Mesmo o Novo Testamento, pelas palavras de Jesus Cristo, viria confirmar o Velho. Mas as palavras não convenceriam os rabinos seguidores da Torah e nem os convenceriam a presença física do próprio Cristo ou os milagres por ele concebidos. Eles aguardavam por outro libertador, que chegaria com glória e esplendor para reunificar as tribos de Israel e recolocar a nação judaica à sua antiga condição de povo eleito. E nesse ponto residiria o problema até hoje não resolvido, responsável pela ruptura do processo histórico-religioso judeu.
A conciliação entre os dois períodos históricos jamais ocorreria, muito menos a conciliação religiosa. A tradição mosaica reafirmaria seu ortodoxismo, enquanto Cristo espalharia a nova mensagem. A Bíblia, em breve futuro, estaria montada de duas histórias: a do Velho Testamento, cujos escritos representariam os pilares fundamentais instituídos por IHVH e construídos pelo esforço humano, e a do Novo Testamento, que assentaria o arcabouço da fé judaica em Cristo, após o palco das lutas em Canaã, a desobediência a IHVH e os posteriores flagelos suportados.
Porém, os judeus não se afastariam de suas milenares tradições religiosas. Tanto os sacerdotes propagadores da Torah quanto aqueles do povo a quem a mensagem crística se destinaria, não a acolheriam da maneira desejada. Tendo contribuído para a condenação de Jesus e vociferado por sua crucificação, inúmeros, a despeito da infâmia, teriam obtido curas milagrosas e extraordinários benefícios pela fé dos apóstolos. Mas em seguida à destruição de Jerusalém e à segunda diáspora israelita, milhares esqueceriam Cristo, voltando aos antigos hábitos sócio-religiosos mantidos pela tradição oral patriarcal. E nisso, uma vez mais, se consumariam as palavras do nazareno ao predizer que nenhum profeta é reconhecido em sua própria terra. Os verdadeiros cristãos seguidores de Jesus, pregadores na Palestina e nas cidades longínquas, partiriam mais tarde para terras estrangeiras onde, por eles, a universalidade de Cristo conheceria outra acolhida, mas onde palmilhariam também um calvário sob constantes sombras, sacrifícios e mortes.
Apesar de todas as dificuldades os missionários ensinariam que o enviado de Deus era Cristo e quem com ele vivesse, viveria em Deus. Esse elo, uma vez formado, seria inquebrantável, uma novíssima e mais perfeita aliança, por que dispensaria sacrifícios de animais, altares de holocaustos, templos suntuosos erigidos por mãos humanas, ou heróicas conquistas terrenas, pois o seu reino não seria deste mundo.
Voltando à organização da Bíblia, os manuscritos originais do Pentateuco de Moisés, os de Josué, os demais pertencentes ao sagrado cânon religioso hebreu e mesmo os apócrifos - esses últimos selecionados entre quase cem relativos aos dois Testamentos - teriam a linha existencial plena de situações atípicas. Os manuscritos do Pentateuco, e provavelmente também os de Josué, estariam inicialmente guardados e condicionados à Arca da Aliança, juntamente com as Tábuas (Pedras) dos Dez Mandamentos. Todos os demais manuscritos em pergaminhos, após certo tempo, necessitariam ser recopiados a fim de que seus conteúdos não se perdessem com a degradação dos materiais utilizados. Mas após o desaparecimento da Arca da Aliança e durante os tumultuosos séculos de guerras, destruições de cidades e escravidões, aqueles documentos e outras provas materiais sob cuidados sacerdotais, seriam transferidos a lugares seguros e ocultados. As ocultações poderiam ocorrer em túneis, grutas, cavernas e poços abandonados, em subsolos de edifícios, ou no interior de tumbas e mausoléus. Alguns documentos teriam viajado emergencialmente às cidades vizinhas ou a países distantes.
Mesmo guardando a tradição desde o aparecimento dos patriarcas, por cujos milênios passados se confundiriam mentes e anotações escribas, os mais antigos manuscritos cuidadosamente recopiados, apócrifos ou não, ou compondo o sagrado cânon bíblico, remontam tão somente aos séculos III ou IV a.C. O tempo muitas vezes aliado das lendas e epopéias de heróis semitas, se tornaria, por um lado, a contramão de sua verdadeira história. Sendo a Bíblia testemunha de duas versões tradicionais, a religiosa e a histórica, não haveria mesmo como conservar tangível a originalidade manuscrita que pudesse fazer os céticos hodiernos dobrar-se ante o sacramentado e o indiscutível. Por outro lado, essa possível originalidade se dissolvida e devorada pelas longínquas e nebulosas cortinas das intempéries humanas, vem não obstante servir de pano de fundo para a reafirmação de uma viva e inquestionável tradição, que sendo forte e desafiadora sobreviveu aos laços sufocadores do tempo e se provou por si própria de uma extraordinária e perene longa vida na alma hebraica, independentemente de qualquer outro elemento concreto de discussão.
Contam os historiadores que em 622 a.C., durante o reinado de Josias e na ocasião da reforma do Templo de Jerusalém, os operários encontraram um livro antigo. Esse livro corresponderia ao Deuteronômio que faz parte do atual cânon bíblico. O interessante nessa história é a profecia constante no livro sobre um rei escolhido por Deus que seria o ungido para realizar reformas na sociedade e salvar o povo hebreu. Desnecessário dizer-se que esse rei seria o próprio Josias, cujo nome estava ali consignado. A profecia acabaria por realizar-se e Josias reunificaria temporariamente os reinos de Judá e Israel, mas não viveria para essa glória, pois morreria em campo de guerra.
Muitos acontecimentos levantariam discussões quanto ao valor dos manuscritos formadores da Bíblia. Ao decorrer de séculos e milênios, como dissemos, os escribas teriam realizado o minucioso trabalho de recopiar os manuscritos e os eruditos de proceder às traduções. Neste longo processo intelectual, não se sabe quantas interferências acidentais ou propositais teriam acontecido modificando a pureza original dos textos. Mas se por um lado existissem possibilidades de erros dos copistas ou de conscientes inferências, por outro lado existiam os especialistas que examinavam e comparavam os documentos. O trabalho era conhecido como Crítica Textual. Ao término, chegavam aos Textos-Padrão.
Havia uma importante categoria escriba de origem judaica. Era a família Massoreta, de membros profundamente conhecedores do hebraico, grego, aramaico e de outros idiomas, que faziam correções ortográficas e gramaticais entre os anos 500 d.C. e 1000 d.C. Foi deles o trabalho de introduzir os sinais “massoréticos” no idioma escrito hebraico. Os sinais introduzidos foram as vogais não existentes até então nos textos.
Judá e Israel, por oportuno, formariam os dois reinos. A origem desses dois reinos aconteceria, principalmente, por disputas da hegemonia sobre todo o Israel. Judá representaria a mais numerosa das tribos que havia partido do Egito. Segundo o censo, reuniria 74600 pessoas entre descendentes diretos de Jacob e agregados. Caberia a Judá a região sul de Canaã, compreendida desde o deserto de Negueve ao Sefelá, e cujas cidades como Hebrom, Arade, Belém, Berseba, Bete-Somes e Laquim, fariam parte de seus domínios.
Querubins guardiões da Arca no Templo de Salomão (Don Punchatz)
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A separação de Judá e Israel se daria após a morte do rei Salomão em 931 a.C. e por ocasião da disputa do trono. Judá e Benjamim permaneceriam aliados tendo como capital Jerusalém sob o reinado de Roboão, filho de Salomão. Israel se constituiria ao norte com as dez outras tribos, tendo como capital Samaria.
Da divisão das tribos judaicas surgiriam as quatro principais tradições fundamentadas na interpretação do Pentateuco: a javista, do sul, adotando as tradições do Deus Javé (IEVE ou IHVH); a eloista, do norte, seguindo as tradições do Deus Eloi (Elohim ou Elhim); a deuteronomista, permanecendo obediente ao livro do Deuteronômio, que como antes dissemos teria sido encontrado nas revirações das obras que operários realizavam no Templo de Jerusalém, em 622 a.C., e a quarta tradição, associada ainda ao Pentateuco, que se consolidaria por volta de 587 a.C.,fora dos reinos de Judá e Israel, no exílio dos judeus na Babilônia, que se chamaria sacerdotal.
Esta última tradição emergiria espontaneamente do seio do povo de Judá, por ele ter sido despojado de muitos dos elementos materiais que davam base espiritual ao seu credo monoteísta, reiniciando a transmissão oral. Dessa maneira, os prisioneiros judeus garantiriam a memória de suas principais e importantes tradições sócio-religiosas.
De acordo com relatos históricos, Nabucodonosor II teria sitiado Jerusalém em 598 a .C. e o jovem rei Joaquim se renderia sem resistência. O próprio rei, o aparato da nobreza hebraica, oficiais militares e artesãos seriam levados prisioneiros para a Babilônia, num total de mais ou menos dez mil pessoas. O Templo de Jerusalém seria saqueado e todos os objetos sagrados de ouro, prata, adornos e pedras preciosas tomariam o destino da Mesopotâmia. Em lugar do rei Joaquim permaneceria Zedequias, nomeado por Nabucodonosor II. Mas em 587 a.C. uma nova onda de prisioneiros judeus sofreria o exílio para a mesma Babilônia, em decorrência de uma segunda revolta contra seus dominadores, e o Templo de Jerusalém seria destruído.
Gedalias, o novo rei nomeado por Nabucodonosor II, governando um número pequeno de judeus pobres, seria assassinado dois meses depois, e o fato acarretaria a fuga da população para o Egito pelo temor da vingança babilônica, ficando Jerusalém abandonada.
O período do cativeiro da Babilônia abrange e coincide com o surgimento de três dos principais profetas citados no Velho Testamento, cujos respectivos livros lhes atribuem à autoria. São eles Jeremias, Ezequiel e Daniel.
A cidade da Babilônia cairia em mãos do persa Ciro em 539 a.C., e durante seu primeiro ano de mandato, entre 538-537 a.C., ele libertaria os judeus para retornar a Judá a fim de reconstruir a cidade de Jerusalém e o Templo de Salomão. Jerusalém, entretanto, abandonada por cinqüenta anos, fora tomada de samaritanos, praticantes de uma tradição religiosa que diferia em alguns princípios da praticada pelos judeus de Judá. Houve conflitos e divisões que ainda hoje permanecem.
Da maior importância para a confecção e montagem da Bíblia seriam as ações de Esdras, descendente de Aarão que nos tempos de Moisés teria sido designado por Deus a ser o sumo sacerdote de Israel. Esdras, em hebraico, Ezra, significando “aquele que ajuda,” lideraria em 457 a.C., o segundo êxodo judeu dos cativos da Babilônia. Esdras seria mandado pelo rei Artaxerxes a seguir para Jerusalém devido à dissolução dos hábitos religiosos monoteístas judeus, pela adesão ao politeísmo pagão de outros povos. Faria pregações diárias sobre os princípios sociais, religiosos e morais estabelecidos pelas leis mosaicas.
O Livro de Esdras trata, principalmente, do retorno dos judeus da Babilônia, do recambiamento dos objetos levados do Templo de Salomão por Nabucodonosor II, da reconstrução do Templo em Jerusalém e da reimplantação dos hábitos mosaicos. Nessa época, registra-se a primeira diáspora de judeus pelo mundo, daqueles que saindo da Babilônia não desejaram retornar para Jerusalém.
Neste ponto a crítica dos historiadores dissidentes é incisivamente enfática ao não concordar com a biografia religiosa de Esdras. Além do fato, argumentam que o Livro de Josué teria sido escrito durante o exílio na Babilônia, em 566 a.C., e o Pentateuco de Moisés, em Judá, em mais ou menos 600 a.C. Baseiam essas asserções nos alinhamentos dos achados arqueológicos.
A Bíblia em si mesma foi transplantada de uma tradução da Torah hebraica. A Torah constitui-se dos cinco livros chamados Tanakh. De acordo com a tradição judaica a Torah escrita e a Torah oral foram reveladas simultaneamente por Deus a Moisés no Monte Sinai. A Torah oral seria propriamente a maneira de ensinar o cumprimento dos mandamentos da Torah escrita. Algumas revelações sobre as tradições da Torah não coincidem. Há uma versão de que Moisés seria o seu autor mesmo antes do êxodo, portanto ainda em solo egípcio. Moisés teria tido a visão futura dos acontecimentos e da sua própria morte, transferindo todos os fatos dessa vidência para a Torah. Uma terceira versão confirma a existência da Torah antes mesmo da criação do mundo, formulada pelo Criador para a evolução humana. E ainda, a tradição judaica afirma ter Moisés revelado os fatos na sua essência, mas a compilação final da Torah se desenvolveria e tomaria forma posteriormente, através de outras pessoas.
Por outro lado, a tradição também dá conta de que a Torah viria somente ser revelada e difundida a partir de Esdras, portanto após o cativeiro da Babilônia, e por essa afirmativa histórico-religiosa não teria existido antes de Josias. Tanakh ou Tanach, do hebraico, é uma sigla chamada acrônimo, construída a partir de outras palavras, designando um conjunto de livros sagrados reconhecidos como a Bíblia judaica. A sigla veio a ser formada das palavras: Torah ou Pentateuco, Nevim ou Livro dos Profetas e Kethuuim ou escritos. O Tanakh é também conhecido como Medra. Já o Mishná trata da compilação da Torah oral, redigida detalhadamente por volta de 200 d.C., orientada por Judá Hanasi.
O Talmude é uma coleção de leis e tradições judaicas, datado de 499 d.C., que agrega a Torah oral em sessenta e três capítulos, onde estão transcritos valores religiosos, morais e éticos dos costumes hebraicos. O Talmude é a base ou referência material da ortodoxia judaica, pois estabelece comentários detalhados da Torah de Moisés incluída na Mishná.
Outra forma de transmissão se chamaria Midrash ou Midraxe hebraica, surgida na Palestina no século I a.C. criada especialmente pelos judeus com estilo próprio, abrangendo antiga tradição oral judaica da Torah de Moisés, passada de pai para filho. Segundo a tradição, IHVH teria escrito a Torah em fogo negro sobreposto ao fogo branco, revelando com isto que o fogo negro seria a Torah escrita ao passo que o fogo branco a Torah oral.
Vemos, assim, que a escrituração do Velho Testamento foi sempre a constante preocupação dos rabinos judeus das três grandes correntes do judaísmo, a saber: a reformista, a conservadora e a ortodoxa.
No século III a.C., entre os anos 287 e 247, surgiria a Septuaginta que foi a tradução da Torah do hebraico para o grego, encomendada por Ptolomeu II, rei do Egito.Desejava o monarca descendente do general Ptolomeu, de Alexandre Magno, enriquecer a biblioteca de Alexandria recém-inaugurada, com o Velho Testamento hebreu. O trabalho de tradução da Torah seria realizado em setenta e dois dias, por setenta e dois rabinos. A Septuaginta estabeleceria um marco na história judaica, tornando-se a base ou referência de futuras traduções do Velho Testamento.
Mais tarde, no século IV d.C., seria a vez da Vulgata, que foi a tradução da Bíblia do hebreu para o latim, feita por São Jerônimo, atendendo solicitação do papa Dâmaso I. A Vulgata se transformaria num exemplar mais fácil para a compreensão dos textos, em comparação com todas as traduções anteriores. A Vulgata seria somente revista por ordem do Concílio Vaticano II no tempo de Paulo VI, terminando sua revisão em 1995 com o nome de Nova Vulgata.
De tudo o que se diga ou possa ainda dizer-se da Bíblia, é inegável reconhecê-la como o livro portador das mais polêmicas páginas que o mundo ocidental jamais viu. Entre verdades históricas, simbolismos, mitos e tradições a Bíblia reúne material que obriga pesquisadores, religiosos, e até mesmo ateus, a insistentemente mantê-la guardada na memória e objeto freqüente de conversas.
[Os textos do Arca de Ouro, por Rayom Ra, podem ser reproduzidos parcial ou totalmente, desde que citadas as origens ]
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