domingo, 28 de agosto de 2011

A Grande Luta

                                      Extrato de A Face Negra da Terra - Parte II

         A pequena nave o deixou ao portão do Jardim Ardente, no alto da montanha. As guardiãs - duas gigantescas águias -  pularam de sobre as árvores, pelo lado de dentro, soltando guinchos a festejar. Abriam e fechavam as enormes asas e saltitavam.
       - Saudações, amigas, já estava saudoso. Em resposta, elas soltaram novos, porém estridentes guinchos; não demorou surgiu um homem louro, de jaqueta e calças verdes, em rápida carreira, trazendo à mão uma grande chave, presa à imensa e desproporcional argola.
       - Senhor Bruno! – disse surpreso.
       - Sim, Hernandes - ele abriu o portão de ferro.
       - Já faz algum tempo! – falou sorrindo enquanto fechava o portão, após Bruno adentrar.
      - Minhas amigas! Bruno aproximou-se levantando um braço acima da cabeça, acariciando-lhes o peito. Elas emitiram chilreios, abrindo e fechando novamente as asas.

       Eram magnificamente grandes, de proporções pré-históricas. Possuíam penas em diversas cores, como se desenhadas ou pintadas à mão. Na maior parte, detinham nas bordas a cor ígnea, como chamas, e o interior azul. Por todo o corpo, entre as carreiras de penas, envolviam-nas finos e bem modelados anéis na cor branca ou dourada. Os bicos eram perfeitamente dourados  - quase brilhavam - bem como as patas e pernas; essa mesma cor ornava-lhes uma coroa de penas salientes bem no topo da cabeça. Também a cor ígnea, total e completamente, vinha ser encontrada no lado interno de suas asas, e quando as abriam, davam a impressão de acender duas grandes fogueiras.
        - Quase três anos, irmão - Bruno voltava-se definitivamente para Hernandes. - Naquela ocasião, obtive a inspiração para rescrever nossa última centúria.

       Indescritível aroma espalhava-se no ar. A alameda diante deles, embora larga, inserida numa densa vegetação, não permitia, dali, a nada discernir. Começaram a andar. As gigantescas águias voaram novamente para as altíssimas árvores com ruidosidade. Logo, ante a grama roxa, ambos se depararam com muitas folhas de majestosos antúrios e grandes samambaias. Eles pisavam sobre largas pedras em trilhas paralelas e elas pareciam possuir grande vitalidade. Milhares de minúsculos pontos vermelhos rebrilhavam sob uma capa azulada na transparente superfície. Bruno, vez por outra, baixava a cabeça a fim de desviar-se das folhas ou de compridíssimos caules. Hernandes, nem tanto: tinha baixa estatura; era ligeiramente roliço e de bochechas coradas. Possuía traços hispânicos, os cabelos eram louros, com pequenos cachos à volta da farta cabeleira e sobre a testa, parecendo desejar desmentir ou confirmar a evidência racial.
       - Há alguém mais aqui? – perguntou o visitante a certa altura.
       - Não, senhor. Os chineses se foram faz dois dias.
       - Quem?
       - Mestres Tong e Huang.
       - Ora, teria imenso prazer em revê-los. Eles, afinal, conseguiram o que buscavam?
       - Somente Mestre Tong. O outro foi embora muito triste.
       Chegaram após subir uma leve e prolongada inclinação e os degraus de acesso à varanda do chalé. Um calor diferente permeava a atmosfera, provocando sensação de leveza e bem estar. A meio caminho, Bruno parou e encostou-se na cerca, apoiando as mãos no corrimão, olhando lá fora a magnificente claridade. Era imensa; abria-se para cima suntuosamente como inimaginável flor. Seus olhos brilharam sob um misto de respeito e apreensão, e suspirou. Hernandes, a seu lado, observou-lhe aquele tipo de emoção e ansiedade espiritual. Bruno voltou-se para adiante reiniciando os passos. Pouco depois no quarto sentava-se na cama. 
       
                                                                     *   *   *
       - Posso preparar o banho ablutor? – perguntou Hernandes, mais tarde.
       Bruno elevou o olhar para a porta assentindo com gesto de cabeça. Poucos minutos depois, traspassava de permeio as longas e verticais lâminas da cortina, adentrando a sala de banhos. Suave névoa se elevava do interior da pequena e circular piscina sob o assoalho. Folhas e pétalas de flores, em variados matizes, navegavam ao quase imperceptível movimento da água azulada. Sutil odor pairava pelo ar, resultante da soma das várias misturas dos ingredientes ali utilizados. A luz proveniente da janela aberta projetava-se sobre a piscina, e era suficiente. Somente umas poucas e inexpressivas penumbras resistiam nos cantos.

       Hernandes, de joelhos, arqueado, tendo às mãos pequena ânfora de puro e reluzente ouro, vertia na água um tipo de essência amarelada. Enquanto realizava isso murmurava uma inaudível oração. Tendo procedido a adição, trouxe a ânfora a sua volta e a tampou, tomando de sobre um pano ao chão a diminuta pá de igual ouro, começando a revolver a água com movimentos circulares. Novo aroma evolou-se, vindo juntar-se ao odor já espalhado. Ao término, enxugou rapidamente a pá, enrolando-a no mesmo pano, e somente então cessou de murmurar. Levantando-se olhou pela primeira vez para Bruno desde que aqui ele entrara.

       - Está tudo pronto, senhor Bruno! – informou satisfeito. Bruno esboçou tímido sorriso, despiu-se e se acercou da piscina, agachando-se e sentando-se à beira. Em ato contínuo, apoiou-se com ambas as mãos, impulsionando o corpo para adiante, tocando o fundo, andando até o meio da piscina. A morna água alcançava-lhe o alto das coxas; ele fechou os olhos fazendo uma oração. Depois se ajoelhou: a água subiu-lhe ao coração; ele prendeu a respiração, dobrando-se, e mergulhou completamente a cabeça, permanecendo assim por um punhado de segundos. Quando emergiu, trouxe duas pétalas nos cabelos. Levantou-se e deixou a piscina.

       Hernandes estendeu-lhe o roupão branco; ele se enfiou em suas mangas, enlaçando-o frouxamente. Tomou a toalha, a seguir ofertada, e com rápidos toques - sem esfregar -  procurou enxugar o rosto e a cabeça, abandonando o lugar. Minutos depois Hernandes novamente se anunciava à porta do quarto, obtendo permissão para entrar. Portava sobre um braço a roupa e segurava um par de sandálias, deixando-os sobre a cama, próximo dele. Tão logo Hernandes se retirou Bruno despiu-se e vestiu a roupa: era uma jaqueta e calças azuis, e calçou o par de sandálias na mesma cor. A jaqueta abria-se até o meio do peito; dali desciam até a barra sete botões forrados. Sobre a gola e junto à carreira dos botões, bem como à barra tocando às coxas, margeavam dois delgados e paralelos filetes de ouro. Filetes como esses vinham também adornar às bordas dos ombros, das longas mangas e dos largos punhos. Da mesma forma, filetes apareciam de cima abaixo nos frisos laterais externos das calças, e, todos - desde a jaqueta -  lançavam rápidos rebrilhos a exemplo de diminutas faíscas,  sempre que a luz diretamente neles incidia.  

       Bruno assomou à varanda. Nesse momento tudo nele ganhara especial realce: o alto porte, a fortaleza física, a pele negra especialmente lisa, o semblante espelhando austeridade, a bela veste! Impressionaria qualquer público. Haveria nesse homem uma rara essência, um propósito superior. Bruno teria tudo isso e desceu ao solo pisando a relva arroxeada, caminhando em direção ao Jardim. Mas a despeito dessa incomum aura, seu íntimo revelava apreensão. Talvez devesse a um sentimento guardado de infantil respeito ou temor à claridade, ou à própria realidade. Isso o incomodava. Evidenciava-se não ter sido capaz de buscar em si mesmo a solução de um problema, e o vergonhoso pensamento acompanhou-o no decurso de seus passos.

       A claridade crescia à medida de seu avanço. Seria fato comum, natural, físico ou mesmo ótico; entretanto, a dimensão da claridade era algo sobrejacente, superior, vindo-lhe à percepção imaginativa e intuitiva por fugidios relances, escapando-lhe ao controle. E por instantes o confundiram, pois entre um e outro desses relances o ego voltara a submergir em seu próprio e pessoal conteúdo, naquilo a que seus pensamentos aportara. Haveria, assim, duas formas e uma só representação - já sabia disso - mas existiria uma substancial diferença em relação à sua última visita ao Jardim, caracterizada pelo móvel dessa nova solicitação.

       Em cumprimento ao ritual, uma das gigantescas águias pousou a poucos metros do Portal, ruflando as imensas asas, deixando-as abertas, impedindo sua progressão. Bruno juntou as mãos estendidas diante do rosto em suave gesto, dobrou-se em vênia, e voltou à posição original. Então pronunciou firmemente:

       - Minha vontade é força, meu propósito é Deus, minha intenção é o mundo. Deixai que mais eu me aproxime do Portal, onde além arde a Chama do Saber!

       A águia, mantendo as asas aberta, soltou um guincho dando três pulos para trás; Bruno deu três largos passos adiante; parou e novamente pronunciou as mesmas palavras. Ela soltou um mesmo guincho e de novo lançou-se para trás em três pulos. Bruno adiantou-se como antes e pela terceira vez pronunciou as mesmas palavras. A águia deu mais três pulos para trás, e a um metro do Portal soltou um novo guincho, porém desta vez muito mais estridente e horripilante. Então bateu as asas, provocando vento que mexeu com galhos e folhas do arvoredo mais próximo, e alçou vôo em direção oposta ao Jardim.

       Seus passos seguintes foram lentos e trouxe os olhos pousados no chão. Relembrava o objeto da visita como a reafirmação de uma senha que lhe permitiria adentrar. A um metro do Portal, no exato lugar onde a águia por último permanecera, ele parou e elevou a cabeça. O Portal era magnífico! Duas largas e frisadas colunas resplandeciam uma luz não totalmente branca, porém translúcida. Essa luz vinha irradiar-se para frente e pelas laterais externas. Acima tinha o arco, constituído de sete cores num pequeno arco-íris que pousava as extremidades sobre capitéis. Nada naquele portal teria a solidez da matéria: havia supina suavidade em todas as suas formas. Nada depreendia senão magnitude e admiração, e rebrilhava sem ferir ou ofuscar a visão. Não obstante, transmitia a exata idéia de ali existir uma intransponível fortaleza para quem não viesse incorporado de um real motivo, com a mente purificada. O coração poderia estar pesaroso ou entristecido por que, afinal, ele vinha pedir, mas o cerne do pensamento precisaria estar anelado a uma nobre razão e impessoal objetivo. O Portal do Jardim Ardente era de todas as maneiras luz concentrada, formalizada em poder - isto se tornava evidente!

       Mas havia uma cortina completamente negra como um pedaço da noite, separando o Jardim do mundo exterior. A claridade anunciada detrás das imensas folhagens das gigantescas árvores era impossível ser contida ou ignorada, e deveria mesmo ser observada por qualquer um. O caminho, entretanto, a via única de entrada e o que mais ao derredor pudesse existir, achavam-se encobertos. Ao Portal muitos chegariam, mas ao seu umbral nem todos ultrapassariam. E dentre os que ultrapassassem, nem todos obteriam aquilo que tinham vindo buscar. Este era o grande dilema e a prova subterfugia!
                                        [ (clique no título) A FACE NEGRA DA TERRA - PARTE II ]              

Rayom Ra

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Recordar é Reviver V – 14 Lições de Filosofia Yogue



                                                         Clarividência no Espaço
                                                   
       Há vários meios pelos quais o psíquico ou o ocultista desenvolvido pode perceber pessoas, coisas, cenas e sucessos muito distantes do observador e muito além do alcance da visão física. Somente dois desses meios se enquadram no título dessa lição; os outros métodos pertencem aos planos mais elevados da vida, e estão além do poder dos que não sejam adeptos e ocultistas muito adiantados. Os dois métodos aludidos entram, estritamente falando, sob o título de clarividência no espaço, no plano astral e, portanto, formam uma parte desta lição. O primeiro desses métodos consiste no que descrevemos como clarividência simples, mas é uma escala aumentada na razão direta do desenvolvimento da faculdade em focalizar objetos longínquos e pô-los à vista por meio do que os ocultistas conhecem como tubo astral, o qual será descrito nos parágrafos seguintes. O segundo método consiste na projeção do corpo astral, consciente ou inconsciente, e observar praticamente a cena no seu próprio local, por meio da visão astral. Este método será também descrito um pouco mais adiante, nesta lição.

       Descrevemos os raios de luz astral que emanam de todos os objetos e por meio dos quais a visão astral se torna possível. E sob o título Clarividência Simples, dissemos como pode o clarividente observar objetos próximos por meio de sua visão astral, da mesma forma que o faz mediante a sua visão física, usando, num caso, os raios de luz astral e, no outro, os raios luminosos. Mas, assim como uma pessoa é incapaz de perceber um objeto distante por meio de sua visão ordinária, ainda que os raios luminosos não estejam interrompidos, da mesma forma o clarividente simples é incapaz de  ver objetos longínquos por meio da visão astral, ainda que os raios luminosos astrais sejam contínuos.

       O homem no plano físico, para ver o que está além da sua visão normal, deve fazer uso do telescópio. Da mesma forma sobre o plano astral, deve fazer entrar em operação alguma coisa que ajude à simples visão astral, com o fim de receber uma impressão clara de coisas longínquas. Essa ajuda, porém, vem do interior de seu próprio organismo astral e consiste de uma faculdade astral peculiar que age como a lente de um telescópio e dá magnitude aos raios recebidos de longe, tornando-os suficientemente grandes para poderem ser distinguidos pela mente. Tal poder é telescópio de fato, se bem que realmente o é por uma variação dessa faculdade microscópica notada no que temos denominado clarividência simples.

       A faculdade telescópica varia muito com os psíquicos; alguns são capazes de ver apenas a poucas milhas, enquanto que outros recebem facilmente impressões de todas as partes da Terra, e alguns têm podido, às vezes, perceber cenas de outros planetas. (*) Tal visão telescópica astral é obtida geralmente por meio do que os ocultistas chamam telescópio astral, o qual é análogo ao telegrafo astral, corrente astral, etc., todos os quais são unicamente variações do tubo astral.

       (*) Bem lembrado pelo Yogue Ramacharaka. Este fenômeno nos meios ocultistas é mais comum do que se pensa. Numa reunião de que participei, o Mestre que nos orientava com sua equipe de iniciados no espaço, nos disse certa vez que viajaríamos mentalmente, cada um para o seu planeta de origem, no qual vivíamos antes de descermos à Terra. Fui instantaneamente levado ao planeta Júpiter, onde revi cenas de sua topografia atual, viajando sobre a superfície com relativa velocidade e vislumbrando cenas as mais diversas.
       Esta constatação, no entanto, não é apanágio único e exclusivo de ocultistas calejados, que conhecem o que dizem há milhões de anos, por experienciações próprias. A ciência veio surpreender ao afirmar que é possível tocarmos, em segundos, com o pensamento, um astro distante no outro lado do universo através da energia comum que a tudo permeia. A essa energia os ocultistas chamam, dentre outros nomes, de Aether, Éter ou Akasa, sendo isto sim, o imenso oceano etérico que se espraia sob, dentro de, e sobre todas as coisas criadas, a tudo interligando e com tudo comunicando.
        Ponto mais uma vez para a milenar sabedoria oriental oculta, hoje debochada pelos sabichões da ciência materialista, que em assuntos de matéria, dimensões quânticas ou fenômenos ocultos, somente engatinha. (Rayom Ra) 

       O tubo astral é produzido pela formação de uma corrente de pensamento no plano astral (mantendo-se reunido por uma forte provisão de prâna projetado com o mesmo pensamento), corrente que torna mais fácil a passagem das vibrações astrais de todas as classes, quer sejam vibrações de pensamento telepáticas, ou vibrações luminosas astrais, ou vibrações sonoras astrais. É colocar o observador e o observado – o transmissor e o receptor, ou as duas pessoas, em harmonia – numa íntima condição de rapport ou comunicação. O tubo astral é o meio pelo qual se torna possível uma grande variedade de fenômenos psíquicos.

       No caso de visão telescópica astral ou clarividência do espaço, o clarividente, consciente ou inconsciente, estabelece um tubo astral que o põe em conexão com a cena distante. As vibrações luminosas astrais chegam a ele mais facilmente por esse método e as impressões externas são inibidas ou interceptadas, de modo que a mente receba somente as impressões do ponto focalizado. Essas impressões chegam ao clarividente e são ampliadas pela sua faculdade telescópica, e são, então, percebidas claramente pela sua visão astral. Essa faculdade telescópica, recordai-vos, atua simplesmente como as lentes através das quais passam os raios da luz astral, e por esse motivo as impressões são ampliadas a um tamanho suficientemente grande para serem distinguidas pela visão astral, da mesma forma que os raios ordinários de luz são aumentados para a visão comum pelas lentes do telescópio.

       A analogia é muito expressiva e vos ajudará a formar uma idéia clara do processo. O tubo astral é geralmente formado pela vontade do clarividente ou por seu forte desejo, o qual tem quase a mesma força. Algumas vezes, se as condições são favoráveis, um pensamento trivial qualquer pode causar a formação da corrente astral, e o clarividente verá cenas impensadas e até desconhecidas para ele. O pensamento fútil pode ter formado uma relação com outras pessoas psíquicas ou ter sido atraído por certas direções por algumas das mil e uma coisas psíquicas sob a lei da atração e associação; mas a vontade do operador é geralmente suficiente para cortar a conexão estabelecida descuidadamente e substituí-la rapidamente por outra com a pessoa ou lugar desejado.

       Muitas pessoas têm essa faculdade bem controlada; outras a possuem por intervalos, indo e vindo a elas espontaneamente; outras são desprovidas dela, exceto quando estão sob a influência mesmérica, etc. Outras têm encontrado na bola de cristal ou objetos similares um meio fácil para criar o tubo astral, usando o cristal como uma espécie de ponto de partida. A contemplação por meio do cristal é simplesmente clarividência do espaço com o uso do tubo astral; e as cenas percebidas pelo observador são vistas por esses meios.

       Temos apenas o espaço suficiente para indicar os princípios gerais desse grande assunto e dar ao estudante uma idéia inteligível das várias formas de fenômenos psíquicos. Sentimos não ter a oportunidade de relatar os interessantes exemplos de poder clarividente que têm sido apresentados por eminentes escritores sobre o assunto e que estão bem testemunhados sob o ponto de vista científico. Em todo caso, não nos propomos provar-vos a existência da clarividência – devemos supor que sabeis que é um fato ou, pelo menos, que não sois antagônicos à idéia. O espaço de que dispomos deve ser dedicado a uma breve descrição e explicação desse fenômeno, e não a uma tentativa de provar a sua realidade aos céticos. É uma questão que, depois de tudo, cada homem deve provar à sociedade pela sua própria experiência e que, finalmente não pode ser demonstrada por nenhuma prova exterior.

       O segundo método de ver as coisas muito distantes de nós consiste na projeção do corpo astral, consciente ou inconscientemente e, na prática, observar a cena no lugar mesmo em que se desenrola, por meio da visão astral. É este um método mais difícil e mais raro que o do tubo astral ordinário que acabamos de descrever, embora muitas pessoas viajem no astral e percebam cenas que elas creem ver em sonhos ou com os olhos da imaginação.

       Descrevemos o corpo astral em uma lição anterior. É possível para uma pessoa projetar seu corpo astral ou viajar nele, a qualquer ponto dentro dos limites do planeta, se bem que muitos poucos são conscientes de que podem viajar assim, sendo necessário que o principiante pratique muito e com grande cuidado. Uma vez no local, pode o viajante astral ver o que está se passando a seu redor, sem estar limitado à pequena cena, à qual está restrito aquele que usar o tubo astral. O corpo astral segue seus desejos ou sua vontade e vai onde lhe ordena. O ocultista preparado deseja simplesmente estar em certo lugar e seu corpo astral dirige-se para ali com a rapidez da luz ou mais rapidamente ainda.

       Naturalmente o ocultista inexperiente não tem esse grau de controle sobre o seu corpo astral e é mais ou menos inapto ao seu manejo. Algumas pessoas viajam frequentemente em seu corpo astral durante o sono; um número menor viaja inconscientemente nas horas de vigília e poucas têm adquirido o conhecimento que as habilita a viajar conscientemente e por vontade própria em qualquer momento.

       O corpo astral está sempre unido ao corpo físico por um tênue fio astral, como de seda, e a comunicação entre os dois é assim mantida. Teremos mais o que dizer sobre o assunto do corpo astral na lição décima, a qual tratará do plano astral. Mencionamo-lo agora simplesmente com o fim de explicar que o que se clarividência é, algumas vezes, efetuado com ajuda, ainda que isso seja uma forma mais elevada de poder psíquico do que as outras formas de clarividência, das quais temos falado até agora.
                                  
                                                [ William Walker Atkinson (Yogue Ramacharaka) ]   


Rayom Ra

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sábado, 27 de agosto de 2011

A Semente de Mostarda

                                       Extratos do Discurso de Bhagwan Shree Rajneesh

       O relacionamento maior, que é o que existe entre um Mestre e um discípulo, desapareceu completamente. Você não será capaz de entender Jesus se não puder entender a dimensão desse relacionamento. A esposa foi substituída pela amante, o marido também, mas o relacionamento entre o Mestre e seus discípulos não existe mais. Ou melhor, tem sido substituído por algo muito diferente que é o que existe entre um psiquiatra e seu paciente.

       Entre o psiquiatra e seu paciente existe um relacionamento que está fadado a ser doentio, patológico – porque o paciente não está à procura da verdade; não está na realidade, à procura da saúde. Esta palavra “saúde” é muito significativa: exprime totalidade, significa santidade, uma cura íntima na essência do Eu. O paciente não está em busca da saúde, porque se estivesse seria um discípulo, não um paciente. O paciente vai ao psiquiatra para se livrar da doença; sua atitude é totalmente negativa. Vai apenas para ser forçado a tornar-se normal, para tornar-se parte da engrenagem do mundo normal outra vez. Está desajustado e precisa do psiquiatra para ajudá-lo a se ajustar novamente. Mas ajustar-se a quê? A este mundo? A esta sociedade absolutamente doentia?

       O que você chama de ser humano “normal” nada mais é do que a patologia normal, a loucura normal, a insanidade normal. O “normal” também é insano, mas insano dentro dos limites aceitos pela sociedade, aceitos pela cultura. Às vezes alguém ultrapassa, vai além dos limites – então torna-se doente. Toda a enferma sociedade diz que esse alguém está doente. E o psiquiatra atua nesse limiar para auxiliar o doente a voltar para a multidão.

       O psiquiatra não pode ser o Mestre, porque ele mesmo não é total. E o paciente não pode ser o discípulo, porque não está a procura do saber. Está perturbado e não quer continuar assim; seu esforço tem como objetivo apenas o ajustamento, não a saúde. O psiquiatra também é doente. Ele não pode ser o Mestre – embora no Ocidente ele esteja fingindo que é, o que mais cedo ou mais tarde, também acontecerá no Oriente. O psiquiatra pode ajudar os outros a se ajustarem. Isso pode acontecer: um homem doente pode auxiliar outro homem doente de diversas maneiras. Mas não pode levá-lo à totalidade; um louco não pode levar outro louco além da loucura.

       Até mesmo os Freuds, os Jungs e os Adlers são absolutamente doentios. Não apenas os psiquiatras comuns são patologicamente doentes; os mais renomados também o são. Eu lhes contarei alguns fatos e vocês poderão perceber isto. Quando alguém mencionava algo sobre a morte, Freud começava a tremer. Por duas vezes chegou a desmaiar apenas porque alguém falou  sobre as múmias do Egito. Ele desmaiou! Jung também. Ao falar certa vez da morte e de cadáveres, de repente começou a tremer e desmaiou, ficando inconsciente.
      
       Se a morte causava tanto medo a Freud, o que dizer de seus discípulos? E por que tanto pavor da morte? Você pode imaginar Buda com medo da morte? Neste caso, ele não seria mais Buda. Jung dizia que muitas vezes teve vontade de ir a Roma visitar o Vaticano, principalmente sua biblioteca, que é a maior do mundo e onde estão os mais secretos registros de todas as religiões que já existiram – verdadeiras raridades. Mas sempre que ia comprar a passagem, ele começava a tremer – só de pensar em ir a Roma! O que acontecerá quando você se dirigir a Moksha? Jung cancelava a passagem e voltava. Nunca chegou a ir, nunca. Tentou muitas vezes, mas finalmente decidiu: “Não, eu não posso”.

       O que é o medo? Por que um psiquiatra teria medo de ir a Roma? Porque Roma é justamente o símbolo representativo da religião. Este homem, Jung, criou uma filosofia em torno de sua mente e tinha medo de vê-la destruída. Assim como um camelo tem medo de ir até o Himalaia, porque quando o faz, fica, pela primeira vez, sabendo que isso não significa nada. Toda essa filosofia criada por Jung é apenas uma infantilidade, porque o homem já criou tantos, tão vastos cósmicos sistemas, e de nada adiantou. Ele tinha medo porque indo a Roma estaria indo também para as ruínas dos grandes sistemas que o passado criou.

       O que dizer sobre o seu pequeno sistema? O que dizer sobre esse cantinho que você limpou e enfeitou? O que dizer sobre sua filosofia? As Grandes Filosofias desabaram e tornaram-se pó. Vá a Roma, veja o que aconteceu! Vá a Atenas, veja o que aconteceu! Onde estão as escolas de Aristóteles, Platão e Sócrates? Todas desapareceram em cinzas. No final, todos os grandes sistemas se transformaram em cinzas. E todos os pensamentos, afinal, provam sua inutilidade porque são apenas criações do homem. (*)

       Apenas pelo “não-pensamento” pode se chegar ao conhecimento do Divino. Pelo pensamento você não chega ao conhecimento do eterno, porque o pensamento pertence ao tempo. O pensamento não pode estar no eterno; nenhuma filosofia, nenhum sistema de pensamento pode existir no eterno.

       Esse era o medo! Pelo menos quatro ou cinco vezes Jung fez reservas e cancelou-as. E esse homem, Jung, é um dos grandes nomes da psiquiatria. E se ele tinha medo de ir a Roma, o que dizer de seus discípulos? Mesmo que você não tenha medo, isso não quer dizer que você seja melhor do que Jung. Quer dizer apenas que você é mais inconsciente. Ele tinha consciência de que em Roma sua cabeça poderia tombar; de que no momento em que olhasse para as ruínas de todos os grandes sistemas, sentiria um tremor, um certo medo da morte. E ele perguntaria a si mesmo: “o que acontecerá com o meu sistema? O que acontecerá comigo?” Ele tremeu e desistiu. Em suas memórias escreveu: “Então, finalmente, abandonei meu projeto. Não irei mais a Roma.”

       O mesmo aconteceu com Freud muitas vezes. Assim, parece que isso não é apenas uma coincidência. Freud também tentou ir a Roma e teve medo. Por que? Freud era tão irritado quanto você, era tão sensual quanto você, tinha tanto medo da morte quanto você. Então, qual a diferença? Ele deve ter sido um homem muito inteligente – um gênio, talvez – pode ter auxiliado um pouco, mas era tão cego quanto você ao que diz respeito ao Supremo, no que diz respeito ao mais secreto, ao mais íntimo centro do ser.

      Não a psiquiatria não pode tornar-se uma religião. Pode ficar bem num hospital, mas não num templo – não é possível. Um psiquiatra pode ser necessário porque as pessoas estão doentes, desajustadas; mas o psiquiatra não é um Mestre e o paciente não é um discípulo. Se você vier a um Mestre como um paciente, então não compreenderá nada, porque o Mestre não é um psiquiatra. Eu não sou um psiquiatra. As pessoas vêm a mim e dizem: “Estou sofrendo ansiedade mental, de uma ansiedade neurótica, disso e daquilo”. Eu lhes digo: “Está bem, porque eu não vou tratar de sua ansiedade, vou tratar de você. Não estou preocupado com as suas doenças. Estou interessado apenas em você. As doenças estão na periferia. Onde você está não existe nenhuma doença”.

       Quando você compreende quem você é, todas as doenças desaparecem. Basicamente elas só existem porque você tenta encobrir o auto-conhecimento, tenta evitar a si mesmo, tenta evitar o encontro básico; elas só existem porque você não quer olhar para si mesmo. Mas por que você não quer olhar para si mesmo? O que lhe aconteceu? A menos que esteja pronto para se encontrar, não poderá tornar-se um discípulo, porque o Mestre não poderá fazer nada se você não estiver pronto para se encarar. O trabalho do Mestre é auxiliá-lo a encarar a si mesmo.

       "Evidente que o guru Bhagwan procura imprimir sua particular didática no entendimento da psicologia. Ele analisa a partir da raiz e não do tronco e galhos da árvore, como equivocadamente faz a pesquisa ocidental desde o início da investigação do processo interior humano, que acabou por fazer parte do cabedal das ciências acadêmicas.  As histórias sobre os medos que atacavam os pais da psicologia são curiosas e hilariantes, e não sabemos de quais fontes as retirou, pois não são encontradas nas suas usuais biografias, porque, naturalmente, sendo verdadeiras e em sendo tornadas públicas, os desmoralizariam e aos protótipos da ciência psicológica.

       A psicologia como se desenvolveu até agora, realmente está muito longe de desvendar o ser humano, principalmente porque suas teorias não refletem os graus mais verdadeiros e fundamentais do que seja a estrutura endógena da alma.

       Muito embora Freud e Jung tenham pesquisado as mitologias e religiões esotéricas do passado para construírem suas hipóteses, teses e definir conceitos, eles se abstiveram de considerar, por “medo” das reações da sociedade científica ou por mero desprezo, o processo cármico interligado e indissociado às reencarnações.

       Neste mesmo erro recai a esmagadora maioria dos psicólogos modernos, pois tendo se tornado a psicologia uma ciência acadêmica não leva em conta o carma e a reencarnação, pois não tem como provar aquelas realidades através dos seus aplicativos científicos. E isso faz com que a psicologia jamais tenha decolado de seus primórdios, a não ser de se fazer floreada por um narcíseo verborragismo dos orgulhosos formuladores de teses sobre teses que não saem do lugar. A psicologia com seus atuais métodos e ferramentas, na verdade não pode atender às necessidades das almas enfermas, tanto do povo quanto, por  óbvio paradoxo, de seus sacerdotes. As sessões são muito caras e não acessíveis para a maioria das pessoas e quando aplicadas em quem pode pagar não trazem os resultados que esta ciência teoricamente apregoa. Muitas das soluções são tornar os doentes dependentes de fortíssimos remédios alopáticos dopantes, soluções estas que a medicina tradicional poderia perfeitamente convergir e resolver pela simplicidade das decisões, embora ineficazes para a verdadeira cura. A cura como afirma sabiamente o guru, está na alma e não na mente, no cérebro ou corpo biológico.

       Na verdade, a área é muito delicada e árida para a mente científica. Tratar do carma humano é tarefa das mais difíceis e intricadas, mas mesmo assim a ciência da psicologia perde de muito longe para os processos de curas mentais e espirituais dos antigos a quem a história se esforça por embaçar suas realidades e conhecimentos profundos. No antigo Egito os hierofantes utilizavam-se da hipnologia, das projeções dos corpos astrais para os laboratórios do espaço, onde os sacerdotes-médicos tratavam dos traumas e limitações dos pacientes, fazendo-os retornar ao corpo biológico com outros dispositivos para suportar as cargas cármicas que possuíam.

       Na Grécia, os principais filósofos eram basicamente gnósticos práticos e colocavam seus axiomas filosofais para funcionar nas curas dos corpos e almas das populações através de suas medicinas iniciáticas. Portanto, diferiam infinitamente dos doutos da psicologia moderna que não se atém a métodos mais profundos de curas por desconhecerem realmente os labirintos da alma. Ateem-se muito mais às abstrações e teorias sobre os segmentos da personalidade, que é a Mônada encarnada num ego envolto por véus de valores basicamente materiais, do que propriamente à importância do Eu Superior que ainda dele quase nada entendem.

       A despeito de Bhagwan ter profetizado a derrocada da psicologia oriental tal como sucederia com a ocidental, isto não vem se verificando da maneira pragmática como aventado no seu discurso, pois a psicologia ainda desempenhará em futuro papel mais importante, quando os verdadeiros mestres do saber dela tomarem conta. Hoje, e por tradição de seus costumes esotérico-religiosos, os orientais são muito mais sensíveis ao entendimento da alma, do verdadeiro Eu e do Espírito. A sabedoria milenar dos Vedas e da filosofia prática do Zen os ensina a tratar a psicologia com fundamentos cármicos, conhecimento reencarnacionista e entendimento da Super Alma – a representação ou síntese coletiva de todas as expressões individuais da Alma Superior da humanidade - cuja abrangência sempre foi o patamar principal dos ensinamentos antigos e alvo dos estágios da meditação oriental. E nisto incluiu-se Buda, como posteriormente se incluiu Jesus.

       Lamentáveis são as formulações discricionárias de psicólogos que vêm tratar de assuntos do espiritismo e esoterismo em geral, sob os ensinamentos dos bancos escolares acadêmicos. Absolutamente nada entendem do processo mediúnico, dos trabalhos das frentes espirituais em ação sobre a ciência, do atendimento das doenças cármicas, porque simplesmente se mantém na periferia do corroído arcabouço da psicologia materialista. E nestes casos não há mesmo como se chegar a qualquer perspectiva de orientação psicológica para a autocura de pacientes, uma vez que seus mestres, eles mesmos – salvo os verdadeiros psicólogos estudiosos do espiritismo e ocultismo - nada sabem da vertente espiritual da raça humana." (Rayom Ra)

       (*) "Teria sido literalmente assim? A sabedoria dos Grandes Mestres do conhecimento teria desaparecido nas dobras do passado, desvanecida e soçobrada como rasas e errantes nuvens aos sopros irrefreáveis e irreverentes de ventos dos tempos, sem nada deixar senão unicamente rastros semi-encobertos no solo poeirento? Não cremos que o guru tenha desejado ser tão enfático em seu pragmatismo, a não considerar que os mesmos geniais pensadores gregos e romanos, como exemplos citados por ele próprio, tenham unicamente exercitado e ensinado o pensamento reflexivo sem um conhecimento real de Deus.

       Os ciclos evolucionários das raças impõem desenvolvimentos físicos, anímicos, mentais e espirituais como estágios necessários para os bilhões de almas que interpolam no planeta. Para se chegar aos objetivos da meditação transcendental a Deus e a seus êxtases indescritíveis são necessários os desenvolvimentos de todos os veículos que montam o ego. A mente intelectual precisa inferir na alma objetiva elementos analíticos, desconstruindo a matéria mental como um todo não qualificado por aspectos. A mente intelectual divide, é verdade, e essa é a fase mais perigosa em relação ao comportamento obediente de tantos bilhões que seguiram os ensinamentos religiosos dos Mestres do passado. Pois a ciência da matéria seduz e sua razão objetiva obnubla a luz direta da Alma. Não obstante, o homem precisa entender para tornar-se conhecedor e incorporar no ego o saber; somente depois do conhecimento da matéria e do sofrimento disto decorrente, ele junta as partes de seu ego desintegrado, como Osíris, e volta sábio para a integralidade da Alma.

       Pois os mesmos Mestres que em Atenas, no Cairo, Luxor ou Roma ali se detiveram para ensinar como polarizar o pensamento intelectual nas mais altas proposições do inefável humano, foram no passado os grandes pensadores e gurus que se realizaram até certas alturas de Deus na ciência da meditação.

       Acreditamos, outrossim, que o sábio Bhagwan Shree Rajneesh tenha proposital e conscientemente omitido que os ciclos das grandes escolas do passado que se tenham acabado, proporcionaram a poucos, em relação a milhões de humanos, o aprendizado das lições elementares do pensamento intelectual que conduzem a um necessário e mais elevado patamar. Como mais adiante ensinaria Jesus ao mundo, através de Pedro, cujo intelecto, quando ainda não iluminado pela verdadeira Luz da Alma não alcançava os preâmbulos das verdades embutidas nas parábolas mais significativas do Mestre.

       Quanto ao conhecimento de Deus, muitos elevados seres falam-nos de suas experiências pessoais sem que ainda saibamos exatamente como foram, porém são muitos os caminhos que nos conduzem ao desiderato último desta nossa etapa evolutiva." (Rayom Ra)

Rayom Ra

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terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Montagem da Bíblia (A)


A Torah
      Historiadores e boa gama de religiosos concordam que a Bíblia não foi escrita unicamente nas épocas em que seus autores teriam vivido. Este é um dos poucos pontos convergentes destas duas correntes que no mais divergem, às vezes, diametralmente. A tradição religiosa aponta um tempo de mais de 1500 anos para que a Bíblia fosse escrita na sua totalidade, ou seja, teria começado com Moisés no deserto ou Monte Sinai e terminado com João na Ilha de Patmos.

       O Velho Testamento nos seus pródromos fora constituído por manuscritos originais que teriam sido armazenados na Arca da Aliança e aceitos como ditados por IHVH ou por Ele inspirados. Assim assevera a tradição sacerdotal. Muito mais tarde, em 90 d.C., foi proposto ao Conselho Judaico de Jamnia que sete outros livros e quatro acréscimos pudessem fazer parte da Bíblia, o que foi negado. Somente em 8 de abril de 1546, o Concílio de Trento admitiria incorporar à Bíblia aqueles sete outros livros e os quatro acréscimos, chamados apócrifos, formando-se assim a atual Bíblia católica com os trinta e nove livros originais e os adicionais.

       Moisés teria escrito os cinco primeiros livros chamados o Pentateuco. Constituir-se-ia então de o Gênesis, que narraria os atos da criação; o Êxodo, que trataria dos acontecimentos da saída ou fuga dos judeus do cativeiro egípcio; o Levítico, que estabeleceria as leis para a regulamentação da vida judaica e todo um ritualismo sacerdotal; o Números, relativo ao acercamento ou censo do povo saído do Egito, e o Deuteronômio, um tipo de reedição do Levítico onde Deus traria novas leis para os judeus. Josué daria continuidade ao trabalho realizado por Moisés, entrando com o povo judeu definitivamente na terra de Canaã, depois de 40 anos de peregrinação pelo deserto. Os relatos dessa incrível viagem punitiva do Deus IHVH aos homens, e todas as suas vicissitudes, terminariam nos livros de Moisés. O Livro de Josué descreveria, principalmente, as dificuldades encontradas em Canaã, o cumprimento das novas ordens de Deus para o povo judeu, as guerras que precisariam empreender para lá definitivamente instalar-se e as manobras de repartições das regiões que as doze tribos iriam ocupar. Portanto, do Pentateuco até Malaquias, se constituiria o antigo formato do Velho Testamento.

      
       Os sete livros adicionais denominados deuterocanônicos são: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque, Macabeus I e Macabeus II e os quatro acréscimos, Ester (Ester), Cântico dos Três Santos Filhos (Daniel), História de Suzana (Daniel) e Bel e o Dragão (Daniel), aprovados pelo Concílio de Trento, passariam a formar com os trinta e nove livros anteriores a nova Bíblia. Esse ato oficial eclesiástico da Igreja Católica viria de encontro aos protestos dos reformistas protestantes, ecoando pelo mundo religioso como represália ou autêntica vingança clerical. Os livros do Velho Testamento católico passaram então a somar 46, contra os mesmos 39 do Velho Testamento protestante. Assim, somando-se os 27 livros do Novo Testamento, a Bíblia católica passou a ter 73 livros contra 66 da Bíblia protestante.

       Já o Novo Testamento, constitui-se das narrativas dos quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), dos Atos dos Apóstolos, Epístolas de Paulo, Hebreus, Epístolas de Tiago, de Pedro, de João e de Judas e o Apocalipse de João. Assim, nesta apropriação por nós resumida se estrutura a Bíblia, mas excetuando os sete livros e escritos adicionais, se costuma definir o cânon bíblico somente com os trinta e nove livros originais, ou seja, os formadores da estrutura reta, da régua certa de medir.

     As escriturações, traduções e compilações teriam agregado em épocas diferentes, em torno de quarenta homens. O vocábulo Bíblia, deriva do grego biblos que significa pequenos livros, que uma vez organizados compactaram-se num único e quase definitivo tomo. Os manuscritos bíblicos foram inicialmente escritos em grego, aramaico e hebraico.

         A cronologia religiosa levanta sempre dúvidas que conduzem a discussões com os historiadores no que tange às datas dos manuscritos mais antigos. Na realidade, a criação e organização da Bíblia, além de comportar um período bastante longo, possuem episódios esparsos. O Pentateuco, segundo a tradição, ou um segmento dela, começaria a ser escrito pelo libertador hebreu cerca de 1490 a.C., data essa em absoluto consensual, pois existe quase uma dezena de datas acerca da saída de Moisés do Egito. Não se sabe ao certo qual idioma Moisés teria adotado originalmente. O Egito, na época em que supostamente Moisés lá teria vivido, absorvia grande influência cultural grega. Supõe-se que os gregos já existiam no século XV a.C. como grande nação, embora o período histórico de seu florescimento cultural e expansão de suas conquistas militares se registrasse entre 1000 a.C. e 30 a.C.

       Muitas palavras da linguagem egípcia à época provinham de etimologia grega. Faraó, designação do rei egípcio; a cidade de Heracleópolis; Philae ou File uma ilha do Alto Nilo; o próprio nome Moisés, originado de Mosh ou Mês (para uns derivado de Tutmoses) são algumas dessas reminiscências, dentre tantas outras, que influenciariam à semântica egípcia. Diz-se que Moisés falava Ático, idioma ou dialeto literário da antiga Grécia.

       Sob este prisma, podemos admitir que a influência hebraica possa também ter chegado a Moisés no Egito nessa mesma época, por força da presença nômade cananéia e de outros povos semitas ou dos africanos, visto o hebreu ser idioma antiqüíssimo originário da África. Além do mais, a tradução do vocábulo hebreu significa “aquele que vem de fora,” formando assim prova aparente de uma assimilação externa. O hebraico de Moisés, se nesse idioma ele se expressava, difereria provavelmente do atual em relação à formação vocálica escrita, pois as vogais só foram introduzidas de forma massorética há mais ou menos 1000 anos. É também provável Moisés ter falado e escrito em aramaico devido à grande semelhança existente entre esses dois idiomas praticados contemporaneamente.

       A formação da Bíblia, sem dúvida, incorporaria um tempo bastante longo para vir representar uma entidade histórico-religiosa. O termo Testamento provém do hebraico Barith, significando aliança, pacto ou contrato e se vincula às origens dos manuscritos revelados. O Velho Testamento, organizado num certo espaço-tempo sob os eventos principais dos semitas judeus, com narrativas especialmente direcionadas e exemplos propositalmente conduzidos, traduziria a vontade superior do Deus IHVH para uma linguagem artificialmente humana. Através da presença moral e devotada fé dos patriarcas Noé, Abraão, Jacob e Moisés, anexadas à obediência do continuador Josué, a aliança do divino com o humano aconteceria entre relativos limites geográficos do mundo afro-asiático - testemunha de tantas revelações e intermediações cíclicas de deuses e mensageiros celestiais - e outras latitudes mundiais. A aliança, não obstante, tantas vezes evocada para as tribos israelitas, não seguiria simplesmente o seu caminho em tempo integral, mas tomaria diversas e tumultuadas direções ou novas e inesperadas vertentes, segundo as necessidades dos momentos e os elementos físicos habilmente engendrados.

       Os eventos maiores, quase sempre físicos, representativos das diferentes etapas da aliança de Deus com os patriarcas semitas, ressaltariam em Noé com a construção da arca do dilúvio e o subseqüente repovoamento da espécie humana sobre a Terra. Em Abraão, com a promessa de uma descendência tão ampla que se rivalizaria em número com as estrelas no céu, suplementada pela instituição da circuncisão nos fiéis. Em Jacob, com a reunião de seus doze filhos formadores das cabeças das doze grandes tribos de Israel, consumando-se neles a promessa a Abraão, iniciada em Isaque, e respeitante à expansão do povo de Deus em Canaã. Finalmente em Moisés, com a consolidação das doze tribos durante o êxodo do Egito, o estabelecimento dos Dez Mandamentos, a construção da Arca da Aliança anelada às imolações e preceitos ritualísticos, e a conquista de Canaã. O Pentateuco, elemento memorizador dos quatro maiores eventos formulados por Deus para as tribos de Israel, com suas importantes e posteriores decorrências, se constituiria, com o passar dos séculos, no sagrado e fundamental cânon substanciador do credo religioso judaico rabínico.

       As importantes decorrências que seguiriam justapostas aos eventos maiores instituídos pela vontade de Deus sedimentariam ao longo dos 40 anos de peregrinação pelo deserto, novos e destacados elementos na estrutura emocional-mental dos israelitas, ou viriam se amalgamar a algumas de suas anteriores tradições. Os decretos divinos regulamentariam também, de várias maneiras, o monoteísmo judeu, modelando a alma de IHVH à alma israelita.

       A Bíblia, em constante elaboração desde o êxodo em1300 a.C, seria ainda por cerca de 2754 anos para o mundo ocidental, o último tradicional e sobrevivente elo material a testemunhar a aliança espiritual de Deus com um povo. Pelo menos assim pensariam por todo esse tempo os eruditos operários judeus, tradutores e recopiadores dos textos bíblicos, até 1000 d.C., responsáveis através daquelas escriturações pela conservação de suas longuíssimas tradições histórico-religiosas com as fontes originais. Isso estaria considerado pelo fato de a Arca da Aliança, as Tábuas dos Dez Mandamentos e os pergaminhos escritos por Moisés nunca terem sido encontrados. E foi somente em 1454 d.C. que Gutenberg imprimiu a Bíblia pela primeira vez dando fim ao percurso dos manuscritos e iniciando a era da tipografia.

Rayom Ra

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A Montagem da Bíblia (B)


       Mesmo o Novo Testamento, pelas palavras de Jesus Cristo, viria confirmar o Velho. Mas as palavras não convenceriam os rabinos seguidores da Torah e nem os convenceriam a presença física do próprio Cristo ou os milagres por ele concebidos. Eles aguardavam por outro libertador, que chegaria com glória e esplendor para reunificar as tribos de Israel e recolocar a nação judaica à sua antiga condição de povo eleito. E nesse ponto residiria o problema até hoje não resolvido, responsável pela ruptura do processo histórico-religioso judeu.

       A conciliação entre os dois períodos históricos jamais ocorreria, muito menos a conciliação religiosa. A tradição mosaica reafirmaria seu ortodoxismo, enquanto Cristo espalharia a nova mensagem. A Bíblia, em breve futuro, estaria montada de duas histórias: a do Velho Testamento, cujos escritos representariam os pilares fundamentais instituídos por IHVH e construídos pelo esforço humano, e a do Novo Testamento, que assentaria o arcabouço da fé judaica em Cristo, após o palco das lutas em Canaã, a desobediência a IHVH e os posteriores flagelos suportados.

       Porém, os judeus não se afastariam de suas milenares tradições religiosas. Tanto os sacerdotes propagadores da Torah quanto aqueles do povo a quem a mensagem crística se destinaria, não a acolheriam da maneira desejada. Tendo contribuído para a condenação de Jesus e vociferado por sua crucificação, inúmeros, a despeito da infâmia, teriam obtido curas milagrosas e extraordinários benefícios pela fé dos apóstolos. Mas em seguida à destruição de Jerusalém e à segunda diáspora israelita, milhares esqueceriam Cristo, voltando aos antigos hábitos sócio-religiosos mantidos pela tradição oral patriarcal. E nisso, uma vez mais, se consumariam as palavras do nazareno ao predizer que nenhum profeta é reconhecido em sua própria terra. Os verdadeiros cristãos seguidores de Jesus, pregadores na Palestina e nas cidades longínquas, partiriam mais tarde para terras estrangeiras onde, por eles, a universalidadeel de Cristo conheceria outra acolhida, mas onde palmilhariam também um calvário sob constantes sombras, sacrifícios e mortes.

       Apesar de todas as dificuldades os missionários ensinariam que o enviado de Deus era Cristo e quem com ele vivesse, viveria em Deus. Esse elo, uma vez formado, seria inquebrantável, uma novíssima e mais perfeita aliança, por que dispensaria sacrifícios de animais, altares de holocaustos, templos suntuosos erigidos por mãos humanas, ou heróicas conquistas terrenas, pois o seu reino não seria deste mundo.

       Voltando à organização da Bíblia, os manuscritos originais do Pentateuco de Moisés, os de Josué, os demais pertencentes ao sagrado cânon religioso hebreu e mesmo os apócrifos - esses últimos selecionados entre quase cem relativos aos dois Testamentos - teriam a linha existencial plena de situações atípicas. Os manuscritos do Pentateuco, e provavelmente também os de Josué, estariam inicialmente guardados e condicionados à Arca da Aliança, juntamente com as Tábuas (Pedras) dos Dez Mandamentos. Todos os demais manuscritos em pergaminhos, após certo tempo, necessitariam ser recopiados a fim de que seus conteúdos não se perdessem com a degradação dos materiais utilizados. Mas após o desaparecimento da Arca da Aliança e durante os tumultuosos séculos de guerras, destruições de cidades e escravidões, aqueles documentos e outras provas materiais sob cuidados sacerdotais, seriam transferidos a lugares seguros e ocultados. As ocultações poderiam ocorrer em túneis, grutas, cavernas e poços abandonados, em subsolos de edifícios, ou no interior de tumbas e mausoléus. Alguns documentos teriam viajado emergencialmente às cidades vizinhas ou a países distantes.

       Mesmo guardando a tradição desde o aparecimento dos patriarcas, por cujos milênios passados se confundiriam mentes e anotações escribas, os mais antigos manuscritos cuidadosamente recopiados, apócrifos ou não, ou compondo o sagrado cânon bíblico, remontam tão somente aos séculos III ou IV a.C. O tempo muitas vezes aliado das lendas e epopéias de heróis semitas, se tornaria, por um lado, a contramão de sua verdadeira história. Sendo a Bíblia testemunha de duas versões tradicionais, a religiosa e a histórica, não haveria mesmo como conservar tangível a originalidade manuscrita que pudesse fazer os céticos hodiernos dobrar-se ante o sacramentado e o indiscutível. Por outro lado, essa possível originalidade se dissolvida e devorada pelas longínquas e nebulosas cortinas das intempéries humanas, vem não obstante servir de pano de fundo para a reafirmação de uma viva e inquestionável tradição, que sendo forte e desafiadora sobreviveu aos laços sufocadores do tempo e se provou por si própria de uma extraordinária e perene longa vida na alma hebraica, independentemente de qualquer outro elemento concreto de discussão.

       Contam os historiadores que em 622 a.C., durante o reinado de Josias e na ocasião da reforma do Templo de Jerusalém, os operários encontraram um livro antigo. Esse livro corresponderia ao Deuteronômio que faz parte do atual cânon bíblico. O interessante nessa história é a profecia constante no livro sobre um rei escolhido por Deus que seria o ungido para realizar reformas na sociedade e salvar o povo hebreu. Desnecessário dizer-se que esse rei seria o próprio Josias, cujo nome estava ali consignado. A profecia acabaria por realizar-se e Josias reunificaria temporariamente os reinos de Judá e Israel, mas não viveria para essa glória, pois morreria em campo de guerra.

       Muitos acontecimentos levantariam discussões quanto ao valor dos manuscritos formadores da Bíblia. Ao decorrer de séculos e milênios, como dissemos, os escribas teriam realizado o minucioso trabalho de recopiar os manuscritos e os eruditos de proceder às traduções. Neste longo processo intelectual, não se sabe quantas interferências acidentais ou propositais teriam acontecido modificando a pureza original dos textos. Mas se por um lado existissem possibilidades de erros dos copistas ou de conscientes inferências, por outro lado existiam os especialistas que examinavam e comparavam os documentos. O trabalho era conhecido como Crítica Textual. Ao término, chegavam aos Textos-Padrão.

       Havia uma importante categoria escriba de origem judaica. Era a família Massoreta, de membros profundamente conhecedores do hebraico, grego, aramaico e de outros idiomas, que faziam correções ortográficas e gramaticais entre os anos 500 d.C. e 1000 d.C. Foi deles o trabalho de introduzir os sinais “massoréticos” no idioma escrito hebraico. Os sinais introduzidos foram as vogais não existentes até então nos textos.

       Judá e Israel, por oportuno, formariam os dois reinos. A origem desses dois reinos aconteceria, principalmente, por disputas da hegemonia sobre todo o Israel. Judá representaria a mais numerosa das tribos que havia partido do Egito. Segundo o censo, reuniria 74600 pessoas entre descendentes diretos de Jacob e agregados. Caberia a Judá a região sul de Canaã, compreendida desde o deserto de Negueve ao Sefelá, e cujas cidades como Hebrom, Arade, Belém, Berseba, Bete-Somes e Laquim, fariam parte de seus domínios.
Querubins guardiões da Arca no Templo de Salomão (Don Punchatz)



       A separação de Judá e Israel se daria após a morte do rei Salomão em 931 a.C. e por ocasião da disputa do trono. Judá e Benjamim permaneceriam aliados tendo como capital Jerusalém sob o reinado de Roboão, filho de Salomão. Israel se constituiria ao norte com as dez outras tribos, tendo como capital Samaria. 

       Da divisão das tribos judaicas surgiriam as quatro principais tradições fundamentadas na interpretação do Pentateuco: a javista, do sul, adotando as tradições do Deus Javé (IEVE ou IHVH); a eloista, do norte, seguindo as tradições do Deus Eloi (Elohim ou Elhim); a deuteronomista, permanecendo obediente ao livro do Deuteronômio, que como antes dissemos teria sido encontrado nas revirações das obras que operários realizavam no Templo de Jerusalém, em 622 a.C., e a quarta tradição, associada ainda ao Pentateuco, que se consolidaria por volta de 587 a.C.,fora dos reinos de Judá e Israel, no exílio dos judeus na Babilônia, que se chamaria sacerdotal.
      
       Esta última tradição emergiria espontaneamente do seio do povo de Judá, por ele ter sido despojado de muitos dos elementos materiais que davam base espiritual ao seu credo monoteísta, reiniciando a transmissão oral. Dessa maneira, os prisioneiros judeus garantiriam a memória de suas principais e importantes tradições sócio-religiosas.

       De acordo com relatos históricos, Nabucodonosor II teria sitiado Jerusalém em 598 a.C. e o jovem rei Joaquim se renderia sem resistência. O próprio rei, o aparato da nobreza hebraica, oficiais militares e artesãos seriam levados prisioneiros para a Babilônia, num total de mais ou menos dez mil pessoas. O Templo de Jerusalém seria saqueado e todos os objetos sagrados de ouro, prata, adornos e pedras preciosas tomariam o destino da Mesopotâmia. Em lugar do rei Joaquim permaneceria Zedequias, nomeado por Nabucodonosor II. Mas em 587 a.C. uma nova onda de prisioneiros judeus sofreria o exílio para a mesma Babilônia, em decorrência de uma segunda revolta contra seus dominadores, e o Templo de Jerusalém seria destruído.

       Gedalias, o novo rei nomeado por Nabucodonosor II, governando um número pequeno de judeus pobres, seria assassinado dois meses depois, e o fato acarretaria a fuga da população para o Egito pelo temor da vingança babilônica, ficando Jerusalém abandonada.

       O período do cativeiro da Babilônia abrange e coincide com o surgimento de três dos principais profetas citados no Velho Testamento, cujos respectivos livros lhes atribuem à autoria. São eles Jeremias, Ezequiel e Daniel.

       A cidade da Babilônia cairia em mãos do persa Ciro em 539 a.C., e durante seu primeiro ano de mandato, entre 538-537 a.C., ele libertaria os judeus para retornar a Judá a fim de reconstruir a cidade de Jerusalém e o Templo de Salomão. Jerusalém, entretanto, abandonada por cinqüenta anos, fora tomada de samaritanos, praticantes de uma tradição religiosa que diferia em alguns princípios da praticada pelos judeus de Judá. Houve conflitos e divisões que ainda hoje permanecem.


       Da maior importância para a confecção e montagem da Bíblia seriam as ações de Esdras, descendente de Aarão que nos tempos de Moisés teria sido designado por Deus a ser o sumo sacerdote de Israel. Esdras, em hebraico, Ezra, significando “aquele que ajuda,” lideraria em 457 a.C., o segundo êxodo judeu dos cativos da Babilônia. Esdras seria mandado pelo rei Artaxerxes a seguir para Jerusalém devido à dissolução dos hábitos religiosos monoteístas judeus, pela adesão ao politeísmo pagão de outros povos. Faria pregações diárias sobre os princípios sociais, religiosos e morais estabelecidos pelas leis mosaicas.

       O Livro de Esdras trata, principalmente, do retorno dos judeus da Babilônia, do recambiamento dos objetos levados do Templo de Salomão por Nabucodonosor II, da reconstrução do Templo em Jerusalém e da reimplantação dos hábitos mosaicos. Nessa época, registra-se a primeira diáspora de judeus pelo mundo, daqueles que saindo da Babilônia não desejaram retornar para Jerusalém.

       Neste ponto a crítica dos historiadores dissidentes é incisivamente enfática ao não concordar com a biografia religiosa de Esdras. Além do fato, argumentam que o Livro de Josué teria sido escrito durante o exílio na Babilônia, em 566 a.C., e o Pentateuco de Moisés, em Judá, em mais ou menos 600 a.C. Baseiam essas asserções nos alinhamentos dos achados arqueológicos.

       A Bíblia em si mesma foi transplantada de uma tradução da Torah hebraica. A Torah constitui-se dos cinco livros chamados Tanakh. De acordo com a tradição judaica a Torah escrita e a Torah oral foram reveladas simultaneamente por Deus a Moisés no Monte Sinai. A Torah oral seria propriamente a maneira de ensinar o cumprimento dos mandamentos da Torah escrita. Algumas revelações sobre as tradições da Torah não coincidem. Há uma versão de que Moisés seria o seu autor mesmo antes do êxodo, portanto ainda em solo egípcio. Moisés teria tido a visão futura dos acontecimentos e da sua própria morte, transferindo todos os fatos dessa vidência para a Torah. Uma terceira versão confirma a existência da Torah antes mesmo da criação do mundo, formulada pelo Criador para a evolução humana. E ainda, a tradição judaica afirma ter Moisés revelado os fatos na sua essência, mas a compilação final da Torah se desenvolveria e tomaria forma posteriormente, através de outras pessoas.

       Por outro lado, a tradição também dá conta de que a Torah viria somente ser revelada e difundida a partir de Esdras, portanto após o cativeiro da Babilônia, e por essa afirmativa histórico-religiosa não teria existido antes de Josias. Tanakh ou Tanach, do hebraico, é uma sigla chamada acrônimo, construída a partir de outras palavras, designando um conjunto de livros sagrados reconhecidos como a Bíblia judaica. A sigla veio a ser formada das palavras: Torah ou Pentateuco, Nevim ou Livro dos Profetas e Kethuuim ou escritos. O Tanakh é também conhecido como Medra. Já o Mishná trata da compilação da Torah oral, redigida detalhadamente por volta de 200 d.C., orientada por Judá Hanasi.

      O Talmude é uma coleção de leis e tradições judaicas, datado de 499 d.C., que agrega a Torah oral em sessenta e três capítulos, onde estão transcritos valores religiosos, morais e éticos dos costumes hebraicos. O Talmude é a base ou referência material da ortodoxia judaica, pois estabelece comentários detalhados da Torah de Moisés incluída na Mishná.

       Outra forma de transmissão se chamaria Midrash ou Midraxe hebraica, surgida na Palestina no século I a.C. criada especialmente pelos judeus com estilo próprio, abrangendo antiga tradição oral judaica da Torah de Moisés, passada de pai para filho. Segundo a tradição, IHVH teria escrito a Torah em fogo negro sobreposto ao fogo branco, revelando com isto que o fogo negro seria a Torah escrita ao passo que o fogo branco a Torah oral.

       Vemos, assim, que a escrituração do Velho Testamento foi sempre a constante preocupação dos rabinos judeus das três grandes correntes do judaísmo, a saber: a reformista, a conservadora e a ortodoxa.
           No século III a.C., entre os anos 287 e 247, surgiria a Septuaginta que foi a tradução da Torah do hebraico para o grego, encomendada por Ptolomeu II, rei do Egito.Desejava o monarca descendente do general Ptolomeu, de Alexandre Magno, enriquecer a biblioteca de Alexandria recém-inaugurada, com o Velho Testamento hebreu. O trabalho de tradução da Torah seria realizado em setenta e dois dias, por setenta e dois rabinos. A Septuaginta estabeleceria um marco na história judaica, tornando-se a base ou referência de futuras traduções do Velho Testamento.

       Mais tarde, no século IV d.C., seria a vez da Vulgata, que foi a tradução da Bíblia do hebreu para o latim, feita por São Jerônimo, atendendo solicitação do papa Dâmaso I. A Vulgata se transformaria num exemplar mais fácil para a compreensão dos textos, em comparação com todas as traduções anteriores. A Vulgata seria somente revista por ordem do Concílio Vaticano II no tempo de Paulo VI, terminando sua revisão em 1995 com o nome de Nova Vulgata.

De tudo o que se diga ou possa ainda dizer-se da Bíblia, é inegável reconhecê-la como o livro portador das mais polêmicas páginas que o mundo ocidental jamais viu. Entre verdades históricas, simbolismos, mitos e tradições a Bíblia reúne material que obriga pesquisadores, religiosos, e até mesmo ateus, a insistentemente mantê-la guardada na memória e objeto freqüente de conversas. 
        
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