
conciliar o trabalho na empresa com a desconhecida atividade proposta nesta organização.
Bruno percebendo a dimensão desta luta retomou:
- Não creia, irmão Sorman, que seus
interesses materiais estarão permanentemente relegados a plano secundário. Em
ocasiões, sim. Mas logo adiante verá que aquilo subordinado aos interesses
prioritários da irmandade não sofrerá dano algum no seu andamento, nem qualquer
prejuízo. Ao contrário, após a atenção dispensada à organização, os negócios
fluirão melhor, mais insuflados. Até mesmo os problemas pessoais ou familiares
tomarão inesperados e mais favoráveis rumos!
Sorman sorriu aliviado. Era mais do que esperava ouvir. Seu rosto
denotava agora ar confiante.
- Não há mais nada a pensar face as suas
últimas palavras, Bruno. Pelo que sinto intimamente por sua pessoa, aceito
integrar a irmandade como proposto. Serei o número trezentos, também o
trezentos mil!
- Bravos! - Bruno riu largamente, mostrando
os alvíssimos e fortes dentes; levantou-se e estendeu-lhe a mão. Sorman pôs-se
imediatamente de pé recebendo o cumprimento. Lucéa, em seguida, abraçou-o
fortemente, colando seu corpo contra o dele, beijando-o nas faces, o mesmo
fazendo Lucen. Sorman ficou feliz!
0 0 0
- Onde vamos? - inquiriu o jovem.
- À
Casa Rosa - respondeu Bruno, enquanto subia no jipe estacionado junto a casa,
na via de paralelepípedos.
A conversa, de mais de uma hora, fora algo
fantástico. Sorman sentia-se um tanto irreal, parecia não pisar verdadeiramente
o chão, entretanto, não digerira ainda as informações passadas por Bruno.
Decorridos os momentos alegres, de certa maneira emotivos, começava agora ter
breves reflexões acerca da responsabilidade assumida. Daqui para adiante, sem dúvida,
sua vida seria outra, mas isto não significaria perder a liberdade e o
livre-arbítrio que tanto prezava, do qual jamais antes abrira mão? Esta possibilidade vinha causar-lhe pequena
tensão, não desejando admitir o imperativo. Ademais, faria solene juramento de
lealdade e serviço, dissera Bruno nos efusivos momentos logo após os
cumprimentos. Esse fato vinha trazer-lhe também outro tipo de preocupação;
talvez implicasse em jamais poder se desligar da irmandade, se dela resolvesse
sair. Lembrava não ter conseguido ficar no ashram por mais de três anos; algo
trabalhara seu íntimo e não desejava nesta fraternidade ter crises
semelhantes. Mas se não gostasse?
Enquanto o jipe fazia o
trajeto, Bruno falava superficialmente de alguns planos que desejava concretizar
na organização. Esses planos, não só abrangeriam o país como também o mundo.
Sorman ouvia tudo silenciosamente, preferindo nada comentar enquanto não
houvesse desanuviado as sombras que pairavam sobre seus pensamentos e não
conhecesse alguma coisa concreta da organização. Na realidade, detinha agora muitas dúvidas.
Em determinado instante
do percurso, veio-lhes ao encontro Deucalião, correndo e latindo. O belo cão
parou adiante do jipe, obrigando Bruno a frear. Tão logo freou, Deucalião pulou
para trás do veículo, agitadamente, pousando as patas nos ombros do dono,
lambendo-lhe a cabeça.
- Eia,
está bem, Deucalião, sossegue! - Bruno ria enquanto ralhava; o cão o soltou
procurando aninhar-se no banco.
Em chegando à Casa Rosa adentraram. Bruno
abriu as janelas e se encaminharam para a biblioteca. Uma vez lá, Bruno entrou
em pequena sala contígua, cuja porta aberta tinha cortinas estampadas, logo
voltando com alguns compridos rolos de papel, depositando-os sobre o grosso
vidro da bela mesa. Sorman aproximou-se curioso; Bruno começou a desenrolar um
deles.
- O que
você aqui vê é o organograma da organização no mundo, ou seja, em quais países temos
representantes. Observe. No centro está nosso país, representado neste
retângulo por uma serpente naja branca. Os números existentes na primeira linha
de cada uma destas casas, sob os nomes dos países, referem-se aos irmãos
iniciados em atividade.
Em segunda referência, em parêntesis, estão cifras
identificando irmãos inconscientes da existência da irmandade, porém vigiados
nas suas atividades.
Sorman observava o documento com todo o
cuidado enquanto Bruno abria outro, imenso.
- Este enorme organograma dá os nomes de cada
um dos irmãos a quem foi delegado poderes representativos na organização em todo
o mundo. São os chamados Mestres Terra. Sob seus comandos, centenas de
trabalhadores movimentam a organização dia e noite. É fácil notar que em seus
países os Mestres Terra têm sob suas responsabilidades outros mestres menores.
Há dentre os últimos, e nos seus respectivos escalões, autoridades
governamentais, científicas e religiosas de diversas denominações.
- E eles todos se conhecem?
- Há reuniões locais, regionais, continentais
e mundiais. As ordinárias locais e regionais, de maneira geral, são organizadas
nos diversos e respectivos núcleos pelos mestres menores, ordenanças ou
auxiliares diretos destes. As convocações de reuniões extraordinárias, de
âmbito internacional, de escalões de mestres, são feitas do alto comando,
diretamente por mim. Há uma combinação de códigos estabelecidos entre os
delegados identificando locais, datas, horários e assuntos a tratar, passando
de uns para outros dos participantes, a fim de que as devidas providências
sejam tomadas nas urgências requeridas.
Sorman desviou os olhos do documento mirando
Bruno com admiração. Este fingiu nada perceber, pondo de lado aquele documento,
tomando o terceiro e último deles.
- Este é o principal organograma geral da
organização. Nele você tem a visão global da hierarquia da irmandade
respeitante aos cargos e suas abrangências.
Sorman então o examinou admirando-se. Esse
último documento estabelecia um comando principal sob a denominação de Irmão
Supremo. Assessorando-o havia dois cargos ocupados por um Primeiro Ministro e
um Segundo Ministro. Em comunicação direta com o comando principal, mas
subordinado a esse, havia um Superior Mestre Terra, comandando oito
departamentos, ocupados respectivamente por oito Mestres Terra, ou seja,
Primeiro Mestre Terra, Segundo Mestre Terra, Terceiro Mestre Terra, etc. Cada um
desses Mestres Terra cuidava de países nos diversos continentes, distribuídos
sob administração de seus respectivos departamentos. O primeiro desses
departamentos, o do Primeiro Mestre Terra, por exemplo, sob as ordens do Primeiro
Mestre Menor do Primeiro Mestre Terra, cuidaria de país ou países que estavam
sob a supervisão de diversos ordenanças, tais como: l. Primeiro Ordenança do
Primeiro Mestre Menor do Primeiro Mestre Terra. 2. Segundo Ordenança do
Primeiro Mestre Menor do Primeiro Mestre Terra. 3. Terceiro Ordenança do
Primeiro Mestre Menor do Primeiro Mestre, etc, realizando, esses ordenanças,
funções as mais diversas, tendo tantos auxiliares quantos fossem necessários.
O segundo departamento do Primeiro Mestre
Terra era ocupado por um Segundo Mestre Menor do Primeiro Mestre Terra,
cuidando de país ou países sob a supervisão dos vários ordenanças chamados: 1.
Primeiro Ordenança do Segundo Mestre Menor do Primeiro Mestre Terra. 2. Segundo Ordenança do Segundo Mestre Menor
do Primeiro Mestre Terra. 3. Terceiro Ordenança do Segundo Mestre Menor do
Primeiro Mestre Terra, etc., realizando, esses ordenanças, funções as mais
diversas, tendo tantos auxiliares quantos fossem necessários. E assim se seguia
até o último departamento do Primeiro Mestre Terra.
Em linha com o Primeiro Mestre Terra,
estava o Segundo Mestre Terra, com idênticas atribuições, tendo também sob suas
ordens departamentos. O primeiro desses departamentos era ocupado pelo Primeiro
Mestre Menor do Segundo Mestre Terra, cuidando de país ou países supervisionados
pelos ordenanças: 1.Primeiro Ordenança do Primeiro Mestre Menor do Segundo
Mestre Terra. 2.Segundo Ordenança do Primeiro Mestre Menor do Segundo Mestre
Terra. 3.Terceiro Ordenança do Primeiro Mestre Menor do Segundo Mestre Terra
etc., realizando, esses ordenanças, funções as mais diversas, tendo tantos
auxiliares quantos fossem necessários. O segundo desses departamentos era
ocupado pelo Segundo Mestre Menor do Segundo Mestre Terra, cuidando de países
supervisionados por ordenanças: 1.Primeiro Ordenança do Segundo Mestre Menor do
Segundo Mestre Terra. 2.Segundo Ordenança do Segundo Mestre Menor do Segundo
Mestre Terra. 3. Terceiro Ordenança do Segundo Mestre Menor do Segundo Mestre
Terra, etc., realizando, esses ordenanças, funções as mais diversas, tendo
tantos auxiliares quantos fossem necessários. E assim se seguiam as funções
dentro desse organograma amplo da hierarquia Irmãos Atlantes.
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No
trajeto de retorno Sorman permanecia taciturno. Ainda refletia acerca dos
acontecimentos dessa manhã. Tal era o seu estado mental que somente foi se
aperceber do mundo exterior quando Bruno estacionou o jipe à margem da estrada,
sobre área gramada limítrofe à cerrada vegetação. Apearam. Deucalião pulou
atravessando a folhagem miúda de uma trepadeira espalhada como cortina. Dentro da
mata latiu, provocou o ruído de galhos e espantou os pássaros.
Sorman, pela primeira vez, reparou na presença do Sol e na resposta da
natureza. O chão, por onde vinham cursando, pareceu-lhe mais vivo sob a luz
clara; notava nele qualquer coisa como um movimento respiratório – sutil, mas
perceptível. O ar era fino, embora proporcionasse uma sensação de vigor e um
frescor se transmitisse pela atmosfera. As folhas de todas as plantas, e as
próprias plantas, também oscilavam cheias de vida. Algo passou diante de seus
olhos como um corisco, deixando-lhe na retina uma imagem branca, indefinida:
ele teve ligeiro estremecimento. Em seguida, aconteceu novamente e uma terceira
vez. Ele procurou acompanhar a direção daquilo; tentou seguir o seu rastro, mas
deu em nada; esbarrou o olhar nos galhos de uma árvore, ali ficando. O chão
começara a tremer – ou o seu corpo tremia – não sabia ao certo, e olhou na
direção de Bruno como a tentar questioná-lo.
-
Estamos nas proximidades de um local importante, sob o ângulo de polaridades de
forças planetárias e cósmicas – começou Bruno tranquilamente, ignorando a
possível aflição de Sorman – aqui já é possível perceber reflexos de energias
etéreo-físicas projetando-se num ponto focal não visto deste lado. Cortando a
mata por aquele caminho – ele apontou para adiante, onde estreita trilha
iniciava – iremos chegar ao pé de pequena montanha, cuja aparência é comum.
Todavia, no seu interior, sob a terra, há minerais que reagem e vibram ao serem
atravessados pelos raios enfeixados e que penetram para a profundidade,
atraídos para o centro do planeta. Dessa reação, espraiam fragmentos da energia
em derredor, ocasionando o surgimento de um campo de forças. Outros raios
partem o tempo todo do interior do planeta para o cosmos. A dimensão e os
efeitos deste campo de força têm, respectivamente, um determinado comprimento e
qualidade no mundo físico. Nos impactos sobre as formas da natureza do plano
etérico, os efeitos apresentam outra qualidade de um teor comumente não
imaginado.
- Então devido a isso tive a sensação de um abalo ao observar certo movimento rítmico na
natureza, a par de ver formas passarem diante de meus olhos com incrível
velocidade! - Sorman concluía isto com certo alívio.
-
Exatamente. Nada absolutamente enigmático ou misterioso para o iniciado. Claro
que a natureza terrena pulsa em consonância com a vida universal. Claro também
que a existência destes raios, chamados cósmicos, afetam a natureza astral e
mental. Mas aqui, esta pluralidade de efeitos é praticamente secundária. A
polarização destes raios é basicamente física, provavelmente pela
característica dos seus emissores num determinado período vibratório, para nós
compreendendo alguns milhares de anos. Outros fenômenos físicos acontecem nas
imediações da montanha, pela refração deste pequeno delta de raios. Gostaria de
incursionar na mata e sentir um pouco mais a aura deste fenômeno?
-
Naturalmente, estou curioso!
À medida que a penetravam Sorman acusava
diversas formas da energia a percorrer o seu corpo, mas não se abalava. O
envolvente mundo verde parecia senti-las mais, produzindo maior resposta,
expressando grande vigor. À base da montanha Sorman obteve outra diferente
sensação: uma corrente mais forte subiu-lhe dos pés à cabeça, e ele, por
segundos, sentiu fugir-lhe a plenitude da consciência terrena. Começou então a
ver iridescentes raios, vivos e cintilantes, que se projetavam do alto para o
interior da montanha, descendo incessantemente numa continuada projeção. Em
contrapartida, viu múltiplos raios brotando da montanha, repartindo-se em refrações. Saiam
através das paredes, produzindo oscilações e camadas com diversos comprimentos
de ondas, a irradiar sempre.
- A
energia por aqui é realmente extraordinária. A voz de Bruno causou-lhe um
estremecimento, fazendo-o voltar à consciência física. Deu então três passos,
arcou-se e tomou uma pedra arredondada, semelhante a um pequeno disco,
segurando-a com certa dificuldade. A pedra cabia-lhe numa das mãos; ele a
limpou e a esfregou.
- Vou
levá-la, está bastante energizada. Reiniciaram os passos interiorizando-se um
pouco mais pela mata, chegando à margem de um riacho. Bruno apontou para pequenas cachoeiras
formadas por patamares de pedras, próximo dali.
- Aqui é um lugar especial para elas - disse
Bruno com naturalidade.
- Quem?
- Olhe para qualquer das quedas e se
concentre suavemente. Sorman fez o indicado, relaxando os músculos dos olhos,
vendo imediatamente formas a deslizar sobre as águas. Eram ninfas de diversos
matizes que dançavam. Viu também a aura da montanha e mais além um interessante
reservatório de energia, constituído por outra aura colorida subindo das águas em
concha aberta, tocando as bordas da mata.
- Que beleza! - admirou-se.
0 0 0
As irmãs insistiram em que ele ficasse
para o almoço, o que foi reforçado por Bruno.
Não tendo como se negar, deu-se por vencido.
- Você é comprometido? - Lucéa diante dele o
pegou de guarda baixa.
- Na verdade não encontrei ainda a
companheira - disfarçou, enquanto trazia o cálice de vinho aos lábios.
- Posso
insistir no assunto? – a moça indagou com acentuada delicadeza. Os grandes e
negros olhos de Sorman varreram o moreno rosto e súbita imagem voltou-lhe à
percepção, revendo-a à mesa do restaurante, a dirigir-lhe palavras
premonitórias. A imagem sumiu; ele buscou perceber-lhe a mesma estranha
expressão daquele noite. Porém, nada acusou de especial, exceto jovial sorriso.
- Naturalmente - esboçou, por sua vez, medido
sorriso.
- Quem é a moça alta e clara? Sorman surpreendeu-se.
- Você a conhece? - insistiu com o sorriso.
- Eu a
vejo ao seu lado.
- Não
existe mais nada entre nós há alguns anos. Ela já tem um filho com outro homem.
- Creio que você está enganado – ela agora
sorria enigmaticamente.
- Creio que não – assegurou-lhe, lembrando-se
do desagradável diálogo com a mãe de Anita na tarde anterior.
Ao término do almoço Bruno conduziu-o à
varanda, sentando-se ambos em cadeiras de treliça. As irmãs, neste momento,
tiravam à mesa e lavavam a louça.
- Foi um almoço agradável - disse a Bruno
que se espreguiçava.
- Você é nosso convidado permanente. É só
dizer: vim para almoçar! - ele riu descontraidamente.
- Obrigado. Espero poder um dia retribuir
toda esta gentileza.
- Ora, não se preocupe. A propósito, o
encontro de amanhã na Casa Rosa será ao meio dia. Seria bom chegarmos com
antecedência para eu apresentá-lo a todos os participantes. As coisas parecem
coincidir, pois amanhã é dia de ritual e estará tudo pronto!
- Sim, está bem - assentiu maquinalmente, sem
atentar na importância e aparente precipitação dos acontecimentos,
recolhendo-se em
reflexões. Na realidade, permanecia nele a incerteza. Não demorou, as irmãs se reintegraram à
conversa.
Mais tarde, Lucéa o levava ao portão,
tomando-lhe a mão e acariciando-lhe os cabelos. Ela voltava a transformar-se.
Os olhos da moça lançavam centelhas; a fisionomia deixava transparecer outro
ar, não tão jovial, porém não menos belo.
- Você
foi firme e decidido nas provas. Recorda do que juntos passamos?
Ele perscrutou-lhe o olhar. Queria
lembrar-se, porém algo bloqueava-lhe a memória. Entretanto, um rumor vibrou-lhe
das profundezas da alma e um longínquo desejo produziu-lhe pequeno tremor. Ele
apertou a mão da moça assim permanecendo por segundos, fechando os olhos.
Surpreendia-se com a atitude de Lucéa e com esta forma de desejo. Nessa
sucessão de pensamentos e reações, conseguiu responder um “não!”, abrindo
imediatamente os olhos.
- Não tem importância - ela desviou o olhar
rompendo o encanto - irá lembrar-se um dia. Em seguida, ficou nas pontas dos
pés e ele arcou-se. Então beijou-lhe as faces soltando-lhe a mão - até amanhã! - sorriu largamente.
CAPÍTULO II
A
CERIMÔNIA
Ao acordar domingo imagens povoavam-lhe a
mente: sonhara ou viajara? Estava, não obstante, leve. Ideias começaram a
fluir, curiosamente todas ligadas à irmandade. As imagens desapareceram; as
ideias ganharam especial consistência. Ele se levantou, estava acalorado, indo
se enfiar sob o chuveiro. Barbeou-se, escovou os dentes e veio para o desjejum.
Tomava-o um tipo de fortaleza; nada oscilava em seu ser, mas as ideias não o
deixavam e uma certeza o envolvia. Um pensamento veio cortejá-lo; ele era a
pessoa certa - a irmandade necessitava de sua inteligência e talento; por que
então recusá-la? Estranhamente não conseguia reprovar-se.
Chovera pela madrugada, porém as nuvens nesse
momento começavam a abrir-se. Luz e sombra disputavam os espaços palmo a palmo,
provocando nuances claro-escuro, minuto a minuto. Já era possível ver o azul do
céu; os raios solares procuravam firmar-se sobre os montes, pela terra, por
todas as coisas. O Sol finalmente irrompeu. As sombras deslizaram com enorme
rapidez e desapareceram. As cigarras irromperam também, vibrando como pequenas
serras que devassam cernes na dura madeira. Quase em seguida, nova e espessa
nuvem veio obstruir. De novo luz e sombra disputaram a terra. As cigarras
silenciaram.
`A mesa, ao repasto, Sorman olhava através da
janela totalmente aberta. O parcial panorama serviria para distender-lhe a
visão, provocando alargamento do córtex cerebral. Automaticamente levantava o
rosto e baixava-o, enquanto saboreava o café com leite e biscoitos. Submergia
num estado mental em meio a elucubrações, conseguindo, ao olhar a janela, notar
qualquer coisa a mais - o que fazia nebulosa e inconscientemente, acentuando de
leve outro rápido momento de observação - que era, justamente, aquela
contrastante dança quando sombras desciam ou o Sol ressurgia. Em realidade, não
via: estava atrelado às ideias e aos pensamentos; sentia-os como à própria pele
e isso ocupava-lhe o centro da atenção!
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O ar e o espaço pareciam outros. Os
movimentos de Sorman estavam, de certa maneira, mais fáceis; ao respirar não
era somente a combinação perfeita dos elementos atmosféricos: os gases nobres e
o prâna que lhe penetravam os pulmões. Era também outra coisa mais abrangente -
uma energia delicada, ao mesmo tempo consistente. Esta energia vinha
transcender os limites do corpo físico, liberar o ego dos domínios do
emocional, produzir ao próprio ego, por acréscimo, outro estado mental. Com o
que lhe era inefável, vinha-lhe, ademais, outra sensação a dizer-lhe em
linguagem imperfeita e pouco inteligível ainda à sensibilidade, que ele fora,
seria ou estaria sendo invisivelmente ungido. Uma expectativa, no entanto, em
si subsistia a roçar-lhe o intelecto, a desejar lançar-se no emocional. Ele não
conseguia ignorá-la, mas não poderia, em hipótese alguma, deixá-la ocupar
desnecessariamente a atenção, causando rebaixamento de seu padrão vibratório,
agora em elevada exaltação!
Poderosa aura de energia e força ultrapassava
os limites físicos da Casa Rosa. Em derredor, a natureza regozijava-se com a
vida ali ancorada. Tudo transpirava reverência e respeito; isso percorria de
uma forma à outra, de um para outro reino e pelo ar. Esta vida áurica milenar,
não seria de maneira alguma energia concentrada de natureza estática no tempo;
que tivesse atravessado as idades e as eras cristalizando tradições. Pelo
contrário, embora as tradições ali estivessem intrinsecamente estabelecidas, a
energia dimanada inspirava fluente pensamento progressista, irreverência ao
tempo percorrido, liberdade e renovação!
O Sol brilhava naquela hora. Sorman apeou do
jipe aguardando por Bruno. Nesses breves instantes, ele volveu os olhos para a
Casa Rosa. A par de tudo, via-a maior, mais ampla; grande majestade a permeava,
e pela primeira vez nesses últimos tempos se sentiu apequenar. Aquela
fantástica autossuficiência com que hoje acordara e que o conduzira até aqui,
repentinamente cedera, abandonando-o. Mas não teve tempo para avaliar ou
conjeturar sobre a nova situação: como se houvesse perdido o controle dos
próprios atos, incontida e irresistivelmente viu-se lançar-se ao solo, caindo
de joelhos. Genuflexo, assim permaneceu, ereto da cintura para cima, apoiado
sobre as pernas com mãos suavemente pousadas sobre as coxas. O rosto adquiria
expressão de ausência; os olhos passaram a emitir brilho de transe e
percebeu-se no passado, estirado ao chão, a reverenciar ao Venerável. Sentia
nesse momento - onde aqui estava - o mesmo que sentira naquele passado tempo;
vertia lágrimas que lhe umedeciam a face, como naquele dia lágrimas ele
vertera, e vozes de novo ecoavam em coro: “ Buda! Buda!”
Passado instante se levantou, lançando olhar
em derredor, tentando entender onde exatamente se encontrava, e examinou as
vestes. Nada mudara exteriormente, mas o seu íntimo, sim. Nobre sentimento de
humildade e respeito viera habitar em si: sentia-se ainda menor, tão pequeno
como um grão de areia numa vasta praia, diante de imensas vagas a bramir. Olhou
novamente para a Casa Rosa..., e acovardou-se. Outra cena então lhe perpassou a
consciência, vendo-se ante o temível espectro do Guardião Negro do Umbral, e
tremeu. Rindo, o Guardião repetiu as palavras antes já ouvidas: “Sou aquele que esteve sempre à sombra dos
mistérios do passado, desde o mais remoto. Destruí sempre, sorri dos falsos,
prevariquei da sabedoria. Templo algum foi construído para sua própria glória,
sem que eu ali não estivesse. Fui, sou e serei a porta pela qual os após
libertos foram obrigados a cruzar!”
Aquilo desapareceu; ele voltou a olhar a Casa
Rosa. Entretanto, cerrou os olhos em atitude de não mais desejar vê-la, e
viu-se diante da própria alma a mirá-lo silenciosamente, reconhecendo-a de
imediato. Após breve momento ela deslizou as mãos diante do peito, começando a
desenrolar um largo pergaminho, mostrando-lhe um texto cujo título era:
“Juramento do Iniciando.”
“Faça-o ou desista!” - a
alma disse-lhe imperativamente. Ele relutou, e mediante a vacilação a alma
desapareceu sob um manto de luz. O pergaminho, aberto, ficou suspenso no ar;
ele, abalado, sentiu-se sozinho e abandonado. Uma angústia que antes conhecera
invadiu-o, tomando-o novamente.
- Deus, ajude-me! - apelou. O apelo em nada
adiantou; a luz da alma decresceu; o pergaminho moveu-se começando a fechar-se:
o tempo escoava-se!
A solidão o envolvia. Nenhum sentimento é
comparável ao sentir-se só ou desprezado. Abatido, ele fechou os olhos e uma
cogitação trouxe-lhe uma revelação negativa: ele não era mais um ser humano
gregário, nem potencialmente um Deus! Nisso, num lampejo, tênue fio de luz
produziu-se em sua mente; ele conseguiu nele prender-se concentrando-se na
frágil forma. A luz cresceu, encorpou: ele cresceu intimamente com ela. O
percurso desse crescimento foi rápido e mensurado, logo estancando. Excitado,
ele abriu os olhos, vendo o pergaminho quase completamente fechar-se, e uma
rápida sequência de imagens a desdobrar-se ante sua percepção. Num relance lutava
com um crocodilo, tendo à mão uma tocha.
- Luz é Vida, Lux Est Supremus! Eu juro, eu
juro! - gritou.
O pergaminho começou então a abrir-se
novamente, movendo-se para mais perto de seu rosto. Ele passou a lê-lo; à
medida que o lia, a voz tornava-se mais forte, e ecoava. Em torno, o espaço se
abria, a luz se espalhava: ele se sentia fortalecer. Súbito, o pergaminho
desapareceu diante de seus olhos e reviu com surpresa a Casa Rosa. Ele pisava a
mesma grama, estava no mesmo lugar e a natureza inalteravelmente o rodeava. No
entanto, as palavras do juramento continuavam a fluir-lhe dos lábios: dizia-as
sem conseguir parar.
De novo, sem que tivesse qualquer
participação consciente ou inferido com a vontade, viu-se, como antes,
diante do pergaminho e da alma, até, finalmente, terminar de lê-lo. Notou, então,
pela primeira vez, muitos homens e mulheres magnificamente paramentados,
circundando-o detrás de um anel de larga e reverberante pedra branca polida.
Ele se encontrava mais abaixo, no exato centro do anel, e palmas eclodiram no
ambiente. Todos sorriam com aprovação; as fisionomias denotavam austeridade, os
paramentos revelavam autoridade. A alma também sorria.
“Vitória!” - a
alma afirmou e desapareceu.
Num piscar de olhos Sorman voltou a ficar
novamente diante da Casa Rosa; as palmas ainda ecoavam aos ouvidos. Mas com
tantas e quase simultâneas referências, ele, de imediato, não conseguia obter o
controle da mente na sua objetiva totalidade. Não pudera ainda, de uma só vez,
reunir os extraordinários fatos para
analisá-los. Achava-se um tanto atordoado e sob esse estado procurou reagir,
virando-se para Bruno ao seu lado, perguntando-lhe:
- Quem eram aqueles?
- Os Mestres!
Como permanecesse ainda sem atinar, Bruno o
socorreu, colocando-lhe a mão no ombro, dizendo:
- Irmão Sorman, poucas vezes na irmandade
alguém obteve tantas e consecutivas vitórias. Porém, o acontecido neste momento
e lugar, somente você poderá avaliar. Conseguiria fazê-lo?
Sorman reagira. A energia de Bruno atraíra-lhe
a mente para a objetividade; ele já conseguia raciocinar, habilitando-se a
incursionar no próprio pensamento.
- A cada tempo novas surpresas - ele riu sem
mesmo saber por que - sempre que venho a
esta região, acabo descobrindo outros valores. Pareço estar em constante cheque
por aqui, sob a cuidadosa mira de muitas mentes. Os acontecimentos, em suas
decorrências, por si só seriam fascinantes, mas sendo eu coparticipe de todos,
se tornam mais extraordinários ainda, até inverossímeis em certo julgamento. O
que teria acontecido e minha avaliação sobre tudo, você pergunta-me - seus
olhos transmitiram excedente brilho; ele foi se aprumando suavemente da postura
um pouco relaxada, até ficar completamente empertigado. Um ar dogmático tomou-o
quando desviou o rosto para a Casa Rosa; algo misterioso passou-se em si. Logo assumiu outro ar
de interessante nobreza, evidenciado mais ainda nos gestos a seguir realizados,
como estudada coreografia que animava as palavras. Levando antes a mão à
cabeça, alisou os negros cabelos, trazendo-a após ao queixo, fixando o olhar na
verde relva. Depois continuou: - “como” e “por que”, seriam as duas proposições
a me bastar. “Como”, parece-me aparentemente mais fácil explicar por ser eu
participativo em associado, mas deveras não é, embora assim mesmo deva tentar.
Sendo eu uma consciência, guardo em minha
memória física e espiritual, se assim posso me referir, a natureza. Entenda-se
por natureza, o somatório de todas as formas e a energia-vida que a tudo
permeia, que nos seus registros é anterior ainda aos próprios arquétipos que
dão conformação aos mundos. Mas sua quantificação, concernente a mim, é
correlata exclusivamente aos fatores perceptíveis, objetivos e subjetivos, que
habitam ao meu ego, visto e analisado na totalidade pela soma das experiências
aquilatadas com a sequência de personalidades por ele encarnadas. Sucessos e
insucessos, em sua relatividade, acham-se assim arquivados no ego, estando, não
obstante, em valores, separados por uma tênue e simbólica linha que poderá ser
transposta a qualquer instante por uma ação causal. Ação causal, diria, é
também o fator instinto, onde o inconsciente vem encontrar o ego, sendo o inconsciente o móvel propulsor em
diversos níveis. Porém, os registros de todas as vidas jamais se apagam no ego,
por menores e insignificantes que possam parecer, e o censor, ou Guardião do
Umbral dessa linha divisória, sendo a personificação representada pelos valores
do eu maior consciência, por um lado, adicionados, mas não amalgamados aos
valores do eu menor desta mesma consciência, por outro lado, faz ele, numa só
figura, o duplo papel de anjo e demônio, juiz e carrasco, bem e mau, etc. Quem
ganha ou quem perde, dependerá sempre da escolha do ego personal ao manifestar
suas tendências pela menor resistência.
Isso em
tese, não convoca ordinariamente os valores especiais, psicológicos e
idiossincráticos do ego na sua profundidade, porque são vastos, complexos,
impossíveis tabular, a não ser por um processo endógeno no ego, num
extraordinário momento de manipulação por mentes superiores e habilitadas -
significando dizer, quando em provas iniciáticas. Assim, afora essa especial
condição no dia a dia, as reações comuns da personalidade se darão
superficialmente aos registros evos, com leves incursões para ambos os lados da
linha divisória, ou em muitas ocasiões, instintivamente, através dos reflexos
condicionados.
“Por que”, é mais difícil sobre ela
discorrer, devido à condição exógeno, ou seja, considerada a partir de uma
conjetura consensual regente, adstrita a um corpo hierárquico fora e
independente, que ali está para aferir do desempenho do ego nas incursões aos
seus profundos labirintos. A hierarquia não interfere na qualidade dos valores
acumulados no ego, porém chama-os à superfície, manipula-os, faz com eles
interessante jogo, criando situações e personagens a partir do formulador de
imagens do próprio ego. Essa encenação tem regras não impostas, mas aceitas de
acordo com a cultura, sensibilidade e inteligência reveladas pelo próprio ego,
passando-se os dramáticos momentos num campo versatilizado de provas adrede
preparado. Há, por assim dizer, formas e personagens exteriores aparentando
existências reais, na medida em que o real exista, que contracenam com as
criações daquilo que para o ego é verdadeiro. Por exemplo: o crocodilo existe?
Sim, no campo de provas ele existe como existem todos os outros personagens.
Poderá comer ao candidato? Verdadeiramente, não, mas lhe causará a sensação da
dor de estar sendo comido. Eu sei disto agora, com a mente desligada das
turbulências emocionais que no momento das provas envolvem ao candidato.
Naquele exato instante é quase impossível ao candidato abstrair-se desse fato,
e deixar-se morder e sofrer a dor, somente para provar que o crocodilo não o
comerá. O instinto de sobrevivência estará com ele; como candidato, é seu dever
utilizar-se de todos os recursos, conhecimentos e sabedoria ao seu alcance para
vencer - isto inclui a fé e o autossacrifício, caso se requeiram.
A regra básica, na qual pode e deve o ego
estribar-se em momentos conflituosos, superpõe-se a todas as demais como fator
único, fundamental, irrecorrível de qualquer argumento, traduzido por sua
própria e original vida, que é a investidura de uma unidade imortal, uma
consciência monádica indissociada da Consciência Cósmica ou Princípio Superior
Único. Essa condição, imutável e perfeita, não pode ser dele subtraída por
ninguém. Assim, se estiver atento e desperto, tornar-se-á invencível em
qualquer situação de prova, aleatoriamente aos valores culturais, morais ou até
mesmo emocionais de que seja portador. Mas há que se preparar convenientemente
para este salto.
Voltando a mim, obtive hoje aqui a
reafirmação, em termos objetivos, daquilo que longe do campo físico já
obtivera. Concluo ser isto necessário porque uma coisa óbvia é estarmos
presentes, num dado momento vibratório, com todas as nossas limitações físicas,
emocionais e mentais, sob o jugo constante de nossas fraquezas e mazelas. Outra
coisa é estarmos libertos, em parte e temporariamente, da carne e daquilo que a
cada minuto a ela seduz. Assim, é justo e lógico ser submetido aos testes
nestes dois lados de uma mesma vida.
Entretanto, do que já discorri do candidato
ao passar por provas, poderia ainda ser perguntado se temi, se já teria desvendado
este enigma. Temi, de fato, mas quem como eu não temeria? Conforme expliquei
antes ao abordar a existência do crocodilo, não é o bastante conhecer
tecnicamente alguns mecanismos estruturais do ego, e falar deles doutoramente.
Esse conhecimento é teórico e o momento das provas é completamente outro por
que a Hierarquia conhece a fundo os labirintos da mente do candidato. Ela o
confundirá, o colocará frente a frente com a pessoal realidade, sem dele
conseguir subtrair, como disse alhures, a consciência de sua própria e
inalienável divindade. Mas ali ele estará despido de qualquer artifício mental
no qual socorrer-se, exceto de ingressar nas pistas propositalmente deixadas.
Sobrar-lhe-á, pois, um mínimo de lucidez, manifestada num único e rápido instante,
às vezes como num flash e o ego, então submerso e envolto por formas ilusórias
e sensações diversas, precisará não vacilar, tomando decididamente para si este
instante. Então, ancorado, será puxado para fora do poço onde lhe mostrarão a
verdade que com ele sempre estivera.
Em simples e repetidas palavras: fizeram-me
repassar trechos importantes de minhas pregressas provas, obrigando-me a
reconfirmar objetivamente a intenção de prosseguir no caminho. Se não fui
brilhante, pelo menos acredito não ter de todo decepcionado.
Extravasando emoção, Bruno abraçou-o
fortemente, mas contendo-se falou:
- Irmão Sorman, decididamente não me enganei
sobre sua natureza de iniciado, repito isto uma vez mais. É um membro digno da
maior admiração. Permita-me defini-lo assim, pelo que impropriamente agora me
ocorre: Sorman possui a mente ágil do esquilo, a alma alada do condor, o
coração manso da pomba e a vontade férrea do leão. Sua maestria torna-se
evidente ao combinar estas cristalinas qualidades!
Sorman nem pode absorver o conteúdo dessas
palavras por que tocados por outra realidade, ambos, simultaneamente,
voltaram-se para a Casa Rosa. O verdadeiro compasso do tempo não houvera mudado
em seu curso natural, mas os poucos minutos que ali permaneciam pareceram
horas. Somente agora se davam conta de estar se preparando para adentrar a Casa
Rosa, que no seu interior havia pessoas os aguardando e o dia era especial
também para eles!
Fina espiral de fumaça, como se os estivesse procurando, os
envolveu, e sentiram pela primeira vez o gostoso aroma do incenso. Isso
identificava aqui fora o caráter esotérico e mágico do encontro que lá dentro
se realizaria, e pareciam tê-lo esquecido. Sorman recuperara o superior estado
mental antes ostentado, em considerável vantagem: a incômoda expectativa que há
pouco o lancetara se esvaíra. Em seu lugar, a certeza vinha acentuar-se; sábia
humildade se representava, e ambas, como duas faces de um mesmo prisma haviam
em si incorporado. Não havia mais dúvidas ou arroubos, tudo estava claro: o
alto posto na irmandade era seu, jurara intimamente dignificá-lo, não se
arrependeria nem reclamaria do que viesse a enfrentar!
Adentraram a Casa Rosa. No salão que Sorman
conhecia, as cadeiras estavam todas ocupadas. A irmandade ali presente
compunha-se de homens e mulheres, todos em postura ereta; envergavam alvos
balandraus; achando-se mergulhados em tênue nuvem de fumaça de incenso.
Recostavam-se nos espaldares dos assentos, mantendo os olhos fechados e
pousavam suavemente as mãos sobre as coxas. Faziam círculos com os dedos
polegar e indicador unidos, conservando joelhos e pés em posição paralela.
Lucen andava de um lado a outro segurando um turíbulo que incensava. Lateralmente à mesa, na cabeceira do salão,
Lucéa de pé aguardava.
Quando Bruno pisou a soleira da porta, Lucéa
estendeu a mão sobre a mesa tomando a sineta de ouro, fazendo-a timbrar algumas
vezes, suavemente. Imediatamente todos foram despertando, pondo-se de pé. Lucen
caminhou em direção à mesa, colocando o turíbulo sobre uma base a um canto,
posicionando-se junto à irmã. Bruno foi até lá, seguido de Sorman, postando-se
detrás da mesa, saudando a todos com o gesto sagrado da irmandade - no que foi
respondido - e falou:
- Irmãos, quero apresentar-lhes aquele a quem
hoje renderemos homenagem e que será empossado de cargo na irmandade, para cuja
finalidade obteve a necessária aprovação. Como sabem, a hierarquia de nossa
irmandade dispõe, no uso de suas atribuições, muitos títulos. Mas ao Irmão
Supremo é outorgada a primazia de transcender a esta sucessiva ordem
hierárquica, sempre que pertinente, para
dignificar a um irmão em Ministro Extraordinário, ou seja, para permiti-lo
atuar com perfeita autoridade e autonomia em qualquer departamento,
representando ao Irmão Supremo quando por este solicitado. Devo também declarar
que com nosso irmão Sorman cumpre-se o rompimento do selo da 30ª revelação da
centúria 16, acerca do número 300. É Sorman assim o número 300 desta revelação,
e com tal registro irá atuar na irmandade confirmando-se o fato através do
Primado do Frater Supremus, também relatado na 30ª revelação.
Muito teria ainda para falar-lhes, mas abster-me-ei de outras palavras
pela importância do momento no íntimo de cada um e Sorman, tenho
certeza, não aprovaria que dele mais eu falasse.
Uma salva de palmas ecoou pelo salão; de
imediato eles se moveram em fila passando diante de Sorman, cumprimentando-o
com apertos de mãos. Sorman achava-se tranquilo. Noutra oportunidade as
palavras de Bruno provavelmente lhe causariam emoção, e por certo estaria
inibido. Mas neste momento nada disto se passava em seu íntimo. A postura
altiva, naturalmente assumida diante daquelas pessoas estranhas olhando-o com
interesse, revelava-se da disposição que diante da Casa Rosa em si incorporara,
e não se abalava. O orgulho e superioridade mundanos, numa personalidade comum,
se mostrariam venturosos diante de grande exaltação, isto é certo e óbvio.
Paradoxalmente, poderia ocorrer o mesmo com candidatos aprovados em condições especiais,
ao nível de uma irmandade de abrangência esotérica como esta. Mas em Sorman,
não. A fluidez dos sentimentos mais comuns não vinha encontrar âncoras em seu
cérebro e coração. O que o tomava, permeando-o, isto sim, era algo impessoal,
mais elevado, extraordinariamente digno de todos e por todos. Era uma alma em
abrangente expansão, uma tangível presença comungante em silencioso júbilo.
Ao receber o cumprimento de um irmão, parte
dele ficava em si; em contrapartida, esta magnânima presença penetrava a alma
do irmão. Nada neste instante mágico permanecia guardado para seu conforto ou
glória pessoal. Tudo antes conquistado, pelo que titanicamente lutara, não lhe
pertencia agora; não interessava mais a si próprio como aquisição ou troféu:
fizera-o para todos, ao contrário do que em princípio pensara. Essa
compreensão, emergindo de uma inconsciência, viera trazer-lhe também a
identidade, o verdadeiro anelo com a irmandade. Estava tudo muito nítido: a
partir deste instante ele e a irmandade não seriam mais estranhos, o passado
voltava ao presente; de novo conviveriam em comum e seriam exatamente irmãos!
Ao término dos cumprimentos Bruno trouxe
Sorman para o vestíbulo, entregando-lhe o balandrau, tomando um para si.
Enquanto vestiam-se, ouviram começar um cântico. Ao saírem, Sorman viu surpreso
os irmãos ainda cantando, a descer em fila por uma escada sob um portal antes
oculto numa das paredes. Bruno indicou-lhe o final da fila, posicionando-se
atrás para o descenso. O irmão guardião veio por último trancando a porta por
dentro. Ao término dos degraus, banhados por suave luz azul lançada de
lanternas nas paredes, encontraram-se diante de outra porta aberta, adentrando
o átrio de um templo. O irmão guardião, sempre por último, trancou também esta porta
e Sorman parou a observar.
Adiante existiam duas colunas, uma preta e
outra branca, sustentando uma viga horizontal. A viga era a base de um
triângulo perfeito, azul, que se elevava sem tocar o teto. O interior do
triângulo destacava o símbolo secreto da irmandade, totalmente em ouro. O símbolo rebrilhava
pela ação das luzes de dois candelabros presos às paredes laterais. Aquela
construção, por cujo espaço interno os irmãos passavam, evocou em Sorman a
memória de suas provas iniciais, quando ao galgar uma escada e abrir um portão
se deparara com um portal. Em ambos os lados, diante das colunas, havia uma
pira; a da direita era em ouro, a da esquerda em prata. Elas ardiam,
lançando no ambiente grossas espirais de incenso. As espirais produziam uma
nuvem que pairava acima e adiante do portal. Essa real visão provocou em Sorman
estranha sensação, remetendo-o a um passado distante. Lágrimas começaram a
rolar por sua face, ele teve de secá-las porque lhe embaçavam as vistas.
Bruno tocou-o suavemente às costas,
despertando-o daquela submersão; ele caminhou cruzando o umbral, chegando ao
interior do belo e reverberante templo. As paredes e o altar eram revestidos de
ouro e prata; ao pousar o olhar sobre o altar, ele foi possuído de
extraordinária vibração que quase fê-lo cambalear. Todos já ocupavam os
assentos. Lucen e Lucéa, a direita e a esquerda do altar, iniciaram a invocação
de um mantra, acompanhado pelos demais. Em seguida se fez silêncio.
Bruno determinou que Sorman permanecesse em
pé defronte ao altar e subiu os três degraus, revestidos por aveludado tapete
púrpura. As irmãs sacerdotisas se retiraram do templo; dois acólitos portando
longas lanças vieram ocupar aquelas posições deixadas por elas. O ritual teve
início; após a abertura e o acendimento de algumas velas e luzes, Sorman foi
convidado a também sentar-se. Então se aproximaram dois outros acólitos, e
despiram o balandrau de Bruno, trocando-o por uma túnica azul ornada em ouro e
prata. Mais adiante, na decorrência do ritual, vieram os acólitos e depositaram
sobre a túnica uma peça branca estolada, também ornada em fios de ouro e prata,
terminada pouco abaixo de seu coração com um círculo inscrevendo o símbolo
secreto e sagrado da irmandade. Noutro momento do ritual, colocaram-lhe um anel
de ouro no dedo indicador da mão direita e um de prata no mesmo dedo da mão
esquerda, cada um com uma grande pedra rara. Por último, foi-lhe entregue
belíssimo cetro em ouro incrustado de cintilantes pedras, sendo sua coroa um
grande diamante, e colocada sobre sua cabeça, não menos bela mitra ostentando
na face frontal também preciosíssimo diamante. A mitra era tecida à volta com
fios de ouro e prata, adornada com pedras raras e menores desenhando símbolos.
A certa
altura Sorman foi chamado a subir os três degraus e diante de Bruno consagrado
num rito invocatório dos quatro elementos. Dois altos membros da irmandade, já
envergando vestimentas oficiais da ocasião, postaram-se a direita e a esquerda
do iniciando, dando suporte às energias precipitadas. Ele então pressentiu que
os membros ao seu lado faziam um trabalho em conjunto com duas outras presenças
invisíveis em dimensão superior, e aquelas presenças, verdadeiramente,
controlavam o fluxo das energias. Finalmente prestou o juramento, que não foi o
mesmo prestado diante dos Mestres, recebendo a comenda de ouro simbolizando sua
autoridade no alto cargo.
Leveza e alegria o tomavam. O que antes
experimentara no salão da Casa Rosa ampliara-se. A força do ritual, o poder da
iniciação, as fortíssimas energias permeando-o, essas coisas transcendentes e
inefáveis, tornaram-no extremamente fortalecido. Todos os seus átomos pareciam
estar vibrando sob uma só nota. Nesse momento, detinha a sensação de estar
incorporado de um fator mágico, um dom especial, uma autoridade. A par disto,
reinava-lhe absoluta paz; parecia não possuir corpo. Sobremodo, desejava
ardentemente compartilhar das inefáveis vibrações com todos os irmãos ali
presentes, de forma mais intensa ainda.
Cumprimentos, abraços e votos de boas vindas
encerraram aquele solene encontro no templo. Ao subirem, dirigiram-se para uma
das alas da Casa, ao ar livre, onde tábuas e cavaletes a guisa de longa mesa
foram armados para acomodar a todos num fraternal almoço. Mulheres e homens
participavam de tudo; os ruídos comuns da ocasião enchiam o ar; o cheiro dos
alimentos e a fumaça dos assados já flutuavam, trazidos e levados pelo suave e
circulante vento que dobrava frágeis galhos e flácidas copas do arvoredo nas
imediações. Eles agora agiam com desenvoltura, descontraíam-se; davam palpites,
recebiam e transmitiam ordens e começavam a servir alguma bebida e aperitivos
salgados.
0 0 0
A tarde caia, as sombras já grassavam.
Sorman, ao volante, viajava pensativo. De tudo acontecido naquele inesquecível
dia – intenso como poucos em sua vida – uma imagem ficara-lhe indelevelmente
gravada na memória. Essa imagem, vez por outra, ganhava vida anímica e revia
Lucéa aproximar-se e beijar-lhe os lábios. Não fora um beijo ardente ou
apaixonado, porém suave, finalizado com um “até breve” e amplo sorriso.
Olga e Eduardo vieram recebê-lo junto à porta
externa da cozinha. A viçosa grama iluminava-se com pompa pelos holofotes no
chão e pequenos postes de lanternas. Sorman largou a pequena mala, abraçou-os e
beijou-os. A suavidade da fisionomia, o breve, mas descontraído sorriso, e a
luz dos olhos foram de imediato percebidos por Olga, que exclamou num
imperceptível murmúrio:
- Meu filho!
Eduardo nada disto notou, exceto que Sorman estava bem e disposto, e
estas coisas o encheram de alegria.
Enquanto Sorman tomava banho, Olga
preparava-lhe uma refeição, ouvindo as palavras esperançosas de Eduardo acerca
do projeto que pai e filho continuariam a elaborar no dia seguinte. Durante a
refeição, e nos momentos seguintes reunidos na sala, conversaram animadamente.
Os assuntos fluíram com naturalidade. Descontraídos, chegaram a irradiar
incomum alegria. Olga esqueceu-se completamente das habituais preocupações com o
filho, nada lhe perguntando. Próximo das vinte e três horas Sorman resolveu
subir para dormir. Os pais o acompanharam recolhendo-se também, e a casa foi
invadida pelo silêncio.
CAPÍTULO III
O IRMÃO SUPERIOR
Pelas quinze horas dessa
segunda-feira, a secretária trouxe-lhe um envelope fechado, endereçado
pessoalmente, com a indicação FIA no verso. Perguntada sobre o portador, ela
somente respondeu que não fora notado ao deixar o envelope na portaria do
prédio. Sorman abriu-o reconhecendo de
imediato o símbolo da irmandade impresso ao alto da folha, no meio, lendo a
sucinta mensagem: “Irmão Sorman, hoje às
19h30min o pegaremos à porta da empresa para importante reunião. Fraternais
Saudações. FIA.” Pouco abaixo da mensagem havia a advertência: “Queime!”. Surpreso, meio arcado sobre a mesa, ele releu
tudo, recostando-se depois na poltrona, prendendo-se a reflexões. Girava nas
mãos a dourada e pequena adaga com que rasgara a borda do envelope, achando
aquilo estranho e misterioso. Logo abriu a gaveta, buscando no fundo uma caixa
de fósforos, colocando-a no bolso conjuntamente ao envelope e a mensagem, indo
ao banheiro.
Efetivamente um carro azul veio buscá-lo no
horário marcado. Um homem magro, de bigode, aparentando trinta e cinco anos,
abriu-lhe a porta dianteira sem sair do veículo, saudando-o com o sinal da
irmandade, que Sorman respondeu.
- Como vai, Michel? – Sorman apertou-lhe a
mão. Eles haviam sido apresentados no dia anterior, durante o almoço.
- Você deve ter estranhado a maneira como fizemos o contato - disse-lhe
Michel, já em viagem - eu mesmo trouxe a mensagem; é um procedimento
formal da irmandade. O Superior sempre age assim com os novos iniciados;
raramente utiliza telefone ou outro qualquer meio de comunicação.
- O Superior?!
- Desculpe, trata-se do Superior Mestre
Terra. Ele chegou hoje pela manhã de Londres e insiste em recebê-lo - informou
com delicadeza, pausadamente.
- Superior Mestre Terra! – repetiu Sorman,
mergulhando em pensamentos, relembrando os documentos da irmandade mostrados
por Bruno na biblioteca da Casa Rosa.
A maior parte do trajeto foi feita em silêncio. Afastaram-se
do centro, cruzaram a ponte e quarenta e cinco minutos depois chegavam a uma
casa na orla litorânea. Michel abriu o portão com o controle eletrônico bem
como a porta da garagem, estacionando o carro. Apearam do veículo adentrando
pela porta principal da casa. No interior da sala bem mobiliada e pouco
iluminada, viram um homem levantar-se da poltrona e caminhar para eles. Chegando próximo fez o sinal da irmandade que
ambos responderam. O homem sorriu, deu mais dois passos e estendeu a mão para
Sorman.
- Muito prazer, Sorman, sou o Superior Mestre
Terra - falou com sotaque espanhol. Sorman surpreendeu-se por já conhecer
aquele homem sem, todavia, lembrar-se de onde. Emocionou-se e ficou calado, mas
se sentiu deslocar em direção ao passado em busca de recordações.
O homem era alto como ele, tinha os cabelos
negros, cheios e lisos, penteados para trás. Possuía forte compleição; a pele
era amorenada como os descendentes dos povos Incas, embora o rosto não
trouxesse, exatamente, os mesmos caracteres do modelo racial. A idade era
impossível precisar. Vestia elegante terno azul marinho.
- Venham, sentemo-nos - ofereceu apontando
para as poltronas; o convidado permanecia absorto em pensamentos. Sentaram-se
formando um triângulo. Sorman finalmente emergiu e volveu os olhos em redor,
vendo os apliques a lançar suave luz na sala, observando as janelas fechadas e
a porta dando acesso ao corredor. Havia um aparelho de ar condicionado ligado,
tornando a temperatura ambiente agradável. Mas não pôde prender-se a outros
detalhes por que seu interlocutor reiniciou:
- Assisti domingo, de Londres, à cerimônia de
sua iniciação e pude fazer algumas observações a mais sobre sua presença na
irmandade. Você evoluiu bastante desde o primeiro contato com o Irmão Supremo.
Evidentemente não falo em termos de consciência, pois o seu padrão vibratório é
o mesmo, desde a posse do novo veículo físico, mas, sim, da personalidade que
já quase se amolda ao que se irá requerer na irmandade. Neste pouco tempo de
reencontro, os seus arquivos de memória, etéricos ou astrais se revelam, a meu
ver, rapidamente.
A voz do Superior Mestre Terra caia-lhe nesse
instante como uma indução letárgica, quase hipnótica. Sorman lutava por manter
os sentidos acordados. Porém, foi obrigado a fechar os olhos; súbitas imagens
perpassaram-lhe a consciência, e via-se numa planície da extinta Atlântida,
onde muitos homens de tez morena o encurralavam de encontro a um barranco. Da
testa corria-lhe sangue, banhando-lhe a face e peito; havia outros ferimentos
pelo corpo a também minar-lhe a resistência. Todos os companheiros jaziam
estirados naquele campo de batalha: estava só, era o último sobrevivente!
-
Vai morrer, príncipe! -
dizia o guerreiro, trazendo uma tira de couro pintada com símbolos de magia
negra que lhe contornava cabeça e testa. Seu tronco e membros, bem como de seus
homens, portavam desenhos em faixas retas e pequenas, ou longas e curvas,
desenhadas com sangue animal imolado em ritual maligno. Sorria com crueldade:
apontava a lança para Sorman, manipulando-a acima do ombro num vai-e-vem
torturante e sádico, no que era imitado pelos demais guerreiros. Extenuado, Sorman
apoiava-se na lança fincada no chão, lutando orgulhosamente consigo próprio
para não cair. As pernas, entretanto, ameaçavam dobrar-se; o queixo quase lhe
tocava o peito, mas tanto quanto possível ele reagia, resistia, buscava
empertigar-se, e levantava a cabeça. Ofegante, com a visão turva, não queria
tombar: era honroso morrer de pé.
Uma saraivada de flechas pôs fim àquela
angústia de morte, e viu os inimigos caírem varados nas costas, sem chances de
reagir.
-
Varun! Varun! - gritava o homem alto e forte, moreno como ele, de negros
cabelos longos. Adornava-lhe a testa uma tiara prateada, terminada com pequena
e sinuosa serpente que lhe subia a fronte. Ele e seus homens, vestidos com calças
apertadas em couro flácido, calçando mocassins, portavam arco nas mãos
guardando as flechas em aljavas presas às costas. Cingiam-lhes cintas ao abdome que
depois subiam verticalmente pelos troncos nus aos ombros, volteando-os,
descendo às costas atando-se às aljavas. Corriam e pulavam sobre os cadáveres
amontoados naquela terra tingida de vermelho, e desfechavam golpes de
misericórdia com facões, nos que ainda se mexiam ou gemiam.
- Rei, meu pai! - dizia Varun,
dobrando-se, vendo-o em turvação a aproximar-se.
Sorman estremeceu e abriu os olhos. O moreno
rosto, cuja fisionomia era como do rei, sorria-lhe. Indizível emoção o tomava,
talvez semelhante àquela que sentira ao rever o pai que lhe chegara ao socorro.
Após segundos conseguiu perguntar:
- Você foi meu pai?
- Sim,
algumas vezes - respondeu o Superior ainda sorrindo.
Uma
sensação de bem estar o invadiu; a emoção já perdia do impacto inicial: estava
em família, como nunca estivera antes.
- Gostaria de saber mais sobre minhas vidas
passadas - disse rompendo com
sentimentos e emoções.
- Talvez com o tempo. Estas coisas somente
são importantes quando atreladas a valores úteis e práticos. No mais, devem ser
deixadas como estão. O momento em que a sequência do tempo viverá em nossas
mentes como única realidade, ainda está para chegar. Passado, presente e
futuro, hoje, continuam limites do relativo. Sorman entendeu e aduziu
interrogativamente:
- O motivo, então, Superior, de me ter
chamado aqui, não se prende unicamente a esta revelação do passado?
- Evidentemente, não. O processo evolutivo
para nós, almas, prevê e compreende estas interações. As interações de vidas
nas relações da família humana têm grande importância por que estreitam cada
vez mais os laços entre egos. Isto facilita ao carma de um grupo ou grande
família – que costumamos denominar célula – a fim de que se ajudem mutuamente
com melhor conhecimento de seus problemas. Faz parte dos planos dos mentores
atravessarmos eras e raças em constantes interpolações. Você sabe, o processo
reencarnatório, depois de alguns estágios na evolução de uma célula não é
compulsório da maneira como ensinam algumas correntes espiritualistas e
espíritas. Isso acontece somente com almas primárias e também quando suas
células estejam no enfoque do plano físico. Nesse caso, no período de
manifestação física de suas famílias, essas almas primitivas não têm grandes
opções, ficando no plano espiritual poucos pares de anos, sendo obrigadas a
logo reencarnar. Com outras células, já possuindo melhor cabedal de
experiências no trato dos valores humanos, a questão da reencarnação é
trabalhada sob outro prisma, e de acordo com a sensibilidade de seus egos.
No nosso caso, com os milhares de egos de
nossa célula, estamos novamente no período cíclico de manifestação no plano
físico, que irá perdurar por dezesseis séculos. Por cinco séculos estivemos
absolutamente ausentes da vida física do planeta; por um século nos preparamos para
a reentrada neste plano de vida material, e um século a mais nos foi necessário
para um mínimo de organização, já na vida física. Assim, no decorrer de doze
séculos, teremos o tempo útil de vida progressiva para a nossa grande família,
pois haverá um século para sairmos deste cenário. E se tudo ocorrer conforme
aspiramos, um século a mais nos será necessário, já fora da vida física, a fim
de nos reorganizarmos para a entrada num plano acima, superior àquele onde a
quase totalidade de nossa célula havia estado antes desta atual migração para a
matéria densa. Cem anos de vida útil já se foram; urge, portanto, trabalharmos
com rapidez e diligência com o intuito de acelerarmos o nosso progresso nos mil
e cem anos restantes para uma efetiva produtividade. Para este mister,
necessitamos lançar mão de todos os recursos disponíveis, fruto do conhecimento
e sabedoria acumulados desde um passado distante.
Mas você sabe tão bem quanto eu que devemos
deixar obras no mundo, auxiliando unidades de consciência não somente de nossa
célula, mas também de outras. E não devemos misturar o nosso carma com o deles,
pois isto, quando eventualmente acontecido, representa para nós a heresia de
uma descendência. Então o resgate se faz necessário, às vezes dolorosamente e
de forma urgente porquanto não podemos perder demasiado tempo com as soluções.
Outro dos motivos justificados para esta
pequena reunião reside no fato da conscientização objetiva para o
desenvolvimento de seu pensamento na irmandade, ao tratar das interações raciais
de egos de nossa célula. Muitos repassam necessárias experiências em corpos de
diversas nacionalidades, ou mesmo etnias. São situações que devem ser rápidas,
sem carmas profundos com irmãos de outras raças, a fim de que, livres e
desimpedidos, logo possamos direcionar nossos esforços para os objetivos
traçados por nossos superiores – os Mestres Raciais.
-
Dentre os objetivos estaria o de desenvolvermos um novo modelo racial para
nosso povo, ou célula, como você se refere? – Sorman atalhou-o com ar
pensativo
-
Relativamente. Não teremos esse tempo disponível para um trabalho racial mais
aprofundado e não seremos tão diferentes do modelo racial futuro que o Manu já
há alguns séculos vem preparando e desenvolvendo para a sexta raça raiz de
nosso planeta. Nessas etapas de iniciais experimentos, deveremos tentar a
semeadura de acordo com as características atuais de nossas próprias
idiossincrasias, a fim de alcançarmos a meta coletivamente como almas, sem
solução de continuidade, e não simplesmente como corpos biológicos. Muitos
corpos de que lançaremos mão nos próximos onze séculos, notadamente nos dois
últimos de nosso tempo útil aqui na Terra, sofrerão evidentes modificações para
estarem o mais possível adequados às nossas necessidades. Precisam esses corpos
propiciar aos irmãos de nossa célula, principalmente aos iniciados de escalões
maiores, a fácil fluidez das energias astrais e mentais que manuseamos.
Sorman acompanhava atentamente as palavras do
Superior. Embora nunca lhe houvessem falado do tema com esta profundidade, nada
o surpreendia; tinha a nítida sensação de estar ouvindo o que já sabia, mas
evitava perder-se em reflexões.
- Um terceiro motivo incluído neste encontro,
continuava o Superior, vem do fato de eu necessitar avaliar suas faculdades
psicométricas, o que de certa maneira já o fiz ao constatar o seu bom grau de
auscultação de algumas cenas de um passado distante, onde estivemos inseridos
na Atlântida. Em consonância com isto, há duas outras faculdades psíquicas que
terei de avaliar: uma para o presente, ou melhor, para fatos e acontecimentos
do momento atual gerados propositalmente por agentes humanos, chamada
telepatia, e outra para fatos e acontecimentos do futuro, chamada cognição
premonitória. Essas três faculdades resumem, para as nossas intenções e visão
humana, o tempo na sua abstração de passado, presente e futuro.
A telepatia, é bem verdade, necessita de
agentes para funcionar: sendo um emissor e outro receptor. A psicometria e a
cognição premonitória, por outro lado, são respectivamente possibilidades de
leituras psíquicas nos registros do éter, daquilo que já existiu ou virá a
existir. O presente, em realidade, é rápido e fugidio; em última análise, não
existe, pois se trata de uma linha tão tênue, inserida entre os acontecimentos
de dois arquétipos constituídos pela geração de fatos passados e futuros, que
não tem dimensão, tornando-se impossível retê-la ou detê-la um milionésimo de
segundo após o fato ter acontecido. O presente, diria ainda em outras palavras,
é a interação ou resultado do imediato futuro do fato acontecendo neste exato
momento, simultaneamente ao passado imediato do mesmo fato que neste exato
momento já aconteceu. Portanto, aquele que consegue ler fatos já registrados no
tempo, no planeta ou cosmos, ou que ainda acontecerão, leu ou lerá também o
presente.
Fora deste desdobramento, a telepatia trata
de mensagens presentes, muito embora a mente mais poderosa e desenvolvida possa
vir transmitir à outra, sequências de imagens de fatos, passados, presentes ou
futuros e auto formulados: falsos ou ilusórios. Exemplifico: O transmissor A
envia ondas mentais sintonizadas com o receptor B. A mente A é de um psicômetro
e premonitor. Ele capta registros no éter de tais e tais acontecimentos,
retendo na memória as possibilidades de imagens futuras ou de fatos
concretamente existidos, resolvendo transferir algumas dessas impressões à
mente B. Se a mente B estiver psiquicamente bem desenvolvida para captar
aqueles registros, os absorverá perfeitamente e os guardará. Observo ainda que
essas imagens enviadas à distância, mesmo de qualquer quadrante do planeta,
podem ser armazenadas no subconsciente da mente B, na vigília ou sono, e depois
virem a surgir em sonhos ou no próprio pensamento. Ainda, o transmissor A pode
criar uma imagem, modelando-a a sua vontade, e enviá-la ao receptor B, o que
caracterizaria uma auto-formulação, sendo assim falsa ou ilusória, sob o caráter
ou comparação de impressões exaradas de fatos fenomenais de um porvir ou então
verdadeiramente já acontecidos.
Assim, estas e outras probabilidades de
manipulação mental da técnica telepática virão a ser, a grosso modo,
acontecimentos presentes, adstritos unicamente às personalidades humanas. Não
representam e nem abarcam o condicionamento de uma fase da sequência natural do
fenômeno tempo, dentro das implicações
de passado, presente e futuro já comentados, por que isto se tornaria
impossível apropriar, exceto por conjeturas, pelo fato dessas abordagens
teóricas se passarem nos interstícios da mente concreta e de seu psiquismo
inferior. A mente concreta, como sabemos, apoia-se numa de suas expansões, no
intelecto, mas ela por si mesma é produto de vários condicionamentos, não
servindo para exemplificar o tempo contido na incondicionada Mente Universal.
Ele sorriu balançando suavemente a cabeça em
reprovação: - queira desculpar-me, caro Sorman, por aborrecê-lo com esse tema.
Você já deve saber disto, mas é força do hábito. Esqueci-me de que não estou
diante de irmãos ansiosos por ensinamentos em reuniões que participo.
- De forma alguma, Superior, permaneci atento
à sua explanação e aprendi dela – Sorman redargüiu com sinceridade, logo
retomando: - a propósito, pretende o
Superior trabalhar minha mente com estas faculdades, e para qual finalidade?
- Sim, de fato planejo uma avaliação, com sua
aquiescência. A psicometria e a premonição são faculdades desenvolvidas na
alma, em seu psiquismo superior, estando, portanto, acima das conjeturas do
intelecto. Acredito ser mais fácil abordá-las em você pelo fato de sua natureza
sensível às linhas de ascensão da própria alma. Quanto à telepatia, podemos
trabalhar com ela em dois níveis: diretamente no cérebro ou na mente sem a
interferência do cérebro, o que, nesse último caso, significaria também na alma.
Mas necessitaria avaliar essa possibilidade segundo um ritmo de treinamento.
A
finalidade disso tudo é bem clara para nós. Seria de termos o irmão Sorman, em Ministro Extraordinário,
excelentemente preparado para responder a qualquer momento onde estivesse, às
perguntas pertinentes à irmandade, bem como manter contatos permanentes e
conscientes com a hierarquia através da mente. Por outro lado, requer-se de um
Mestre, senão o conhecimento pleno dos fatos acontecidos no planeta, também
alguns nítidos vislumbres do passado ou futuro. Eventualmente, possuirá ainda a
capacidade de levantar véus que cerram arquétipos já construídos para o futuro
do Grande Plano do Criador. Mas como disse no inicio desta nossa conversa,
somente devemos abordar acontecimentos desse teor e amplitude, quando
justificarem-se os esforços por motivos relevantes e procedentes na vida
humana. Entretanto, gostaria de iniciar com a telepatia.
- Comigo está bem, pode iniciar quando
desejar - respondeu Sorman sem alterar a
postura.
- Ótimo, então relaxe e visualize uma tela
branca. O Superior fechou os olhos, o
mesmo fazendo Sorman. Passados segundos ele voltou a falar brandamente - você
está vendo uma imagem, diga-me o que é.
- Vejo uma espada - respondeu após ter ficado imóvel por vários
segundos.
- Descreva-a em detalhes, se possível. Ambos
permaneciam de olhos fechados.
- Ela tem a lâmina longa e perfeita. O punho
em cruz possui duas pedras numa das faces. Uma das pedras é azul, a outra é
amarela; a haste do punho é toda trabalhada com anéis, três ao todo.
- Você agora vai escutar uma frase, preste
atenção e a repita palavra por palavra. O Superior pensou na frase: “Deus, a
primeira e única realidade!” Sorman esforçou-se sem conseguir o intento. O
Superior tentou uma vez mais e aguardou.
- Deus! A única palavra que pressenti -
exclamou três minutos depois, um tanto decepcionado.
- Excelente, excelente! - falou o Superior
com efusão - este começo foi bastante promissor. Irei elaborar um pequeno
esquema de trabalho para continuarmos estas práticas noutra oportunidade.
Os momentos seguintes foram de completo
relaxamento. Sorman foi informado pelo Superior acerca do cargo ocupado por
Michel, que por sinal morava nessa mesma casa. Ele era o Terceiro Mestre Terra
e comandava nos escalões da hierarquia importante departamento, pois detinha o
controle de países da América do Sul no tocante à vida da irmandade.
Curiosamente, o Superior cuidava pessoalmente de países da América Central,
embora vivesse a maior parte do tempo nos Andes. Sorman lembrou-se do
organograma chave da organização examinado na presença de Bruno.
Decorrida mais de uma hora, levantaram-se por
sugestão do Superior, vindo Sorman conhecer a casa. Entrando pelo corredor,
chegaram a uma pequena sala, descendo pela escada externa até um pavimento
inferior sob a casa, alguns metros abaixo do nível da rua. Tratava-se de um
espaço retangular, numa área de serviço, onde funcionavam a lavanderia, a
dispensa e o banheiro. O outro lado era um grande salão, interrompido ao seu
final por um portal em arco que dava acesso a um pátio descoberto, no fundo da
propriedade. O pátio teria oitocentos metros quadrados; tinha piso em placas de
cerâmica, e era cercado de altos muros. No exato centro deste pátio, existia um
poço encimado por uma casinhola no formato de uma capela, em cujo interior
brilhava uma luz amarela. Havia neste local ampla iluminação provinda de
lanternas dependuradas em três altos postes.
Sorman observou o pátio com interesse, em
seguida adentraram o salão. Era relativamente grande, com três largas janelas.
O interior fora construído com dois patamares revestidos por compridos e claros
tacos de madeira de lei. O primeiro patamar abrigava unicamente longa mesa de
mogno, cercada de várias cadeiras almofadadas, ao estilo colonial. Após
caminharem lateralmente à mesa, subiram dois degraus alcançando o segundo
patamar, chegando a uma biblioteca. No centro desse patamar encarreiravam-se
quatro cadeiras semelhantes às anteriores. A um canto, sob um vão livre das
prateleiras, existiam dois computadores e uma tela de televisão sobre um
console. Em derredor, ocupando as paredes, três enormes estantes tocavam o
teto. Os escaninhos não estavam lotados; na verdade vários deles achavam-se
vazios, mas ainda assim havia muitas obras da literatura nacional e mundial.
-
Chamamos este lugar de Salão de Conferências, aonde membros de nossa hierarquia
vêm se reunir para deliberar sobre diversos assuntos - informou Michel.
- Há
reuniões regulares?
- Depende da época e dos acontecimentos -
adiantou-se o Superior acentuando o sotaque espanhol. O visitante deslizou o
olhar para os livros e comentou:
- Não
vejo nada relacionado à irmandade. Inicialmente pensei existir obras à
semelhança da Casa Rosa.
Michel afastou-se alguns passos em direção a
um painel eletrônico instalado numa das paredes, anterior a biblioteca, abrindo
a portinhola.
- Dois interruptores funcionam
estrategicamente na posição de desligados. – ele virou o rosto para trás, após
mexer em três das dezenas de teclas e acessar o código. Sorman, a princípio não
entendera o que Michel fizera, mas viu surpreso uma seção da estante mover-se e
girar, surgindo a outra face dela com os escaninhos abarrotados de obras
encadernadas e codificadas. - Eis como funciona a biblioteca da irmandade! -
Michel apontou com a mão aberta e sorriso nos lábios.
Sorman tomou um dos livros a fim de
examiná-lo, mas ao contrário do que imaginara não era manuscrito. Tratava-se da
ata de uma assembleia acontecida em 27 de dezembro de 1953. Não desejando ser
deselegante fechou-o imediatamente, recolocando-o no lugar.
- Todas as estantes são construídas em
seções, bastando selecionar de acordo com os códigos - explicou o Superior.
Súbito som eletrônico vibrou dentro do salão.
Uma lâmpada vermelha acendeu na parede, começando a piscar. Michel e o Superior
auscultaram o ar e seus rostos ganharam expressões de ausência.
- É
Verônica! - disse finalmente Michel, saindo.
O Superior foi até a porta do salão seguido
de Sorman. Poucos minutos depois surge na escada Michel, acompanhado de uma
jovem clara e loura. Ao se aproximarem ela fez o sinal da irmandade para o
Superior, falando com ternura:
- Senhor Mendez, não sabia que estava aqui!
- Desta vez não comuniquei a ninguém. Cheguei
poucos minutos depois de você ter saído para o trabalho. Sorte minha ter
encontrado Michel ainda em
casa. Voltando-se para Sorman ela de novo fez o sinal, sendo
respondida.
- Sorman, como vai? - perguntou com a mesma
ternura.
- Bem,
obrigado.
- Verônica também esteve na sua iniciação -
informou Michel.
- Eu lembro!
Verônica lembrara-lhe Anita. O Superior retomou:
- Sorman, por algum tempo você precisará frequentar esta casa a fim de
inteirar-se tanto quanto possível de assuntos patrimoniais,
administrativos, financeiros e contábeis da irmandade. No princípio,
aqui estarei para o exercício de suas faculdades psíquicas das quais há
pouco falamos. Para os assuntos, você terá a assessoria de Michel e na
ausência dele, Verônica. Não creio vir necessitar de muito tempo para
este conhecimento. Poderemos nos reunir amanhã, após o expediente de seu
trabalho?
- Está bem, Superior, gostaria mesmo de
inteirar-me de tudo o mais rápido possível.
- Ótimo. Michel virá com você para,
definitivamente, ensinar-lhe o caminho.
Subiram. Verônica preparou-lhes algo para
comer e lá permaneceram. Algum tempo depois Sorman despediu-se, tendo Michel o
levado até local seguro onde pudesse tomar um táxi.
CAPÍTULO IV
A ASSEMBLEIA
Alguém ao seu lado, vestido de branco como
ele, apontou para as amplas e altas portas indicando-lhe que as abrisse. O
símbolo secreto da irmandade abriu-se também em dois e Sorman viu que eles se
reuniam ante a mesa onde à cabeceira encontrava-se Bruno. Todos se levantaram
aplaudindo-o. A salva ecoou pelos quatro cantos daquele salão de teto e paredes
absolutamente brancos.
- Caro Sorman, começou
Bruno, esta é a primeira assembleia ordinária de que você participa depois de
iniciado. Aproxime-se a fim de eu apresentá-lo a todos - ele apontou para o
extremo oposto da mesa onde havia uma cadeira vaga, e em seguida procedeu às
apresentações. Sorman conheceu então aos
sete outros Mestres Terra e aos dois Ministros, surpreendendo-se ao constatar
dentre eles duas mulheres. Após, Bruno sinalizou que sentassem, prosseguindo:
- A pauta principal
desta assembleia virá tratar do entrosamento que o Ministro Extraordinário
precisará ter com todos os Mestres Terra. Desejo inicialmente solicitar a todos
os Mestres o fornecimento ao Ministro Extraordinário dos relatórios de seus
territórios para avaliação dele de nossa situação mundial neste instante. Mas
isto precisará ser feito com previsão, em dias distintos, no estúdio que o
Ministro ocupará.
Todos vestiam branco num só uniforme. No
peito, ao alto e à direita, ostentavam o símbolo secreto da irmandade, chamado
o símbolo interno. O outro, constante de formulários, papéis-cartas, livros e
uniformes de ofícios ou de reuniões dos escalões menores, era chamado o símbolo
externo. Um ruído desviou-lhe a atenção e viu uma jovem loura sentada próximo
da mesa, diante de um computador completamente diferente de todos que conhecia.
A um lado do computador, havia um aparelho de vídeo verde que, apesar de aceso,
nada mostrava. No lado oposto, uma impressora de modelo também desconhecido,
destacava folhas de um setor de suprimentos, as imprimia e as empilhava. A moça
era Verônica e achava-se totalmente absorta na tarefa.
- Com relação à Sorman, reiniciou Bruno, o
senhor Mendez o estará treinando para dispor dos recursos da telepatia - como
dispõem todos os Mestres aqui presentes - a fim de realizar contatos rápidos e
precisos quando necessários. Entretanto, a cada período devidamente agendado,
paralelamente às informações que estarão passando ao Ministro Extraordinário,
ele precisará também conhecer de perto o trabalho de todos na irmandade - Bruno
calou-se examinando rapidamente as fisionomias dos presentes, logo decretando:
- vejamos agora como planejar tudo isto!
Imediatamente se iniciaram os movimentos.
Todos se integraram naquele assunto, conversando, fazendo anotações e se
consultando. Falavam ora em espanhol ora em português, com sotaques bastante carregados.
Enquanto confabulavam, Sorman reparou que o vídeo verde registrava muitos
sinais à semelhança dos aparelhos médicos de geração eletrônica. Os sinais
surgiam segundo a voz de cada um dos participantes da reunião, e quando fosse o
caso, por ação de Verônica, entrariam depois no computador sem que houvesse a
conexão de cabos entre os aparelhos, vindo a ser decodificados. Em seguida,
apareceriam na tela do computador em forma de texto. Reparando melhor em
Verônica, ele viu no lóbulo de uma de suas orelhas um minúsculo transmissor
- segundo supôs com acerto, pois mais
tarde o examinaria de perto - e este transmissor tinha pequena e fina antena no
desenho de suave espiral de duas voltas, moldado perfeitamente ao pavilhão do
ouvido externo. Na extremidade da espiral havia pequena esfera transparente -
violeta e cintilante - deixando entrever algo líquido ou gelatinoso no seu
interior.
Sorman concluiu ser um tradutor instantâneo
dos sinais que o vídeo verde registrava, operando simultaneamente à decodificação
no computador. Esse pequeno transmissor enviava as vibrações da voz de cada um
dos participantes da assembleia ao ouvido de Verônica, e ela podia então
reconhecer quem e o quê exatamente falava. Dessa maneira, trabalhava o texto
compacto na tela do computador, fruto da decodificação automática, e de forma
inteligente dava a sua redação final. Após esses necessários arranjos, o texto
ia à impressora que fazia o restante do trabalho.
O cruzamento das energias com os companheiros
de mesa vinha trazer-lhe sensações diversas, ao mesmo tempo em que lhe
despertava familiaridades. A postura formal do início da assembleia, embora
quebrada pela pequena homenagem que lhe haviam prestado, desaparecia. Talvez
nunca houvesse mesmo existido como ele teria imaginado à priori: agora
acontecia total descontração. Após algum tempo de conversa, em que um ou outro
dos componentes da assembleia chegava a se deslocar para onde Sorman estava,
tinham elaborado um pequeno esquema de trabalho com o qual pretendiam suprir de
informações ao Ministro Extraordinário.
Bruno aprovou aquele
primeiro esboço rapidamente elaborado, não sem antes fazer algumas anotações,
inserir algo e inverter a ordem de dois itens. Ao passá-lo a Mendez, este o leu
não fazendo qualquer comentário, endossando-o. Trataram então de outros
assuntos e, tendo esgotado toda a pauta, o Irmão Supremo fez o encerramento. Ao
se despedirem, trocaram sinais e se tocaram mutuamente em transferências de
energias. Nesse momento, Sorman obteve de todos a exata ideia de seus
relacionamentos no passado. Aquela sensação de familiaridade, que em principio
no seu íntimo acordara, fora substancialmente reforçada de maneira a fazê-lo
sentir-se reintegrado à hierarquia, não importando qual posto houvera
anteriormente ocupado. Antes de deixar o salão de reuniões, falou-lhe
particularmente o Superior, em meio ao suave burburinho de todos que saiam
- Sorman, neste dia que daqui a pouco
amanhece, nos reuniremos novamente lá embaixo. Não sei quanto desta assembleia
ficará em sua memória consciente. Mas não importa, por que tenho certeza de que
com o tempo você conseguirá resgatar todos os registros dos acontecimentos
deste plano. Portanto, não se sinta atrapalhado caso algumas imagens ou sons
aqui produzidos venham cruzar-se instantaneamente com os registros de seu
cérebro físico, em qualquer momento de suas atividades na Terra. Depois de
certo tempo você aprenderá a conviver com fatos simultâneos.
- Está
bem, Superior – ele falou com tranquilidade – de certa maneira coisas assim já
me são cada dia mais frequentes.
-
Certo, então até amanhã!
Ao início da noite Michel encontrou-se
novamente com Sorman, que desta feita dirigia seu próprio carro. Antes de
deixarem o centro da cidade, Michel solicitou-lhe passar no endereço onde
Verônica trabalhava, não muito distante dali. Sorman aquiesceu prazerosamente.
Verônica já os esperava e após as saudações habituais, entrou e sentou-se no
banco traseiro.
-
Prazer em revê-la mais cedo - disse Sorman, virando ligeiramente o rosto para
trás.
- O
prazer é meu, irmão - respondeu ao mesmo tempo em que enlaçava Michel, à
frente, acariciando seu rosto e beijando-lhe os cabelos.
Em chegando a casa encontraram o Superior na
sala, assistindo televisão.
-
Senhor Mendez, espero que o dia não lhe tenha sido por demais aborrecido –
falou-lhe Verônica da porta, fazendo o sinal.
- Absolutamente, jovem, acabo de chegar. Tive
um dia deveras complicado e nada aborrecido – respondeu-lhe com naturalidade,
levantando-se, respondendo o sinal a todos.
- Então mudou os seus planos de aqui
permanecer? - inferiu Michel.
- Fui forçado a fazê-lo - disse simplesmente.
Os homens sentaram-se. Verônica foi tratar
das coisas da casa. Após meia hora, o Superior pediu licença a Michel, indo com
Sorman para o Salão de Conferências, onde iniciaram os exercícios de telepatia.
Mais tarde, Michel se juntaria aos dois para começar a instruir Sorman acerca
dos assuntos administrativos e contábeis da irmandade, tendo o Superior se
retirado. Às vinte e três horas, após ouvir as badaladas do pequeno carrilhão
em ouro, Michel falou-lhe:
- Por hoje basta, foram duas horas de
trabalho. Foi ótimo termos chegado mais cedo; oxalá prossigamos amanhã com a
mesma produtividade. Sorman concordou se espreguiçando. Logo subiram e Sorman
os deixava.
Aquela
semana transcorreu extremamente operosa. Na empresa, Sorman viu-se envolto
pelos problemas do projeto que sua equipe elaborava, consistindo na implantação
de uma nova linha de produtos. A matéria prima, em parte adquirida do exterior
com alguma estrutura já montada, mais tarde seria beneficiada. Outra parte do
produto seria totalmente fabricada na própria empresa, com material adquirido
de fornecedores nacionais e com o emprego de matéria prima obtida aqui no país.
Antes de tudo, para levantar os necessários fundos, precisavam dar garantias,
formalizar oficialmente o projeto aos bancos e entidades financiadoras, estimar
a produção mensal, semestral e anual, considerando, principalmente, custos,
despesas, valor final, margens de lucro, comercialização, fluidez do produto em
diferentes mercados, marketing, etc.
Depois
desta etapa discutida e aprovada, conseguido capital e incentivos suficientes,
tratariam de contratar pessoal para montar a fábrica. O processamento técnico
de montagem da maquinaria se constituiria numa das mais trabalhosas etapas.
Antes de tudo, iriam se deparar com outra batalha de inevitável desgaste –
grande em atenções – em que já se
engalfinhavam e que se acercava de exigências e preocupações por interesses políticos
e pessoais. Tratavam-se dos trâmites legais do projeto através da lenta e
corporativista burocracia arrastada nas delegacias e divisões setoriais dos
ministérios. As várias reuniões para os acertos técnicos da construção e
montagem e a celebração dos contratos e compromissos diversos, se configuravam,
desde logo, em tamanha e esdrúxula operação, que a exigida meticulosidade
empregada nos meandros do planejamento, a nada de caricato se comparava.
Concomitantemente, o projeto previa a reorganização do departamento de
importação e exportação, visto que, para o mercado exterior – muito mais
atrativo – pretendiam fazer escoar a maior parte da produção. O trabalho estava
somente em seu começo, mas já vinha trazendo suficiente desgaste e irritação.
As noites, Sorman cumpria rigorosamente o
compromisso assumido com o Superior Mestre Terra, não faltando a nenhum dos
encontros, sem mesmo saber de onde retirava tanta energia para realizar todas
as coisas. Nessa sexta-feira, Michel não se encontrava em casa. Ao encerrarem-se as
práticas com o Superior, Verônica ocupou o lugar do marido na assessoria
requerida a Sorman.
Foi
surpreendente. Verônica tinha pleno conhecimento de todos os assuntos,
fornecendo dados com precisão, ao mesmo tempo em que lançava mão com
intensa rapidez do imenso acervo da
biblioteca a fim de consultar decretos, atas, normativas ou fatos contábeis de
que tratavam. As respostas e conclusões às abordagens fluíam-lhe com tal
velocidade, que provocavam em Sorman seguidas reflexões acerca de sua
inteligência. Na realidade, pareceu-lhe que todas as coisas externadas por seus
gestos, pensamentos ou palavras, provinham de um extraordinário móvel psíquico.
Ela sorria, parecia brincar com os assuntos, e isto, a par das reflexões,
impressionavam-no profundamente. Em determinado instante, num lampejo de visão,
um quadro descerrou-se ante a percepção espiritual de Sorman e viu-a à assembleia,
a trabalhar com desenvoltura diante dos aparelhos eletrônicos.
Esse fato não o surpreendeu verdadeiramente;
o Superior já o alertara naquele encontro de que interações mente x cérebro
físico poderiam ocorrer ao longo da semana, embora não se lembrasse conscientemente
disso. Ele já tivera ao longo destes dias alguns cruzamentos de imagens sem se
impressionar, mas a versatilidade de Verônica veio aguçar-lhe o íntimo. Ela
seria, segundo suspeitava, altamente psíquica e capacitada a evocar com
precisão registros de uma memória superior que detivesse o conhecimento estratégico dos
assuntos. Essa memória, concluía, podia ser de seu ego num plano acima, ou
mesmo de outro ego, em qualquer dimensão, que com ela sintonizasse mentalmente.
De qualquer forma, era algo como um fenômeno e pode avaliar que nada na
irmandade, num processo mental como esse, poderia perder-se: tudo se
controlava.
Neste
sábado Sorman estaria livre. A semana de tempo brusco e pancadas de chuva
terminava com bela manhã ensolarada. O calor voltara forte; ele resolvera não
ir à empresa, ficando à beira da piscina. Desta feita, não somente Olga o
assediara com perguntas sobre suas saídas após os expedientes, mas também
Eduardo mostrara preocupações. Não se importava com o que estaria fazendo: ele
era livre e independente, porém por que fazia neste exato instante? Era
importante para os negócios que descansasse, dormisse o suficiente e se
alimentasse bem. Mas ele não respondia, fechando-se em silêncio. Entretanto,
para alegria de Olga, hoje o filho estaria em casa; ela lhe prepararia um bom
almoço; ele dormiria à tarde e talvez a convidasse para sair e jantar.
O Sol obrigara-o a procurar refúgio sob o
alpendre onde fizera o desjejum com sanduíches e suco de laranja, servidos pela
empregada. Eram quase dez e trinta; ele se encontrava num estado mental
intermediário entre o sono vagante e o limite da vigília. Os sons mais próximos
não se apagavam de sua percepção; às vezes imagens indefinidas ou pensamentos aparentemente
sem nexo, pululavam do subconsciente para a semiconsciência; ele não
comandava, nem interferia: deixava-os transcorrer. “Hoje às 16 horas, no Salão de Conferências. Mendez. Confirme!” A
voz nítida do Superior pareceu-lhe brotar do próprio cérebro. Ele despertou
sentando-se; apoiou os pés na grama, sentindo o encosto da cadeira subir-lhe às
costas. Teria imaginado? Permaneceu
pensativo mirando o verde gramado banhado do sol. Depois pervagou o olhar em derredor:
todas as coisas pareceram-lhe absolutamente normais; então apurou a audição
tentando perceber qualquer coisa a mais. Com efeito, passou a ouvir todos os
sons externos. Mas não era exatamente isto o que buscava neste instante.
Levantou-se indo à beira da piscina. A borda
estava quente: ele estava descalço; voltou para a grama e de novo para a
sombra, permanecendo em pé sob a barraca. “Confirme!”.
Como imperativo, a última palavra ecoava-lhe solitária e buscou concentrar-se
no Superior, enviando-lhe a resposta. Mas não teve a convicção de ter feito
corretamente. Então a imagem de Verônica surgiu-lhe na tela mental e teve a
ideia de transmitir-lhe as palavras: “Hoje,
no Salão de Conferências às 16 horas. Sorman. Confirme!”. Aguardou, e quase
imediatamente veio a resposta: “Confirmado!”.
- Já
sei, deve ser sua nova namorada? – Olga, surpreendida pela notícia, procurava
disfarçar a decepção forçando meio sorriso.
-
Talvez - ele respondeu tentando brincar.
- Você volta hoje? - ela agora falava sem
reservas ou disfarces.
- É
provável. Caso não aconteça telefono para deixá-la sossegada. Ela se manteve
séria. Eduardo nada dizia; comia macarrão. Mas ao término do almoço, quando o
rapaz se levantava, o pai não resistiu:
- Sorman, faça o que fizer, descanse à noite
pelo menos.
- Não
se preocupe - respondeu deixando-os.
As quinze e quarenta e cinco Sorman tocou a campainha.
Verônica acionou o dispositivo desarmando a trava eletrônica. Algo estalou. O
portão afastou-se e ele o empurrou definitivamente. Verônica o recebeu na sala
com o carinho de sempre, fazendo antes o sinal da irmandade.
- Vamos
descer, o Sr. Mendez e Michel já estão lá. – informou, conduzindo-o à escada
externa.
Ambos conversavam na biblioteca. Após a
transmissão do sinal, o Superior ofereceu-lhe assento. Ele estava alegre e
jovial:
- Meu filho, o seu progresso em todos os
assuntos da irmandade bem como na prática mental tem sido acentuado. O teste de
hoje foi bastante conclusivo.
- Mas não consegui retornar-lhe a mensagem.
Foi necessário fazer a ponte com Verônica - discordou em parte.
- Não tem importância, o diálogo direto entre
nós é questão de treino. Em pouco tempo, acredito, estará apto. Michel
contou-me acerca de seu interesse e da rápida assimilação. É animador!
- Tive a sorte de ter excelentes professores.
- Ótimo que pense assim – seu semblante
expressou, uma vez mais, jovialidade; depois reiniciou: - gostaria de informá-lo que hoje me despeço de
vocês. Estarei ausente por algum tempo. Volto aos Andes; é algo mais ou menos
urgente. Por isto chamei-o aqui, retirando-o de seu descanso. Nesta
oportunidade quero passar-lhe às mãos um livro documentando alguma coisa que
você precisará ler neste salão para depois novamente ser arquivado - ele
apontou para o livro encadernado nas mãos de Michel - trata-se de assunto a ser confirmado em
reunião neste mesmo salão. Michel estendeu-o ao Superior. Leia-o! – comandou o
Superior, entregando-o, por sua vez, a Sorman.
Desapontado
por precisar ler tantas páginas
que lhe consumiriam muito tempo, Sorman o abriu. Dizia o título: “Ata da
Assembleia Ordinária realizada no Salão Branco em __/__/__. Ele virou a
página
começando a leitura. Mas não precisou ler muito por que percebia o
ambiente
onde a assembleia se realizara, ouvindo tudo o que se discutira.
- Incrível, pareço ter participando da assembleia, consigo saber de tudo!
- E participou, mas somente agora você é
capaz de recordar-se daquela noite. Poderia deixar o livro de lado por um
momento e continuar concentrado nos registros de seu cérebro? – Sorman entregou
o livro à Verônica e fechou os olhos – diga-me do que a assembleia tratou? Ele
passou a relatar-lhe em detalhes o que se discutira. Logo o Superior o atalhou –
Sorman pare um pouco o relato linear, e tente fazer um resumo global da
abordagem de toda a agenda. Ele ficou por quase um minuto em silêncio; depois
recomeçou como lhe pedira o Superior. Ao cabo de cinco minutos havia terminado.
O Superior não conseguia disfarçar o contentamento.
- Ótimo Sorman! Numa só entrevista você deu
mostras de alguns aspectos de seu alcance psicométrico. É novamente animador!
Sorman sorriu, estava surpreso com tudo; não sabia ser possuidor destas raras
faculdades, porém perguntou:
- Acerca de nossos exercícios, Superior,
quando novamente os retomaremos?
- Não
haverá qualquer interrupção, fique tranquilo. Daqui para frente desenvolveremos
uma nova etapa, segundo um planejamento. De variadas distâncias e diferentes
latitudes faremos as abordagens - ele enfiou a mão no bolso interno do paletó,
retirando um envelope pardo - leve isto
e siga a todas as recomendações.
CAPÍTULO V
O ATAQUE
Eram quase vinte horas quando Sorman os
deixou. A pequena reunião houvera sido agradável. O Superior o esclarecera
sobre alguns propósitos da irmandade, revelando-lhe também aspectos do trabalho
em que estariam envolvidos nos próximos anos.
Ao despedir-se do grande
mentor com um aperto de mão, uma incontida emoção veio-lhe à tona, e lamentou
aquela separação. Mais tarde, enquanto dirigia, admitiria que a cada encontro
laços de mútua admiração e confiança se estreitavam entre ambos. A convivência
com o Superior, embora por poucas horas durante uma semana, demonstrava-lhe uma
simplicidade de pensamento em torno de alguma coisa em comum. O reconhecimento
desse fato, certamente adviria de um sentimento mútuo, aberto e sincero, que os
ligara por descendências, e que ainda o conduzia a pensar no Superior como seu
pai.
Nessa série de acontecimentos, o que de melhor
podia avaliar e mensurar concretamente ou não, era a conquista de uma iniciação
e a condução a um alto posto de uma hierarquia de que pouco ou quase nada
sabia. Mas pela falta de reais parâmetros, segundo supunha, talvez não
conseguisse aquilatar ainda a perfeita dimensão de seus valores. Mesmo aqueles
momentos de desprendimento e alargamento de consciência – alguma coisa parecida
a um quase êxtase que houvera vivenciado na Casa Rosa – seriam, contudo, insuficientes para
determinar-lhe inabalável solidez, se é que estas coisas funcionavam desse
modo.
Impossível deixar de refletir sobre os
acontecimentos que rapidamente se precipitaram e em pouco tempo vieram determinar-lhe
novos rumos a sua vida. Por outro lado, apesar de tudo, não podia também deixar de
considerar-se mergulhado num mar de fenômenos naturais e super físicos. Não tivera tempo suficiente para alimentar o ego com pensamentos
definitivamente seus e solidamente estruturar-se em ambos os planos de sua pessoal
existência. Não se sentia perdido no vazio, era verdade, pois pressentia um
sentido superior a guiá-lo, mas reconhecia também a atuação de uma oposição a esse sentido superior, que por vezes o fazia experienciar um gosto de estranha ausência ao que de maior julgara ter conquistado.
Essa cogitação não tencionada, brotando
naturalmente em seus pensamentos, despertou-lhe outras súbitas lembranças e
viu-se novamente arremetido ao ashram. Como resultado, as mesmas dúvidas quanto
ao valor de sua existência, que quando mais jovem o lancetaram, vieram de novo
formar desfile – os vrittis que estudara – atraindo sensações antigas. A
incerteza dos caminhos, a inadaptabilidade de outrora, a voz de Anita - tudo
isso se ampliou em seu psiquismo, o envolveu e o perturbou, e ele estremeceu!
Sufocado, veio-lhe a necessidade de caminhar
e resolveu estacionar nas cercanias de uma praia. As pessoas passeavam
despreocupadas na larga calçada; jovens enamorados trocavam carícias; grupos se
reuniam para conversar; vendedores em barracas ou tabuleiros trabalhavam. Luzes
e sons nesse lugar ajudavam a modelar a noturna fisionomia do sábado. Sob o céu
estrelado, ele pulou do raso cais para os meandros da areia umedecida. O rumor
de águas era suave e os ruídos dos homens subsistiam.
Superação!
A palavra construiu-se dentre seus pensamentos e dominou. Ele viu o rosto de
Bruno, ouvindo de novo as palavras a soar-lhe como irrefutável axioma: “O Grande Negativo! Na verdade, todas as
coisas deste mundo estão voltadas para ele, tendo em si metade de sua
essência.”
Em seguida, um rumor de águas e vento: ele
era uma nau, a tempestade açoitava; vento, águas, nau, ele – todas essas presenças se misturavam na visão
mental. Havia turbulência, temor; as águas ficaram negras, o céu estremecera – socorro!
Sua própria voz gritava em sua mente! Estaria enlouquecendo? Vozes e mais vozes
começaram a ser ouvidas, também gritos, escárnio. “Quem és tu, homem pequeno?” Risos. “Vê o que não desejas admitir.”
Um negro braço então se moveu de baixo para cima, descortinando grande
massa de seres humanos amontoados, pisando uns sobre os outros, querendo
chegar, mas onde? Viu a seguir todos daquela massa mostrando ares de loucura e
dentre a massa de rostos desconhecidos, estava o seu próprio rosto. “O teu destino é também o deles, hoje os
reencontrará.” Súbita vertigem o tomou; os pensamentos se confundiram; não
sabia se ria ou se chorava. “Sou eu quem
te chama, sou eu quem te quer, és tão meu quanto sou teu.” A voz desta vez,
como um ribombo, quase lhe explodiu o cérebro. Ele trouxe as mãos à cabeça e
caiu de joelhos. “És um louco a mais,
outro demente no mundo!” A voz de novo eclodiu. Inconscientemente ele
tateou sobre o peito, tocando em alguma coisa que trazia.
- O medalhão! – quase gritou, abrindo os
botões da camisa, puxando-o e o colando à testa. As imagens começaram a se
recolher num desfile invertido, escoando rapidamente como água que adentra um
ralo. Uma gargalhada sinistra, provinda do ar, sobrelevou-se a tudo e
desapareceu.
0 0 0
Eram mais de dez horas na manhã de domingo quando se levantou, causando
surpresa aos pais. Chegara a casa à beira da exaustão. Apesar das horas
dormidas sentia muito cansaço. À tarde, ao novamente se recolher ao quarto,
lembrou-se do envelope que o Superior lhe entregara, retirando-o do bolso das
calças dependuradas no cabide. O envelope continha uma folha de papel
manuscrita delineando um conteúdo de práticas de telepatia. Mas nada tendo hoje
a fazer com relação a essas práticas, recolocou a folha no envelope e o
condicionou à gaveta do armário.
Dois estímulos começaram a competir em sua
mente como impulsos. Um deles, o convidava a sair pelas ruas sem determinar-lhe
destino ou direção. O outro, o chamava a aquietar-se e relaxar. Ele optou pelo
segundo, sentando-se na cadeira, apoiando os braços nos descansos. Logo os sentidos se apagaram e viu-se diante
de Bruno, em pé, numa pequena sala.
Ocupando metade do ambiente havia estreita
mesa com objetos usuais, tendo atrás uma cadeira estofada – tipo poltrona - de
especial descanso de cabeça, e noutro lado duas outras cadeiras comuns, também
estofadas. Numa das paredes, uma acanhada estante continha livros, pastas com
arquivos e um computador com impressora. Sorman deixara atrás de si a porta aberta e, Bruno,
delicadamente, a fechou, logo falando:
- Caro Sorman, o assédio começou muito antes
do esperado. Descuidei-me no chamamento de sua atenção e não tive a exata noção
de que seu rápido avanço desde logo atrairia ataques contra o seu mental. Foi
um erro imperdoável. – Bruno tinha a
fisionomia abatida, parecendo embaraçado ao lançar o olhar ao chão. Ao cabo de
alguns segundos novamente mirou os olhos de Sorman, prosseguindo – não posso
pedir-lhe para que não recue. A retomada desta posição na irmandade foi-lhe
difícil, não podendo ser diferente, mas a visão do futuro, permeada numa
certeza, é somente sua. Nada ou ninguém, a despeito do que lhe digam ou mostrem
em qualquer nível ou dimensão, virá convencê-lo intimamente. A liberdade de
pensar e agir são um direito inalienável de uma consciência que haja adquirido
o seu próprio dharma. O que se passou, devo enfim confessar, poderia ter-lhe
causado dois definitivos resultados. Um seria a morte imediata; o outro, a
alienação completa. O momento de um ataque como este, que de todas as formas
deve ser evitado, deu-se de maneira envolvente. Quando isso se processa, em
poucos minutos se interrompem as comunicações com os escalões da hierarquia e
com a própria alma e nada se pode fazer senão aguardar que o ego vitimado
detenha pessoais recursos para tentar escapar. Mas você conseguiu anular o
ataque.
Sorman que ainda não avaliara a exata
amplitude do acontecido e do perigo enfrentado, mediante aquelas palavras
sentiu um calafrio a percorrer-lhe a espinha.
- Felizmente trazia comigo o medalhão dado
por Germano.
- Felizmente, mais ainda, você teve forças
para não se deixar abater. Sorman procurou demonstrar tranquilidade:
- Admito que o ataque me causasse extra
dispêndio de energia mental e psíquica, haja visto eu precisar descansar muitas
horas. No entanto, este acontecimento serviu-me para reforçar a ideia de o
Grande Negativo ser parte indissociada da natureza e do próprio ego, conforme
você mesmo já me houvera revelado Não que eu duvidasse disto, mas nunca me
detive a analisar. Porém, concluí definitivamente que o negativo, em essência,
não pode ser considerado algo mau, aparte do Criador, pois não é a inteligência
oposta a Ele, e você, Bruno, já houvera abordado e discorrido sobre esta razão
em sua casa quando naquele dia conversáramos. E me permita também discorrer um
pouco sobre o assunto, considerando mais ao fato de o Grande Negativo não
causar oposição desmedida.
Ele é perfeito no equilíbrio das leis
cósmicas. A ação nefasta de sua polaridade – quando ocorre – não provém
mecanicamente de sua natureza, mas sim, da incorporação de seus poderes pelas
inteligências maléficas. Diria, objetivamente, existir de permeio no universo,
até os seus confins, o reflexo do Grande Negativo num infinito rebatimento.
Esse reflexo vem conformar nas dimensões ou planos cósmicos, os fenômenos
invertidos da Matriz dos mundos, como na criação de um sistema solar, fazendo
oposição ao reflexo da “revelação” da própria Matriz. Esta mesma “revelação” é,
em essência, a contraparte positiva do universo. O outro, em oposta simetria, é
a sua contraparte negativa. Assim temos
ambos os reflexos de ambos os produtos da Mente do Criador – da Matriz e de sua
“revelação” – em oposição entre si, nos desdobramentos da matéria-raiz que
originou o nosso sistema solar. Sob essa inerência, as inteligências invertidas
vêm provocar choques ou destruições, quando naturalmente existir oposições, ao
incorporarem as forças em projeção para baixo do reflexo da Matriz do Grande
Negativo, ou seja, das forças involutivas de polaridade negativa que atuam para
consolidar a própria matéria cósmica dos mundos, segundo a ideação do Aspecto
Forma do Criador.
Esta maneira de ser e agir evoca a presença de uma Alma Negra
Universal, existente nos interstícios de todos os mundos ou dimensões, que
pelos motivos díspares já expostos é oposta a uma Alma Branca, boa e
acolhedora, em mesmas proporções e medidas cósmicas da primeira, a quem, essa
segunda, recorremos para todas as nossas necessidades naturais e aflições
humanas. O negativo em si não pode ser impedido na sua permanente ação;
entretanto, a cada giro do tempo, ele se reforça com melhor apuro da
inteligência, produto da própria Mente Universal. Diria, nesse caso, que o
mundo avança sempre para novos e mais definidos patamares. Esta citação vem
encontrar o que realizamos nesse momento aqui no plano físico. O processo
mental traz, de modo intrínseco, duas vertentes com os sentidos respectivos das
projeções diametralmente opostos.
Mas o mental é um só e quando nos
posicionamos abaixo da geração e vórtices dos arquétipos, sem dúvida percebemos
estas duas vertentes de ação conjunta a se equivaler em sentidos opostos, sendo
uma de fuga para cima e a outra de fuga para baixo. A de fuga para cima, apesar
da falsa noção de altura, vem ao próprio nadir unida ao seu oposto, e se lança
naturalmente ao alto, a fim de encontrar a síntese numa única forma: a unidade.
Sua qualidade principal é a fusão de todas as formas em seu plano de
existência. A de fuga para baixo vem lançar-se para encontrar a pluralidade das
formas. Sua principal qualidade é reconhecer-se em sucessivas experiências na
matéria. Na realidade, ambos os sentidos têm a mesma origem, nasceram no mesmo
lugar, sendo diferenciados nesses nossos mundos de fenômenos não pela essência,
mas pela qualidade de suas ações.
O ego humano, por outro lado, é dotado de
mecanismos com suficiente capacidade para absorver a ambas as correntes e
buscar, ele mesmo, a sua própria síntese mental. E realmente precisa fazer
isto. O caminho do meio, muitas vezes citado por Buda, vai, nesse caso, além do
conceito comumente entendido de que existe a necessidade da dupla pendência
entre austeridade e prazeres, em modos alternados de compensações, para se
alcançar o equilíbrio. Essa dupla condição existirá, reconheço, quanto mais literal
for o envolvimento do ego nos laços de Maia, nas redes da ilusão; a opção é de
cada um! Mas não é esse o exemplo daquilo que agora falo.
O que entendo como realidade oculta nessa
relação, é a síntese final necessária ao ego realizar. Num estágio muito longo
da existência terrena, os discos fazem o trabalho do sentido de fuga para
baixo, pelo fato da necessidade do ego precisar expandir-se horizontalmente na
pluralidade das formas. A parte mais interessante nesse processo é a ação
mental sobre todos os demais veículos que estruturam o ego. O processo há
milênios vem sendo conduzido e aperfeiçoado na humanidade, porém quando
tratamos de egos já no consciente curso do autoconhecimento, algo mais
criterioso precisa ser considerado. Assim, nesses casos, as projeções naturais
das correntes de energia nos veículos do ego, revertem o seu sentido,
provocando nos discos unicamente o movimento de propiciar o refluxo para cima.
Em consequência, as correntes virão aos poucos alcançar resultantes na mente,
produto da ação conjunta positivo-negativo. Nesse momento é preciso ao ego
realizar a aplicação de um permanente dinamismo, atraído da vontade do
espírito, sendo esse imprescindível fator inerentemente sublimatório. Os discos
são naturalmente os conhecidos chackras e as correntes revertidas para cima,
neste processo final de uma grande síntese, atingirão de volta ao mental após
milênios, com extraordinária voltagem. Daí, o reverendíssimo Buda citar com
maestria a necessidade de se trilhar o caminho do meio, por que somente esse
canal conduzirá a luz interior do ego para uma explosão ulterior. Ele parou os
seus argumentos e mediante aquele inesperado silêncio, Bruno estimulou-o:
-
Prossiga, Sorman, não se incomode com o que eu tenha a falar.
- Pois bem, os ataques negativos dirigidos ao
mental, não se limitam às forças externas personificadas, criadas sob o reflexo
da imagem invertida do Criador, que, por natural e contrária atração, vivem a
atormentar o homem. Estas forças sempre existirão e é necessário lutar-se com
denodo para não se deixar atingir, evitando-se deste modo danos aos nossos
veículos ou mesmo divisões das forças com as quais trabalhamos para os nossos
superiores objetivos. Trata-se de outra forma de ação. É inteligência
coordenada pelo “pai de todos” os que se opõem. São ações sucessivas provocando
ilusões mentais, interagindo com as energias plasmadoras das imagens criadas no
ego. É algo instintivo a mover-se rápida e sub-repticiamente nas estruturas do
próprio ego, a fim de tomar as rédeas dos seus mais íntimos pensamentos e
guiá-los para fora, buscando neutralizar as forças coadunantes com a vontade,
e, dessa maneira, abatê-las, anulando-as. Sugestões acerca das sensações na
matéria física são veiculadas as imagens, fortalecendo-as externamente. Em
dimensão cósmica, essa realidade intrínseca mental vem personificar-se no papel
de gigantesco e imensurável ícone a mover-se pelos mundos, arrastando consigo
correntes opositoras destrutivas, conhecidas por nós como o mal. Em sua ação,
essa infinita inteligência opositora liga-se instantaneamente com todos os seus
afins, mas vem provocar lutas íntimas naqueles que dividem e separam essas duas
polaridades, ajustadas por qualidades, a uma idéia global de equilibrada
existência.
O ego voando para a liberdade é uma criatura
que se encontra aparte dos seus criadores. O Divino ainda não o quer, e Maia o
está perdendo. Num determinado estágio, ele é de certa maneira um indesejável
que incomoda. Ao romper véus deixa rastros atrás de si; isso significa tentativa
de escamotear as forças opressoras da natureza, por que, além de tudo, podem
também estimular outros egos a intenta os mesmos passos, o que lhe vale
fortes represálias. Por outro lado, ele vem incessantemente requerer a luz, mas
isto ainda não é possível possuí-la, pois é somente apanágio dos deuses.
O Grande Negativo, numa relação de escala
cósmica reduzida para um ser humano, está sempre vivo e pulsante na intimidade
do ego. Está ao mesmo tempo nas formas exteriores da natureza planetária e na
fluência dos arquétipos invisíveis que a tudo permeiam. Impossível, portanto,
escapar de sua ação, mas em qualquer estágio do despertar do ego não é
completamente impossível permanecer-se parcialmente fora de seu controle. O
grande desafio para a sabedoria e determinação do iniciado, é descobrir o
segredo do perfeito domínio de ambas as forças que a ele mesmo sustém. Você,
Bruno, já mencionara este fato em nossa conversa, mas naquela oportunidade eu
não reunia condições de compreender o real valor de suas palavras por não ter
tido a experiência pela qual há pouco passei.
Sei que não lhe falo novidade alguma e a
intenção principal de todas essas palavras é de fazê-lo sentir que você não
teve culpa alguma no acontecido. Sempre soube destas relações duais; por toda a
minha vida venho convivendo com elas. Algumas vezes sou obrigado a mergulhar
sob obscuros véus para realmente sentir, e isso ainda está longe de terminar em
minha caminhada.
Olhando esses acontecimentos sob um
determinado ângulo, vejo-me até favorecido por agora saber como um ataque dessa
amplitude pode ser desfechado. A minha consciência é livre e liberta de
qualquer sentimento de acusação; nada que venha me acontecer poderá ser
tributada por conta e responsabilidade de outra pessoa, seja quem for: tudo me
diz respeito!
- Espanta-me a sua coragem, caro amigo – falou Bruno após um breve silêncio de Sorman
– e sinto-me um tanto aliviado, embora não totalmente despreocupado, por suas
atitudes intimoratas.
- Não há por que se preocupar, pois não pretendo
provocar deliberadamente aos meus opositores. Essas situações acontecerão pela
própria inerência das polaridades. Ademais, como você já disse, não há mesmo
como escapar das lutas e é mister resistir às investidas ao nível em que elas
aconteçam. Mas a luta não é somente minha. A sua própria deve dar-se,
provavelmente, em proporções ainda maiores, motivo também de idênticas
preocupações. – Bruno subitamente começou a rir, deixando Sorman atônito. – De
que ri, Bruno, terei dito algo hilariante? – sua expressão era um tanto
desenxabida. Bruno pôs-lhe a mão no ombro.
- Não, Sorman, não! Estou rindo de uma
situação de quase infantilidade, criada em minha imaginação.
- Como assim?
- Estamos ambos falando de ações negativas,
resguardados sob as paredes de um estúdio. Isto me fez imaginar a posição de
dois inexperientes neófitos, tentando apoiar um ao outro, ao mesmo tempo em que
buscam, eles próprios, por autoafirmação. Pareceu-me querermos passar mútua
coragem e um pouco de estratégia a fim de nos sentirmos reconfortados.
- Tem razão! – concordou Sorman e Bruno
gargalhou largando-se no assento da cadeira.
Sorman voltou à consciência abrindo os
olhos. Por alguns segundos ficou-lhe na percepção a distante cena de Bruno
sentado e rindo, que logo desapareceu por completo. Ele então se levantou e foi
tomar banho. Após se vestir, informou aos pais que sairia.
Sem que resistisse à ideia, trinta minutos
depois entrava pela rua onde Anita morava, passando lentamente diante de sua
casa. Alguns metros à frente ajeitava o retrovisor do carro para melhor
observar. Perguntava-se, não obstante, se teria esse direito. Segundo soubera,
ela tinha um filho, possivelmente viveria com o companheiro. Por que então
imiscuir-se na sua vida, talvez abrir-lhe antiga chaga, fazendo-a novamente
sofrer? Esse provável fato inquietou-o. Como a provocá-lo, o mágico sorriso de
Lucéa vestiu-lhe os pensamentos e seu beijo foi outra vez sentido. Foi somente
uma despedida: desejou convencer-se! A inquietação perdurou por uns poucos minutos
até ele dar-lhe um fim, desistindo da ideia de ali permanecer. Sentia-se
ridículo e arrancou do lugar indo para o outro lado da cidade.
CAPÍTULO VI
ENTREVISTA COM O QUINTO
MESTRE TERRA
O Quinto Mestre Terra era Stefany, jovial
senhora eslava, que realizava o seu trabalho no país de origem. Como os demais
Mestres Terra, ela detinha sob a sua administração alguns países. Stefany vinha
colaborando com a hierarquia por quase três décadas, tendo antes exercido a
função de Mestre Menor de seu falecido antecessor. Seu ótimo desempenho sob
governos socialistas, a recomendou para ocupar a principal posição desse
departamento. Cuidara de centenas de famílias da célula e ao viver fisicamente
entre eles, contribuira para constituir unidade maior entre os irmãos,
avivando-lhes nas almas as lembranças do por que estarem ali encarnados neste
momento. Criou grupos que se reuniam secretamente para se fortalecer mental e
espiritualmente, desenvolvendo com eles mecanismos de contato com escalões da
hierarquia, bem como trabalhos de cura. Cada grupo tinha senhas e sinais
próprios que identificavam os seus respectivos membros. Possuíam um serviço de
espionagem para salvaguarda de seus interesses. Nos grupos, havia militares
conscientizados de seus papéis externos e internos relativos aos verdadeiros
ideais de vida da célula.
A grande decepção vivida por Stefany, fora a
traição de um membro pertencente a um de seus grupos. Ignorando a todos os
alertas acerca das forças malignas, o irmão deixou-se envolver e seduzir,
desejando posição e dinheiro. Sendo funcionário do governo planejou delatar a todos
os membros de seu grupo com a denúncia de que conspiravam. Já houvera feito
contatos com o serviço secreto do país, e recebera a promessa de um pagamento
inicial em espécie quando entregasse a relação com os nomes e endereços. E tão
logo o grupo fosse surpreendido em reunião e levado para interrogatório, a isso
se seguiria a indicação para um cargo superior. O governo proibia reuniões
secretas por suspeitar sempre de conspirações. Sindicatos, mesmo assim,
mediante muita luta e ações, haviam conquistado o direito de se reunir, opor-se
e reivindicar. O governo promovera umas poucas aberturas econômicas com outras
nações, contrariando o comando soviético. Mas a repressão e o terrorismo contra
o povo e pequenas organizações que lutavam pelos direitos humanos ainda
continuava. Torturas, mortes e desaparecimentos se sucediam na calada da noite.
Entretanto, na manhã em que o traidor se
dirigia à sede do serviço secreto, levando a relação, sofreu infarto fulminante
ao volante de seu carro, morrendo instantaneamente. Chamada por populares, uma
ambulância levou o corpo para o pronto socorro mais próximo. Quando os agentes
do serviço secreto foram avisados do acontecido e para lá se dirigiram, nada
encontraram com os seus pertences: a relação incriminadora, avidamente
procurada, houvera desaparecido da pasta do funcionário morto.
Após a queda das barreiras soviéticas e a
transição do antigo regime, as coisas haviam melhorado bastante com relação ao
trabalho da hierarquia. O terrorismo do governo terminara e os grupos podiam
reunir-se sem temor.
Stefany tinha em torno de 1m65cm de altura,
seus cabelos se mesclavam de ruivos e brancos; ela era magra, tinha a pele bem
clara e o rosto extremamente simpático. Sorria muito, repuxando os olhos
castanhos, com isso trazendo à fisionomia um pouco da aparência oriental. Isso,
sem dúvida, se devia a sua ascendência por que o avô nascera numa região entre
a Mongólia e Sibéria, embora o pai fosse do Cáucaso. A mãe era eslava. Ela
adentrou o estúdio de Sorman acompanhada de dois ordenanças, que, `a sua ordem,
deixaram as pastas de arquivo a um canto, e se retiraram.
O Quinto
Mestre Terra começou imediatamente a passar ao Ministro Extraordinário as
informações, dando-lhe desde logo sugestões ou adiantando futuros
procedimentos. Havia a projeção de um trabalho para os próximos dez anos, outra
para os trinta seguintes. No primeiro planejamento de dez anos, estava prevista
a introdução de novos métodos de desenvolvimento mental devido às grandes
mudanças já acontecidas na natureza psíquica da humanidade. Stefany já
preparava o seu pessoal para esta nova ordem de trabalhos. Todos os Mestres
Terra haviam também recebido as mesmas instruções e recomendações para isso
realizar. Dependiam, na prática, de adaptar os métodos às raças ou etnias, nas
quais a célula tinha membros encarnados na vida física. Caberia, ainda, uma
série de considerações acerca dos futuros corpos destinados aos membros
viventes nas Américas e em locais da Ásia, como instrumentos válidos. Mas isso
fazia parte da segunda fase deste mesmo cronograma, apresentado pelo Irmão
Supremo aos Mestres Terra, em reunião ocorrida há cinco anos. O que agora
começavam efetivamente a pôr em prática era a primeira fase.
O planejamento para o trabalho dos próximos
trinta anos previa, igualmente, duas fases. A primeira dizia respeito aos
irmãos encarnados, na idade infantil. A segunda respeitava às almas que nesse
momento se preparavam para reentrar no mundo físico. Estas últimas, já vinham
recebendo treinamento e elucidações de professores, que buscavam atualizá-los
com as correntes do pensamento mundial. Isto facilitaria sua adaptação aos
problemas humanos. Contudo, essas almas, em quem depositavam esperanças e
confiança, estavam imbuídas de um papel ainda mais importante, que era de ser
portadoras de um tipo específico de energia mental que as colocaria na
vanguarda do mundo. Não se tratava propriamente de formar intelectuais,
cientistas ou filósofos. Alguns expoentes até poderiam desenvolver pensamento
crítico ou científico. E já existiam no mundo muitos representantes dos povos
com liderança política, científica, filosófica, religiosa e artística, sendo
almas da célula. Mas o que se esperava dos possuidores dessa energia mental, seria
maior facilidade em se adaptarem aos novos tempos, desdobrando melhor visão dos
problemas globais humanos de todas as nações e vislumbrando com maior nitidez
alguma coisa da realidade oculta do Criador.
Seriam, na sua quase totalidade,
pessoas do povo, vivendo nas classes sociais de média aquisição econômica, mas
tendo fácil acesso a todas as classes onde marcariam a sua influência. Esse
segundo cronograma para estar ajustado, dependia em muitos pontos dos
resultados práticos do primeiro, de dez anos, visto necessitarem, sobretudo,
das avaliações dos testes e implementos aos equipamentos cerebrais disponíveis.
Mesmo que o primeiro cronograma não produzisse os resultados esperados, o
segundo o seguiria, podendo ser aditado no seu curso, por atuações e
experimentos específicos dos cientistas da célula. Consoante ao pensamento da
hierarquia, os corpos que a irmandade utilizaria para as finalidades previstas,
necessitariam estar aparelhados com cérebros adequados ao máximo.
Nesse processo, as potentes arremetidas dos
fluxos da radiação dessa nova era continuariam a ser especialmente trabalhadas
nos equipamentos mentais utilizados pelos irmãos. Isso, sem dúvida, aconteceria
num primeiro segmento planejado conjuntamente ao trabalho mundial com todas as
raças. Outras implicações viriam mais tarde se desdobrar com os membros da
célula, após a bem sucedida experiência desses próximos trinta anos. E para
essa execução, os ajustes seriam considerados na medida do andamento dos fatos
da vida física, no tocante a evolução da própria humanidade. Era o que os
membros da hierarquia contavam com redobrado otimismo, embora soubessem que
tudo estava somente começando.
Stefany levantou-se. Em meio às pastas
depositadas a um canto no tapete, alcançou uma maleta que a apoiou sobre as
pernas ao de novo sentar-se diante da mesa. Abriu-a e retirou dali um único e
grosso livro de largas folhas. Disse tratar-se de um esboço do cronograma de
projeção dos diferentes projetos elaborados para a evolução das raças, a ser
colocado em prática possivelmente na segunda década do novo milênio. Esse
cronograma para o mundo, infinitamente mais amplo do que os dois anteriores,
ainda que sem uma base totalmente segura, vinha prever expansões das variadas
áreas das atividades humanas em todo o planeta, cujas execuções objetivariam um
único ideal: proporcionar os meios de as almas conseguirem trabalhar melhor as
suas dificuldades a fim de alcançar, nessa era, a meta inicial prevista nos
desdobramentos do Plano do Criador. Esse objetivo consistia de a humanidade,
aos milhões, atingir conscientemente o átrio de entrada do caminho evolutivo. E
se milhões entendessem de fato a importância desse objetivo, e sem perda de
tempo deixassem de lado os apelos das ilusões, chegando ao átrio, e seguissem
em frente, a meta final desse trabalho
como um todo, seria atingido com rapidez nos próximos séculos. Algumas folhas
do livro abriam-se em mapas, fluxogramas e pequenos organogramas de
administração ideal para as situações que certamente se apresentariam. Levavam
em conta conquistas obtidas por outras hierarquias nas suas experiências em
sistema solar precedente, muito embora os objetivos passados fossem outros. A
ação dos mentores espirituais do sistema solar anterior – há trilhões de anos
terrenos – acontecera sob a ótica da
expressão material do próprio Sol.
Ao mostrar-lhe o quadro geral da distribuição
populacional do planeta, Sorman notou quão diferente os continentes apareciam
em relação ao mapa mundi atual. À medida que Stefany virava páginas,
descrevendo as intenções dos estudos, ele verificava que a hierarquia realmente
se preparava para conviver com uma nova época. E essa nova época vinha sendo
planejada para trazer a verdadeira integração das ciências, com o objetivo em
comum de atender a humanidade sem interesses pessoais. Estariam eliminados os
privilégios de raças, países, ou grupos econômicos. Nada a ninguém pertenceria
senão a todos. Os esforços se integrariam para pôr um fim nas diferenças
sociais quanto aos direitos básicos de cada cidadão. Haveria, pois, o
aniquilamento de todas as carências humanas; os organismos de assistência
social, modernamente equipados, seriam fortalecidos nos seus serviços.
Mais adiante, Stefany apresentou o que se esperava dos frutos da
atividade inicial de saneamento e erradicação dos males que atrelavam a vida
humana a um trabalho escravo de sobrevivência. Não se viveria mais unicamente
para o trabalho. Índices cromatizados, quadros sinópticos, curvas e outras
expressões estatísticas, vinham caracterizar a seriedade do projeto,
fantasticamente abarcante. Outros mapas envolviam outras sequências de dados e
índices, mostrando, de início, o atlas atual e com especial destaque, certas
áreas de assentamentos populacionais. Os detalhes dessas áreas especiais eram
mais precisos, melhor delineados, e Sorman notou tratar-se do trabalho da
irmandade em prol de sua célula. Daí em diante, o livro dos projetos abordaria
unicamente esse assunto.
- Veja bem, Sorman – ela recostou-se no
espaldar almofadado da cadeira, desligando-se momentaneamente dos fatos e
projeções apresentados no livro. Tinha o sotaque carregado como os eslavos ao
falar português – não somos de maneira alguma um organismo independente,
especialmente destacado do corpo mundial por um tipo qualquer de grandeza.
Todas as raças e nações nos preocupam; temos as nossas responsabilidades para
ajudar a esse corpo mundial. Todavia, dentre todas as células que o compõe,
encontra-se a nossa própria célula e somente a nós compete dela cuidarmos. E
quanto melhor estiver o meio ambiente saneado e purificado, digno, portanto, de
se poder desenvolver um trabalho constante e ideal, melhores serão os
resultados. A integração dos organismos que estruturam a esse corpo é uma
necessidade primordial, devendo ser a principal atenção de todos os povos. As
diferenças existem entre as células, não podemos a isto negar, porque é uma
realidade até necessária. Mas a preocupação e os esforços mais específicos por
nós desenvolvidos deverão ser carreados sem perda de tempo para o projeto
pertencente a nossa célula, porque ela é a nossa casa. Ninguém pode conservar e
melhorar o ambiente de seu próprio lar se a sua ocupação principal de todos os
momentos for unicamente ajudar o seu vizinho.
Talvez eu não precisasse exemplificar essas
coisas; você é muito inteligente e perspicaz, certamente já terá observado.
Entretanto, deve entender não se tratar de egoísmo ou orgulho racial, mesmo porque
estamos longe ainda de abrigarmo-nos por completo numa raça própria ou etnia.
Por enquanto estamos tomando corpos emprestados do que melhor existe nas
diversas raças mundiais, por que é uma necessidade humana, e, principalmente,
para a readaptação ao mundo físico do ser psíquico de nossas almas. Serão
necessários outros períodos alternados de reencarnação nos séculos vindouros,
para os irmãos estarem realmente aptos a trabalhar as qualidades mentais
superiores na direção correta, conquistando-as definitivamente, segundo as
necessidades da célula – ela cessou os argumentos como a dar oportunidade a
Sorman de expor alguma coisa. Falara com boa fluência, às vezes entremeando
palavras e expressões em
espanhol. Sorman entendeu a pausa.
- Não se preocupe com o meu julgamento,
Stefany, pois creio ter compreendido o porquê da hierarquia esforçar-se com
tanto afinco para os nossos. Ademais, vejo nessa concentração de energias e
calculado dispêndio para nossa célula, algo altamente benéfico também para
todas as demais células do planeta, exatamente como determinam as leis da
natureza. Nossas aquisições e conquistas, sem dúvida, ajudarão a melhorar o
mundo. Que cada hierarquia, portanto, cuide bem dos seus para o benefício
mundial! Ela sorriu e continuou:
- É bom saber que você já incorporou esse
espírito sem perder a noção de espaço. A universalidade de pensamento não pode
ser outra entre os membros da irmandade. Nisso reside a coesão de nossa
unidade. E gostaria também de aduzir, a propósito de tudo, que atravessamos um
momento mundial ímpar na história da evolução humana. Jamais antes um projeto
tão grandioso e abarcante, com tantos recursos das ciências, foi colocado em
prática para os servidores desenvolver. Nossa grande família vê-se, pela
primeira vez, inserida de forma organizada num contexto amplo e minucioso como
esse. No passado, nas interpolações da célula na vida humana, a dimensão de
nossas ações foi outra; os objetivos adrede formulados foram alcançados por
poucos a cada vez, e esses poucos atuaram como líderes dos que os seguiam mais
atrás. Muitas metas determinadas para um período de atividades e evolução da
célula foram, na realidade, atingidas pela maioria num ciclo posterior, quando
a meta a ser alcançada já era outra. Entretanto, mediante cotas extras de
esforços, sacrifícios e autoentrega, conseguimos avançar bastante nos dois
últimos ciclos de nossas vidas na Terra, a ponto de já aspiramos por uma
ascensão coletiva a um plano mais alto, quando esse atual ciclo se consumar. As
famílias que caminham na retaguarda, pertencentes à célula, se ainda avançarem
o suficiente, permanecerão, no próximo interlúdio de ciclos, nos mundos
internos, nos seus respectivos planos, mas estarão ainda longe dos que se
adiantaram.
- E caso os últimos não consigam atingir um
mínimo possível de condições para a próxima manifestação física de nossa
célula, nesse planeta de desafios cada vez maiores? E os que virão em seguida
onde hoje a maioria de nós está? Como todos se situarão? – Sorman perguntou com
vivo interesse.
- Para os que nos seguem de perto, o nosso
momento atual será o deles após o próximo interlúdio. Os que os seguem
imediatamente atrás, logo terão o seu momento em idênticas condições aos deles,
vindo por último os estagnados. Esses ramos estacionários da retaguarda, que
fecham a situação da célula, serão o grande problema. Nesta fase atual de
transição planetária, logo não haverá mais lugar para eles na Terra e
precisarão ser transferidos para um novo lar. Esse novo lar lhes será um
distante planeta em nosso sistema solar, em que viverão por um longo período e
para onde precisaremos deslocar equipes a fim de auxiliá-los em suas evoluções.
- Então estes membros missionários
componentes de equipes estarão também retidos no seu caminho evolutivo, pelo menos
temporariamente, devido a esta tarefa, imagino.
- Exatamente, Sorman. Os voluntários deste
grandioso trabalho são chamados “Chamas Ardentes em Sacrifício”, por que nada
em nossa célula é comparável à sua entrega em benefício do próximo – Sorman
fitou-a silenciosamente em
reflexão. Stefany, percebendo os seus pensamentos, não se
permitiu invadi-los. Passados instantes, ela retomou – bem, deixe-me entrar
propriamente na minha particular área de ação. Esses assuntos de caráter geral
da hierarquia couberam-me a mim passá-los a você por comum acordo entre os
Mestres Terra. O livro do cronograma mundial é seu; todos os Mestres Terra
possuem um exemplar igual. Os arquivos que trouxemos são para seu manuseio
agora, porém todos os assuntos aqui concernentes de meu departamento estão
armazenados no computador; você poderá acessá-los sempre que desejar.
CAPÍTULO VII
VIAGEM E
MISSÃO FANTÁSTICAS
Sorman virou-se. As noturnas trevas
resistiam, mas já era possível entrever pela janela os recortes irregulares dos
galhos da mangueira. Ainda faltava para o dia raiar, e ele tentou dormir mais
um pouco.
Imagens
se sucederam, Sorman pretendeu ignorá-las. Gigantesca face negra assomou. Era
tão imensa que comparado a ela Sorman ficava reduzido ao tamanho de um alfinete. E ela crescia. Quando aquela face atingia um tamanho mais descomunal ainda, abriu os olhos lentamente,
deixando transparecer irônico ar. Logo sorriu. Aquele sorriso da monstruosa
boca causou pavor. Os lábios grossos começaram a se mover e a boca a falar.
Moveram-se mais: ela falou e falou, porém Sorman nada ouvia.
Os enormes olhos da extraordinariamente
gigantesca face tornaram-se fixos em Sorman. Transmitiam
indignação, ficaram mais abertos com expressão odienta. E a boca continuava a
falar. Então ela abriu-se por completo, mostrando dentes como o ébano, e ele
viu-se a contemplar a mais negra, profunda e assustadora garganta. A boca
aproximou-se. Sorman recuou desejando fugir. Gritou desesperadamente enquanto a
boca tentava sugá-lo!
Nessa terça-feira Sorman trabalhou como
nunca. O projeto na empresa continuava a exigir-lhe grande dispêndio de energia
e muitas providências. Esquecera-se do terrível pesadelo e apagara da memória a
figura de uma mulher clara e simpática que sorria muito. Os demais assuntos de
sua vida haviam também ficado em segundo plano.
No quarto, perseguia-o outra imagem. Era algo,
a princípio, indefinido a lhe penetrar a mente, que saía e voltava. Como não
conseguisse afastá-la ou isolar-se, posicionou-se então a fim de reconhecê-la.
Tratava-se de uma taça de ouro, cravejada de muitas pedras, a insinuar-se com
persistência e graça de uma bailarina. Após algumas evoluções, a taça
aproximou-se, ficando perfeitamente estática. Era belíssima, reluzia, e Sorman
ouviu: “O Irmão Superior envia saudações
ao Ministro Extraordinário!” A voz provinha de dentro da taça; Sorman
deu-se conta de não ter observado as instruções deixadas pelo Superior.
Envergonhado, quis responder diretamente para a taça, porém sua tentativa foi
superposta por novas palavras: “Amanhã,
no mesmo horário, novo contato!” A taça oscilou, e, como um cometa sem
cauda, deixou rapidamente o quarto. Ele imediatamente se levantou indo ao
armário, retirando dali o envelope, lendo e relendo as instruções. Depois
guardou novamente a folha no envelope, lançando-se à cama.
- Rápido, Sorman, venha! - Bruno adentrara
seu estúdio apressadamente. Ele mal teve tempo de desligar o computador,
acompanhando-o ao Salão Branco.
- De que se trata?
- Vamos
viajar, há perigo para alguns de nossos irmãos na Europa. Militantes de nossa
irmandade já se encontram no local!
Bruno abriu uma porta lateral adentrando por um corredor, Sorman o
seguiu. Ao final, abriu nova porta e penetraram numa máquina fantástica no
formato de uma ogiva. Dois operadores, usando uniformes brancos parecendo
plastificados, com capuz e óculos especiais, ligavam e desligavam instrumentos
de um grande painel. Luzes se projetavam do painel; os operadores com luvas
também brancas apressavam-se em busca de referências num imenso vídeo pouco
acima de suas cabeças. À medida que pressionavam teclas e botões, o vídeo
mostrava variações. Linhas em coordenadas, mapas de continentes ou países,
condições atmosféricas, sons, indicações de trilhas: tudo era observado pelos
operadores. A cada situação, o vídeo mostrava novas luzes e diferentes sons e
eles imediatamente refaziam programações, utilizando-se dos instrumentos do
painel.
- Não
se distraia agora com os instrumentos, siga-me – ordenou Bruno, empurrando uma
porta de vidro azul opaco, entremeado com roxo e rosa, às costas dos
operadores.
Ao entrarem, Sorman notou outros passageiros
nas poltronas. Vestiam algo como armaduras de guerra. Bruno fez deslizar
suavemente uma porta ovalada na parede da ogiva e retirou de uma das
prateleiras dois pequenos pacotes. Estendeu um para Sorman, tomando o outro
para si.
- Vista-o! – ordenou-lhe, enquanto desdobrava
seu pacote desdobrando um tipo de macacão, enfiando-se nele. As partes atraíram-se desde a cintura até o pescoço, ficando instantaneamente
seladas. Em seguida, ajeitou o capuz, fixando-o perfeitamente à cabeça; fez
ajustes nos pequenos discos adaptados aos ouvidos e levou as mãos à testa a fim
de sentir os óculos, acima do visor, ali perfeitamente colocado. Observou, depois,
pela transparência de seu visor, os movimentos atrapalhados de Sorman.
O estranho macacão tinha frisos e enchimentos almofadados,
parecendo realmente uma estranha armadura, como exatamente eram aqueles dos demais passageiros. Sorman ficou
surpreso com a sua leveza porquanto não pesaria mais do que meio quilo. A cor
aproximava-se ao chumbo, entretanto cambiava leves tons azulados e roxos. Visto que
Sorman não tivesse a necessária desenvoltura para vestir-se, Bruno ajudou-o enquanto o instruía, falando-lhe através de minúsculo e imperceptível
microfone instalado no visor, diante da boca. A voz, por seu turno, vibrava do
peito e ombros, onde se achavam camufladas muitas outras minúsculas peças de
percussão.
- Não se preocupe com o ar, há suficiente
oxigênio e energia prânica nesta nave, perfeitamente absorvidos pela veste.
Sorman assentiu meneando a cabeça, encerrando o ritual de vestir-se.
Sentaram-se, vendo diante deles, através da porta e paredes vítreas, borrões de luzes que aos
poucos se tornavam mais intensos. Suave movimento de decolagem impulsionou-os
para trás, fazendo-os flutuar gostosamente.
- Para qual cidade estamos indo? - Sorman baixou
os olhos para o peito, depois virou o rosto para um dos ombros, estranhando a
voz sair dali.
- Não é cidade, estamos indo para uma vila
num país do leste Europeu.
- O que exatamente está acontecendo?
-
Forças malignas preparam um ataque para destruir os corpos de nossos irmãos, é
grande o perigo.
Pelo seu deslocamento, a aeronave já deveria
ter decolado a altíssima velocidade, suspeitou Sorman. Ele tentou observar
alguma coisa através da janela circular, próximo a poltrona de um passageiro.
Mas junto a Bruno, da poltrona geminada no meio do salão, detinha unicamente a
visão de sombras. Passado pouco tempo, Bruno fez deslizar uma pequena tampa
metálica da extremidade de um dos braços de sua poltrona, deixando à mostra
diminuto painel. Em seguida, pressionou o pino de um interruptor para a posição
de ligar, arcando ligeiramente o tórax, ordenando:
- Acender a tela de bordo! Um disco rosa
surgiu imediatamente no interior da tela ovalada e côncava no meio da parede
frontal, abrindo-se como um girassol, e num flash tomou a tela por inteira.
Bruno fechou a pequena tampa e baixou suavemente o braço da poltrona,
apoiando-se nele, sem tirar os olhos da tela. Porém, nada de concreto apareceu,
exceto formas de nuvens escuras penetradas pela aeronave na sua trajetória
retilínea. Ele observava a tudo impassível e silenciosamente; mais adiante
pareceu excitar-se ao ver outra situação. Já era possível visualizar casas e
pequenos bosques. A aeronave finalmente sobrevoou um vilarejo, reduzindo sua
incrível velocidade, fazendo agora um lento voo de reconhecimento. Todos os demais
passageiros passaram a fixar-se na tela com maior atenção, percebendo enorme
cogumelo que envolvia um largo perímetro do vilarejo, lançando tentáculos em
direção das casas. Tratava-se, em realidade, de uma acinzentada e densa nuvem, carregada
de eletromagnetismo, que de vez em quando troava ou produzia seguidos chiados,
a exemplo de descargas elétricas.
A aeronave fez novas manobras antes de
aterrissar e eles puderam ver o cogumelo por baixo. Logo a porta da nave se
abria e todos desceram. Contavam doze passageiros, sendo logo cercados por
vários outros homens vestindo quimonos pretos. Um deles, de cabelos cheios e
negros a tocar-lhe os ombros, se apresentou a Bruno, com um dos sinais da
irmandade, expressando-se num português sem sotaques:
- Meu
nome é Boris. Sou o Terceiro Ordenança do Segundo Mestre Menor do Quinto Mestre
Terra. Encontro-me no comando deste grupo obedecendo ordens superiores. Bruno
respondeu ao sinal e perguntou-lhe:
- Como está a situação?
- Perigosa; a artilharia aguarda ordens do
comando para começar a disparar os canhões.
- O que vocês conseguiram até agora?
- Aprisionamos uns cinquenta antes que
alcançassem o acampamento da artilharia, mas em breve estarão chegando mais deles.
- E
quanto aos moradores?
- Não pudemos fazer contato, nossas ondas
mentais não conseguem penetrar este campo de força; da mesma forma não podemos
atravessá-lo com nossos corpos. Bruno olhou uma vez mais para o cogumelo,
admitindo-o ameaçador. E como a suspeitar de alguma coisa, o cogumelo recomeçou
a troar e a lançar pequenas faíscas.
- Vocês fiquem aqui – ordenou aos de quimonos
– meus homens e eu entraremos na vila! Boris imediatamente traduziu-lhes a
ordem, falando num idioma eslavo. Bruno fez sinal com o braço, apontando com o
dedo indicador, descrevendo um círculo horizontal no ar. Os homens da aeronave
entenderam e se aproximaram, formando o círculo sugerido. - Sorman, permaneça
aqui até voltarmos!
- Não, Bruno, eu quero participar! – redarguiu veemente – não vim a este lugar
para ser um simples espectador. Bruno não argumentou, parecendo já esperar este
oferecimento.
- Está bem, faça então o que eu comandar,
mesmo sem a perfeita consciência do que realiza. Sorman fez um breve meneio de
cabeça e Bruno ordenou – Energia gama! –
ele colocou a mão direita no ombro esquerdo de Sorman e cochichou-lhe –
concentre-se somente nisto.
Imediatamente uma energia azul penetrou-lhes
a mente, passando pelos doze homens. Sorman sentiu fugir-lhe a consciência,
ficando por segundos fora dos seus domínios. Em seguida, teve a sensação de seu
próprio corpo ampliar-se. Era algo como se tornar uma esfera e perder a noção
do espaço. Mas logo voltou a dominar-se, estando, entretanto, completamente
eletrizado. A energia que inicialmente os penetrara em forma de anel se
alargara na sua ação, constituindo-se agora num tubo mais vibrante, descendo-os
das cabeças aos pés. A seguir, o tubo se transformou na
figura de um cone invertido, cuja base começava à altura dos ombros dos homens,
e o ápice alcançava alguns metros acima de suas cabeças. O cone e o tubo
passaram então a rodopiar com incrível velocidade.
- Em frente! - comandou Bruno, se
movimentando e puxando os óculos de sobre a testa para sobre o visor. Os homens
fizeram o mesmo com seus óculos e realizaram rápidas evoluções, conformando uma
seta onde Bruno era a ponta inicial. Em dupla coluna o seguiram. A formação
terminava com um último homem se constituindo solitariamente na ponta final. O
tubo e cone acompanharam o sentido daquela formação, tornando-se numa única e
oblonga figura. Sem qualquer dificuldade eles penetraram o cogumelo e
caminharam para o interior da vila.
Os habitantes do lugar, em grupos, já
assustados com a presença do cogumelo, ao verem-nos com aquele tipo de armadura
entraram em pânico.
Bruno ordenou aos homens que tomassem posição unilateral,
ficando todos de frente para os habitantes da vila, e levantassem os óculos
para sobre as testas. Então lhes falou em voz perfeitamente modulada, embora em
tom mais alto:
- Calma, irmãos, não se assustem, viemos
ajudá-los! – à sua ordem, os homens levantaram a mão direita espalmada e uma
suave energia branca varreu a todas aquelas pessoas. Bruno retomou – permaneçam
calmos. Uma grande falange de seres malignos estimula soldados a lhes causar
mal. Se todos cooperarem poderemos ajudá-los, caso contrário haverá
dificuldades – eles ficaram atentos.
Bruno sentindo que os dominara prosseguiu – uma artilharia está
posicionada a poucos quilômetros daqui pronta para disparar os seus canhões. O
alto comando do exército, já dominado pelas sombras, finge acreditar que
guerrilheiros se escondem entre vocês, mas em realidade desejam exterminá-los
pela crença de uma superioridade étnica. Acham-se possuídos de um perverso pensamento
separatista, acreditando pelo seu próprio e limitado comando e pessoal decisão,
que o fim de outras etnias, julgadas por eles inferiores, fará o país melhor.
Antes de um bombardeio, precisaremos retirá-los da prisão deste campo de forças
que os torna alvo fácil. Se fizermos o campo de forças cair, estejam preparados
para correr e fugir. Não se detenham por nada, não carreguem nada, somente seus
filhos e parentes. Se não tivermos sucesso nesta tentativa, voltaremos para
outro tipo de ajuda. Fiquem atentos!
Não houve qualquer reação; diante desta
inércia Bruno tomou posição de retirada. Os homens moveram-se buscando a
anterior formação, recolocando os óculos sobre o visor. O tubo e o cone
tornaram-se de novo oblongos. Eles partiram do local, atravessando de volta o
cogumelo. Uma vez fora do campo de forças, Bruno ordenou-lhes dissolver o tubo
e o cone, e retirar os óculos de sobre o visor. Ao alcançar novamente as
imediações da aeronave, já sob luzes, encontraram Nicolai, que fez o sinal a
Bruno, adiantando-se e trazendo o punho contra o peito, arqueando levemente o
tronco:
- Saudações, Irmão Supremo! Em cumprimento às
ordens de meu superior imediato, o Segundo Mestre Terra, venho apresentar-me
com meus soldados para lutar. O Quinto Mestre Terra manda-me também
transmitir-lhe que está neste momento seguindo as suas instruções no gabinete
da cúpula do exército. Conforme o Irmão Supremo sabiamente ordenou, ele não
deverá atuar no sentido de mudar o curso dos insensatos acontecimentos
provocados pelos homens da Terra. Atuará juntamente com o Segundo Mestre e
auxiliares, no chamamento de suas consciências a fim de que reflitam e decidam,
eles mesmos, por não realizar o massacre fratricida.
Nicolai era o Primeiro Ordenança do Segundo
Mestre Menor do Quinto Mestre Terra, do país palco desse dramático momento.
Falara com palavras cheias de entonações, carregadas nos “erres.” Era forte, possuía alta estatura e cabelos
louros. Vestia calças justas vermelhas, camisa de folgadas e compridas mangas,
também vermelha, e botas pretas. Cingia-lhe a cintura uma larga faixa preta,
caída elegantemente do quadril esquerdo até o meio da coxa, após cuidadoso nó
de algumas voltas. Acompanhavam-no soldados, como ele mesmo dissera, estando
nesse momento à distância, protegidos pela penumbra. Eram muitos, inquietos,
ouvindo-se deles rumores e estranhos grunhidos.
Enquanto ele se dirigira a Bruno, como um
tribuno ao supremo comando em campo de batalhas, Sorman atentara às suas
palavras, não deixando de observá-lo com redobrada atenção. À primeira vista,
apesar de não usar qualquer tipo de barrete e a larga camisa abrir-se ao peito,
pareceu-lhe ali estar somente um cigano. Que faria aquele homem de vermelho,
sem armas ou armadura, na luta que se desenhava? Traria montaria? Viajaria em
algum tipo de veículo? Embora seu rosto irradiasse simpatia, em nenhum momento
ele sorriu e Sorman teve a certeza de captar-lhe alguma tensão. Às curiosas
indagações a que se entregara, outra veio-lhe adicionalmente dizendo-lhe: como seriam
aqueles soldados que grunhiam?
Bruno escutou-o pacientemente, ao término
falou-lhe:
- É bom vê-lo novamente, Nicolai. Mas não
perca tempo, vá imediatamente com seus homens ao acampamento onde está a
artilharia. Tomem posição e aguardem-me.
Ele de novo arqueou-se, trazendo o punho ao
peito em reverência e submissão, virou-se e correu em direção aos seus homens.
Logo um tropel de cavalos foi ouvido. Em pouco tempo o ruído foi se perdendo no
manto da noite. Bruno voltou-se a Boris e aos homens de quimonos que ali se acercavam,
determinando:
- Vamos bombardear o cogumelo, mande seus
homens afastarem-se! - Boris imediatamente transferiu-lhes as palavras. Eles então se posicionaram a alguns metros da
aeronave e Bruno sinalizou para os tripulantes que o observavam pela porta
aberta, vindo após juntar-se aos homens. A porta fechou-se e a aeronave subiu,
estacionando pouco acima do solo diante do cogumelo, permanecendo em perfeita
estática. Em seguida, disparou raios violeta e azul, abrindo rombos naquela
forma de energia. O cogumelo parecia rugir como um animal ferido. Os raios
continuaram a ser lançados e os rombos foram se abrindo cada vez mais, até o
cogumelo desaparecer por completo. Os homens gritaram em comemoração enquanto a
nave retornava ao solo.
- Entrem, ajudem os habitantes da vila a
sair. Irei com meus homens ao acampamento perto da artilharia! – ordenou-lhes
Bruno. Os homens de quimonos se lançaram para dentro da vila; Bruno voltou-se
aos seus, comandando-os para que entrassem novamente na aeronave, e foi com
Sorman até a sala dos controles ordenando – localizem a artilharia, estabeleçam
coordenadas, precisamos nos deslocar para lá imediatamente! Os operadores
fizeram uma programação num pequeno painel com teclados e o vídeo azul mostrou
uma varredura da região com velocidade espantosa, até fixar imagens que se
assemelhavam a veículos e canhões. Um dos operadores pressionou uma tecla e o
vídeo mostrou linhas em
coordenadas. Em seguida, pressionou outra e as coordenadas se
ampliaram delineando um quadro com as imagens da artilharia.
- Posição localizada! – um dos operadores
informou a Bruno.
- Vamos para lá! – ordenou o Supremo,
entrando no salão de passageiros acompanhado de Sorman.
A aeronave partiu, em poucos minutos
aterrissava na clareira de um escuro bosque, apagando as luzes. Os homens
desceram e caminharam cautelosamente dentre as sombras. A artilharia se
instalara mais afastada dali, sobre um grande e alto patamar de um terreno
pouco acidentado da região. Caminhões cercavam a área militarizada; tanques
encontravam-se posicionados no interior do imenso círculo, e canhões, em número
de seis, alinhavam-se alternadamente dois a dois, apontados para a direção da
vila.
Enquanto este aparato de máquinas obedecia a
uma estratégia fria e calculada, os soldados andavam nervosamente pelos
arredores, entrando ou saindo das tendas pouco iluminadas, externando um clima
tenso. Aguardavam ansiosamente a comunicação da criminosa ordem. Mas ao tácito
testemunho da abóbada celeste, onde milhões de faiscantes astros pontilhavam ao
infinito, o momento ainda não acontecia.
O luar produzia certa luminosidade e podiam
ver por onde andavam. Nessa meia penumbra, Bruno percebeu a alta figura de
Nicolai a caminhar em sua direção, trazendo à mão um comprido e metálico bastão,
e parou com seus homens junto a um pequeno arvoredo rodeado por arbustos. Mas o
moço sequer dirigiu-se ao Supremo por que gritos de alerta o fizeram estancar
os passos:
- Atenção, inimigos avançando! Mediante a emergente situação, Nicolai
bradou:
-
Ataquem! Ataquem!
Verdadeira horda de estranhas e animalizadas
criaturas, algumas possuindo caudas e pequenos cornos, outras de caras
afocinhadas, corpos peludos e unhas em garras, avançavam em direção ao
acampamento. Os soldados escondidos no bosque saíram imediatamente a
combatê-las, movimentando-se com extrema rapidez, grunhindo e lançando
labaredas pelos dedos das mãos, formando aterrorizantes serpentinas lançadas
sobre as surpreendidas criaturas. Muitas caiam às dezenas e as serpentinas
ígneas se transformavam em aprisionantes e magnéticos cordões, atando-as ao
solo. Ao verem-se manietadas, rugiam raivosamente tentando libertar-se
expelindo uma energia escura pelas bocas e narizes. Era tudo muito rápido e
elas não conseguiam ganhar terreno.
A batalha se transformara em algo ao mesmo
tempo avassalador e pirotécnico. As labaredas, as serpentinas e os pequenos
círculos de fogo riscavam as sombras em sucessivos ou simultâneos instantes.
Sorman, de sua posição de espectador, vibrava com este fantástico espetáculo, e
não muito distante de onde se encontrava pôde perceber um soldado a dominar o
inimigo. Apesar das sombras, divisara-lhe o tronco nu e as colantes calças
pretas até os joelhos. A despeito da incomum massa muscular, o soldado possuía
tamanha agilidade que parecia se deslocar sem tocar o solo. Impressionado,
Sorman concluiu que Nicolai comandava guerreiros incorporados de forças e
poderes dos elementos da natureza.
Logo a batalha chegava ao final. Parte das
criaturas fugira enquanto mais de duas centenas delas jaziam ao solo
imobilizadas. Os soldados então iniciaram uma nova operação. Com grande
facilidade agarravam as criaturas do solo, jogavam-nas às costas e as levavam
para um local mais afastado. Nicolai, que durante o conflito se misturara aos
seus comandados, gritando e dando-lhes ordens, por vezes golpeando uma ou outra
das criaturas com o bastão, aproximou-se do grupo de Bruno, demonstrando alívio
e tranquilidade.
- A batalha terminou, Supremo. As horrendas
criaturas serão agora transportadas em carros-jaulas a fim de serem
desmaterializadas. Meus soldados de vanguarda ainda permanecerão pelas
proximidades do acampamento para o caso de novos ataques.
- Minhas ordens são exatamente estas:
permaneçam vigilantes enquanto realizamos a nossa parte! Nicolai arcou-se em vênia, trazendo o punho
direito sobre o peito, aquiescendo:
- As ordens serão fielmente cumpridas,
Supremo.
Bruno então organizou seus homens em círculo,
dirigindo-se a Sorman:
- As criaturas impedidas de alcançar o
acampamento, iriam transmitir aos homens que lá estão, ira e sanguinário desejo
de destruição. São vampiros das grandes guerras e mortandade no mundo. Os
homens, à espera de uma ordem final de seu comando principal, seriam envolvidos
pelas terríveis vibrações das criaturas, e sob a distorcida orientação de seu
comando local, abririam fogo sobre a vila, antecipando-se aos seus superiores.
Como se sabe, em momentos assim, soldados se transformam em bestas, tornando-se
crudelíssimos veículos das trevas, capazes dos mais torpes e desumanos atos. Ideias absurdas de
vingança os tomam; pensamentos de superioridade vestem-lhes a imaginação,
obstruindo-lhes algo da clarividência mental e lógica humana. Perdem a
proporção psicológica dos fatos; tornam-se mais ainda odientos, achando que os
males da Terra, as provações e frustrações por que passam e sua incapacidade de
realizar-se, são frutos dos atos e existência de seus pobres e acuados
inimigos, debitando-lhes, enfim, todas as suas misérias. A insensatez
exacerba-se no seu íntimo selvagem; rangem os dentes como animais feridos e
ultrajados; desejam o sangue alheio e o extermínio dos irmãos sobre a
Terra.
Estando
assim tomados nos seus campos áuricos
desses elementos psicológicos açulados, e potencialmente destrutivos,
munidos
de mortíferas armas, eles covardemente disparam contra indefesos
habitantes de
uma aldeia, vila ou cidade; depois saqueiam as casas, estupram mulheres e
jovens, torturam e matam velhos e crianças. Tudo sob alegações as mais
fúteis –
cínicas e infundadas – principalmente, como nesse caso, sob o ódio
alimentado
por décadas, séculos ou milênios num elemental que os corrói
sub-repticiamente,
plasmando-lhes na memória as injustiças e discriminações étnicas dos
avoengos, vitimas
nos tempos de antanho. Mas há no fundo, o desejo da superioridade
racial,
movente, ignóbil, exalante ao suor, que nada mais é senão um sentimento
frustrado e recalcado nas personalidades mal posicionadas ante os
valores da
vida. Assim, não sabendo sublimar no perdão e no esquecimento a esses
elementos
destrutivos, se revestem, essas personalidades, de uma face mascarada de
pretensas virtudes e qualidades, que, aos insanos e destrutivos atos
contra os
pobres e acuados inimigos de carne e osso, os faz mirar-se a um status de
heróis e
vir oferecer orgulhosamente ao seu clã, povo ou nação o resultado
glorioso da
mórbida carnificina. Nisso reside também incompreensível afã ou apetite
narcísica de uma necessidade de aclamação, mas que somada aos
tresloucados atos
de selvajeria praticados contra o próximo – de fazer inveja a ferozes
canibais
e caçadores de cabeças – determinarão sempre novos acerbos e coletivos
sofrimentos cármicos.
As criaturas contra as quais combatemos,
sendo manipuladas pelos mestres da Face Negra, são unicamente veículos
estimuladores dessas mazelas preexistentes no âmago dos homens. Estes senhores
das trevas, conhecendo tão bem quanto nós os poderes destrutivos ocultos nas
mentes dos homens não remidos à luz do espírito, fazem-nas, às criaturas, e aos
próprios homens, sob um teor hipnótico, seus objetos e armas de destruição.
Uma vez realizada a mortandade, criaturas e
mestres, vampíricos, se locupletam com as emanações etéreas do plasma sanguíneo
derramado, e com a terrificada energia desprendida pelos egos em pungentes
dores, ante cruéis torturas ou em sádicos rituais de sexo pelos
estupradores. A esses mestres, fomentadores dos horripilantes e repugnantes
momentos de sadismos e mortes, justificam-se todos os seus brutais e nefandos
esforços para a deflagração de guerras ou convulsões sociais, pois conquistaram
o que queriam. Aos pobres homens, marionetes das forças negras e das criaturas
por elas comandadas, o absurdo orgulho, repito, de se olhar vencedores e
heróis, depois da devastação material e ceifar de preciosas vidas humanas que
realizaram.
O que iremos fazer agora, Sorman, é buscar
induzir de vez aos homens para que, de moto próprio, não realizem o bombardeio,
visto termos conseguido obstar a invasão das horripilantes criaturas – dizendo
isto ele sorriu, e na noite algo de claridade se fez. Ele prosseguiu – precisaremos trabalhar nos sombrios duplos
dos homens que aqui vivem como se fora no mundo físico. Mas não podemos
aparecer diante deles, pois nos veriam e teriam reações agressivas, por isto
nos tornaremos invisíveis a eles. Já temos a vantagem de vestir armaduras que
nos isolarão de qualquer energia maligna ou destrutiva a nossa volta.
Ele elevou a mão direita e a circunvagou
sobre as cabeças de todos. Fachos de uma luz de opacidade argêntea cobriram-nos;
ele então abaixou o braço e ordenou:
- Avante à missão!
Profundamente impressionado com tudo o que
ouvira e com o teor da missão, Sorman os acompanhou penetrando o acampamento.
Os soldados se deslocavam de um lado para outro, mas não os viam, e se desviavam
quando estavam próximos de se chocar. Entretanto, um ou outro vinha deter um
tipo de repentina auscultação, parecendo farejar alguma coisa estranha nas
proximidades. Mas como nada visse, prosseguia ao cumprimento de suas tarefas.
Bruno
trouxe os homens para a maior das tendas ali instaladas, na intenção de que
fosse a casa das ordens. E de fato era. Ao puxar a cortina, pôde observar que
sob a projeção da luz de um lampião preso ao alto numa das barras de
sustentação da tenda, no meio do ambiente, havia um oficial sentado diante de
uma mesa a estudar um grande mapa. Ladeavam-no dois outros oficiais, em pé,
trocando palavras e apontando para o mapa. A um canto, um quarto oficial com
fones aos ouvidos, manipulava um equipamento de radiocomunicação, tentando
sintonizar-se com possíveis sinais ou ondas. A tensão era visível, decorrente
da provável falta de notícias do comando superior quanto à definitiva ordem de
iniciar o bombardeio.
Bruno
fez sinal com o indicador chamando Sorman para junto de si.
- O que vê em torno dos homens? –
perguntou-lhe em cochicho, abrindo a cortina um pouco mais. Sorman buscou
observar com melhor atenção, porém nada viu além dos próprios homens
uniformizados.
- Nada! - respondeu com simplicidade.
- Então se concentre em sua visão interior e
projete-a sobre os homens. Sorman seguindo a recomendação fechou os olhos.
- Estão envoltos por sombras, agora vejo! –
exclamou admirado, segundos depois, também em cochicho:
- Eis a nossa principal tarefa. Precisamos
libertá-los daquelas sombras sobre os seus duplos que os impedem de ter boas
reflexões.
Sem delongas, Bruno abriu largamente a
cortina adentrando a tenda, indo em direção dos oficiais de exército, seguido
de seus homens. Todos os oficiais perceberam de imediato aquela invasão. O
oficial comandante levantou-se da cadeira, acompanhado neste movimento pelo
rádio-operador.
- O que foi isto? - indagou assustado,
olhando o vazio à sua frente.
- Não
sei – falou um deles – algo estranho
parece ter entrado, mas não consigo ver nada!
- Serão espíritos em danação? - questionou
nervosamente o rádio-operador.
- Cale-se! – ordenou o comandante,
contornando a mesa e dando dois passos adiante, ficando a procurar no ar algum
indício. Essa assustada conversa entre os homens era realizada num idioma que
Sorman não entendia, mas supunha estar compreendendo pela reação emocional
deles.
Aos sinais de Bruno, invisíveis pelos mantos
que os envolviam, os homens se acercaram dos oficiais três a três, iniciando um
trabalho de descolamento e dispersão das formas obscuras aderidas sobre eles.
Sorman permaneceu com Bruno e outro da equipe, ficando de mãos espaldadas
atento aos movimentos, procurando realizar o que mais além Bruno sinalizava. Em
certo instante, Bruno passou a mão direita diante do rosto do comandante e a
elevou sobre a cabeça do militar, trazendo-a novamente para a posição anterior.
O oficial de imediato fechou os olhos, relaxando o corpo. Bruno moveu a mão
para a direita e para a esquerda e o corpo do oficial oscilou como um pêndulo.
Após cessar os movimentos, Bruno falou-lhe ao ouvido:
-
Permaneça firme sem cair – o oficial aprumou-se, Bruno girou em torno dele
fazendo rápidos movimentos de mãos em sentido de dispersão. Em seguida, como se
estivesse manipulando um instrumento cortante passou-o em torno do corpo do
oficial, de cima abaixo, falando-lhe após – irmão, você agora está liberto da
energia que cerceava o seu livre pensar e agir. Nada, neste momento, o impede
de realizar atos de sua própria e livre consciência. Pense e reflita sobre o
absurdo de massacrar pessoas inocentes sem a mínima chance de defesa. Medite
sobre este crime perante as leis do Criador; não se invista do papel de juiz e
carrasco: verdugo de si mesmo. Todo ato realizado ou pensamento emitido encerra
causa e efeito; assim não é possível evitar-se a liberdade no bem ou a prisão
no mal. Por que então decidir pelo sofrimento alheio, consequência dos seus
arbitrários atos, e por um profundo drama de consciência que um dia este mal
lhe será causador? Reflita, irmão, Deus existe em você! Bruno afastou-se,
deixando-o parado em transe, indo averiguar o trabalho realizado pelos homens
nos demais oficiais.
- Deus
existe em você! – após mencionar essas palavras, Bruno tocava-os suavemente na
testa, despertando-os; voltou depois ao comandante e o despertou. Saíram da
tenda. Ao atingirem o centro do acampamento, Bruno orientou-os a fim de
formarem um círculo de mãos dadas e se posicionou no seu interior – invocação mágica! – ordenou.
Bruno abrira amplamente braços e pernas. Os
homens vocalizaram um mantra concentrando-se inteiramente no seu comandante.
Faiscantes raios azuis atingiram-no: ele ficou aceso e foi tomado por uma
estrela pentagramática passando a emitir palavras ininteligíveis. A estrela se
descolou de seu corpo e subiu, pairando acima do círculo. Magicamente começou a
girar e ampliar sua luz, expandindo-a por todo o acampamento, atingindo a todos
os soldados que lá se encontravam. Após a estrela ter desaparecido, Bruno
desfez a posição de braços e pernas encerrando aquele pequeno ritual. Ao
deixarem o acampamento reencontraram Boris e Nicolai.
- Missão cumprida, a vila foi totalmente
evacuada – informou Boris. Bruno agradeceu e afastou-se alguns passos, ficando
a sós por minutos. Depois retornou para junto deles, falando-lhes:
- O alto comando do exército vacila em dar a
ordem final de bombardeio. Já não existe entre eles unanimidade para a
operação. Por ora, o perigo está parcialmente afastado. Mas enquanto a
artilharia não se retirar deste lugar permaneçam em alerta. Continuaremos
a trabalhar até que a situação esteja completamente sob controle. Ele elevou as
mãos para o alto e derramou bênçãos sobre todos, retirando-se depois com seus
homens embarcando na aeronave.
A aeronave decolou em viagem de volta
chegando à Grande Casa. Enquanto despiam as vestes especiais, Sorman se
surpreenderia ao ver como realmente eram os seus colegas de jornada. Morenos,
de negros cabelos longos perfeitamente lisos, vestiam calças e camisas brancas.
Na verdade, pareciam indígenas e acercaram-se sorridentes, saudando-o com
reverência e apertos de mãos. Falavam espanhol: como entender tal mudança?
Bruno ria com a expressão algo espantada do jovem, mas logo explicou-lhe:
- Estes moços sabiam de sua primeira
participação numa missão como esta e combinados comigo, como é norma da
irmandade em casos assim, mantiveram-se calados, dando a entender de, no
mínimo, serem arredios. Isso viria criar em você um clima de mistério e
desconforto. A expectativa ante o desconhecido e a presença de possíveis
perigos – como é natural acontecer em missões dessa natureza – poderiam de
alguma forma atemorizá-lo, mas você não se sentiria à vontade para recorrer a
qualquer um deles visando um possível apoio psicológico, pelo fato deles não se
mostrarem amistosos ou sensíveis.
- Estamos felizes por você ter se saído bem –
disse Garcia, o líder do grupo.
- Grato
“hermanos” – arriscou Sorman com sorriso.
-
Sabemos que é o Ministro Extraordinário aceito na irmandade – continuou Garcia
– esperamos recebê-lo um dia nos Andes.
-
Certamente irei se houver oportunidade. Eles estavam com muita pressa:
curvaram-se, acenaram em despedida e deixaram a aeronave.
- Quem realmente são? - disparou de imediato.
- São os chamados “Embaixadores” da
irmandade. Não possuem qualquer vínculo hierárquico, muito embora atuem
missionariamente.
- Ouvi alguma coisa do Superior a este
respeito, apesar dele não ter entrado em maiores detalhes. Disse-me, na
oportunidade, que estes homens trabalham voluntariamente para ajudar a evoluir
almas de nossa família, sem participar de qualquer dos escalões da hierarquia,
mesmo os menores.
- É exatamente este o caso. A etnia em que
trabalham, reuniu há muitos séculos, noutros ciclos de manifestação de nossa célula,
um grande grupo de almas rebeldes que se tornaram belicosas. Rechaçavam a todos
os esforços da irmandade no sentido de tentar fazê-los ajustar-se ou se
adestrar em sua natureza instintiva. Após muitas tentativas frustradas, um
iniciado de certa graduação na hierarquia, aceitou voluntariamente encarnar-se
naquela etnia para ajudá-los de perto. Com dedicação e muito esforço conseguiu,
já no fim de seus dias, que entendessem quais eram as vias de saída de seus
labirintos. Este mesmo iniciado voltou a encarnar-se entre eles, mas desta vez
acompanhado de nove colaboradores não iniciados, porém avançados em relação
àquelas almas. Algum tempo depois muitos ex rebeldes, já possuídos de uma nova
visão, ajudaram a trazer progressos para a etnia e isto lhes granjeou pular
para raça mais adiantada na espiral evolutiva.
Mas sete, dentre os nove que haviam encarnado, não desejando abandonar a
missão, nela permanecem neste atual ciclo de nossa célula.
- Dentre estes está Garcia, com quem
conversei ligeiramente, acredito.
-
Garcia, os seis outros e mais três que a eles se juntaram recentemente, que se
adaptando rapidamente à tônica da equipe, formam os dez que você acaba de
conhecer e com quem trabalhou na missão recém finda. Amam tanto a missão que
com trato e competência aliviaram a irmandade destes difíceis encargos.
Fizeram-nos o pedido de não desejar participar assiduamente de outros trabalhos
na irmandade para não se desviar da missão abraçada. A irmandade estudou o
pedido e permitiu-lhes continuar por mais algum tempo, entretanto sob a
orientação do Superior Mestre Terra. Foi-lhes esclarecido não ser possível para
ninguém permanecer numa mesma atividade além de um determinado ciclo, a fim de
não bloquear as vias de acesso a outros habilitados no escalão. De forma alguma
é desejável cristalizar-se num cargo ou serviço. Eles compreenderam e já
trabalham para deixar sucessores admitidos na irmandade.
Ambos permaneciam em pé no salão de passageiros
da aeronave. As vestes dos homens de quem falavam, estavam sobre as poltronas.
As dos dois, coincidentemente, estavam no chão, sobre o tapete azul. Sorman
trouxe a mão ao queixo, roçando-o pensativamente. Bruno, enquanto isso tomava
as vestes do tapete e as colocava numa
só poltrona.
- Uma coisa intriga-me – Sorman virou-se para
Bruno que voltava ao lugar de antes – como irmãos não iniciados puderam
realizar tão bem aquele trabalho mental onde há pouco estivemos?
- O trabalho realizado na etnia não os tolhe
de evoluir conscientemente, mesmo sem passar por iniciações formais. O Superior
os orienta no sentido de acrescentar poder mental às suas atividades. Além de
tudo, embora a energia utilizada em nossa recente missão possuísse um quantum
mental, esteve adicionada de uma qualidade astral somente possível nesse momento
a esta equipe veicular e sustentar. E era o que mais se requeria para a
ocasião.
- Este assunto é muito interessante.... – recomeçou Sorman.
- E antes que você insira outra pergunta, já
vou adiantando alguns aspectos do trabalho por eles realizado – interrompeu
Bruno, com sorriso, logo prosseguindo – estes valorosos irmãos vêm atuando na
magia milenar em que a etnia se acha mergulhada. Na realidade, os princípios
herméticos da magia iniciática dos antigos, encontram-se protegidos pelas
práticas não tão precisas e nem tão poderosas da atualidade. A era dos
sacerdotes magos acabou. É bem verdade que a tradição se encarregou de
perpetuar muitos dos princípios universais da magia prática. Não obstante,
necessitam de alguma habilidade para serem materializados. Mas as chaves que
tornavam estes princípios totalmente efetivos, com imediatos resultados
fenomenais no curso das leis da natureza, se foram com os magos sacerdotes e
iniciados. Com isso, muitos praticantes que vieram depois ajudaram a desvirtuar
a magia remanescente, ou utilizaram-na unicamente para fins egoístas ou
malignos. Dessa maneira, esta mesma magia vem servindo para muitas finalidades,
criando raízes nem sempre desejáveis. Em outras palavras, o que restou da magia
branca antes praticada pelos sacerdotes iniciados, tornou-se também em grande
parte magia negra. Isto não significa afirmar que o surgimento da magia negra
se deu somente a partir dali. A magia negra remonta há muitos e recuados
milênios, pois como sabemos se originou na Atlântida. Falamos de outros
aspectos da magia que permaneceu na memória dos povos.
A ação efetiva de nossa equipe, no seio da
etnia, é de orientar dentro da magia branca ainda cultuada. E este esforço vem
sendo acompanhado de perto pela hierarquia, com grande expectativa. Os ritos e
rituais tradicionalmente realizados, vêm tendo hoje conotações muito mais
racionais, obedecendo a um objetivo de elevação astral superior, numa dimensão
de valores psicológicos melhor trabalhados. As demandas de forças antagônicas,
de elementais criados para destruir, haverão de se modificar no planeta, como
resultado da magia mental estimulada para os princípios edificantes. Aliada a
isto, a magia evocativa e prática, de manuseio dos elementais presos às
emanações dos alimentos especialmente preparados, irá gradativamente se alinhar
para fins unicamente construtivos e curativos. Neste posicionamento, os
sacrifícios de animais e a utilização de recursos sólidos encontrados nos
reinos da natureza, veiculadores ou anexadores de forças mágicas, também
sofrerão mudanças quanto à conceituação de outrora.
A magia negra é,
evidentemente, praticada em grande escala, e com perfeita consciência de seus
métodos e resultados desejados. Muitas pessoas são inconscientemente instadas a
lançar mão de forças negativas, através de sugestões mentais enviadas por
representantes do mal que pervagam invisivelmente entre os povos. Outras
pessoas são seduzidas e enganadas por maléficos encarnados, que inventam
situações e fingem estar trabalhando para o bem. Isto é assustador pelo volume
de suas práticas, sendo necessário nos defendermos desta magia opositora e
destrutiva. Por outro lado, almas libertas de vinganças e ressentimentos,
desejosas de evoluir, não mais serão estimuladas tão somente às práticas da magia
pela magia. Ao contrário, pois já mostram grande interesse pelas práticas
mentais e pelo aprendizado esotérico orientado que as conduzam a despertar
novas e realizadoras energias no plano evolutivo para a humanidade. E nisto,
principalmente, reside a qualidade do trabalho dos irmãos missionários de quem
falamos.
o o
o
Sorman
tivera boas notícias. O projeto para a construção da nova fábrica finalmente
fora aprovado pelas câmaras ministeriais, depois de cumpridas todas as
exigências formais. Com isso, a empresa podia dar seguimento no pedido de
financiamento ao banco credor. O projeto oficialmente aprovado provocaria agora
aceleração nos seus trâmites, pois entraria nas etapas finais. Isso foi
comemorado pela diretoria que se sentia ao mesmo tempo confiante e aliviada.
Desta feita, Sorman não se esqueceria de seu
compromisso com o Superior Mestre Terra; às nove da noite estava pronto e
preparado no seu quarto. Sentado, ele projetou mentalmente uma tela branca
diante de si e aguardou. Quase de imediato, pode ler a seguinte mensagem: “Saudações, irmão. A solução de todos os
nossos problemas está em como utilizamos os poderes de Deus. Os poderes de
nossa mente, aliados à outra mente dirigida no mesmo sentido, formarão uma
convergência de forças com determinado impulso. Tanto mais outras mentes
estejam corretamente alinhadas, os resultados serão maiores e mais precisos. A mente que
rompe com esta cadeia não a destrói, nem lhe causa o caos; pior para ela porque
não conseguirá sozinha alcançar aquelas que avançam sempre unidas. Este é o
princípio da união relativa por afinidade! Mendez.”
Sorman ficou radiante por ter captado a
mensagem na íntegra e modificou a polaridade de sua mente, de receptiva para
ativa, enviando as palavras: “Saudações,
Superior. A Mente é um princípio ativo universal. Quando quantificada numa
unidade orgânica, provoca resultados, muitas vezes, unilaterais, que podem ser
bons ou ruins. Mas não condicionada, a Mente é sempre infinita. A mente do homem
errante um dia mergulhará no Todo; assim também estará naquelas que saíram na frente.
Este é o princípio do relativo no Absoluto! Sorman.”
O
contato com o Superior fora rápido, resumindo-se nestas duas mensagens.
Contudo, ao preparar-se para dormir, vieram-lhe à percepção rápidas sequências
de imagens nas quais ele se inseria, tornando-se familiares na medida em que
desfilavam. Entendeu que estivera envolvido numa viagem com outras pessoas;
tinha sensações diversas, encontrando-se em meio a combates. Ouvia a voz de
Bruno a dizer-lhe:“O que iremos fazer agora, é buscar induzir de vez aos homens para que,
de moto próprio, não realizem o bombardeio...”
Estas
palavras estimularam-lhe a memória e lembrou-se de uma notícia no
jornal da manhã, revestida para si de incomum interesse. Dizia a
notícia, sem qualquer sensacionalismo ou proposital realce, que em meio a
uma revolução política e social num país marcado por conflitos e
guerras, o governo posicionara uma artilharia para disparar sobre uma
vila. Alegava o governo da existência de um exército de guerrilheiro pró
independência baseado naquela região, escondido na vila. A região em
questão ficava num país de etnia histórica, anexada à força a um governo
central. Fontes haviam informado que o ataque estivera programado para a
última madrugada, mas inexplicavelmente o alto comando do exército e o
comando da artilharia, não haviam se entendido quanto à ordem do
bombardeio. A indefinição propiciara a que uma organização mundial se
movimentasse e propusesse ao governo uma trégua para negociações.
A
notícia terminava com a informação de que, estranhamente, os moradores
da vila tinham se evadido do lugar naquela madrugada, suspeitando de que
algo terrível estivesse prestes a lhes acontecer. Sem que os moradores da vila soubessem, a
artilharia teria se camuflado não muito longe da vila, tendo se
deslocado para lá cuidadosamente na noite anterior, sem previamente anunciar qual
direção ou alvo atacaria. E todo o exército de libertação se encontrava
escondido nas montanhas, a mais de cem quilômetros dali, não podendo acorrer em tempo ao auxílio da vila.
“As
hordas do negativo sofreram grande revés para os nossos. Congratulações por sua
cooperação! Mendez.” Sorman
sorriu. Como teria ele conhecimento de seus pensamentos se não se concentrara a
fim de transmitir-lhe? Mas apressou-se em responder: “Grato pelo que me atribui, realizado acima da consciência física!
Sorman.”
CAPÍTULO VIII
OS FLUXOS
Três meses se passaram. O financiamento para
a execução do projeto fora liberado. As garantias oferecidas satisfizeram ao
banco credor e a questão dos juros estava ajustada. A primeira parte do
montante tinha sido transferida para a conta da empresa. De imediato iniciaram
as obras de construção da fábrica, preparando ao mesmo tempo a importação do
equipamento para a produção. Dois engenheiros haviam antes viajado ao exterior para
conhecer a maquinaria. Assim que ela chegasse, aguardariam a vinda de um
engenheiro da companhia fornecedora, a fim de orientar seus colegas na
instalação e funcionamento. Esse comenos, mais de expectativa do que de ação,
veio propiciar a Sorman respirar um pouco e dar um ritmo menos intenso às suas
obrigações.
Paralelamente a isso, sua vida no plano da
irmandade passava por períodos de mudanças. Ao acordar de manhã sentia-se mais
enriquecido e senhor de situações. Algumas lembranças das dimensões superiores
eram-lhe nítidas, embora nem sempre completas, outras nem tanto. Esse último
prisma, de percepção mais ou menos inconsciente, propiciava-lhe projetar o
pensamento sobre um assunto relevante qualquer, que lhe assaltasse a mente,
nele ingressando por vias de acesso antes desconhecidas e se aprofundando. O
assunto passava então a rechear-se com preciosos detalhes. Tratava-se de um
abrangente processo de conscientização mental que fluía do intuitivo ao fatual
e no sentido inverso. Essa integração, não obstante, pouco ou quase nada
permeava o concretismo de sua vida pessoal ou profissional. A bem dizer, a
mente abria-se em certa medida e proporção ao espiritual, a níveis ligados aos
assuntos ocultos da irmandade e ao plano evolutivo da célula ou grande família.
Sua vida física, no entanto, era regulada por outros parâmetros e diferentes
gerações de acontecimentos.
Desse modo, perscrutando o invisível, veio
descobrir as matrizes ou planos originais de administração da irmandade. Uma
dessas matrizes – o organograma geral dos departamentos – conscientizou-o da
complexa e abrangente estrutura sobre a qual se apoiava o trabalho da
hierarquia, que ultrapassava infinitamente o planejamento inicial de
administração - bastante simples -
mostrado intencionalmente por Bruno na biblioteca da Casa Rosa. E à medida que examinava aquelas matrizes com olhos e mentes espirituais, absorvia-se cada vez mais na sua real importância. O
funcionamento dessa principal matriz, bem como de alguns aspectos da sua execução,
chegavam-lhe à consciência física com certa clareza. Por outro lado, quanto às
derivações de suas fases nas abstrações do tempo, as suas projeções não lhe vinham
perfeitamente difusas.
Tentando remontar ao reverso todo esse processo em seus principais procedimentos, Sorman concentrou-se mais vezes numa imaginária tábua de valores por funções hierárquicas, e montou pouco a pouco um organograma funcional, acima de tudo vital para as pretensões da Fraternidade, neste período cíclico de sua manifestação planetária objetiva. Assim, pode perceber linhas de acontecimentos que se intercruzavam nas suas projeções, vindo constituir-se em sucessivos pontos de contatos.
Ante esta visão, passado,
presente e futuro concorriam simultaneamente nesses pontos intercruzados. Transpondo isso para a vida prática da Fraternidade, sob a égide de
tempo-espaço, todos os Mestres Terra obravam diretamente como
ativas referências para os fluxos inteligentes da energia precipitada, a
fim de buscar caminhos para as realizações. Cabia, assim, aos Mestres
Terra,
liberar, orientar e distribuir os fluxos que se precipitavam bem como,
uma vez liberados, cada linha de ação dos respectivos Mestres Terra ainda demandariam contra frequentes obstruções.
Os fluxos chegavam ao
Superior Mestre Terra, numa corrente “in totum.” E através de seu trabalho mental, os
fluxos eram separados e distinguidos segundo tipos especiais de identidades, e
cada fluxo já tabulado seguia então aos seus respectivos escalões, segundo o organograma maior da Fraternidade. Mais acima do Superior, antes mesmo dele, o Supremo teria
recebido, prioritariamente, a luminosa energia “in natura”, absorvendo-a e
a caracterizando com as qualidades globais que desciam para serem trabalhadas pelo Superior Mestre Terra e distinguidas, segundo os respectivos departamentos.
As linhas de ação dos Mestres Terra iam
mais além do esboçado no organograma guardado na Casa Rosa. Pois havia nas suas
funções algumas autonomias tomadas para criar ou recriar. Esses atos de
pessoais esforços e dedicado labor, buscavam aportar a energia das pontas que chegavam ao limiar da expansão dentro da célula. Mas por faltar veículos
de escape começava um tipo de acúmulo, produzindo obstáculos na fusão
espírito-matéria. Para evitar esse acontecimento de obstáculos, os Mestres Terra precisavam formar novos aspirantes a fim de irem suplementando os seus
quadros, além de criar novas funções e promover antigos servidores para tarefas
superiores e de melhor qualidade. Isso não era fácil. Quando não acontecesse
por falta de material humano, e se outro departamento não pudesse tomar para si
aquelas responsabilidades, o Mestre Terra via-se às voltas com o problema das
forças revoluteantes da natureza.
Os efeitos físicos dessas forças,
proporcionais à quantidade e qualidade da energia represada, traziam
desarmonias, retrocessos nas ideias e estagnação do momento evolutivo. Se esses
efeitos fossem significativos a ponto de obstar desempenhos da hierarquia, e
ameaçassem destruir ou prejudicar algum trabalho já realizado, o Irmão Supremo
precisaria reabsorver esses fluxos inaproveitáveis, guardando a energia para o
futuro. Mas isso vinha provocar tensões no campo arquetípico da irmandade, por
que tanto a reabsorção da energia, colorida por qualidades, como o seu futuro
reenvio, precisariam obedecer aos momentos astrológicos, quando as condições
cósmicas permitissem manipulações dos fluxos.
Essa questão, a certa altura, pareceu a
Sorman explicável quando buscou responder a si mesmo porque o fenômeno se
comportava assim. Para tanto, considerou em cada ciclo de manifestação da
célula – correlato com os fluxos energéticos – os subciclos que vinham
justamente servir para especialmente trabalhar certas qualidades no mental dos
irmãos. Do mesmo modo, serviriam também para realçar antigas qualidades já
alcançadas ou recrudescer outras situações vitoriosas. Esses subciclos, por
oportuno, alcançavam os programas adrede formulados pela hierarquia, sob a
égide dos ciclos maiores, e, devido à pressão dos momentos cósmicos do sistema
solar em nosso planeta, quando todos os reinos vinham sentir impulsos
evolutivos, a célula, nessa mesma forma de ação, não poderia deles escapar, sob pena de não os aproveitando, sofrer atrasos. Contudo, essas respostas
encontradas mais pelo raciocínio do que pela intuição, não o convenceram
plenamente e por várias noites, em horas que não conseguia conciliar o sono,
sondou os ângulos desse conglomerado de situações, vindo finalmente concluir
com as seguintes asserções:
Primeira: A energia precipitada desde a
cúpula da hierarquia até as suas pontas, aonde vem procurar níveis mentais
afins, é uma necessidade para toda a hierarquia. Ela é a inteligência ativada
conduzindo as visões mais amplas dos processos mentais que podem propulsionar a
evolução da célula desde as suas camadas mais inferiores.
Segunda: A propulsão para o progresso do
corpo hierárquico depende da qualidade e quantidade que esse corpo vai acumular
nas transformações gerais da energia no mundo.
Terceira: Para que isso se realize, é
fundamental a hierarquia ampliar-se e expandir-se no espaço-substância, de
acordo com as exigências para a evolução de todo o sistema solar. Uma célula
precisa de força retrátil e de força impulsão com suficientes qualidades a fim
de que, através desses dois movimentos de força, consiga pular geometricamente
para um status superior onde se requer corpo e qualidade ou matéria e
substância. Lembrando que espaço é uma entidade semi material, corpo é matéria,
e substância é qualidade exarada da interação espírito x matéria, a célula –
desse modo – incorporada de um padrão mais vibrante, virá rapidamente trabalhar
para se adaptar às novas exigências das leis cósmicas. Assim, todas as unidades
componentes de uma célula precisarão estar gradativamente adquirindo teor
força, nos seus respectivos níveis, a fim de incorporar um mínimo exigido de
qualidade para intentar esse pulo. E como a célula reuniria força retrátil e
força propulsão?
A força retrátil, supunha, seria a utilização
de toda a capacidade qualitativa da célula num determinado momento de sua
história evolutiva, num ciclo de sua manifestação, a fim de produzir um
movimento de contração de seu meio para atrair as pontas superiores e
inferiores a um nível de trocas sinergéticas. Tendo conseguido esse objetivo,
por resultado da ação conjunta de sua contextura, e fortalecidas as suas
estruturas, a célula poderia então intentar o movimento ou salto através de uma
força impulsão. A força impulsão seria a capacidade da célula de movimentar-se
ou pular para um padrão superior, utilizando-se de toda a energia de qualidade
armazenada em ciclos e subciclos de manifestações e sinergizada com a força
retrátil.
Quarta: Quando uma célula realiza o que se
requer – num ou mais ciclos de sua
manifestação - mas unicamente nos seus
níveis superiores, e ainda sem ter conseguido sucesso integral com a ação da
força retrátil, poderá, se desejar, intentar o impulso para cima, deixando para
mais tarde o trabalho de graduar os níveis inferiores. Tendo obtido sucesso na
força impulsão, alcançando assim um padrão superior, necessitará despender
considerável soma de energia dos seus reservatórios e usar técnica mais
avançada para nele poder se manter, sob o risco de não conseguir resultados
suficientes habilitadores para graduar os níveis inferiores. E não tendo
sucesso nessa sua intenção de graduar os níveis inferiores para padrões
possíveis com aquele em que agora se mantém, retrocederá no seu carma
evolutivo, caindo para a posição anteriormente ocupada.
Essas asserções vieram propiciar-lhe chegar
às seguintes conclusões, da reabsorção da energia e de seu posterior
reaproveitamento:
I. Quando a energia não realizada finalmente
voltar aos níveis superiores, manipulados diretamente pelo Irmão Supremo, tendo
sido soerguida no período de repuxo astrológico, com ajuda dos Mestres Terra,
irá permanecer por certo tempo imanifesta no sentido exotérico. Para novamente
descer, virá necessitar de um novo impulso através do fluxo energético inicial
de um subciclo que se precipita. Isso acontecendo dentro de um mesmo período
cíclico de manifestação da célula – obedecido a um fluxo cósmico periódico – essa
energia virá na frente para ser reabsorvida pelas mentes dos irmãos. Durante o
tempo em que a energia permanecer inativa, é de se esperar do trabalho da
hierarquia, a frutificação no sentido de que mentes se tenham tornado
receptivas e dessa maneira a qualidade intrínseca da energia poderá
manifestar-se na forma e propiciar meios de progresso aos irmãos do mundo e à
natureza.
II. Outros fluxos descerão em seguida,
produtos dos novos subciclos, com prováveis teores ainda maiores de qualidade
do que os anteriores, necessitando também de mentes capacitadas para
absorvê-los e realizá-los. E como isto aconteceria se a energia anterior não
conseguisse novamente materializar suas qualidades? E conseguindo, haveria
condições de ambas as energias serem aproveitadas simultaneamente? Estas
questões fugiam-lhe de sua capacidade em colher respostas pelo fato de se
precisar providências extemporâneas, reveladas somente pelo Irmão Supremo.
III. Sorman entendia agora que o trabalho das
pontas era tão importante quanto o trabalho da cúpula, tornando-se necessário
para toda a hierarquia, no seu planejamento evolutivo, estimular o progresso
das mentes não ligadas diretamente com a hierarquia. Se a qualidade de um fluxo
se condensasse numa ideia e essa ideia, abortada da hierarquia, encontrasse
receptividade nos homens de mundanas mentes, ela teria possibilidades de
vingar, mesmo se no seu percurso de interesses materiais a ideia fosse
desvirtuada. Com o tempo, e a história provava, teria as correções. Eis porque,
concluía ainda, os homens não iniciados necessitavam também de mecanismos
próprios para o desenvolvimento mental e espiritual. As ciências do mundo
precisavam tornar-se cada vez mais aptas, seguindo imediatamente atrás dos
avanços esotéricos em seus níveis inferiores. E isso era um tipo de clivagem
avançando sempre na sua qualidade à medida que a mente humana, no seu conjunto,
evoluía.
o o o
- A questão dos fluxos – começou Bruno – é
um dos problemas vitais respeitantes a um
momento evolutivo de nossa família. Verdadeiramente, não é possível
qualidades
frutificarem ou condições serem semeadas, sem ter havido antes a
maturação.
Isso é básico em qualquer atividade humana e faz parte também do ritmo
dos
ciclos de propagação da natureza em todos os seus reinos. Na realidade, é
um
processo contido nas pulsações cósmicas dos sistemas solares e nada pode
ser
modificado na natureza sem as compensações de suas leis. Assim sendo, a
energia não aproveitável nas projeções dos fluxos poderá retornar à
esfera dos arquétipos,
mas não serão possíveis novas projeções dos fluxos de nova energia antes
dessa
energia atual, em expectativa de novamente descer para se manifestar, se
ter
finalmente transformado em tangibilidade no mundo fenomenal. Esse
problema não
é especial nem específico de nossa célula, porque somos partícipes de um
processo global. Todavia, se abrirmos distância em relação a outros
núcleos ou
famílias, isto então, em tese, poderá trazer benefícios para a
humanidade.
Entretanto, o processo cumulativo tem os seus prazos para concentração
improdutiva e se nossa célula tiver também estancado, não tendo
conseguido
preparar-se para a nova tentativa de entrada dos fluxos, então a energia
será
liberada para o mundo.
É claro que os referidos acontecimentos, de
amplitude mundial, não poderão ser unicamente atribuídos ao mau desempenho de
nossa célula. Ela é insignificante para esta totalidade planetária. Mas como o
processo evolutivo alcança a todas as células em condições de realizarem as
transformações requeridas para aquele período vibratório mundial, e tendo
muitas delas falhado, a contribuição no conjunto terá sido negativa.
- Imagino que acontecendo essas coisas, a
humanidade, em seus estertores, buscará, ela mesma, finalmente, as soluções
para a retomada do processo criativo natural.
- Sim, porque a trajetória da energia no
mundo, destarte, não poderá ser contida. A energia provoca surtos construtivos
quando alcançada por seletivas mentes inteligentes e capazes de suportar a
pressão por ela exercida. Uma vez iniciado o processo construtivo, as mentes
ocultas realizarão a sustentação e dosagem de sua amplitude desde o plano
subjetivo, a fim de não haver atropelos no tempo nas etapas da manifestação objetiva
da energia. Logo surgirá uma ilha no meio do oceano. Dentro em pouco novas
ilhas estarão previstas para surgir; então o processo virá tornar-se cada vez
mais abarcante. Por outro lado –
permita-me voltar um pouco para o outro aspecto do processo – se esta
mesma energia for liberada compulsoriamente ao mundo, ou seja, se o prazo
cumulativo improdutivo tiver expirado nas esferas arquetípicas, continuando a
não existir condições de retê-la, nem maturá-la nas pontas para adequada
manifestação, ela, estando livre e imatura, fatalmente será incorporada por
mentes tomadas pelas paixões, sentimentos de vingança e despotismos, vindo, sem
dúvida, tornar-se destrutiva. As consequências nefastas nas vidas das pessoas,
conduzidas por essa infeliz apropriação, resultam da aceitação ao mal pelo
inconsciente coletivo.
É possível, em certa escala e medida, fugir
da dor e sofrimento humanos pelo entendimento da idéia nativa virginal
veiculada à energia, com a consecução de atos e atitudes compatíveis. Mas não é
possível escapar de seu resultado negativo e destruidor quando acontece a
tergiversação de sua principal mensagem.
Sorman, diante de Bruno, refletia. Atrás do
Irmão Supremo o lusco-fusco da aurora penetrava pela janela. Isso vinha aos
poucos provocar no estúdio uma especial coloração de luz, pois o fenômeno da
sombra noturna sendo rasgada somava-se às suaves vibrações de um pequeno e
leitoso globo, colocado sobre negra e lisa pedra ajustada à parede, ao alto, à
direita de Bruno. O interior do globo deixava transparecer somente um triângulo
a dimanar uma luz azul, mas todos os espaços do ambiente ganhavam boa
claridade.
- Parece-me, Bruno – recomeçou Sorman,
mirando primeiramente o anel do Supremo, cujas mãos se entrelaçavam sobre a
mesa, pousando a seguir o olhar no seu tranquilo semblante – e não seria justo se assim não acontecesse,
que os segmentos da célula, imersos em ramos étnicos das diversas raças
mundiais, pudessem tentar realizar algo de criativo segundo as orientações de
nossos membros. E conseguindo, embora formando minorias em relação à massa
populacional do planeta, escapariam dos trágicos acontecimentos desenhados por
suas palavras.
- Evidentemente, sim, e aconteceu há pouco ao
intervirmos na vila onde um massacre contra a sua população era iminente. O
carma de nossa célula não é o mesmo de outras, mas existem momentos em que
carmas se cruzam e se entrelaçam, surgindo coincidências. Não obstante, se os
nossos não merecerem passar certas provações, certamente serão poupados ou
defendidos, e os efeitos dolorosos dos acontecimentos minimizados. Entretanto,
este processo que provoca desnorteamento nos homens e tormentos na natureza,
pode perdurar por muitos anos, verdadeiramente décadas. As reações violentas
dos homens e as respostas da natureza a um tipo de revolvimento na ordem dos
acontecimentos geram, num tempo relativamente curto, novos e intermitentes
estremecimentos e novas convulsões. Diria que o emocional do homem é o espelho
aonde a natureza vem mirar-se para condicionar suas reações.
Atualmente, o
emocional está fora do controle racional das massas, e isso acelera sempre os
processos revoluteantes de causa e efeito. Assim, diante da impossibilidade de
anima mundi imprimir ideias dinâmicas e libertadoras, os inevitáveis conflitos
entre os organismos mundiais estarão se deflagrando constantemente. Então,
nesse processo invertido de aproveitamento da energia criativa, ela finalmente
esgotará a sua ação plasmática, abrindo espaços para a descida de novos fluxos
desde os arquétipos, onde, por um processo extraordinariamente complexo ao
entendimento humano, a nova energia virginal permanecia controlada. Ao atingir
as pontas inferiores da célula através dos fluxos, as situações tendem a se
repetir. Se por um lado, a nossa hierarquia conseguir administrar a ação dos
fluxos da nova energia, trabalhando com eficácia no mundo para as suas
realizações, e tiver recebido do mundo as contrapartidas, teremos não só
cumprido a nossa parte como obtido sucesso. Caso contrário, teremos novamente
falhado parcial ou totalmente e provavelmente estacionado nesse particular como
tantas outras células espalhadas pelo planeta.
- Vejo que de várias maneiras os nossos
problemas se resumem na dualidade. Primeiramente detemos o mandato – e
precisamos de fato cumpri-lo – para fazer reagir os nossos escalões a fim de
alcançar às médias progressistas. Por outro lado, as medidas exigidas para esse
fim precisarão estar colocadas e intrinsecamente correspondidas com a exata
ideia de um plano de evolução, onde a Inteligência Diretiva esteja presente
exatamente naquilo que também fizermos além da célula. Não há como escaparmos
dessa ideação. A nossa célula, de certa maneira, não nos pertence, porque sem
um trabalho eficiente de dentro para fora, conforme determinam as leis da evolução
no espaço-tempo, não obteremos as condições ideais de fora para dentro. O uno é
plural. A célula está para o mundo como este para a célula.
Bruno sorriu. Ao mover a mão direita, a
grande e lisa pedra do anel, como ônix, lançou rápido rebrilho. Amanhecia
rapidamente, o estúdio do Supremo tomava-se cada vez mais da luz natural. Ele
se levantou e contornou a mesa, ficando mais próximo do amigo e discípulo.
Sorman também se ergueu. O negro rosto nesse instante tomava-se de um ar grave,
estranho ao que o Ministro Extraordinário conhecia daquele homem.
- Sorman, há segmentos na célula parecendo
cristalizados. Após tantos ciclos de lutas não vejo outra saída para os irmãos
nessa situação, senão o surgimento de uma luz especial para fazê-los romper de
uma vez, e para sempre, com o resistente véu da matéria que neles se aderiu.
Essa tentativa última ainda não foi possível realizarmos por não termos entre
nós alguém em condições de incorporar essa sublime luz e aceitar o sacrifício.
E caso não aconteça uma reação positiva deles, com suficientes avanços nesse
nosso atual ciclo de manifestação, os recalcitrantes serão enviados em grande
número para outro orbe, de onde poucos voltarão.
- O que isso significa em termos práticos?
-
Significa o que chamamos nesse estágio de a “morte definitiva”, por que para a
maioria não haverá mais volta. Eles já terão esgotado todas as possibilidades de
renascimento, perdendo as oportunidades de “acender a luz.”, ou seja, faze-la brilhar. A natureza faz
vigorar as suas leis com tempo de vigência. E tendo se tornado incapazes de
evoluir, malgrado os esforços da célula, sem forças de se renovar, aqueles egos
terrenos serão dissolvidos e suas energias retornadas para os reservatórios
naturais. Terão perdido os milhões de anos de suas vidas na célula. A essência
alma, em cada um, se recolherá para uma dimensão onde ficará à espera de um
novo ciclo de manifestações de células em que possa reincorporar-se e recomeçar
todas as experiências dos ciclos elementais, dos reinos não humanos e
finalmente do reino humano.
- Mas não aconteceria um vácuo no espaço de
nossa célula, antes ocupado por aquelas unidades que falharam?
- Sim, a célula possivelmente virá se contrair relativamente ao seu quantum dimensional. Isto dependerá também de outros fatores. E acontecendo esta pauta desfavorável, mais adiante, em ciclos futuros, a célula conseguirá novamente se
distender com a incorporação controlada de outras unidades portadoras de padrões
vibratórios compatíveis com ela, embora aquelas unidades que se agreguem se
tenham atrasado em relação aos avanços de suas anteriores células, mas estando elas habilitadas em relação ao nosso padrão como um todo. Assim, os possíveis vácuos de nossa célula de
novo estarão preenchidos com padrões afins, ganhando outras incorporações, e
oferecendo também novas oportunidades àquelas unidades recentemente
incorporadas para se reabilitar.
CAPÍTULO IX
RITUAL NO TEMPLO DO SOL NASCENTE
Dez meses se passaram. As práticas com o
Superior tinham evoluído e Sorman experimentava outro momento de seu mental. Com
frequência recebia mensagens e contatos. Isso em muitas ocasiões o atrapalhava
nos afazeres, pois se via envolto por situações simultâneas. Entretanto, aos
poucos foi desenvolvendo um tipo de discernimento que aprimorou em técnica para
seu autocontrole. Quando os contatos eram feitos enquanto estivesse ocupado, e
sem possibilidades de sustentar a sintonia, ele recebia as mensagens numa área
da mente sem permitir que lhe chegassem ao cérebro, e após desocupar-se do que
fazia concentrava-se neste objetivo. Caso lhe fosse necessário trabalhar uma
determinada situação no mundo terreno, traria o conteúdo da mensagem e a
registraria no cérebro físico. Foi assim que em reunião com o corpo diretor da
empresa, veio sentir a presença telepática de Bruno, a quem não pôde responder
de imediato. Mais tarde, verificou ter sido convocado para uma reunião na casa
de Michel e Verônica, a se realizar em poucos dias. Ele não somente registrou a
mensagem no cérebro, enviando a confirmação a Bruno, como a anotou na agenda de
compromissos com as palavras: REUNIÃO FIA.
A projetada produção da fábrica se iniciara.
Um problema, entretanto, viera descontinuar o trabalho; uma fase da maquinaria
importada entrara em pane e não tinham conseguido pô-la novamente a funcionar.
Isso comprometeria os prazos de entrega, justamente ao início de tudo, e não
seria nada bom. Outro engenheiro chegara do exterior para tentar solucionar
esse problema. Sorman o fora receber no aeroporto, conduzindo-o ao hotel. Dia
seguinte, após a apresentação aos diretores e técnicos, o engenheiro começou a
vistoriar todo o equipamento nos seus mínimos detalhes. Num destes momentos em
que o acompanhava, Sorman viu-se tocado por uma conhecida emoção há muito não
sentida. Anita o envolvera transmitindo sua presença e isso lhe trouxe
inquietações. E como nenhum acontecimento vem à luz por isolada existência,
nessa mesma tarde, ainda sob estado reflexivo, ele atendeu a um chamado
telefônico de Lucéa que chegara para fazer compras, e desejava saber notícias.
Curioso, pois Lucéa nunca antes lhe houvera telefonado, saiu mais cedo para
encontrá-la.
O encontro foi agradável. Lucéa estava jovial
e bela como sempre, e sentaram-se para um rápido lanche enquanto conversavam.
- Tenho sonhado seguidamente com você – disse
Lucéa em meio aos assuntos.
- Bons sonhos, quero crer.
- Enigmáticos na verdade, de certa forma
antagônicos. Talvez você me ajude a decifrá-los.
-
Diga-os!
- No primeiro sonho você me mostrava um
espesso calendário, possivelmente programado para registrar anos vindouros.
Noutra noite, o vi trazer uma enorme mala que a depositava num armário da
irmandade, onde os paramentos de ofícios são guardados. Você estava
completamente nu, mas feliz. Num terceiro sonho, algumas noites após, você veio
vestido somente com uma túnica de fino linho branco. Sua expressão, entretanto,
mostrava um misto de tristeza e esperança e me abraçou fortemente, beijando-me
– ela parou e baixou o olhar para o
prato. Depois continuou – enquanto sentia o caloroso beijo, suas lágrimas
desciam e molhavam-me o rosto, até que descolou os lábios dos meus afastando-se
de costas, desaparecendo sob uma nuvem azulada – ela buscou o lenço na bolsa e enxugou as
lágrimas. Era outra essa Lucéa diante dele. Sorman, por seu turno, pálido,
olhava-a petrificado. Passados segundos, ela pousou a mão sobre a dele – Isso significa o que estou pensando, Sorman?
- Sim, uma partida, naturalmente.
Mais tarde Sorman a deixaria com Verônica no
local combinado, para juntas fazerem as compras. Naquela madrugada, no estúdio,
Sorman despertou para um fato e iniciou imediatamente uma pesquisa no
computador, vindo encontrar o que desejava. Na relação de todos os nomes dos
membros da irmandade encarnados pelo mundo, conscientes ou inconscientes da
existência da FIA, estava o nome de Anita: como não pensara nisto antes?
Ansioso, foi em busca dos dados pessoais dela, deparando-se com um breve
histórico de sua vida e a árvore genealógica. Pôde também saber que em vidas
passadas Anita fora consagrada num templo atlante como sacerdotisa, recebendo o
nome iniciático de Iana. Entretanto, nada mais conseguiu descobrir por que novo
arquivo mais completo achava-se bloqueado. Somente outra pessoa poderia ter
acesso às informações; no entanto quem?
A lembrança de Anita voltou-lhe com
frequência no dia seguinte. Pensara muitas vezes em telefonar-lhe, mas
esbarrava sempre no mesmo dilema: por que reatar o que se tornara impossível no
passado? Iria novamente entrar em sua vida, atrapalhar o relacionamento dela
com o companheiro. Então desistia de qualquer ação e buscava esquecê-la.
Chegava o dia da reunião da FIA. Pouco antes
das sete da noite, Sorman era recebido na casa de Michel e Verônica. Em
chegando ao Salão de Conferências, foi recebido por Bruno e deparou-se com
várias pessoas que lhe deram a sensação de já conhecê-las.
-
Irmão, Sorman, há quanto tempo não nos vemos neste mundo! – Bruno riu com
grande satisfação, fez o sinal, sendo respondido, e apertou-lhe a mão. E virando-se
para os demais ali presentes disse – quero apresentar o nosso Ministro Extraordinário, a quem naturalmente ainda não o conhece pessoalmente neste plano de existência – todos fizeram o sinal.
- Estes são cinco dos Mestres Terra e os dois
Ministros, falou a Sorman que lhes havia respondido ao sinal como de hábito, a seguir
mergulhando no burburinho dos apertos de mãos e apresentações. Havia uma
senhora a quem ele beijou a face, deixando-a após e se aproximando do Superior, ladeado por
Michel; esse último pousou-lhe a mão no ombro sorrindo e falando-lhe:.
- Sorman, tenho sentido falta de sua
inteligente presença.
-
Sorman, meu filho, que prazer revê-lo! – disse o Superior abraçando-o e esse
abraço elevou-o de súbito, fazendo-o sentir-se mais leve.
- Estou igualmente feliz com este reencontro.
Sinto-me já integrado a todos, embora neste momento algo diferente esteja se
passando comigo.
- Hoje você viverá nova e extraordinária
experiência na irmandade – confiou-lhe o
Superior. Sorman, surpreso com aquelas palavras, nem pôde questioná-lo porque
Verônica entrava com dois outros Mestres Terra. Um deles era Stefany. Ao serem
apresentados, e após os mútuos sinais, ela sorriu com imensa simpatia,
beijando-o na face.
- Sua vibração causa-me bem – falou-lhe com
carinho. Ele agradeceu. Logo outro Mestre Terra, oriental, de nome Magashi, fez
a própria apresentação em espanhol, com estranho sotaque e especial vênia.
Estavam todos descontraídos. Perpassava-os um
tipo de energia que os unia tanto informal quanto solenemente. Isso pareceu
intensificar-se quando Sorman sentiu uma ligeira sensação de ausência, seguida
de um estímulo como num salto para cima. A essa transformação, seguiu-se a
condição de poder registrar no cérebro movimentos e ações diferentes daqueles
ali realizados. Perguntava-se que tipo de reunião aconteceria naquele Salão,
quando Bruno ordenou-lhes:
-
Irmãos, preparem-se! Michel imediatamente dirigiu-se ao painel eletrônico no
fundo da biblioteca, pressionando uma tecla, provocando o fechamento automático
da porta do salão e suave estalido na fechadura. Certificando-se, num rápido
olhar, de que todas as janelas estariam também fechadas, ele pressionou três
outras teclas em diferentes posições, dentre as dezenas nas carreiras do
painel, e uma quarta para a posição de desligada. Logo uma seção da estante
moveu-se, abrindo-se automaticamente. Sorman já vira algo parecido na estante
ao lado, quando pela primeira vez aqui estivera. Esta seção, possuindo
escaninhos completamente vazios no lado interno, era estreita, deixando à vista
um pequeno hall, suavemente iluminado, que terminava numa escada de mármore em
descenso.
Todos se posicionaram em fila e iniciaram os
passos. Bruno retardou-se propositalmente apoiando a mão no ombro de Sorman que
aguardou. Quando todos tinham adentrado, Michel acionou as teclas apagando as
luzes e fechou o painel. Agora somente a luz provinda do hall os banhava. Finalmente
adentraram. Havia uma porta contígua; ao passarem pelo vão, Michel parou e
abriu um diminuto painel de eletricidade na parede, acionando duas teclas,
provocando o fechamento simultâneo da estante e da porta contígua. Desceram
pela escada, cuja iluminação era da mesma forma suave, ingressando por um
estreito corredor comunicando a um vestíbulo separado por biombos.
- A reunião será um ritual – começou a
explicar-lhe Bruno – relativo a uma data
especial de nosso calendário oculto, antes do solstício de inverno. Do ritual
somente participam os cabeças da hierarquia. Até aqui éramos doze
participantes, mas hoje seremos o número perfeito de treze.
Surpreso, o jovem meneou a cabeça afirmativamente. Bruno virou-se
ordenando a Michel que trouxesse um paramento para Sorman, retirando-se em
seguida, indo adentrar uma dependência ao fundo, fechando a porta. O paramento
era exatamente igual ao dos demais. Tratava-se de uma túnica de linho negro, de
mangas compridas bastante largas, leve e confortável, tendo adiante o desenho
de uma serpente dourada, em pé, ligeiramente sinuosa, que subia ao peito desde
abaixo do plexo solar, terminando junto à gola da túnica à garganta.
Sorman foi instruído a aguardar enquanto as
duas mulheres abriam outra porta, adentrando uma segunda dependência. Logo
saíram vestidas com as túnicas, de cabelos umedecidos, dirigindo-se a um dos
biombos a fim de dependurar suas roupas. Em seguida, caminharam para o final do
vestíbulo, passando pela porta por onde Bruno adentrara, fechando-a depois. Um
perfume suave, desconhecido para Sorman, deixou no ar o seu rastro após as
mulheres.
Os homens imediatamente começaram a se despir
detrás dos biombos e dependuraram as roupas. Vestidos unicamente com trajes
menores, portando nos braços as túnicas dobradas, fizeram fila diante da
primeira porta de onde as mulheres haviam saído. Sorman, como eles, dirigiu-se
a um dos biombos, despiu-se e colocou-se no final da fila. Os homens
rapidamente entravam um a um, pouco depois saiam vestidos com as túnicas, e
cabelos umedecidos, exalando o mesmo perfume das mulheres. Como elas,
dirigiam-se aos biombos, e, após, para a porta do fundo, adentrando a
dependência. Tudo era feito em silêncio e concentração. Quando finalmente
chegou sua vez, Sorman entrou com Michel. Esta dependência era um banheiro
totalmente revestido de cerâmica branca. Michel indicou-lhe um pequeno móvel
onde depositasse a túnica, e apontou-lhe o box para rápida ducha. Após a ducha,
instruiu-o a abrir o chuveiro, e enquanto a água lhe tocasse a cabeça e o
corpo, mencionasse certas palavras, agora reveladas, ligadas ao que seria um
banho lustral.
Isso
feito, estendeu-lhe pelo entremeio da cortina uma toalha branca, retirada de uma
pilha do interior do móvel. O banho lustral, muito mais que perfumado, o fizera
sentir-se purificado. Depois de rapidamente se enxugar, Sorman vestiu o traje
menor aqui recebido, estampado com seu nome, e a túnica, saindo em direção do
biombo, ali depositando sua última peça de roupa.
Ao
abrir a porta do fundo deparou-se com todos os membros que o antecederam.
Encontravam-se em pé, concentrados sob tênue luz azul expandida do interior de
translúcida pirâmide, pendida por um fio luminoso dourado e transparente. O
lugar era uma tenda cônica, de seda lilás. Sorman vira recentemente essa figura
em lampejo de visão, numa ocasião qualquer.
Ele permaneceu como todos, em mesma postura e silêncio, até a chegada de
Michel. Segundos depois, algumas fracas luzes brancas foram acesas do lado de
fora, e as duas mulheres afastaram um véu da tenda, saindo.
Logo todos ouviram um som mântrico e se encaminharam para fora da tenda. Sorman sentiu na mente
algo vibrante, verificando encontrar-se no interior de um salão quadrangular
cujas paredes eram, alternadamente, brancas e negras. O alto teto apresentava
uma grande e escura abertura circular, que a fraca iluminação das lâmpadas, sob
sancas, não conseguia penetrar. Um negro disco achava-se desenhado no chão; sua
medida coincidia com a abertura do teto. Os pequenos espaços existentes após o
disco, e o perfeito alongamento do chão, eram revestidos por peças
representando quadrados brancos ou pretos, com uma faixa diagonal bem no meio,
opostamente branca ou preta. Nada mais no salão ele podia dali discernir, pelo
menos sob a proposital penumbra, e os membros da irmandade pararam todos em
derredor do disco. A música continuou por mais um minuto; as mulheres
retornaram, colocando-se em posições diametralmente opostas. A voz de Bruno
então ecoou pelo ar, provinda de algum ponto do salão:
- Diante de Ti, Ó, Supremo, nos
prosternaremos. Tua incognoscível consciência já antes habitara o desconhecido
e das suas profundezas surgiste para o universo. Por Ti também existimos
desejando conhecer-Te, Grande Enigma!
Todos mencionaram juntos um nome em voz alta
por três vezes, e as luzes se apagaram. Mergulhados em total escuridão,
permaneceram em completo silêncio por três minutos. Súbita fraca e tênue luz
amarela espalhou-se sobre suas cabeças, provinda das profundezas do buraco no
teto. Nesse momento, Bruno já se encontrava no centro do negro disco, com igual
túnica, elevando as mãos. Eles realizaram idêntico gesto, e novamente juntos
pronunciaram por três vezes o mesmo nome. A luz amarela cresceu; já era
possível ver que o buraco era uma coluna oca, negra, perfeitamente lisa e
cilíndrica. Eles se deitaram no negro disco, com as cabeças voltadas para o
centro, inclusive Bruno, olhando fixamente por alguns segundos para o ponto de
luz amarela; depois fecharam os olhos. A negra coluna banhada de amarelo e o
distante ponto de luz permaneceram-lhes nas retinas. Então ouviram um forte
sibilo sendo puxados dos corpos e levados para o
interior da coluna em direção ao ponto de luz, a uma velocidade imensa,
perdendo a consciência.
Pouco depois das vinte e duas horas o grupo
se reunia no Salão de Conferências, em torno da bela mesa de mogno. Ainda
sentiam a energia altamente psíquica a permeá-los. Era alguma coisa simultânea.
Sorman surpreendia-se, pois se naquele momento desejasse se comunicar com
qualquer dos irmãos, não precisaria dirigir palavras, olhares ou gestos:
bastaria concentrar-se suavemente e o contato mental se daria instantaneamente.
A par disso, movia-o o desejo de criar ou recriar; sentia o mundo como a extensão
de seu pensamento, podendo penetrá-lo de qualquer distância ou profundidade.
“Sou um Demiurgo!”; ele escutou essas palavras na própria mente.
- Irmãos – começou Bruno, e todos procuraram
emergir daquele estado de perfeita integração mental e registrar através de
seus cérebros físicos – o propósito desta reunião todos conhecemos, na sua integral concepção exceto,
Sorman. Ministro Extraordinário é um cargo jamais
antes ocupado por alguém na Fraternidade Irmãos Atlantes, por isso ao seu
ocupante tudo pode parecer de certa forma imprevisto. E não há mesmo tempo para
prolongadas lições nos dias atuais. As experiências do círculo interno da
irmandade, o Ministro Extraordinário as obtém in loco, com amplitude. E as
adapta rápida e corretamente ao caminhar. Eis porque ocupa a posição: tem
grande poder de síntese; sua inteligência é vívida e aguçada.
Sorman não teve reações. A envolvente
energia tirava-lhe a possibilidade de um protesto silencioso ou tímido e simplesmente
aceitou aquelas palavras.
– O ritual que acabamos de realizar – Bruno
prosseguiu e Sorman acusou a intenção do Supremo de, especialmente,
explicar-lhe – é o encontro com o Pai. Nada é comparável à hierarquia, nesses momentos, em
termos de comunhão. Grandes segredos da criação nos são
informados, e ainda assim, permanecem guardados e vigiados sem descer ao
cérebro físico. Há uma senha para cada revelação a nós confiada, mas não nos é
dado o seu conhecimento objetivo para que de moto próprio não venhamos nos
apropriar delas. Um grande Ser permanece guardião das senhas durante todo o
tempo de nossas existências terrenas, e mesmo após. Para que então nos servirão as
revelações, perguntarão, se não poderemos ter consciência delas? Poderemos, sim, quando
não mais houver a possibilidade de uma inconsciência transferi-las ao cérebro
físico. Fragmentos das revelações, contudo, poderão chegar aos nossos
pensamentos terrenos, de acordo com a vontade desse grande Ser, porém nada mais
que isto. As forcas inimigas da Luz jamais saberão verdadeiramente o que o Pai
guarda aos Seus, quando os faz custódios das verdades.
Não obstante, somos portadores da inalienável
certeza do conhecer, e isso nos transforma em incessantes geradores de energia
para o mundo. A instantaneidade desse conhecimento – embora não trazido à
forma-pensamento terreno – produz a qualidade intrínseca das energias que
plasmaremos no mundo em produtiva criatividade, fazendo-nos, por outro lado,
invencíveis em nossas próprias convicções ou realizações. A clareza das ideias
produzidas e a perfeição dos ideais a perseguir, são também reflexos ou a vida
externa desta sabedoria ocultamente guardada em nossos íntimos. E um dia,
quando perfeitamente libertos estivermos das injunções do carma, esta sabedoria
universal será de nosso consciente uso.
Silêncio. A energia ainda os possuía e não se
moviam. Haviam escutado ao Supremo, mas as palavras já tinham deixado de soar
perfeitamente em seus cérebros físicos. Nesse instante, encontravam-se em
dimensão acima; os corpos físicos tinham ficado inertes em redor da mesa.
Bruno, percebendo a elevação de todos, uniu-se conscientemente a eles, prosseguindo:
– o
Pai nos revelou alguns acontecimentos futuros no planeta. Já estão em processo
de descida e tomam forma; todos no momento podemos lê-los nos registros
etéricos. Alguns lugares onde membros da célula vivem no mundo terreno serão
afetados. Vamos, portanto, trabalhar na aura mental da célula a fim de evitar
que os nossos venham sofrer desnecessariamente.
Bruno sugeriu-lhes conformar um grande anel de
energia mental, o que foi feito e de imediato lançado ao espaço em magnífica irradiação, sendo
acompanhado pela percepção desperta do grupo. O anel viajou a velocidade
extraordinária, vindo encontrar um campo de fervilhante luz e energia, onde
penetrou e se dissolveu provocando rápidos torvelinhos. Logo viram milhares de
pessoas sentadas sobre imensa extensão de grama, rodeada de jardins magníficos.
Elas se voltavam para um alvo templo sobre pilares. O templo possuía quatro
altíssimas e pontiagudas torres semelhantes a obeliscos, formando um quadrilátero.
No centro do quadrilátero, vários lances inclinados de telhas sobrepunham-se,
envolvendo uma grande e reverberante ogiva, destacadamente mais alta. O Sol
surgia por sobre o templo; os rostos das pessoas, com olhos fechados, denotavam
profunda concentração.
-
Os irmãos absorvem a energia que lançamos e sua principal mensagem. Em pouco
tempo esta mesma energia chegará a Terra para absorção de outros, ao respectivo
nível dos grupos em que convivem – disse
Bruno mentalmente, em seguida ordenando-lhes: - Voltemos!
Pouco depois reassumiam seus corpos físicos no Salão de Conferências.
Não demorou, Verônica apareceu com imensa toalha dobrada, começando a
estendê-la sobre a mesa com ajuda de Michel e dos Mestres femininos. Louças e
talheres foram postos e uma refeição quente lhes foi servida.
CAPÍTULO X
ANITA
- Sorman! – ela gritou – Meu Deus é
Sorman! Anita murmurou estas últimas
palavras, sem mesmo se dar conta da coragem de tê-lo chamado. Fora algo
instintivo, irrefreável. O coração descompassava. Sorman parou em meio à onda
de transeuntes e virou-se, vendo-a na calçada a acenar-lhe.
- Anita! – exclamou incrédulo, procurando
vê-la melhor por sobre a febril massa. Ele se aproximou; ela, imóvel, olhava-o
enternecida e emocionada – Anita! – falou-lhe com brandura, vencendo todas as
possíveis barreiras. Ela conseguiu sorrir e conter as lágrimas.
- Sorman, como eu poderia imaginar?
- Nem eu! - respondeu-lhe com meio sorriso.
Ela olhou seus cabelos curtos, estudando-lhe o rosto.
- Você
mudou muito – disse após breve momento, sentindo ainda a emoção arder.
- Você, não, continua bonita. Ela sorriu e o sorriso dela entrou-lhe na
alma como um bálsamo.
- Não falo da aparência física, pois ela é
quase a mesma de outros tempos. Vejo, sim, outra pessoa em você, sinto isso
facilmente. Algo incomum o envolve – ela falava rapidamente.
- Reencontrei-me e aos meus – ele sorriu. Ela
não conseguiu conter agora uma pequena lágrima. Tentou ignorá-la, mas a lágrima
sobrevivera de um passado que permanecia vivo, e ela matou-a com a extremidade do
dedo.
- Talvez não devesse tê-lo chamado,
deveríamos evitar o encontro. Sorman foi subitamente esbarrado por um homem
apressado que corria para atravessar a rua; a pasta quase caiu ao chão; ele
agarrou-a desajeitado.
- Vamos
sair daqui – disse após aprumar-se.
- Sim, preciso ir trabalhar! – as palavras
saíram-lhe como a protegê-la.
- O que você faz?
- Trabalho num escritório de advocacia; sou
advogada também – Sorman calou-se. Anita abriu a bolsa e retirou um cartão –
telefone-me quando puder –ela esforçou-se para dominar a emotividade; os olhos
impregnaram-se de forte brilho. Sorman tomou o cartão um tanto desanimado. – Vamos
atravessar a rua, eu ia mesmo para o outro lado! – ela comandou.
Anita desapareceria pouco depois. “Até logo,
Sorman!”, foram as suas últimas palavras. Ele ainda permanecera acompanhando-a
com o olhar, vendo-a misturar-se à multidão sem se voltar uma única vez.
0 0 0
- Depois de todos estes anos o que o anima a
vir conversar comigo? A pouca luz transformava o reservado num cenário sem
atrativos. O claro rosto de Anita demonstrava tensão; os verdes olhos piscavam
intensamente. Sorman, apesar do inicial desconforto, desligara-se por segundos
admirando-a, mas logo procurou responder-lhe:
- Bem, se você ainda me conhece sabe que sou
movido por instâncias; assim, não saberia explicar, exatamente, porque
necessito falar-lhe. Para dizer a verdade, nem sei como começar – seus dedos uniam-se adiante como atraídos
magneticamente. As mãos pareciam esculturas pétreas. Anita aguardou. Ele reiniciou:
- deixe-me então tentar. Não desejo de
forma alguma entrar em sua intimidade e novamente atrapalhar-lhe a vida. Você
está casada, parece-me – ela tentou interrompê-lo,
mas ele prosseguiu – tem um filho, não
sei, porém se outros.
- Como
soube destas coisas?
- Sua mãe contou-me meses atrás quando fui
procurá-la. Vi seu filho. Ela naturalmente não lhe falou a respeito.
- Não..., eu. Por que me procurou, Sorman?
- Necessitava falar-lhe, você me aparece
constantemente em
visões. Achei que deveria saber de você. Anita tremeu.
- Este foi o único motivo?
- Bem..., não sei exatamente. Perdoe-me por
falar-lhe sobre isto, prometo respeitar o seu compromisso afastando-me depois,
mas você jamais ficou longe de mim. Muitas coisas aconteceram desde que nos
separamos; de alguma forma você esteve comigo o tempo todo.
- Sorman...!
Ela não conteve as lágrimas.
- Não desejava vê-la assim. Não a perturbarei
mais a partir de hoje.
- Não, Sorman! Não devemos virar as costas um para o outro.
Se aqui estamos é porque o destino quis. Devemos nos encontrar quando
necessário, trocar impressões, conversar enfim. Coisas também acontecem comigo;
são estranhas, não consigo explicações. É comum, por exemplo, meus sentidos se
apagarem, eu viajar mentalmente – ela parou e assoou o nariz com o guardanapo
de papel, depois passou suavemente os dedos sob os olhos, enxugando-os e
continuou – sei que vou longe. Em ocasiões sei exatamente onde estou, o que
faço, noutras não. Ouço vozes, capto mensagens. Por que estaria isto
acontecendo comigo? Sorman somente
mirou-a.
Súbita luz azul veio colocar-se entre ambos.
- Vê o que eu vejo? - ele perguntou.
- Sim, a luz azul, quem a envia? Sorman fixou o olhar sobre a mesa; os olhos
tomaram-se de um brilho hipnótico. Por alguns segundos sua mente desprendeu-se
e o corpo permaneceu absolutamente imóvel. Anita vendo-o assim procurou não se
mover, temendo atrapalhá-lo.
- Seu mestre envia esta luz, a irmandade lhe
chama – disse-lhe finalmente, voltando a mover-se.
- Irmandade?
Qual?
- Você
saberá em breve. Ela
não ficou satisfeita, porém não insistiu.
O jantar foi servido, a atmosfera tensa
desapareceu. Descontraídos conversaram sobre variados assuntos, mas falaram
pouco sobre suas vidas; havia ainda feridas abertas e desconfianças. Ao
término, Sorman propôs-lhe com dúvidas:
- Não sei se devo oferecer-me para levá-la a
casa, poderia complicar-lhe a vida.
- Podemos ir, não existirá qualquer problema.
No trajeto Sorman inquiriu-a:
- Como é seu companheiro? Anita não
respondeu. Mediante o silêncio ele mudou de assunto. Ao chegarem à extremidade
da rua onde morava, ela tocou-lhe o braço.
- Pare aqui, prefiro agora ir andando. Sorman
parou.
- Então
voltaremos a nos ver?
- Tenho certeza. Até breve! - ela sorriu e
saiu.
CAPÍTULO XI
RUDOLFO,
O ASTRÓLOGO
Desde o inusitado ritual no Templo do Sol
Nascente, muitas coisas vinham acontecendo no íntimo de Sorman. A energia que o
tomara, de um teor completamente diferente, nele permanecera transformando-o
pouco a pouco. Uma nova vida vinha possuí-lo; outra vontade conduzia-lhe os
pensamentos: seu universo interior sofria choques e expansões! Ele começou a
ter aspirações. Desejava ampliar o alcance da própria energia; trazer melhores
condições para a irmandade, para o mundo! Dentro desse quadro de vigorosas
possibilidades, passou a achar que como Ministro Extraordinário realizava muito
pouco! Estaria estacionado; não houvera realmente entrado na engrenagem da
hierarquia como esperava. Até este momento não tomara decisões importantes, não
tinha elaborado planos nem exercitado a criatividade. Esta constatação veio
provocar-lhe angústia.
Sob este clima, decidiu tentar um contato
telepático com Bruno, mas não obteve sucesso. Forte bloqueio o impedia de se
comunicar. Desistindo temporariamente dessa intenção preparou-se para dormir,
idealizando antes a estratégia de trabalhar objetivamente seu corpo espiritual,
a fim de ingressar no reduto da hierarquia com a consciência desperta. Porém,
logo atestaria essa impossibilidade, por que ao pronunciar a senha que lhe
abriria as portas da Grande Casa dos Estúdios e Câmaras da Hierarquia, viu descer-lhe
uma branca luz que lhe apagaria de imediato a lucidez.
Na manhã de sábado procurou de todas as
maneiras lembrar-se do ocorrido na madrugada, porém debalde. Novamente tentou
se comunicar telepaticamente com o Supremo, mas como antes esbarraria no bloqueio.
Aborrecido com esses evidentes fracassos, tomou rápido banho, vestiu-se, lançou
mão de uma pequena mala, acondicionando nela tudo o que julgava necessitar, e
desceu. Tomando café a sós com Olga – Eduardo ainda dormia – anunciou-lhe a
pequena viagem.
- À nossa casa ao pé da serra? Por que esta
decisão tão súbita? - sentada diante dele, Olga mostrava espanto, como sempre.
- Tenho um amigo que possui uma pequena
fazenda nos arredores. Preciso falar-lhe.
- E por que não lhe telefona?
- Porque o assunto é um tanto difícil e
longo, seria indelicado falar por telefone. Talvez porque desejo mesmo viajar.
E, para complicar, acabo de constatar que nem tenho o número de seu telefone.
- Quem é este amigo?
- Você não o conhece, nem meu pai. É uma bela
pessoa.
- Você volta hoje ou domingo?
- Ainda não sei, vai depender de algumas
coisas. Olga deu de ombros fingindo despreocupação, encerrando o
interrogatório.
Por mais de uma hora Sorman viajou
mergulhado em
pensamentos. Nesse tempo veio-lhe a imagem de Anita. Mais
tarde lembraria de Lucéa e do último encontro com ela na cidade.
Deucalião veio encontrá-lo. Ao escutar os
ansiosos latidos, Lucen desceu correndo a fim de abrir-lhe o portão,
recebendo-o com beijos e abraço, após
ele ter se desvencilhado do cão.
- Pensei não vê-lo hoje, são quase dez horas!
- observou-lhe Bruno, em alegre e
irônico tom à porta da varanda, tendo feito o sinal.
- Você me esperava? – inquiriu-o meio
espantado, respondendo ao sinal.
-
Naturalmente. Sei que jamais se esqueceria de um compromisso como este. Venha –
convidou-o sem alterar a disposição alegre – quero lhe apresentar uma pessoa
especial! Sorman adentrou a sala, meio atônito, sem nada entender. Bruno
alcançou-o, sinalizando que o seguisse. – Aqui é o meu estúdio! – Anunciou
diante de uma dependência no corredor, abrindo suavemente a porta.
O estúdio era um bom escritório, Sorman
evidentemente não o conhecia. As paredes eram forradas de papel claro florido.
Tinha uma mesa de médio tamanho, uma cadeira giratória de gabinete, e duas
cadeiras almofadadas. A um canto havia um sofá vermelho encostado à
parede. Num dos lados do sofá ficava um
abajur de pé e no outro uma mesinha. Atrás da mesa e cadeira giratória, uma
estante de madeira clara quase alcançava o teto. Nela existiam muitos livros
meio arrumados ou em desordem, e vários e diversificados objetos espalhados nos
escaninhos. Encostado a essa estante, havia um cofre de aço.
Suave e fresca aragem movia, como véus, as transparentes e
brancas cortinas da janela totalmente aberta. Os movimentos
provocavam seguidos e leves sombreamentos na réstia solar que se insinuava até
bem próximo da mesa, sobre o bem encerado chão de tábuas. Um homem magro, alto
e claro, de cavanhaque e óculos de fina armação dourada, com cabelos castanhos
deixando à mostra entradas acima da testa e falhas ao alto da cabeça,
levantou-se detrás da mesa tão logo os dois se introduziram ao estúdio.
Permanecia com um lápis à mão e diante dele folhas manuscritas, mapas com
zodíacos, livros abertos, um pequeno globo, uma grossa lupa, um laptop, uma mini
calculadora eletrônica e outros objetos de uso testemunhavam que uma grande
tarefa ali se realizava.
- Este é o professor Rudolfo, iniciado na
FIA, astrólogo de raro talento e cabalista prático – apresentou-o, Bruno, já
próximo à mesa. Ele fez o sinal de seu grau.
Sorman respondeu e depois lhe apertou a mão. Nesse instante, várias
imagens desfilaram na mente de Sorman e viu-se no estúdio do Supremo, na Grande
Casa, exatamente com ambos. “Amanhã nos
veremos novamente, antes do ritual”, dizia-lhe Bruno, ao final daquele
encontro.
- Creio já nos conhecermos, irmão - disse-lhe
Sorman emergindo.
- É possível – ele sorriu e suas faces mostraram prematuros
sulcos. Não teria mais do que trinta e dois anos, calculou Sorman – as atividades de nosso núcleo no plano
espiritual são muito intensas, ele continuou, certamente lá nos encontramos
antes.
- Com toda a certeza – reafirmou o
recém-chegado, desviando os olhos para a superfície da mesa.
- Desnecessário dizer de nosso Ministro
Extraordinário, principalmente por que você já está a conhecê-lo melhor do que
ele a você - falou Bruno, olhando para o astrólogo com a intenção óbvia de
motivar a curiosidade do Ministro. Rudolfo sorriu, desta vez, timidamente,
baixando os olhos para o mapa em que vinha trabalhando. Sorman entendeu a
mensagem, perguntando-lhes com real surpresa.
- Este
é o meu mapa astrológico? Bruno riu
largamente, mostrando os alvos dentes.
- Não há segredos na FIA, meu jovem, que não
sejam desafios para a nossa ciência. Nascimento, vida e morte de um iniciado
são seus enigmas na Terra. Cabe-nos, no devido tempo, extrair-lhes todas as
coisas importantes que nos acenem com sinais exatos. Dessa maneira, ganhamos tempo para
melhores e mais proveitosas realizações em favor de nossa célula.
- E o que exatamente descobriram? - Sorman
animou-se.
Rudolfo lançou olhar para Bruno. Este
ofereceu a cadeira para o visitante, sentando-se ao seu lado. O astrólogo também
sentou-se, apoiando os cotovelos sobre a mesa e o queixo no dorso de uma das
mãos unidas. O lápis ainda permanecia-lhe nos dedos da mão esquerda.
- O irmão Rudolfo, ao meu pedido, já vinha
fazendo levantamentos de seu mapa natal – falou Bruno jogando a perna direita
sobre a esquerda, entrelaçando as mãos e as descansando sobre a perna – isto é
norma da irmandade, caro Sorman. Permita-me informá-lo sobre isto antes de nos
julgar abelhudos ou invasores de sua privacidade. Ademais, as definições
externadas por este horóscopo não serão de forma alguma reveladas a outrem sem
a sua autorização, fique tranquilo. É necessário você tomar conhecimento desta
pesquisa e das revelações aqui feitas registrando-as no cérebro e memória
físicas. Mas deixo agora a cargo de Rudolfo explicar-lhe o conteúdo do
trabalho.
O convidado descolou então as mãos de sob o queixo,
apoiando-as na mesa, largando o lápis sobre a folha na qual trabalhava,
iniciando a exposição:
- O mapa não está propriamente terminado
visto precisar fazer novos cálculos e rever posições. Não nos baseamos
unicamente no levantamento de um horóscopo da personalidade do iniciado para
este tipo de armazenamento de dados e consequentes projeções de sua vida.
Nossos cálculos têm também outros parâmetros, logicamente outros objetivos.
Isso se deve, principalmente, ao fato de o iniciado avançado, como é o seu
caso, bem como aqueles discípulos emergentes, não serem totalmente
condicionados pelos fluxos normais e mecânicos dos planetas tradicionalmente
tabulados para os doze signos do zodíaco. Há ponderáveis influências de outros
planetas, constelações, sistemas solares etc. que, aliados a fatores ocultos ou
esotéricos, veiculam outras energias, ensejando novas considerações. Por estes
fatos, as energias com que trabalha o iniciado, em relação ao aspirante comum
ou ao homem intelectualizado, são muito mais potentes em suas naturezas. Assim
sendo, uma vez que os planetas tradicionais não influem no iniciado de forma
ortodoxa, como tradicionalmente apresentada pela indústria dos horóscopos, haverá
mudanças nas conceituações das relações alma-personalidade. Isto significa
desdobrarem-se novas gamas de combinações, trazendo definições mais dinâmicas
nas projeções futuras da obra pessoal da consciência sob tais influências.
Para o iniciado, os resultados do estudo da
alma e as ilações que se possam aduzir, irão dizer do teor da atomicidade de
seus corpos, ou seja, do grau de expansão da consciência, das lutas internas
necessárias empreender para eventualmente ajustar-se, bem como das
possibilidades de atirar-se numa obra de maior envergadura ou mais abarcante.
Os fatos contidos numa realidade consumada pelas projeções que deram certo
poderão, eventualmente ou de forma constante e precisa, trazer-lhe o despertar
de poderes psíquicos superiores, que devem ser canalizados para o mundo físico,
nas realizações de necessários fenômenos. Essas conquistas, por certo, somente
dependerão do próprio labor e esforços conscientes do iniciado, nunca de uma
automação gerada pelos câmbios das energias na trajetória de sua vida.
Esta tarefa, por
oportuno, vem sendo a mais árdua de todas as que me propus realizar nesta
ciência. Sua configuração astrológica, Sorman, é algo complicado, sutil, de
difícil abordagem pelos meios e padrões esotéricos normalmente utilizados. A
todo instante paro a fim de dar asas à minha imaginação, voando para os campos
da pura intuição para pedir ajuda, motivo pelo qual hesito ainda em dar a
tarefa por terminada – ele baixou o rosto olhando para a folha sob suas mãos,
tomando-a, ajustando os óculos sem levantar os olhos do papel. Depois continuou
– Neste pequeno resumo, concluo esotericamente, no lato sentido oculto, que sua vida teve, está tendo e
deverá ter, três etapas absolutamente distintas e importantes para a inteira completude de
seu transcurso. A primeira delas já foi concluída e decorreu da maneira mais
difícil e exaustiva que uma consciência em formação de valores terrenos poderia
experimentar numa encarnação, paralelamente ao despertar silencioso e proscênio
dos valores espirituais. A meu ver você foi Arjuna muito cedo, embora por um
tempo relativamente curto, e não sei como resistiu sem chegar à demência.
Talvez porque o Sol e Vulcano puderam polarizar seu consciente propiciando-lhe
energias hercúleas, por estar mergulhado nos infernos de Hades. Ou,
ainda, a experiência teria por escopo fazê-lo de novo apropriar-se de valores
já antes conquistados. De qualquer forma, aquela primeira crucificação, em
termos ocultos, a meus olhos, pareceu-me extremamente cruel. Matar as ilusões
do ego terreno justamente quando ele florescia para o mundo foi o seu grande
desafio; foi-lhe o Gólgota de sua infeliz herança, naqueles tempos,
naturalmente.
Consoante aos fatos
rapidamente precipitados nesta primeira etapa – e tendo trazido o ego terreno
sob firmes rédeas, graças à você mesmo –
logo iniciou a segunda etapa desta trajetória. Esta, ainda em curso,
aparenta ser mais longa do que a anterior e estará dividida em duas fases
também distintas. A primeira, eu chamaria fase de apropriação, pelas características
dos planetas de seu mapa oculto, ao manifestarem posições de grandeza – vindo
Júpiter se aproximando numa posição secundária, proporcionando influência
somente ao nível das respostas emitidas por você. Mas não ousaria estabelecer
paralelos nem mensurar absolutamente nada em relação ao alcance de seu ego,
por que vejo novamente seu mental especialmente polarizado nesse mesmo período.
Esse fato talvez esteja começando a acontecer, e é um desafio para a confecção
deste mapa, por cujo motivo ainda não consegui completar meus cálculos. Assim
nada posso afirmar-lhe de maneira mais clara – ele parou e novamente ajeitou os
óculos, enfiando depois a folha consultada sob outra não percebida antes por
Sorman. Então, consultando agora essa nova folha, prosseguiu com a mesma ênfase: – por outro lado, a
entrada de energias de outras constelações, sem o protagonismo de novas
iniciações, a esta altura o estimularão a empreender sucessivos impulsos de
caráter esotérico, que precisarão ser compensados por ações físicas no lado
material do mundo. Haverá grande risco para seu equilíbrio mental se você não
conseguir realizar essa dupla ação.
Na segunda fase desta segunda etapa, antevejo,
exatamente, o campo de suas atividades bastante estimulado. Nesse particular,
os poderes psíquicos estarão cada vez menos latentes e, sobretudo, mais
pulsantes sob consciente controle. Sua vontade, esotericamente referida, estará
estimulada de tal sorte que o trabalho por você realizado criará uma alma ou
aura indestrutível. Entretanto, antevejo também nova e abismal luta entre Ego x
ego, ou positivo x negativo, no seu Kurukchetra, sem qualquer perspectiva de
previsão sobre os resultados ou consequências.
A terceira etapa é
verdadeiramente uma incógnita. Está coberta por véus porque o teor da energia
de duas constelações, coadjuvadas ainda que em segundo plano por uma terceira
constelação, novamente poderão estimulá-lo a novas lutas, vindo condicionar os
resultados de seus esforços ao acontecido na luta anterior. Isso considero e
concordo, não é nada esclarecedor a essa altura, porém de modo algum poderia
ser diferente porque somente quando se alcança um objetivo, reafirmando a
conquista por posteriores e vitoriosos desafios, se consegue anular proporções
da escravidão da matéria a fim de que novas e superiores energias consigam
aportar. – Sorman olhou-o admirado e Rudolfo retomou. –
Talvez lhe pareça estranho um mapa astrológico indicar um caminho a um iniciado
como você, quando de inicio eu dissera exatamente o contrário. Observe, porém,
que o homem do mundo, fazendo do intelecto o seu leme, aproxima-se de certa
forma do arbítrio trabalhado pelo iniciado em seu mental.
Insisto, porém: as
previsões feitas no seu horóscopo estão condicionadas ao realizado agora em
termos de conquistas iniciáticas; diferentes, portanto, das projeções dos
acontecimentos previstos para a vida de um homem devotado unicamente ao
mundo material, seja ele intelectualizado ou não, porque para este, os fatos, na sua
maioria, já estarão alinhados na forma concreta de acontecer.
Por outro lado, o caminho do iniciado é uma
trilha natural delineada para um inicio, meio e fim, independentemente do que
sucederá na sua vida material em termos de trabalho, família, casamento,
fortuna, etc., e ao tempo consumido para atingir a meta. O iniciado é livre para
palmilhar a trilha que aceitou antes de descer a esse mundo, do modo como achar
melhor e com a aplicação que julgue necessária, pois a maestria é somente sua
como é pessoal o seu brilho. Os acontecimentos futuros – melhores ou piores – dependerão,
entretanto, de suas realizações presentes, insisto uma vez mais; porém, as
configurações dos astros somente se farão sentir cada vez mais intensamente,
após ele ter transposto os portais diante de si. Porém, o desgaste físico e
mental virão definir o grau de suas condições e a possibilidade de recuperação
para exercer novas possíveis e controladas ações, reprogramadas por uma hierarquia. E caso
também não transpasse os principais portais com significativas vitórias intimas,
ficará assim postergada a sua trajetória para superiores patamares, talvez a
uma próxima vida com melhores condições.
Esgotado este tema
geral, entraram noutros aspectos particulares da astrologia esotérica e
iniciática, tendo Sorman adquirido de Rudolfo boas e úteis informações
práticas. Mais tarde, sentaram-se na sala enquanto aguardavam o almoço, ouvindo
de Bruno a confirmação de suas participações no ritual da Casa Rosa. Sorman,
desta feita, não mais se surpreendeu porquanto já houvera ficado consciente de
outras imagens do encontro na Grande Casa dos Estúdios e Câmaras da Hierarquia, a perpassarem-lhe à mente.
Em certo momento, incorporando habitual e austera postura, Bruno comunicou a
Sorman:
- Caro Sorman, é notória
a sua integração com o corpo hierárquico da irmandade. Acredito firmemente na
sua capacidade de logo assumir todas as necessárias funções de Ministro
Extraordinário colocando em seus atos a vontade, o propósito e a energia de que
sabemos ser possuidor. Por sinal, devo adiantar-lhe que no inicio da próxima
semana estarei viajando para a Europa a fim de reunir-me com os Mestres e
representantes dos escalões daquele continente, para reavaliarmos situações e
traçarmos novas estratégias. Devo lá permanecer por quinze dias. Nesse período,
você deverá ser procurado para tomar decisões e resolver problemas. Já
comuniquei aos Departamentos sobre quais assuntos o Ministro Extraordinário virá
gerir. Ao término do ritual de hoje, virei passar-lhe as instruções para o seu
melhor desempenho.
Até então Sorman pensara
em expandir sua ação na irmandade, desejando voar mais alto. Mas agora, diante
dessa real situação informada por Bruno, sentiu o peso da responsabilidade,
ficando preocupado.
- Onde está Lucéa? – perguntou Sorman ao
início do leve almoço, consistindo de sopa creme, sem ingredientes de carne, com
torradas, verduras, legumes e suco de frutas naturais.
- Na Casa Rosa, preparando tudo para o ritual
– informou Lucen diante dele – mas pela hora acredito que não virá almoçar.
- Ela almoça lá mesmo
quando as coisas se tornam muito trabalhosas. A mulher de Jerônimo, meu
capataz, a ajuda com as coisas externas - explicou Bruno.
- Come frutas! – acrescentou Lucen; Sorman
meneou afirmativamente a cabeça. Silêncio. Somente ouvia-se agora o tilintar
dos talheres contra as louças.
- O ritual de hoje
comemora alguma data ou especial efeméride? - perguntou novamente Sorman,
decorridos dois ou três minutos.
- Sim, inaugura o
inverno. Nesse momento, no continente europeu, eles realizam o ritual de
abertura do verão, e essas oposições das estações trazem grande significado nas
correntes de energia da irmandade - respondeu Bruno.
- Permita-me também
informar que os rituais realizados concomitantemente à entrada das estações,
abrem portas para o permanente ingresso das energias por todo um período -
aduziu delicadamente Rudolfo ao lado de Sorman, como a não se omitir de
informar no tocante a sua ciência.
- Sim, evidente –
concordou o jovem – era um das intenções dos antigos ao realizar esses tipos de
rituais. Mas o fechamento do outono, já foi feito?
- Não, ainda. Isso será
feito hoje também – respondeu Bruno, estendendo o braço para puxar a mesinha
rolante à cabeceira da mesa, nela depositando o prato da sopa. Em seguida,
lançou-se a pegar de sobre a mesa a bandeja de salada, servindo-se noutro
prato. Em seguida comunicou a Sorman:
- Este ritual, Sorman, será para você a primeira vez que dele participará. Esta decisão foi tomada nesta madrugada nos Estúdios da Grande Casa.
Desta vez, Sorman não se surpreendeu com o convite. Sua intuição já o alertara quanto a isto.
Na chegada à Casa
Rosa, Lucéa aproximou-se dos quatro. Seus negros olhos cintilavam ao ver
Sorman:
- Meu pai não me havia
informado que viria! - disse efusivamente beijando-o nas faces, sorrindo com o
encanto habitual.
- Somente há pouco minha presença foi confirmada por Bruno. Disfarçou sorrindo.
Alguns
membros trocavam de roupas; outros, já prontos, permaneciam no salão em silêncio
e concentração. Mais adiante, de roupas trocadas, Bruno ordenou simplesmente aos seus dois acompanhantes:
- Vamos entrar! -
Após o ritual, tendo já
despido as vestes sacerdotais, Bruno reuniu-se com Sorman na biblioteca,
trancando a porta. Desejava passar-lhe as informações atinentes às funções que
o Ministro exerceria. Explicou-lhe minuciosamente os procedimentos normais e
todo o rito de ordem e execuções burocráticas. Sorman ora prestava atenção ora
fazia anotações. Em dado instante, Bruno levantou-se e Sorman o acompanhou no
gesto.
- Não
se esqueça, Sorman - disse enfatizando - de nas dificuldades sobrelevar a consciência
às correntes do mundo, concentrando-se no foco central da hierarquia,
representado por nosso símbolo secreto. Pronuncie mentalmente a senha que lhe
informei quando de sua iniciação, e da qual somente têm conhecimento os cabeças
da hierarquia, e o símbolo se abrirá instantaneamente, trazendo-lhe força ou
inspiração. Nada é definitivo nem imutável: todas as decisões anelam
responsabilidades e havendo situações adversas você precisará, mais do que os demais irmãos, exercer a própria mestria. No passado, a minha ausência foi
suprida por um ou outro dos Ministros da Assessoria em assuntos
rotineiros. Mas neste momento, você assume um status mais elevado, ou seja, com
maior autonomia. Sorman olhou-o inquisitivamente com certa inquietude.
- Há
expectativa de fatos tumultuantes? A
pergunta pareceu algo intuitiva.
- A vida da irmandade não
é de forma alguma plácida, nem o suficiente estratégica para todos os fatos a
ela adstritos – gerados ou por acontecer
– estarem absolutamente contidos ou previstos. Ao contrário, há na irmandade uma dinâmica permanente.
Ajustes nos planos adrede elaborados são necessários por que novos fatos vêm à
tona com relativa frequência. A vigilância precisa ser constantemente
observada. Devemos nos colocar, sempre que possível, um passo adiante das
previsíveis dificuldades a fim de não sermos colhidos de surpresa. Há realmente
expectativa de muitas reações no mundo pelo curso das energias por nós também
liberadas. Essas energias mal empregadas podem precipitar acontecimentos
negativos que certamente repercutirão de volta em nossa célula. Mas como
pretendemos trabalhar sempre sobre as fundações de um pensamento de unidade,
qualquer decisão criteriosamente tomada em favor da célula, obterá do mecanismo
conjunto de seus membros destacados a perfeita adesão, sem, contudo, isentar da
responsabilidade o seu mentor principal. Por isto, Sorman, você não estará só
nas decisões maiores ou menores, caso hajam.
No retorno, Sorman foi
convidado pelas irmãs a jantar e aceitou. Rudolfo se fora tão logo o ritual se
encerrara. Em meio à conversa, Sorman informou-lhes que dormiria em sua casa na
vila, próximo dali. Ao abraçar fortemente Bruno, desejou-lhe boa viagem e
sucesso nas resoluções dos problemas. Lucen despediu-se ali mesmo, mas Lucéa o
levou ao portão, beijando-o nos lábios com a mesma suavidade de antes. Ele
sentiu-se envolto por sutis vibrações e perfume de rosas.
- Quanto mais desejo sua
permanência mais o sinto afastar-se - falou a moça com expressão séria.
- O que isto significa?
- perguntou Sorman, surpreendido por aquela confissão.
- Não sei – ela
respondeu inspirando profundamente – algo penetra meu coração em nossas
despedidas. Nada consigo desvendar. Sorman calou-se em reflexão; depois se
arcou, beijou-a e se despediu.
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